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Discricionariedade nas contratações diretas

Discricionariedade nas contratações diretas

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O presente artigo busca analisar a amplitude da discricionariedade administrativa no âmbito das contratações diretas, ante os conceitos indeterminados, à luz dos princípios da Administração Pública e do alcance do interesse público.

RESUMO: O presente artigo busca analisar a amplitude da discricionariedade administrativa no âmbito das contratações diretas, ante os conceitos indeterminados, à luz dos princípios da Administração Pública e do alcance do interesse público. Para tanto, é necessário contextualizar o certame licitatório; analisar os princípios constitucionais e infraconstitucionais aplicáveis às licitações e contratos administrativos; identificar as principais distinções entre os institutos da dispensa; dispensabilidade e inexigibilidade de licitação, que autorizam a contratação direta. Ademais, é preciso examinar a finalidade das contratações diretas, bem como os limites da discricionariedade no âmbito de tais ajustes. A definição de discricionariedade administrativa será detalhada, relacionando-se o tema com os conceitos jurídicos indeterminados. Utiliza-se o método indutivo.

Palavras-chave: Licitações, contratações diretas, interesse público, princípios, Administração Pública, discricionariedade, limites.


Introdução

As licitações caracterizam ato administrativo solene, devem ser processadas e avaliadas em conformidade estrita com os ditames básicos da legalidade, impessoalidade, moralidade, igualdade, publicidade, probidade administrativa, vinculação ao instrumento convocatório e objetividade.

A Lei n. 8.666/93 prevê, em seu artigo 22, cinco modalidades distintas de licitação, quais sejam: concorrência; tomada de preços; convite; leilão e concurso. Além destas, com o advento da Lei n. 10.520/2002, passou a existir outra modalidade para aquisição de bens e serviços comuns, o Pregão.

O artigo 45 da Lei n. 8.666/93 dispõe que constituem tipos de licitação, exceto na modalidade concurso, a de menor preço; melhor técnica; a de técnica e preço; e, no caso dos leilões, a de maior lance ou oferta.

Comprar e contratar por meio dos procedimentos legais forceja por empecer conluios entre agentes governamentais e entes privados, defendendo a Administração Pública contra negócios desfavoráveis, obstando favoritismos e perseguições[2].

Há circunstâncias, entretanto, em que a complexidade do procedimento licitatório pode implicar o esvaziamento do interesse público que subjaz ao princípio da obrigatoriedade do certame. Pensando em tais hipóteses, o legislador criou três institutos que permitem a contratação direta de particulares, a saber: dispensa, dispensabilidade e inexigibilidade.

Diante disto, cumpre verificar a incidência de certo grau de discricionariedade no que concerne à efetivação e à legitimidade das contratações diretas, sobretudo, quando os conceitos jurídicos empregados pelos permissivos legais são indeterminados.

O estudo na seara da discricionariedade administrativa não é inédito, havendo vasta bibliografia acerca do tema. Não se tem por objetivo exaurir a matéria, mas cotejá-la com os institutos autorizadores da contratação direta de particulares pelo poder público, justificando-os dentro do Estado Constitucional de Direito, sob a óptica dos princípios constitucionais e infraconstitucionais aplicáveis à Administração Pública. Tampouco se trata de  avaliar a possibilidade de controle judicial da discricionariedade incidente nos atos relativos às contratações diretas, tampouco verificar se o magistrado reveste-se da condição de administrador quando analisa tais questões. Visa-se apenas estudar as hipóteses de contratação direta e examinar se nelas existe discricionariedade e em que medida.

O interesse público está atrelado ao conceito de utilidade pública, que seria o fim característico da administração pública, enquanto provedora da segurança do Estado, da manutenção da ordem pública e contentamento de todas as necessidades da sociedade.

Distingue-se, doutrinariamente, o interesse público do interesse coletivo. O primeiro seria mais abrangente, envolvendo toda a sociedade. Já o último, referir-se-ia a demandas localizadas dentro de determinada estrutura social, de uma região ou um grupo, por exemplo. O interesse coletivo aproximar-se-ia do interesse público, porém referem-se a um conjunto de interesses privados correlatos, irrelevantes, a princípio, para o Estado, de modo geral.

Ainda que se tenha conhecimento desta distinção, a mesma não é valedoura para o presente ensaio, portanto, far-se-á, eventualmente, referência à expressão 'interesse coletivo' como sinônimo de interesse público.


1 Princípios aplicáveis às licitações e contratos administrativos

O Direito Constitucional é responsável pela organização do Estado nos seus elementos essenciais. O Estado está constitucionalmente com propósito de levar a efeito seu fim precípuo, qual seja o bem comum da sociedade.

Os princípios “são as regras éticas que informam o direito positivo com o mínimo de moralidade que circunda o preceito legal, latente na fórmula escrita costumeira. Encerram normas jurídicas universais, expressão do gênero humano na realização do direito”[3].

O Direito Administrativo é dominado pela ideia de princípios. “Há um conjunto de cânones ou proposições, que informam este setor da ciência jurídica, dando-lhe autonomia e impedindo que se confunda com outros setores[4]”.

