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Organizações sociais

a viabilidade jurídica de uma nova forma de gestão compartilhada

Organizações sociais: a viabilidade jurídica de uma nova forma de gestão compartilhada

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Sumário: 1 – Introdução. 2 – Histórico. 3 – Conceito. 4 – Natureza Jurídica. 5 – Peculiaridades do Regime Jurídico das Organizações Sociais. 6 – Da Licitação, Pessoal e Concurso Público nas Organizações Sociais. 7 – Qualificação e Desqualificação das Organizações Sociais. 8 – Conselho de Administração. 9 – Contrato de Gestão. 10 – Controle das Organizações Sociais. 11 – Conclusão. 12 – Referências Bibliográficas.


1 – INTRODUÇÃO

Este trabalho monográfico se propõe a estudar a viabilidade jurídica do modelo institucional das organizações sociais, cujo referencial primeiro em nosso ordenamento jurídico é o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (1995), apresentado pelo Governo Federal.

Baseado no sistema inglês, essas organizações se apresentam como uma alternativa à atuação do Estado em determinados serviços sociais que são de sua responsabilidade, tais como cultura, educação e saúde. Na medida em que Poder Público não pode se desencubir de garantir esses serviços a todos os cidadãos – eis que eles afetam direitos humanos essenciais constitucionalmente assegurados – buscou-se uma forma de atribuí-los, sob controle e vigilância, às entidades privadas sem fins lucrativos, cujas áreas de atuação guardam estreita sintonia com as funções sociais acometidas ao Estado e que não constituem seu monopólio.

No Brasil, esse processo tem sido denominado de "publicização", partindo do pressuposto que esses serviços empreendidos no setor estatal possam vir a ser desenvolvidos mais eficientemente num setor público não estatal, o chamado terceiro setor.

Nesse contexto, o modelo das organizações sociais foi instituído no ordenamento jurídico brasileiro por meio da Lei 9.637, de 15 de maio de 1998, que concebeu o Programa Nacional de Publicização.

Assim, criou-se a oportunidade para que pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, em parceria com o Estado, prestem serviços públicos à sociedade num regime distinto da concessão ou permissão, porquanto o elo que vincula as organizações sociais e o Poder Público é o contrato de gestão, avença pela qual se viabiliza a administração por objetivos, onde prepondera os resultados alcançados ante os típicos controles formais que se verificam no regime jurídico de direito público.

Em seus vinte e cinco artigos, a Lei 9.637/98 dispõe sobre a qualificação das entidades civis sem fins lucrativos como organizações sociais, estabelece normas sobre o conselho de administração, contrato de gestão, sua execução e fiscalização, fomento às atividades sociais, desqualificação, participação popular, cessão de servidores públicos e dá outras providências.

Ocorre, entretanto, que o instituto em tela - e a própria reforma do Estado brasileiro - tem sido um assunto extremamente debatido, bastante polemizado e pouco esclarecido no meio de tantas correntes ideológicas com que se depara, como bem acentua ELIDA GRAZIANI PINTO em excelente monografia sobre o tema. 1

Com efeito, ao se permitir uma maior maleabilidade na gestão dos serviços sociais, culturais e científicos, as organizações sociais se revelam, do ponto de vista operacional, como uma solução concreta para o gerenciamento das atividades do setor social que estão a cargo do Estado, eis que sua natureza jurídica de direito privado contribui para uma gestão mais flexível e eficiente das ações sociais, em detrimento do aspecto burocrático, formal e pouco eficiente que caracteriza, na opinião dos autores da reforma administrativa, o regime jurídico de direito público.

Apesar de ser considerada uma alternativa eficaz para redefinir as formas de intervenção social do Estado, o dado concreto é que as organizações sociais permitem, numa primeira avaliação, transformar em realidade o sonho de todo administrador público: comprar sem licitação, contratar sem concurso, o que enseja perigosa margem para a escolha subjetiva nas contratações de obras, serviços, pessoal e aquisições - pontos causadores das maiores desconfianças em relação a esta nova forma de gestão compartilhada - uma vez que aquelas nefastas condutas colidem frontalmente com os princípios da moralidade e da impessoalidade. Ato contínuo, questiona-se se a instituição deste modelo não viria a significar, na prática, a privatização de entes públicos, ainda que de uma forma velada, dissimulada, como corolário do Estado Mínimo. Ainda, os juristas brasileiros alertam que as organizações sociais possuem uma série de entraves do ponto de vista jurídico, principalmente no que toca ao seu ato de qualificação e da ausência de controles mais rígidos por parte do Poder Público, de tal modo que a tutela salutar sobre o gasto público esteja imune a ameaças.

São questões postas, polêmicas, por vezes não respondidas e, quando muito, tratadas pontual e superficialmente nos Manuais de Direito Administrativo. E a melhor doutrina brasileira não encerra as controvérsias, pois até mesmo juristas de renome não conseguem desvendá-las a ponto de chegarem a um consenso.

