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A Nova Constituinte e a impostura política brasileira

A Nova Constituinte e a impostura política brasileira

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O clamor popular por uma melhor gestão da res pública, sem uma resposta satisfatória, conta agora com a pseudo ideia de que a solução está em uma nova Constituinte, a qual talvez anulará grandes conquistas positivadas na Constituição Vigente.

Assuntos: Poderes Constituintes: Original e Derivado; Reforma Política; Educação; Consulta Popular; Constituição Cidadã.

 

A atual Constituição Brasileira, promulgada em 1988, é um dos textos constitucionais mais modernos do mundo, bem como a mais democrática e liberal, de toda a história do Brasil.

Uma Charta que privilegia a dignidade da pessoa humana, ao garantir ao cidadão direitos imprescindíveis a uma vida digna, tais como as liberdades: de expressão, de locomoção, de convicção ideológica e religiosa; a ampla defesa; justiça gratuita aos carentes; a presunção de inocência, dentre outros, ao mesmo tempo em que afasta praticas nocivas à sociedade, como a tortura e a condenação sem o devido processo legal, entre outros aspectos.

Tais avanços se estendem ao campo social, como o direito à educação, à moradia, à saúde, à segurança, à previdência; proteção ao trabalhador, à maternidade e à infância, e até mesmo ao lazer. Se não bastassem tais conquistas, o Constituinte Original ainda determinou que os direitos e garantias individuais, dentre outras, seriam protegidas por clausulas pétreas, ex-vi art. 60 da Carta de 1988, evitando assim que emendas ao texto constitucional pudessem anular ou diminuir tais conquistas.

Neste liame, nos parece um tanto questionável a iniciativa de certos segmentos da sociedade civil e de algumas agremiações político-partidárias de proporem coleta de assinaturas, em prol de uma nova Constituinte, quando na realidade há a necessidade de se cumprir o que já está positivado na Charta de 1988, conforme exposto nos parágrafos iniciais.

Parece-nos que é mais cômodo à parcela dos parlamentares que defendem uma nova constituinte, convencer o cidadão leigo de que a solução é modificar, em todo ou em partes, o moderno e avançado texto Constitucional vigente, ao invés de justificar a evidente omissão dos Poderes Legislativo e Executivo Federal, que apesar de mais de duas décadas de promulgação da atual Lei Maior, ainda não regulamentaram importantes normas Constitucionais de aplicabilidade limitada, a exemplo da falta de Lei Complementar que dê vida ao art. 153 VII da Constituição Federal de 1988 - da cobrança de impostos sobre grandes fortunas. Por sua vez, na esfera trabalhista, pode-se frisar o art. 7° da Constituição Federal atual o qual, na ausência de Lei Complementar, ainda está vigente o art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, dentre outras.

Neste contexto de aclamação popular por mudanças na gestão pública surgiram as manifestações populares, de meados de Julho de 2013, mediante as quais se pugnava principalmente por reformas políticas, as quais não necessitam obrigatoriamente de se concretizarem mediante uma nova Constituinte, como certos seguimentos político preconizam. Exemplo é do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que por força do parágrafo 3° do art. 121 da Constituição vigente, pode realizar reformas políticas e proferir decisões, inclusive irrecorríveis, sem necessidade de nova constituinte:

 “São irrecorríveis as decisões do Tribunal Superior Eleitoral, salvo as que contrariarem esta Constituição [...]”

Nesta esteira, frisa-se Resolução do (TSE) n° 22.610 de 25 de Outubro de 2007, que já naquele período concretizava o clamor popular, por fidelidade dos detentores de mandato eletivo aos respectivos partidos, sem, mais uma vez, necessidade de uma nova Constituinte.

Somado ao exposto, na eventualidade de uma decisão do TSE desrespeitar o Poder Reformador, afrontando assim o texto Constitucional, a mesma Magna Charta de 1988, em seu art. 102 concede poderes ao Supremo Tribunal Federal (STF) de resolver tal celeuma. Pretório Excelso aquele que ao interpretar e aplicar o texto Constitucional a casos concretos, como por exemplo, no art.226 que declara que casamento se dá entre um homem e uma mulher, mediante a ADPF n°132 aquele Tribunal Constitucional estendeu os benefícios do casamento, às famílias homoafetivas.