A obrigatoriedade de instaurar-se o procedimento licitatório é advinda da interpretação dos princípios ínsitos na Constituição de 1988, norteadores do agir administrativo. Não bastasse, o constituinte expressamente consignou, no artigo 37, inciso XXI, que:

ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

Nesse tocante, ressalta-se que:

Enquanto os particulares desfrutam de ampla liberdade na contratação de obras e serviços, a Administração Pública, em todos os seus níveis, para fazê-lo, precisa observar, como regra, um procedimento preliminar determinado e balizado na conformidade da legislação. Em decorrência dos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência e probidade administrativa, os contratos que envolvem responsabilidade do erário público necessitam adotar a licitação, sob pena de invalidade, ou seja, devem obedecê-la com rigorosa formalística como precedente necessário a todos os contratos da administração, visando proporcionar-lhe a proposta mais vantajosa e dar oportunidade a todos de oferecerem seus serviços ou mercadorias aos órgãos estatais, assegurando, assim, sua licitude. A participação da administração pública no pacto contratual compromete a res pública, devendo, portanto, sua conduta pautar-se pelos imperativos constitucionais e legais, bem como pela mais absoluta e cristalina transparência[5].

Afora os princípios expressos na Carta Magna, há também o princípio implícito da supremacia do interesse público sobre o particular, a imbramar conluios entre agentes públicos e terceiros, pois é equivalente, ao “conjunto dos interesses que os indivíduos têm quando considerados em sua qualidade de membros da sociedade e pelo simples fato de o serem”[6].

Intrinsecamente relacionado à supremacia do interesse público, ressalte-se que o princípio da moralidade, previsto no caput do artigo 37 da Constituição Federal de 1988, itera-se, no âmbito infraconstitucional, no princípio da probidade administrativa, expresso no artigo 3º da Lei n. 8.666/93. Isto indica que a boa-fé e a lealdade no trato com as empresas licitantes devem prevalecer acima de qualquer interesse partidário ou governamental. É de utilidade geral que seja oferecida igualdade de tratamento e condições a todos os proponentes.

O princípio da moralidade no âmbito das licitações “significa que o procedimento licitatório terá de se desenrolar na conformidade de padrões éticos prezáveis, o que impõe, para a Administração e licitantes, um comportamento escorreito, liso, honesto, de parte a parte”[7].

Nesse norte:

Tratando-se de atos e procedimentos administrativos, é patente que o princípio é aplicável à matéria das licitações como princípio geral, ordenando à Administração que o interesse público e a busca da proposta que melhor o atenda  seja o objetivo a prevalecer em tal certame, sujeitando os respectivos atos à invalidação, pois a violação dos princípios éticos corresponde à violação do próprio direito[8].

Buscando maior transparência, a Lei Federal de Licitações e Contratos Administrativos admite que qualquer cidadão acompanhe o desenvolvimento dos procedimentos administrativos, desde que não os perturbe. Tal prerrogativa visa assegurar, inclusive, a probidade dos administradores públicos e o atendimento ao interesse coletivo que deve encetar todo ato administrativo.

Probidade Administrativa e Interesse Público

Ainda que não esteja expressamente disposto na Lei de Licitações, o princípio da supremacia do interesse público está implícito nas próprias regras do Direito Administrativo e impõe-se aos administradores de forma coercitiva[9].

A Administração não tutela interesses individuais, mas preocupa-se com o bem-estar da coletividade. “É vedado ao administrador superpor um interesse particular (próprio ou de terceiro) ao interesse coletivo”[10]. Atrelada à supremacia encontra-se a indisponibilidade do interesse público. O administrador deve zelar pelos interesses sociais, de sorte que não os pode preterir a proveito de particulares.

A moralidade e a probidade administrativas procuram obstar a extração de vantagens pessoais em decorrência da gestão pública.  O próprio certame licitatório deflui da preocupação com o balaústre do interesse social:

Essa dupla finalidade – obtenção do contrato mais vantajoso e resguardo dos direitos de possíveis contratados – é preocupação que vem desde a Idade Média e leva os Estados modernos a aprimorarem cada vez mais o procedimento licitatório, hoje sujeito a determinados princípios, cujo descumprimento descaracteriza o instituto e invalida seu resultado seletivo[11].

O legislador incluiu a probidade administrativa dentre os princípios da licitação, naturalmente, como uma admoestação às autoridades que conduzem as contratações públicas. A falta com a probidade pode levar à suspensão dos direitos políticos do administrador, perda da função pública, indisponibilidade de bens e ressarcimento ao erário, nos termos da lei, sem prejuízo das sanções penais cabíveis. A imoralidade administrativa acarreta, inclusive, a invalidação de todo o procedimento.

A imoralidade no âmbito das contratações administrativas acarreta sérias consequências, uma vez que o desvio de valores dos cofres públicos implica, indiretamente, a violação do direito à saúde, educação, segurança pública às camadas mais carentes da sociedade.

A moralidade e a probidade são princípios de conteúdo inespecífico, os quais não podem ser exaustivamente descritos. Entende-se, contudo, que sua interpretação deverá se fundamentar na seriedade e honestidade. O Administrador, acima de tudo, deve ser sempre leal aos interesses da administração, isto é, “exige-se a preservação do interesse coletivo acima do egoístico interesse dos participantes da licitação ou da mera obtenção de vantagens econômicas para a própria Administração”[12].

Ainda que não objetivem benefícios diretos das licitações, são inválidos os atos que  interferem no destino do certame. Nesse sentido:

Segundo os cânones da lealdade e da boa-fé, a Administração haverá de proceder em relação aos administrados com sinceridade e lhaneza, sendo-lhe interdito qualquer comportamento astucioso, eivado de malícia, produzido de maneira a confundir, dificultar ou minimizar o exercício de direitos por parte dos cidadãos. Por força mesmo destes princípios da lealdade e boa-fé, firmou-se o correto entendimento de que orientações firmadas pela Administração em dada matéria não podem, sem prévia e pública notícia, ser modificadas em casos concretos para fins de sancionar, agravar a situação dos administrados ou denegar-lhes pretensões, de tal sorte que só se aplicam aos casos ocorridos depois de tal notícia[13].

