Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/325
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

EC 19/98: sociedades de economia mista e empresas públicas.

Há necessidade de criação dos empregos através de lei? Estudo de caso: a empresa pública Companhia de Transportes de Belém - CTBel

EC 19/98: sociedades de economia mista e empresas públicas. Há necessidade de criação dos empregos através de lei? Estudo de caso: a empresa pública Companhia de Transportes de Belém - CTBel

Publicado em . Elaborado em .

Atividade desenvolvida pela CTBel está constitucionalmente definida como de serviço público de caráter essencial, uma vez que entre as suas atribuicões está inserida o gerenciamento do transporte coletivo do municípios, instrumento do execicío da competência do município de Belém como expressamente previsto no seu artigo 30, inciso V, in verbis:

"Art. 30. Compete ao Municípios :

.......................................................................

V. Organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesses local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial" (grifo nosso)

As Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista são entes da Administração Pública indireta, como entes da administração pública estão sujeito ao regime jurídico-administrativo muito bem caraterizado por Antônio Celso Bandeira de Mello, no seu curso de Direito Administrativo, que na sua síntese doutrinária do artigo 37, caput, da CF/88 os dois princípios caracterizadores de tal regime:

a) supremacia do interesse público sobre o privado;

b) indisponibilidade, pela administração, dos interesses públicos;

O primeiro concerne afirmar a superioridade do interesse da coletividade sobre o do particular, e, como interesse primário que é, deve ser perseguido pela administração com tenacidade, visando servir a coletividade através do fim que lhe foi constitucionalmente definido. In casu, o transporte coletivo como serviço público de caráter essencial deve ser cercado de todas as restrições constitucionais que impeçam que interesses secundários, tais como os dos administradores de empresas públicas concessionárias, ..., possam se sobrepor ao interesse da coletividade

O segundo princípio é dizer que sendo qualificado como interesses próprios da coletividade, não se encontrando a disposição de quem quer que seja por inapropriavéis, devendo a finalidade do serviço predominar sobre a vontade do administrador que deve pautar a sua atuação para que a vontade legal, neste caso constitucional, seja atingida com zelo, tanto que Celso Antônio expressamente de forma linear e perfeita sintetiza "as pessoas administrativas não tem (...) disponibilidade sobre os interesses públicos confiáveis à sua guarda e realização"; "não dispõe a seu talante sobre os interesses públicos; não os comandam com a sua vontade; apenas cumprem, ainda quando fazem discricionariamente em muitos casos, a vontade da lei. Esta, em toda e qualquer hipótese, lhe serve de norte, de parâmetros e de legitimação" (Bandeira de Mello, Celso Antônio, Curso de Direito Administrativo, pag. 24).

O princípio da legalidade através do qual à Administração só é permitido fazer o que lei permite (Hely Lopes Meirelles), e que não se resume à ausência de oposição à Lei, mas pressupõe a autorização dela como condição de sua ação (Bandeira de Mello) está expressamente previsto no caput do artigo 37 da CF/88 como aplicável aos entes da adminstração pública indireta onde se inclui as empresas públicas, como a CTBel, in verbis:

"Art. 37. A Administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade , impessoalidade , moralidade, publicidade e eficiência (...):"

Verifica-se, portanto, que o princípio da legalidade donde retira-se o princípio da finalidade através do qual compreende-se que toda a norma tem um objetivo que in casu da administração é atingir o bem comum através da supremacia do interesse público sobre o privado. Não sendo ociosa a preceituação constitucional de constituir o transporte coletivo serviço essencial, donde o princípio da legalidade lhe deve ser aplicado com os rigores que exigem para o atendimento do interesse da sociedade, logo a CTBel como empresa concessionária deve estar estritamente regida por este princípio;

Observarmos que a Constituição coloca o princípio da legalidade no caput do artigo 37, que é o portal da Disposições Gerais às quais estão subordinados os entes da Administração Pública direta e indireta, significa dizer que a legalidade está erigido na condição de princípio que deve nortear toda e qualquer ação da administração pública.

