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Benefício Assistencial. Uma ajuda para quem se ajuda.

Benefício Assistencial. Uma ajuda para quem se ajuda.

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Urge criar mecanismos para legitimar o deferimento do benefício assistencial, ancorado no histórico de participação do beneficiário.

Benefício assistencial. Uma ajuda para quem se ajuda.

A mitologia Grega nos agracia com a lenda de Ícaro. Segundo consta, o pai de Ícaro, intentando fugir com seu filho de uma ilha, recolheu penas de aves e, unindo-as com cera, construiu asas para si e para sua prole. Conseguiram, assim, voar até uma ilha vizinha, mas Ícaro, entusiasmado com o sucesso da experiência, continuou a voar cada vez mais alto, não dando ouvidos ao seu genitor, que da Terra o advertia para não voar alto demais, por conta do sol. Como se aproximou demasiado do Astro Rei, este derreteu a cera das asas e Ícaro caiu no mar Egeu, afogando-se.

Na espécie, a morte prematura de Ícaro nada tem com a sua imprudência, mas sim com o desconhecimento daquele que construiu o mito. Consabido que a temperatura diminui na medida em que nos afastamos da terra. Ou seja, o imberbe herói (eternizado com o nome da ilha em que se encontrava preso Ítaca) teve um destino alheio à sua vontade, tendo em conta que não deu azo à sua tragédia.

Diferentemente de Ícaro, vitimado por terceiro, o idoso constrói uma trajetória, possui um passado do qual é possível extrair os motivos que o levaram à situação de necessidade/miserabilidade. De posse desses últimos dados, busca-se analisar a justeza do benefício assistencial a ele atribuído, sob o enfoque da sua contribuição para auferir tal benesse.

A Lei n° 8.742/93 (Lei de Organização da Assistência Social – LOAS), ao regulamentar o art. 203, inciso V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Dito normativo definiu como idoso o indivíduo com 70 (setenta) anos ou mais, idade essa alterada com o advento do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03) que passou a considerar idosa a pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.

Por sua vez, o Art. 20 da Lei 8.742/93 prescreve que “O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).

Consta do site do Ministério do Desenvolvimento Social[1] que os

Benefícios Assistenciais integram a política de assistência social e se configuram como direito do cidadão e dever do Estado. São prestados de forma articulada às seguranças afiançadas pela Política de Assistência Social, por meio da inclusão dos beneficiários e de suas famílias nos serviços socioassistenciais e de outras políticas setoriais, ampliando a proteção social e promovendo a superação das situações de vulnerabilidade e risco social. Os Benefícios Assistenciais se dividem em duas modalidades direcionadas a públicos específicos: o Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social (BPC) e os Benefícios Eventuais. O BPC garante a transferência mensal de 1 (um) salário mínimo vigente ao idoso O acesso aos Benefícios Assistenciais é um direito do cidadão. Deve ser concedido primando-se pelo respeito à dignidade dos indivíduos que deles necessitem. Todo o recurso financeiro do BPC provém do orçamento da Seguridade Social, sendo administrado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e repassado ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), por meio do Fundo Nacional de Assistência Social - FNAS.

O benefício em tela, apesar de estar, supostamente, calcado em critérios objetivos, desconsidera parâmetro fundamental para uma melhor distribuição dos recursos públicos, qual seja, o histórico de cada beneficiado no decorrer da sua juventude e de sua fase adulta, sob o mote de sua participação para a construção de uma sociedade solidária, visto ser esse o intuito da Seguridade Social.

Segundo prescreve o Art. 1º da Lei 8742/93 “A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas”. Apesar de o normativo ser bastante claro no que atine ao sujeito que deve prestar e o que deve perceber, deve-se atentar para o conceito de cidadão. Eis aí o que milita em desfavor de determinada pessoas.

A compreensão do conceito de cidadania passa, necessariamente, pela necessidade de direitos e obrigações. Sem essa dupla via estamos diante de parasitado e parasitando. Assim, sua verdadeira acepção acontece pela contraprestação a determinado fato. Apesar de o cidadão ter a obrigação de prestar determinado ato, possui, em contrapartida, o direito, seja efetivo, seja potencial, de receber algo. Lendo do prisma inverso: aquele que percebe algo pressupõe-se que, em podendo, já dera algo em troca ou há expectativa que venha a dar, ou, em casos excepcionais, recebe para depois efetuar a sua contrapartida.   

Hodiernamente há um aumento significativo de benesses assistenciais, por parte dos órgãos governamentais, aos idosos. Tal medida, em tese, se faz necessária, pois aos desassistidos, a mão estatal deve estar presente. Contudo, na medida em que ditas benesses são alcançadas de forma quase indiscriminada, comete-se uma dupla injustiça, qual seja, o de auxiliar aqueles que, apesar de necessitarem, não deram a sua contrapartida à sociedade em tempo oportuno, bem como o de onerar aqueles que participam ativamente, produzindo recursos públicos sem a garantia de ulterior prestação. Dá-se um tratamento igual àqueles que não estão é pé de igualdade

O intuito primeiro, senão o único, de tal premissa é tratar os iguais na medida de suas igualdades e os desiguais na medida das suas desigualdades. Critério bastante simples e justo. Contudo, o que se vem observando é a aplicação de tal princípio a rodo, ou seja, sem a utilização de critérios para uma melhor secção de pessoas. Exemplo típico se mostra no que toca aos benefícios assistenciais permanentes (percepção de 1 salário mínimo), já que o critério idade, bem como a necessidade, vem a ser os únicos utilizados. Causa com isso a agregação de pessoas que, a excetuar-se pelo fator temporal e a necessidade, podem não ter quaisquer similitudes.