É crucial compreender que o interesse público deve conduzir toda a atividade estatal, assim, a probidade administrativa é pressuposto lógico e inerente à condução dos atos administrativos.

No que tange ao direito fundamental à boa administração pública, o fiel cumprimento dos objetivos do Estado “significa uma atitude de compromisso sério e equilibrado com a promoção eminentemente prática do 'bem de todos' (CF, art. 3º)” e “o 'interesse público' ressurge por essa via, sem falsa contraposição com os legítimos interesses particulares ou individuais”[14].

A probidade administrativa impõe o respeito a todos os demais princípios do ordenamento. Logo, tendo o administrador o dever de fidelidade para com a gestão pública, não é exorbitância considerar ímprobo o gestor que, ante a possibilidade de tomar uma decisão mais benéfica ao interesse público, adota outra posição sem justo motivo, ainda que a lei tenha dado margem à discricionariedade.

A probidade administrativa, do ponto de vista do interesse público, transcende a legalidade propriamente dita, isto porque a lei muitas vezes franqueia condutas distintas, todavia, no caso concreto a norma positivada pode revelar-se, ainda que pontualmente, imprestável.

Nesse sentido:

A moralidade administrativa, [...], tem pertinência com a moral social, com a ética, com a honestidade e com o respeito e zelo pela coisa pública. Mesmo admitindo que a moral em foco integra o sistema jurídico, é forçoso admitir que nem sempre o que é legal é moral, do ponto de vista do interesse social. A importância do tema levou-o ao abrigo da Constituição da República de 1988, conforme o art. 37. Ainda a mesma Carta ampliou o campo de alcance da ação popular, de modo a instrumentalizar a sociedade para controlar a Administração, contra atos praticados com imoralidade administrativa, contra o patrimônio público, o meio ambiente e o patrimônio cultural (art. 5º, LXXIII). Também o art. 37 do mesmo diploma jurídico, no §4º, prescreve sanções severas aos agentes públicos que agirem em desacordo com a probidade administrativa[15] .

Interessante ressaltar, acerca da conjugação do interesse público com a probidade administrativa, a existência do entendimento de que a boa administração pública é direito fundamental do cidadão. Nesse aspecto:

O direito fundamental à boa administração pública poderia ser visto como um feixe que escorre para dentro da relação jurídico-administrativa as diretrizes axiológicas superiores do ordenamento jurídico, tendo nos princípios acima referidos a composição de seu núcleo normativo mínimo, permitindo que o controlador pondere se o ato administrativo é fruto de uma boa escolha sistemática[16].

A tal direito corresponderia, destarte, o dever de observar a cogência de todo o arcabouço de normas e princípios constitucionais que regem as relações administrativas.


2 Contratação Direta

Em algumas situações previstas em Lei, a regra geral de licitar, preconizada constitucionalmente, cede espaço ao princípio da economicidade ou outras razões que expressem indiscutível interesse público, hipóteses nas quais a licitação é dispensada ou considerada inexigível.

Isto porque a  aludida regra geral de licitar, estatuída no artigo 37, XXI, da Constituição da República, não é absoluta, comportando certa elasticidade ante o dever de assegurar a satisfação do interesse público:

A Constituição acolheu a presunção de que prévia licitação produz a melhor contratação – entendida como aquela que assegura a maior vantagem possível à Administração Pública, com observância do princípio da isonomia. Mas a própria Constituição se encarregou de limitar tal presunção, facultando contratação direta (sem licitação) nos casos previstos por lei. Tome-se como exemplo a hipótese de contratação diante de uma situação de calamidade, em que haja a necessidade de adquirir suprimentos para os desabrigados. O decurso do tempo necessário ao procedimento licitatório normal pode acarretar danos irreparáveis. Quando fosse concluída a licitação, o dano já estaria concretizado. Para situações como essa, a lei previu a contratação direta, sem prévia licitação[17].

Tanto a dispensa quanto a dispensabilidade e a  inexigibilidade, são casos excludentes de licitação, todavia, não são sinônimos e sua justificação alicerça-se em diferentes pressupostos.

Há situações em que a Administração recebe da lei o comando para a contratação direta; há outras em que a Administração recebe da lei autorização para deixar de licitar, se assim entender conveniente ao interesse do serviço; hipóteses há em que a Administração defronta-se com a inviabilidade fática para licitar, anuindo a lei em que é inexigível fazê-lo; e há um caso em que à Administração é defeso licitar. No primeiro grupo estão as hipóteses do art. 17, incisos I e II; no segundo, as do artigo 24; no terceiro as do art. 25, entre outras que com elas se venham a identificar no dia a dia da Administração; no último, a do art. 7º, § 5º[18].

Com efeito, a dispensa está rigorosamente prevista em lei. Não se vislumbra  hipótese de dispensa prévia além dos limites estabelecidos no artigo 17 do Estatuto Federal de Licitações e Contratos Administrativos, o qual trata de alienações de bens públicos.  Licitação dispensada “é aquela que a própria lei declarou-a como tal”[19].  Nas hipóteses do artigo 17, a licitação foi dispensada pela norma, no artigo 24 é dispensável pelo administrador.

Por outro lado, no tocante aos dois últimos casos – dispensabilidade e inexigibilidade – é incidente maior incerteza quanto à configuração da circunstância que enseja o instituto, dado o grau de subjetividade advindo da interpretação dos dispositivos legais em cada caso concreto.