Da simples leitura do texto constitucional federal é fácil verificar que inexiste em seu bojo qualquer preceito que desobrigue que os cargos, empregos ou funções da administração pública indireta, e especificamente quanto as empresas públicas e sociedades de economia mista, não tenham a obrigatoriedade de serem criados através de lei. O mesmo se repete a nível estadual e municipal. Retira-se desta observação, aplicando-se o princípio da legalidade, que os empregos da empresas públicas e sociedades de economia mista com as sua atribuições devem ser criados através de lei.

Deriva esta inarredável conclusão do princípio de hermenêutica jurídica através do qual os princípios constitucionais somente podem ser derrogados pelo próprio texto constitucional quando prevê expressamente as excessões aos seus princípios e disposições gerais. Corolário é a compreensão de que inexistindo preceituação expressa da Constituição no sentido de que os empregos das empresas públicas e sociedades de economia mista não precisam ser criados mediante lei, resulta do contrário a sua obrigatoriedade. Como será demonstrado mais ao sul deste trabalho.

Observa-se claramente a mens legislatoris constitucional é de franca finalidade de submeter as empresas públicas e sociedades de economia mista ao princípio da legalidade, tais como as previsões do artigo 37 da Constituição Federal, Incisos I "os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei", II "a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração", VIII " A lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua administração"; inciso XIX de que "somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação"; XX de que "depende de autorização legislativa, em cada caso, a criação de subsidiárias das entidades mencionadas no inciso anterior, assim como a participação de qualquer delas em empresa privada";

De fato, observando que o princípio da legalidade erigiu-se no texto constitucional em princípio fundante e diretor da administração pública direta e indireta, é que em todos os níveis da organização política brasileira reservou-se ao poder legislativo a competência para, com a sanção do poder executivo, a criação, transformação e extinção de cargos, empregos e funções públicas, Como demonstramos a seguir:

A nível federal, no artigo 48, inciso X, foi atribuído ao Congresso Nacional, com a sanção do presidente da República a competência especial para dispor sobre a criação, transformação e extinção de cargos, empregos e funções públicas;

A nível estadual( Pa), no artigo 91, inciso X, ficou previsto norma semelhante, acrescentando-se ainda a competência para que a Assembléia Legislativa fixe os respectivos vencimentos dos cargos, empregos e funções públicas.

Como não poderia deixar de ser, a nível municipal para competência de criação, alteração e extinção de cargos, empregos e funções públicas, com a competente sanção do prefeito, foi deferida à Câmara Municipal de Belém, como transcrevemos em todo o seu conteúdo:

Art. 44. Cabe à Câmara Municipal com a sanção do Prefeito (omissis) legislar sobre as matérias de Competência do Município, especialmente sobre :

.......................................................................

VIII - Criação, alteração e extinção de cargos, empregos ou funções públicas, fixando-lhes atribuições e vencimentos, inclusive, aos servidores de autarquias e fundações públicas, observando os parâmetros da Lei de Diretrizes Orçamentarias." ( grifo nosso)

Verifica-se de forma cabal que o princípio da LEGALIDADE a que a Administração Pública direta, indireta ou fundacional de todos os níveis deve obedecer por imposição Constitucional da Magna Carta de 1988 (artigo 37 caput), está presente com toda a força na Lei Orgânica do Município de Belém, no seu artigo 44, inc. VIII , quanto a criação dos empregos públicos, regidos pela CLT, que logicamente existem nas empresas públicas e sociedades de economia mista, pois cargos existem somente nos casos de serem estatutários, o que não é o caso em tela.

Da análise normativa retro exposta surge de forma cristalina que a CTBEL como ente da Administração Pública Indireta, estando sujeita ao princípio da legalidade, e tem uma autonomia que deve ser exercida nos parâmetros legislativos determinados pela Câmara Municipal, onde se enquadra que os EMPREGOS existentes na companhia devem ser criados, alterados ou extintos somente mediante Lei, principalmente devido ao fato de o Município ser o Acionista Único da Companhia, na mesma linha deve se entender que nas sociedades de economia mista os empregos também devem ser criados por lei.