O exemplo seguinte, possivelmente, foi vivenciado por todos os leitores: “A” e “B”, com idades parecidas, suponhamos 25/30 anos, seguem caminhos diferentes. O primeiro é afeto ao trabalho, laborando 40 horas semanais, sendo um contribuinte da Previdência Social, participando ativamente da economia. Por seu turno, o segundo pouco ou nada produz. Quando o faz é para suprir vícios, como bebidas, jogos e afins. Sua preocupação para com o futuro inexiste. A aversão ao trabalho mostra-se acentuada. Não provê ninguém, para que no futuro possa receber a mesma benesse. Na espécie, salvo uma causalidade da natureza, a máxima de que “juventude ociosa, velhice vergonhosa” terá aplicabilidade certa. Na sua velhice a sociedade terá de se sacrificar para dar-lhe abrigo, já que dificilmente terá um teto, ou mantimentos para sua sobrevivência.

Tem-se aí um divorciamento do princípio da igualdade que em nada contribui para um viver coletivo. Ao revés, reprime boas ações. Reforça-se o afirmado com um exemplo bastante recorrente.

 “A” e “B”, ambos necessitando de um transplante de pulmão, estão internados para o procedimento. “A” é fumante assíduo e não manifestou sua vontade, ao menos enquanto possuía saúde, de ser um doador. “B”, por sua vez, além de não ser fumante, sempre se declarou um doador de órgãos. Para efeitos práticos (política de saúde), entre eles não existe nenhuma diferença, estando em fila única no aguardo de um doador. 

Contudo, aplicando-se o critério de Justiça (aquela em que os baluartes são os princípios da proporcionalidade/razoabilidade) “A” e “B” não estão em pé de igualdade, tendo em conta que a contribuição (efetiva ou potencial) de cada qual não se deu na mesma medida, restando evidente haver um critério de preferência de “B” em detrimento de “A”, amiúde porque, além de dar valor a sua saúde, foi/é um sujeito ativo, preocupado com o que possa vir a acontecer a si ou a outrem. Não fosse assim, qual o incentivo para que “A” e “B” alterem suas condutas? No que atine aos benefícios assistenciais, creio que tal máxima também se aplica.

Dos dois exemplos, apesar de haver entre os participantes uma diferença abissal, o Estado o proverá, sem aplicar qualquer critério de distinção. Pela inexistência de um histórico das atividades dos beneficiários, acaba-se por estender a todo e qualquer necessitado o benefício. Contudo, salvo melhor juízo, difícil legitimar um sacrifício da sociedade para aquele que nada deu em contrapartida. A todos é lícito viver no ócio prazenteiro e tranquilo. Não é dado aos entes públicos analisar os subterfúgios utilizados por aqueles que pretendem gozar uma vida nessa medida. Se errante na vida, não cabe ao Estado questionar, dado ser decisão que circunda a esfera individual. O que causa espécie é, em nada tendo contribuído, podendo fazer, deleitar-se das benesses.

Para algumas situações, em especial a que ora se aborda, os direitos, ainda que fundamentais, deverão ser negados, porque os recursos são escassos. Nas palavras de Gilmar Mendes[2], citando Stephen Holmes e Cass Sunstein “para levar a sério os direitos significa levar a sério a escassez”.

Não se deseja um controle absoluto do Estado. Contudo, um cidadão que nunca teve sua carteira de trabalho assinada, não possui qualquer contribuição à previdência, não há registro de que trabalhe no meio rural, por certo deveria militar contra si a presunção de desinteresse para com a participação e contribuição à sociedade da qual faz parte.

Logicamente que é possível, por motivo alheio à sua vontade, encontrar-se em estado de miserabilidade, não podendo prover o seu sustendo nem o tê-lo provido por terceiro.Nesse caso o benefício assistencial seria possível, pois seu histórico advoga em seu favor. Pensar de forma diversa é legitimarmos um parasitismo desmedido. E mais. Acaba por incentivar uma cultura da não precaução.

Logo, há uma necessidade premente de que o Estado tenha um maior controle da vida ativa (ou inativa) daqueles que estão sob seu manto, para que, na necessidade de escolha, possa optar pelo cidadão consciente, que entende o sentido do viver em sociedade.


[1]Disponível em: http://www.mds.gov.br/assistenciasocial/beneficiosassistenciais.

[2] Mendes, Gilmar Ferreira, Curso de Direito Constitucional/Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Gustavo Gonet Branco. 6ª ed., São Paulo. Saraiva, 2011 pag. 667


Autor

  • Leandro Brescovit

    Graduado pela Universidade Federal de Pelotas - UFPel. Analista Jurídico da Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul, lotado na Procuradoria Regional de Caxias do Sul/RS, Pós graduado em Direito Tributário.

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