A dispensabilidade contempla as hipóteses em que a licitação é viável, os objetos podem ser fornecidos ou prestados por mais de uma pessoa, todavia existem razões de tomo que justificam o afastamento do certame licitatório. Em síntese, “é toda aquela que a Administração pode dispensar se assim lhe convier”[20].  As possibilidades de licitação dispensável estão previstas no artigo 24, I a XXX, da Lei de Licitações.

Impende consignar que diversos autores afirmam não existir qualquer distinção pragmática entre os institutos da Licitação dispensada e dispensável. Contudo entende-se que as circunstâncias que ensejam a dispensa preconizada pelo artigo 17 e as que autorizam a dispensabilidade da licitação no artigo 24 se distinguem.

O referido artigo 17 trata de circunstâncias em que a licitação é previamente dispensada, não havendo necessidade de se verificar, no caso concreto, se a contratação direta é ou não a melhor maneira de se atender ao interesse público que a regra geral visa tutelar. A própria lei presume a desnecessidade do certame, e, estabelece a prévia dispensa, não sendo ônus de o gestor verificar se as circunstâncias do caso concreto autorizam ou não a pactuação direta.

Conforme expressa previsão do artigo 26 da Lei n. 8.666/93, as dispensas previstas nos parágrafos segundo e quarto do artigo 17 deverão ser comunicadas, dentro de 3 (três) dias, à autoridade superior, para ratificação e publicação na imprensa oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, como condição para a eficácia dos atos.

O artigo 24 do aludido diploma, por sua vez, cuida de hipóteses diversas e também taxativas, nas quais seja em função de urgência, de maneira geral; seja em função do parco valor – o que injustificaria o dispendioso certame – dos bens e serviços a serem adquiridos de particulares, a lei autoriza que havendo dúvidas, no caso concreto, o administrador decida qual a melhor maneira de se gerir os haveres públicos.

No mesmo sentido, colaciona-se:

A principal distinção entre licitação dispensada, tratada no art. 17, e as diversas hipóteses de dispensa de licitação, disciplinadas no art. 24, repousa no sujeito que figura no polo ativo da transação. No primeiro caso a Administração, no interesse de ceder parte do seu patrimônio, vender bens ou prestar serviços, assume postura ativa. No segundo caso, a situação é oposta, estando a Administração, como regra, na condição de compradora ou tomadora dos serviços[21].

Em se tratando de dispensabilidade “nem sempre quando a norma diz 'poderá' há faculdade, pois, no caso concreto, muita vez, o 'poderá' converter-se-á em 'deverá'. Portanto, não é, por exemplo, o  'poderá' que enseja competência discricionária”[22].

No mesmo sentido, “não há ato inteiramente discricionário, dado que todo ato administrativo está vinculado, amarrado à lei, pelo menos no que respeita ao fim (este sempre há de ser público) e à competência (o sujeito competente para praticá-lo é o indicado em lei)”[23].

A inexigibilidade, ao contrário das hipóteses anteriores, requer a absoluta impossibilidade de competição a ensejar a inviabilização do procedimento. Além disto, já se manifestou o Tribunal de Contas da União – TCU, no sentido de que devem convergir três fatores para que se caracterize uma situação de exclusão da licitação por inexigibilidade: o serviço técnico especializado referido no artigo 13 da Lei n. 8.666/93; a natureza singular do serviço - o que, de per si, não exclui a pluralidade de prestadores; e a notória especialização do contratado.

Faltando pressuposto para concorrência, inócua seria a realização do certame, pois não se pode pretender a melhor proposta quando apenas um dos proponentes seria capaz de fornecer o bem ou serviço de que a Administração necessita. Dessarte, a contratação direta, nestes casos, atende ao interesse público subjacente à norma.

Importante observar, contudo, que é possível destacar três hipóteses principais, das quais decorreriam eventuais casos concretos, são elas: produtor ou vendedor exclusivo – bens singulares; serviços técnicos profissionais especializados; e, contratação de artistas renomados. Logo, a inviabilidade de competição é um gênero, comportando pluralidade de alternativas. É um conceito complexo, pois não corresponde à ideia reducionista da ausência de outros profissionais habilitados.

A inexigibilidade resultaria, porventura, da “falta de pressupostos jurídicos ou fáticos da licitação não tomados em conta no arrolamento dos casos de licitação dispensável[24]”.

Os bens podem ser singulares em sentido absoluto, isto é, se houver uma única unidade; em razão de evento externo, ou seja, quando se agregou significação particular em função, por exemplo, de acontecimento histórico; em razão de sua natureza íntima, o que se diz do bem que se consubstancia realização artística, técnica ou científica marcada pelas peculiaridades de seu autor. Poderíamos citar, como exemplo de bem singular, determinadas vacinas de que a população necessita em determinado período e que são fabricadas por um único laboratório.

Em se tratando de contratação direta, importante consignar a vedação do artigo 7º, §5º, da Lei n. 8.666/93 à realização de licitação cujo objeto inclua bens e serviços sem similaridade ou de marcas, características e especificações exclusivas, salvo nos casos em que for tecnicamente justificável, ou, ainda, quando o fornecimento de tais materiais e serviços for feito sob o regime de administração contratada, previsto e discriminado no ato convocatório.

As contratações diretas são modalidades anômalas de licitação, pois pressupõem um procedimento formal prévio, com vistas a produzir o melhor resultado para o Poder Público, atendendo às necessidades do coletivo[25].