Fazendo as vezes de "Advogado do Diabo" na derrubada da própria tese levantada, vale indagar sobre se existiria constitucionalmente um permissivo para que os empregos das sociedades de economia mista e empresas públicas, como é o caso da CTBel poderiam ser criados de outra forma que não através de lei, através da poder legislativo, com a sanção do executivo, como retro exposto, uma vez que sujeita as sociedades de economia mistas e empresas públicas ao regime próprio das empresas privadas ( artigo 173 § 1°, inciso II da CF).

De fato, uma leitura apressada do artigo 173 § 1°, inciso II da CF, e que em geral é feita pelos próprios administradores das sociedades de economia mista e empresas públicas, ansiosos por ter maior liberdade de gerenciar a estas empresas estatais com a maior liberalidade possível, fazendo desmandos muito conhecidos, como por exemplo o inchaço na criação de cargos de segurança, como ocorreu na CTBEl onde existiam cargos de chefia que sequer possuíam subordinados, a contratação de pessoas para prestar o serviço sem concurso público alegando necessidades prementes ( a CTBel possui 200 trabalhadores sendo tão somente 40 concursados, sendo os demais "trabalhadores temporários" )(1) .

Limitando-se a agarrar-se no artigo 173 ,parágrafo primeiro, inciso II da Constituição de 1988, tentam os arautos dos diretores permitir descalabros como ao norte apontados, sob o argumento da melhor administração, trazendo a baixo toda a diretriz constitucional ao norte apontada que submete as referidas empresas estatais ao princípio da legalidade, e que obriga a criação de empregos públicos através de lei, usando do argumento falacioso de que a personalidade jurídica de direito privado elide a obrigação de criação dos empregos mediante lei, bastando a criação através de ato internos da empresa estatal.

De fato, os arautos da referida tese não procuram contestualizar as suas afirmações sobre a desnecessidade de criações dos empregos através de lei, e nem muito menos procuram dar uma interpretação que possa de perto riscar os preceitos normativos em grande monta elencados na CF e neste trabalho apontados, e que demonstram a obrigatoriedade de criação dos empregos mediante ato do Poder Legislativo, com a sanção do Executivo.

Basta-se lembrar que o citado artigo 173 , § 1°,II, da CF, que concede o regime das empresas públicas e sociedades de economia mistas como o próprio das empresas privadas, não às exime da realização de licitações, justamente por que o patrimônio material destas é adquirido com o dinheiro do poder público, numa maior ou menor proporção, estando sujeito ao controle externo do Tribunal de Contas e Poder Legislativo, logo como poderia uma despesa permanente como o gasto com a admissão de pessoal e posterior manutenção da folha não sofrer qualquer tipo de controle do legislativo e Tribunal de Contas ? . Notadamente nas Empresas Públicas em que o capital é totalmente público e nas sociedades de economia mista metade deste capital. Compreendemos que este é o fundamento lógico-jurídico-ético que obriga este controle de legalidade na criações dos Empregos públicos, e que serve de fundamente para as preceituações do artigo 44, inc. VIII da Lei Orgânica do Município de Belém; artigo 48, inc. XI da CF, e artigo 91, inc. X da CE do Pará.

Diga-se ainda que o inciso II , do § 1° do artigo 173 da CF preceitua expressamente :

"Artigo 173... omissis...

§ 1°A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre :

I - .......omissis........................................

II - A sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações civis, comerciais , trabalhistas e tributários"( grifo nosso)

Por Amor ao debate, e acatando a tese de que supostamente o artigo 173, § 1º , inciso II, submetendo as empresas públicas e sociedades de economia mista ao regime das empresas de direito privado as desobrigasse da criação dos cargos e empregos mediante lei, o que por certo iria de encontro com as preceituações normativas largamente expendidas no presente trabalho doutrinário, e que temos certeza não ocorre dado o princípio da unidade constitucional, deve-se alertar que isto somente se aplicaria às empresas públicas e sociedades de economia mista que EXPLOREM ATIVIDADE ECONÔMICA, que pode ser verificado pela simples leitura do texto constitucional, estando fora do seu âmbito as Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista que tenham por finalidade a EXPLORAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO, que de forma clara não está abrangido pelo preceito constitucional retro transcrito, e diga-se que é o caso da CTBEL que EXPLORA SERVIÇO PÚBLICO DE CARÁTER ESSENCIAL que é o transporte coletivo ( Artigo 30, inc. V da CF/88).