            Por sua vez, o Congresso Nacional, mediante tramitação especial, pode ainda emendar as partes do texto constitucional, as quais não são protegidas por clausulas pétreas, com a promulgação de proposta de emenda constitucional (PEC). De 1992 a 2014, o Congresso Nacional promulgou 83 (oitenta e três) emendas ao texto original da Constituição, como forma de ampliar, acrescentar e dar novos contornos aos inúmeros direitos e garantias já existentes.

Se não bastassem todos os recursos retrocitados, esta mesma coletividade que ora endossa abaixo assinado em prol de nova Constituinte já é contemplada com a possibilidade de ingressar com Ação Popular para se questionar judicialmente a legitimidade de atos administrativos que lesem o patrimônio público (material e cultural) e o meio ambiente, conforme quer o inciso LXXIII do art.5º da Lei Maior. Neste liame, o art. 14 do Diploma Maior prevê a participação direta do cidadão, nos atos da vida pública, mediante plebiscito, referendo e apresentação de projetos de lei de iniciativa popular.

No tocante à educação pública nacional, há de destacar o quanto é temerária a instauração de uma nova Constituinte, em um país no qual a formação intelectual de nossos jovens vem sendo tratada com pouca importância, nas ultimas décadas. Preocupante é o número de analfabetos funcionais, nos educandários públicos do Brasil, a cada ano. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano de 2009, a porcentagem de pessoas de uma determinada faixa etária com escolaridade de até 3 (três) anos de estudo era em torno de 20,3%. Já no período compreendido entre os anos de 2007 a 2010, média de 12,5% dos estudantes brasileiros foram reprovados, mesmo com os inúmeros mecanismos pedagógicos que quase impedem a reprovação escolar, tais como recuperação a cada bimestre e outra ao final do ano, sem falar no costume de doar pontuação aos alunos com mais dificuldade, dentre outros.

Neste desolador cenário, questionável se torna a eficácia de debates políticos tão complexos, por parte de uma população pouco intelectualizada e nada ligada à fiscalização das políticas públicas nacionais, estando vulnerável assim ao encanto das falsas promessas de solução de problemas, em um piscar de olhos. Assim posto, pode-se se ter o entendimento que há basicamente alguns caminhos mais frutíferos a serem percorridos, ao invés da convocação de uma nova Constituinte: mais investimentos e reformas no setor educacional nacional, a exemplo dos países economicamente mais desenvolvidos, e por outro lado, acostumar o cidadão a debater, opinar e intervir diretamente nos grandes temas nacionais, mediante a realização, no mínimo uma vez por ano, de plebiscito e/ou referendo, bem como o estímulo, dentro dos educandários brasileiros, de debate, confecção e coleta de assinaturas a projetos de iniciativa popular, mesmo que no âmbito municipal, pois não é da noite para o dia e nem tão pouco com a convocação de nova Constituinte, que grande parcela do povo brasileiro estará apta a compreender satisfatoriamente, respeitar e praticar o que a atual Constituição Cidadã preconiza.

REFERENCIA

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DUARTE, Hugo Garcez. A inconstitucionalidade da reforma parcial da Constituição por constituinte exclusivaJus Navigandi, Teresina, ano 18n. 3772[29] out. [2013]. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/25618>. Acesso em: 19 set. 2014.

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ROMEO. Adriana, Os Avanços Trazidos Pelo Texto Promulgado em 1988. Brasília, ano 2003. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/radio/materias/15-ANOS-DA-CONSTITUICAO/320587-OS-AVANCOS-TRAZIDOS-PELO-TEXTO-PROMULGADO-E-1988.html>; Acesso em 18 set. 2014.

GONÇALVES. Anderson, 25 anos depois, ainda há 117 dispositivos da Constituição sem regulamentação. Gazeta do Povo, Paraná, ano 2013. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vidapublica/justica-direito/conteudo.phtml?id=1413681>; Acesso em 16 set. 2014.

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SAPIO. Gabriele. A LDB E A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988: OS DOIS PILARES DA ATUAL LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL NACIONAL. Instituto Universitário Brasileiro (IUNIB). Belo Horizonte, 2010. Disponível em: </www.iunib.com/revista_juridica/2010/11/19/a-ldb-e-a-constituicao-brasileira-de-1988-os-dois-pilares-da-atual-legislacao-educacional-nacional/>


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