Defensável o posicionamento, uma vez que assim como as empresas realizam pesquisas de mercado para adquirir insumos e contratar profissionais, também a Administração Pública quando contrata diretamente preocupa-se em negociar a preços compatíveis com a média praticada pelo mercado, e, formaliza a o ato por procedimento administrativo.

Um dos principais problemas da contratação direta envolve o princípio da isonomia, contudo, ao contratar diretamente a Administração não está imune à observância deste preceito, vez que suas decisões deverão ser razoáveis e fundar-se em critérios compatíveis com o referido princípio, considerando todos os particulares em plano de igualdade, procurando qualificar objetivamente os candidatos sempre que possível[26].


3   A Discricionariedade

Os atos administrativos discricionários “são aqueles resultantes de alguma escolha efetuada pela autoridade administrativa”[27]. A autora reforça que a margem de escolha não é sinônimo de liberdade absoluta, o próprio conteúdo deve ser condizente com as normas definidas pelo ordenamento vigente, a autoridade precisa ser competente para editar o ato e a finalidade não pode ser outra senão o interesse público. A discricionariedade “é a própria possibilidade de escolha”[28].

A discricionariedade:

 consiste na competência-dever de o administrador, no caso concreto, após a interpretação, valorar dentro de critérios gerais de razoabilidade e proporcionalidade, e afastado de seus próprios 'standards' ou ideologias, dos princípios e valores do ordenamento, qual a melhor maneira de concretizar a utilidade pública postulada pela norma[29].

A respeito desta liberdade administrativa, “não é possível que o direito aprisione em fórmulas apriorísticas tudo o que acontece no mundo, nem possa, de antemão, profetizar a gama infinita e imprevisível da conduta humana”[30].

No que concerne à ideia e o propósito da discricionariedade a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, em acórdão de relatoria do Ministro Humberto Martins, assentou que: “A discricionariedade administrativa é um dever posto ao administrador para que, na multiplicidade das situações fáticas, seja encontrada, dentre as diversas soluções possíveis, a que melhor atenda à finalidade legal”[31].

A discricionariedade não é a ausência de normatização acerca de um determinado tema, tampouco permite que o gestor público adote a providência que lhe for mais conveniente. Ao contrário, a discrição provém da norma, do modo como se objetiva regular certa circunstância. Isto porque o legislador preocupou-se com o caso concreto, ante a impossibilidade de se prever sintaticamente as peculiaridades de cada acontecimento, outorgando à autoridade competente o encargo de perquirir sobre a conduta mais adequada. 

O poder discricionário tem adquirido importância “especialmente em razão do distanciamento, que é bastante nítido, entre as soluções legislativas, ou seja, previstas na própria lei, e a demanda de providências concretas enfrentadas pelo dia-a-dia da Administração Pública”[32].

Tendo a lei que regular a realidade das pessoas, a contextura social, o entrecho da subjetividade humana, é patente a necessidade de dar margem ao tratamento distinto conforme as circunstâncias se apresentam. Exatamente por esta razão não é possível obstar, pragmaticamente, a incidência da discricionariedade no ordenamento jurídico, sobretudo, ante a fluidez da terminologia da lei.

3.1 Discricionariedade e Conceitos Jurídicos Indeterminados

Sustenta-se que os conceitos indeterminados são instrumento de concessão de poder decisório do legislador para o administrador público, o qual está mais próximo da realidade social e, em princípio, por conseguinte, seria mais capaz de discernir acerca  de determinadas questões. Ante conceitos jurídicos indeterminados, é da imprecisão da terminologia utilizada e da plurivocidade de interpretações racionalmente compatíveis, que deflui a possibilidade de escolha. Escolha, esta, não cogitada pelo legislador, mas advinda da amplitude da linguagem.

Considera-se que “as normas são postas para permanecer como estruturas de linguagem, ou estruturas de enunciado, bastantes em si mesmas, mas reingressam nos fatos, de onde provieram, passando do nível conceptual e abstrato para a concrescência das relações sociais, onde as condutas são pontos ou pespontos do tecido social”[33].

Sobre as fontes formais objetivas do direito administrativo e a incidência dos costumes, “há certos institutos que ainda não têm os seus contornos bem gizados na lei, e, então, surge a possibilidade efetiva para a ação esclarecedora do costume. Portanto, embora não seja possível o costume contra a lei, em especial no Direito Administrativo, nada impede o interpretativo e o constitutivo, como se verifica, também, em outros ramos jurídicos”[34].

Logo, com as alterações necessárias, é plausível entender que o conceito jurídico fluido atribui discricionariedade ao administrador, vez que o costume local e a racionalidade substantiva do agente ajudar-lhe-ão a definir e aplicar a norma, não havendo uma única interpretação possível. Tal posicionamento, entretanto, não é pacífico, sendo antiga a discussão acerca do tema.

As principais teorias acerca dos conceitos jurídicos indeterminados. Segundo o autor, Hugo Adolf Bernatzik, no século XIX, sustentava, em suma, que os conceitos indeterminados conferem discricionariedade à autoridade estatal (teoria da multivalência)[35]. Tezner, por sua vez, acreditava que na exegese e aplicação desses conceitos só existe uma única solução correta. A discussão surgiu na Áustria quando se procurou definir se os conceitos com alto grau de indeterminação poderiam  submeter-se ao controle exercido pelos Tribunais.