Reforçando, ainda, a nossa peregrinação, resta analisar de forma sintética o artigo 169 da Constituição federal :

Art. 169. A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar.

§ 1º A concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, a criação de cargos, empregos e funções ou alteração de estrutura de carreiras, bem como a admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, pelos órgãos e entidades da administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo poder público, só poderão ser feitas :

I. Se houver prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes;

          II. Se houver autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias, ressalvadas as empresas públicas e as sociedades de economia mista.

De uma leitura preliminar seriamos induzidos a compreender que como a Constituição excepciona do controle da Lei Orçamentária as Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista quanto a especificação na Lei de Diretrizes Orçamentarias dos limites de despesas de pessoal, ao expressar a submissão ao controle orçamentário, através de Lei Complementar, da criação de cargos, empregos e funções, bem como a admissão de pessoal a qualquer título pela a Administração Pública Direta e Indireta. Estaria, ipso facto, presente o permissivo constitucional para a criação de empregos públicos sem a intervenção legislativa, nos termos retro expostos, que vimos defendendo.

Mas, como compreende-se que não existe antinomias de normas constitucionais e inconstitucionalidade entre normas constitucionais, mas sim que existe uma harmonia de princípios de normas constitucionais que formam um todo unitário e coeso, o entendimento correto é que a exceção presente na referida norma constitucional restringe-se exatamente e estritamente nos termos constitucionalmente fixados, qual seja: não obrigatoriedade da existência de autorização específica na lei orçamentária de recursos suficientes para atender as despesas com a criação de empregos em empresas públicas e sociedades de economia mista.

Podemos afirmar que a obrigação constitucional quanto a criação do emprego através de Lei não é obstada pela exceção quanto a inobrigatoriedade de existência específica de autorização na Lei de Diretrizes Orçamentárias da previsão dos valores necessários aos dispêndios dos empregos criados nas Sociedades de Economia Mista e Empresa Pública, como a CTBel.

Diga-se ainda, que visando o bem social reserva empregos públicos através da lei para portadores da deficiência, indicando a diretriz do princípio de legalidade que deve nortear as empresas públicas e sociedades de economia mista ( artigo 37, inc. VIII da CF)

Estas são as ponderações que tínhamos a fazer e contribuir para que se evite os desmandos tão comuns com os recursos do povo, e que somente pode ser obstado pelo controle do legislativo. De certo que pode haver entendimento contrário, mas convencidos estamos que esta não é a vontade Constitucional.

CONCLUA-SE que, para a criação de empregos públicos usando da sua personalidade jurídica, devem as empresas estatais ( sociedades de economia mista e empresas públicas) internamente analisar as suas necessidades para que possam cumprir a finalidade para que foram criadas. Logo após, devem remeter justificativa para a criação destes empregos públicos ao poder executivo, com as respectivas atribuições dos mesmos, para que este a quem cabe a iniciativa para cria-los, remeta ao poder legislativo que criará os referidos empregos, retornando para o Poder Executivo sancionar. Resulta claro que tais procedimentos de forma alguma tolhem a autonomia das empresas públicas e sociedades de economia mista e nem desvirtuam o seu regime de direito privado, mas justifica-se que os encargos de pessoal destas empresas estatais que tem natureza de despesa permanente, e, que devem cumprir uma função específica com as correlatas atribuições para atingirem e servir ao bem público, e que num grau maior ou menor comprometem recursos públicos na sua manutenção, nada mais justo e salutar que o controle do povo através do legislativo.


NOTAS

  1. Este fato foi apurado em procedimento prévio requerida a instalação pelo SINTBel ( Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas Concessionárias de Transportes do Muncípio de Belém) perante O Minsitério Público do Trabalho da 8 Região, sendo firmado Termo de Compromisso de Ajuste de Conduta da CTBel para regularizar esta situação.

Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Ibraim José das Mercês. EC 19/98: sociedades de economia mista e empresas públicas. Há necessidade de criação dos empregos através de lei? Estudo de caso: a empresa pública Companhia de Transportes de Belém - CTBel. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 40, 1 mar. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/325. Acesso em: 28 mar. 2024.