A  doutrina germânica de Buhler e Von Laun, partindo da doutrina de Tezner, sustenta que todos os conceitos vagos são jurídicos, isto é, pertencem ao âmbito de vinculação legal[36]. Assim, na aplicação de conceitos jurídicos indeterminados, a autoridade administrativa deve considerar apenas o seu sentido legal, entendendo pela verificação ou não, de sorte que não há espaço para livre manifestação da Administração, servindo como critério geral para exegese e aplicação de conceitos jurídicos indeterminados o senso comum. Tezner nega a possibilidade de existência de um sentido absoluto em qualquer conceito jurídico[37], mas isso, a seu ver, não abre espaço à discricionariedade do administrador, pois mesmo nos casos em que uma terminologia legal dependa de interpretação, estará vinculada a um interesse público específico.

Há, ainda, a teoria da margem de livre apreciação, de Otto Bachof, segundo a qual “há certa liberdade na aplicação desses conceitos e, neste ponto, não há controle judicial. Existe um juízo de prognose do administrador”[38].

A Lei de Licitações e Contratos Administrativos traz, em seu bojo, uma série de conceitos indeterminados, sobretudo, no que tange á dispensabilidade e inexigibilidade de licitações. Bons exemplos, extraídos do artigo 24 da Lei, são as noções de “grave perturbação da ordem” (III); “emergência”, “calamidade pública”, “urgência de atendimento de situação que possa causar prejuízo e comprometimento da segurança” (IV); “avaliação prévia” (X); “finalidades precípuas da Administração” (X); “inquestionável reputação ético-profissional” (XIII); “baixa renda” (XXVII); “condições manifestamente vantajosas”(XIV).

Quanto à inexigibilidade, prevista no artigo 25 da Lei n. 8.666/93, destacam-se os conceitos de “natureza singular”; “notória especialização”; e, consagração pela crítica especializada.

A doutrina e os Tribunais procuram conferir inequivocidade às expressões legais, é, porém, a Administração quem primeiro aprecia a norma e aplica. Crê-se, portanto, que, a teor do ensinamento de Kelsen, a exegese possibilita a limitação do âmbito de incidência da norma, contudo a fixação desta moldura não obsta a identificação de hipóteses distintas no âmago do baldrame, de sorte que a discricionariedade se consubstanciaria na própria extração do sentido a juízo de conveniência e oportunidade do Poder Público, à luz do caso em apreço.

3.2 Limitações à discricionariedade na extração de significados

É certo que “o poder discricionário é sempre relativo, e as decisões que envolvem a prática de atos discricionários, como já se sabe, conforme o caso concreto, oferecem um único caminho razoável, até mesmo por razões de igualdade entre os administrados ou por critério de ordem técnica e de adoção obrigatória”[39].

Entende-se que a discricionariedade poderá surgir na limitação, sua dimensão negativa (“não pode”); ou na condição, dimensão positiva (“deverá”, “poderá”).

O juízo discricionário, por sua vez, surge de quatro maneiras para a administração, quais sejam: a) quando a legislação não contempla determinado ato; b) legislação prevê o ato, mas não a forma que irá assumir (ex: exoneração de servidor em cargo comissionado); c) legislação prevê o ato e define as circunstâncias, porém confere alternativa ao administrador (ex.: pena de suspensão ou multa); d) antinomias normativas.

Os atos discricionários não são sinônimos de arbitrariedade. Como toda e qualquer atividade administrativa, a atividade discricionária, ainda que haja certa dose de liberdade, deve ser exercida com sujeição à lei. Assim, em muitas ocasiões coexistirão, concorrentemente, a vinculação e a discricionariedade.

A doutrina, conforme analisado em outros tópicos, é uníssona quanto à inexistência de poder discricionário absoluto; sempre haverá limites. Ainda que a lei permita que o administrador escolha dentre alternativas elencadas no mandamento, deverá fazê-lo tomando em conta as circunstâncias do caso concreto, pautado no interesse público subjacente ao ato.

Assim sendo, tem-se, em primeiro lugar, como perspícua baliza da discricionariedade, o interesse público. Significa dizer, por mais que a lei tenha trazido em seu bojo pretexto para atuação discricionária, a liberdade é relativa podendo revelar-se, no caso posto, inexistente.  Deve-se tomar em conta que a discricionariedade é auferida no momento da prática do ato.

Por dissímis razões algumas alternativas regaçadas na norma podem não socorrer a Administração diante de determinada conjuntura, de sorte que se estreitam suas opções para atender ao escopo legal. Isto porque o legislador franqueia em abstrato certos atos administrativos. A autoridade pública deve tomar em conta as peculiaridades de cada situação, “é certo, pois, que o administrador, ao decidir-se, está inexoravelmente obrigado a eleger o comportamento cabível 'vinculado' à compostura do caso”[40].

Ponto que merece destaque, em se tratando de limitações, é a vedação expressa à contratação de publicitários por inexigibilidade. Outrora se enquadravam, comumente, os serviços de publicidade dentre as atividades artísticas ou de notória especialização, todavia, em razão de renitente improbidade administrativa envolvendo este caso específico, o legislador optou por proibi-lo, sem exceções, quando, em verdade, poder-se-ia vislumbrar hipóteses de inexigibilidade nesse sentido.

Outra grande polêmica que circunda as contratações diretas é a viabilidade, ou não, de subcontratação. Analisando tal questão, verifica-se que na licitação dispensável, é possível realizar subcontratação parcial, devendo estar previstos no contrato parâmetros para que isto ocorra. Quanto à subcontratação total, seria caso excepcionalíssimo e apenas para atender notório interesse público.

A subcontratação na inexigibilidade, por sua vez, figura-se desarrazoada e divorciada de qualquer princípio jurídico. Afinal, o mote do certame inexigível é a ausência de pressuposto de competição, em assim sendo, parece que a delegação de funções a terceiro evidencia fraude na motivação da inexigibilidade.

Entende-se, ademais, que a licitação inexigível requer a presença concomitante da inviabilidade de concorrência; singularidade do bem ou serviço e pessoa ou empresa de notória especialização.

A discricionariedade, portanto, deve respeitar as balizas da Lei, uma vez que está adstrita, primeiramente, ao que esta admite ou proíbe.  Autorizado pelo legislador o juízo de conveniência e oportunidade do administrador público, ainda estará vinculado ao interesse público subjacente ao ato que pratica.

A lei se vale de noções unívocas e fluidas, de forma que é impossível pela própria natureza das coisas, furtar-se ao manobro de conceitos das duas ordens. Logo, a discrição seria imperativo lógico da norma, pois sempre sobejaria para o administrador o poder e o dever de adotar uma dentre as exegeses possíveis.

A discricionariedade que decorre dos conceitos jurídicos indeterminados é aquela que faz remanescer à Administração Pública, em seu proveito e a seu encargo, certa esfera de liberdade, que deverá ser preenchida com juízo subjetivo para atender a finalidade da lei. Daí dizer que a Administração procede da própria disciplina, normatizando casos concretos.

O que a lei pretende é que seja adotada em cada situação a providência que melhor atenda seu fim precípuo. Se o legislador todas as vezes regulasse a conduta do Poder Público de forma vinculada, padronizaria soluções, o que nem sempre conduziria ao bem comum, haja vista que a realidade empírica é multifacetada.


CONCLUSÕES

A Administração Pública, por meio de suas entidades, necessita adquirir bens e serviços, como qualquer outra organização, no mercado comum às empresas. Entretanto, para assegurar a isonomia e a transparência da gestão, utiliza-se de um procedimento seletivo prévio, a licitação.

No âmbito da contratação pública, o que deve prevalecer é o bem-estar da coletividade, o que se sopesa é o custo-benefício social, de sorte que nem sempre é simples conciliar todos os interesses.

O interesse público surge, portanto, como a motivação soberana da gestão pública, circundado por todos os princípios informadores do Direito Administrativo. Traduz uma espécie de vontade comum. É razoável dizer que a supremacia do interesse público, como alicerce do ordenamento, é, de per si, derivada da existência de uma conveniência, diligência ou importância geral, espécie de anseio do qual compartilham todos os cidadãos, por que o administrador público deve zelar.

O certame licitatório é, pois, o antecedente necessário do contrato e o pacto, por sua vez, é o consequente lógico da licitação.  No entanto, verifica-se que, em determinadas situações, seja, por exemplo, em razão de urgência, custo ou impossibilidade de competição entre proponentes diversos, o procedimento administrativo, burocrático, não atende às peculiaridades do caso concreto. Logo, o mesmo interesse público que subjaz à obrigatoriedade da licitação impõe exceções à regra geral, franqueando contratações diretas.

O Estatuto Federal das Licitações e Contratos Administrativos permite que sejam identificadas quatro espécies de contratação direta, a saber: licitação dispensada (artigo 17, I e II); licitação dispensável (artigo 24, I a XXXI); licitação inexigível (artigo 25, I a III) e, embora não propriamente, licitação vedada (artigo 7º, §5º). A obrigatoriedade de licitação possui dois aspectos relevantes: a escolha da modalidade é cogente, não é possível utilizar modalidade chã, quando a lei prevê a mais severa. Tampouco se pode contratar diretamente sem critério.

No tocante aos conceitos jurídicos indeterminados extraídos das normas que franqueiam a contratação direta, entende-se que se a lei comporta interpretações múltiplas, só pode ser porque se pretende que o Administrador solucione casos diferentes de forma distinta, a fim de tratar cada caso concreto de acordo com suas peculiaridades. A variedade de soluções franqueadas pela norma outorgadora não significa que qualquer das interpretações seja adequada para qualquer dos casos. Ao contrário, quer dizer que o legislador considera que algumas delas são aplicáveis para certos casos e não para outros.

Especificamente tratando de contratações diretas a lição que se extrai é que a existência de discricionariedade ao nível da norma, não significa que existirá discrição com a mesma amplidão no caso concreto. A obrigatoriedade de licitação é a regra e será sempre, se comprovadamente mais apta a alcançar o bem-estar da coletividade.

Para que se verifique a lisura do ato não basta que o agente declare que atuou no exercício da discrição, pautando-se unicamente nas alternativas que a lei lhe abrira. O interesse público deve balizar todo ato administrativo, a razoabilidade e a proporcionalidade devem nortear o juízo de conveniência e oportunidade do gestor público.

Em alguns casos, qualquer sujeito em intelecção normal poderá deduzir que foi adotada pelo Poder Público a solução mais correta e, em outros, que a despeito de ter a lei contemplado a discricionariedade, comportando mais de uma alternativa, certamente não foi correta a medida adotada – quando talvez a censura judicial pudesse intervir, sob o prisma da legalidade.

Admite-se, porém, que existem zonas de penumbra. Nestas circunstâncias de incerteza, é que de forma incontroversa impera a discricionariedade, pois apenas o administrador público terá legitimidade para avaliar o caso concreto, pautando-se pela probidade, os princípios da boa gestão.

Observa-se, portanto, paradoxalmente, que a liberdade conferida ao administrador para julgar subjetivamente se pode ou não contratar diretamente, é decorrente da restrição da imaginação humana, da impossibilidade de cercar todos os casos, de vislumbrar toda e qualquer situação e predeterminar positivamente a melhor solução.

A Lei não consegue prever com convicção insofismável a alternativa mais adequada para cada contingência, por isso admite-se a discrição. Entretanto, só é legítima a atividade discricionária quando vinculada à finalidade que a inspirou, isto é, à supremacia do interesse público.


REFERÊNCIAS

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Notas

[2]  MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de Direito Administrativo. 3 ed. São Paulo. Malheiros: 1995.

[3]  MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios Gerais de Direito Administrativo. Vol. I, 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 406.

[4] CRETELLA JÚNIOR, José. Direito Administrativo Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 43.

[5]  MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 21ª ed. São Paulo: Atlas, 2007.p. 339.

[6]  ZIMMER JÚNIOR, Aloísio. Curso de Direito Administrativo. 3ª ed. São Paulo: Método, 2009, p. 49.

[7]  MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 529.

[8]   ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de Direito Administrativo. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.p. 526.

[9]   ALMEIDA, Leonardo Dias de.; VERÍSSIMO, Dijonilson Paulo Amaral. Dispensa e Inexigibilidade de Licitação e Moralidade Administrativa. Busca Legis. Submetido em 7 mar. 2009.

[10] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 13ª ed. São Paulo: Dialética, 2009, p. 73.

[11]   MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 35ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 275.

[12]   JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 4ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, P. 73.

[13]   MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 119-120.

[14]  FREITAS, Juarez. Direito fundamental à boa administração pública e a constitucionalização das relações administrativas brasileiras. Interesse Público. Revista Bimestral de Direito Público. Ano 12, n. 60, mar/abr. 2010. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 23.

[15]  FARIA, Edimur Ferreira de. Curso de Direito Administrativo Positivo. 3ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.p. 76.

[16]  GRANDRO, Felipe Esteves. O direito fundamental à boa administração pública e seu diálogo com o direito tributário. Interesse Público. Revista Bimestral de Direito Público. Ano 12, n. 59, jan/fev. 2010. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 218.

[17]  JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 13ª ed. São Paulo: Dialética, 2009, p. 423.

[18]  PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Comentários à Lei das Licitações e Contratos da Administração Pública. 6 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 228.

[19]  MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e Contrato Administrativo. 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 280.

[20] MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e Contrato Administrativo. 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 282.

[21]  CRUZ NETO, José Augusto Cordeiro da. Os princípios jurídicos que devem ser observados na contratação direta. Revista Cearense Independente do Ministério Público. Jornalista Responsável: Luís Carlos de Moraes. Ano 8, n. 29/30, abr/jul. 2006. Rio - São Paulo - Fortaleza: ABC Editora, 2006. p. 141.

[22] FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 223.

[23] GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 99.

[24] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p.536.

[25]   JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 13ª ed. São Paulo: Dialética, 2009.

[26]   JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 4ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009.

[27]     MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 9ª ed. São Paulo: Editora RT, 2005.p. 170.

[28]     MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 9ª ed. São Paulo: Editora RT, 2005.p. 125.

[29]    FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006.p. 223.

[30]   BITTENCOURT, Michelline. Discricionariedade Administrativa. Revista do Ministério Público do Estado da Bahia: Série Acadêmica. V. 1. n. 1, jan/dez. 1998. Salvador: Nova Alvorada Edições, 1999. p.77.

[31]  STJ. REsp 879.188/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Humberto Martins, j. em 21.5.2009, DJe 2.6.2009.

[32]   PESTANA, Marcio. Direito Administrativo Brasileiro. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. p. 206,

[33]  ABREU, Frederico do Valle. Conceito jurídico indeterminado, interpretação da lei, processo e suposto poder discricionário do magistrado . Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 674, 10 maio 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/6674>. Acesso em: 10 fev. 2010.

[34] MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios Gerais de Direito Administrativo. Vol. I, 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. p. 378-379.

[35]   KRELL, Andreas J. A Recepção das Teorias Alemãs sobre “Conceitos Jurídicos Indeterminados” e  o Controle da Discricionariedade no Brasil. Interesse Público. Revista Bimestral de Direito Público. Ano 5. n. 23, jan./fev 2004. Porto Alegre: Notadez, 2004.

[36] TOURINHO, Rita. A Discricionariedade Administrativa perante os Conceitos Jurídicos Indeterminados. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, n. 15, jul.ago.set. 2008.p.3/11.

[37] QUEIRÓ, Afonso Rodrigues. Reflexões sobre a Teoria do Desvio de Poder em Direito Administrativo. Coimbra: Editora Coimbra, 1940, p. 43.

[38]  ALVES, Clarissa Frota. A Interpretação dos Conceitos Jurídicos Indeterminados. Revista Cearense Independente do Ministério Público. Jornalista Responsável: Luís Carlos de Moraes. Ano 7, n. 25/26, abr/jul. 2005. Rio - São Paulo - Fortaleza: ABC Editora, 2005, p. 43.

[39]  ZIMMER JÚNIOR, Aloísio. Curso de Direito Administrativo. 3ª ed. São Paulo: Método, 2009, p.190-191.

[40]  MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 978. 


Autor

  • Gabriela Almeida Marcon

    Procuradora Federal, em exercício na PFE-FUNAI. Especialista em Direito Notarial e Registral. Pós-Graduada em Direito Tributário pela Universidade Gama Filho – UGF, Especialista em Jurisdição Federal pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, Graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC; bacharela em Administração de Empresas pela Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC; membro do Instituto dos Advogados de Santa Catarina – IASC.

    Textos publicados pela autora


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARCON, Gabriela Almeida. Discricionariedade nas contratações diretas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4254, 23 fev. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32127. Acesso em: 28 mar. 2024.