De outro lado, o conhecimento do instituto também é necessário em face de o modelo buscado pela reforma do aparelho do Estado reforçar o sentido da moderna gerência, enfatizando a eficiência. E tudo se vem conduzindo para que o administrador público seja, de fato, um gerente de negócios públicos. Um gerente eficaz, dinâmico, inovador, pronto a dar soluções imediatas às demandas sociais. E, para isso, ele precisará de se instrumentalizar para dar efetividade às necessidades que se colocam. E que são muitas. E que requerem o alcance do melhor resultado com o menor custo possível, em face da crescente desproporcionalidade de recursos frente às demandas da população e da necessidade, quase unânime, de políticas de ajuste fiscal.

Ocorre, todavia, que a solução operacional desse modelo e o próprio instituto, considerado em si mesmo, têm de ser avaliados diante da Constituição Federal e dos princípios que regem a Administração Pública.

Com essas pretensões, o estudo do tema residirá no confronto de posições antagônicas, das quais se extrairão elementos jurídicos que permitam sustentar a viabilidade do instituto das organizações sociais no ordenamento jurídico pátrio e, da mesma forma, ter-se-á a possibilidade de se saber se elas constituem uma alternativa possível para a solução dos problemas de atuação do Estado. O estudo, não tem, contudo, a pretensão de esgotar a matéria, chegando a uma conclusão definitiva, pronta, acabada. É uma contribuição para uma reflexão, uma oportunidade de se elucidar, ou polemizar, mais ainda, pontos divergentes, porque o tema é novo e carente de criações doutrinárias. De outro lado, quando o assunto são as organizações sociais, restam indagações e faltam respostas concretas o que, por si só, constitui vasto campo para a pesquisa, permitindo atingir o objetivo pretendido num trabalho monográfico. À sua leitura.


2 – HISTÓRICO

No início do Governo Fernando Henrique Cardoso foi criada a Câmara da Reforma do Estado, presidida pelo Ministro Chefe da Casa Civil, que apreciou e aprovou o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (1995), elaborado pelo Ministério da Administração e Reforma do Estado - MARE, criado quase que exclusivamente para empreender a reforma administrativa pretendida pelo Governo Federal.

Na apresentação do referido Plano, o Chefe do Executivo assinala que a crise brasileira da última década foi também uma crise do Estado. Salienta que o Estado desviou-se de suas funções básicas para atuar no setor produtivo, o que teria gerado a deterioração dos serviços públicos, com o incremento da inflação. Após analisar a administração pública, que considera burocrática, formal e pouco eficiente, indica que é preciso estabelecer a administração pública gerencial, baseada em conceitos modernos de administração e eficiência, reservando papel de especial destaque às organizações privadas sem fins lucrativos.

Como ponto estratégico do aludido plano, foi lançado, por intermédio da Medida Provisória n.º 1.591, de 07 de outubro de 1997, posteriormente convertida na Lei 9.637, de 15 de maio de 1998, o Programa Nacional de Publicização, que autoriza o Poder Executivo a, por meio da qualificação de entidades privadas como organizações sociais, transferir-lhes a gestão de bens e serviços públicos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde. Esse modelo foi calcado na gestão implementada no Reino Unido, a partir de 1986, por Margareth Thatcher, com a criação pelo governo britânico dos "corpos públicos não-departamentais", também chamados de "quangos - quasi autonomous non governamental organizations".

Como leciona HELY LOPES MEIRELLES o objetivo declarado pelos autores da reforma administrativa com a criação da figura das organizações sociais, foi encontrar um instrumento que permitisse a transferência para elas de certas atividades exercidas pelo Poder Público e que melhor o seriam pelo setor privado, sem necessidade de concessão ou permissão. Trata-se de uma nova forma de parceria, com a valorização do chamado terceiro setor, ou seja, serviços de interesse público, mas que não necessitam ser prestados pelos órgãos e entidades governamentais. 2

Assim, a instituição das organizações sociais pressupõe que os serviços públicos não exclusivos podem ser realizados mais eficientemente pelo setor público não estatal, mantido, todavia, o financiamento do Erário. 3

As pessoas jurídicas de direito privado de que fala a Lei das organizações sociais em seu art. 1º, são aquelas previstas no Código Civil Brasileiro, quais sejam, as sociedades civis, religiosas, pias, morais, científicas ou literárias, as associações de utilidade pública e as fundações, cujas atividades, embora típicas do Estado, não exigem execução por órgãos ou entidades de direito público.

Estão aquelas pessoas jurídicas de direito privado sujeitas as normas civis das fundações 4 e se destinam, prioritariamente, a realizar finalidades de interesse público à coletividade de forma desinteressada, sob amparo, especialmente financeiro, do Estado e sob sua fiscalização permanente. Por prestarem relevantes serviços, podem essas entidades civis ser reconhecidas e declaradas de utilidade pública, tornando-se aptas a se habilitarem ao favor das subvenções públicas, sempre que preencherem os requisitos estabelecidos em Lei. Daí, como acentua HELY LOPES MEIRELLES, decorre outra intenção subjacente da reforma administrativa empreendida pelo Governo Federal, que é a de exercer um maior controle sobre as entidades privadas que recebem verbas orçamentárias para a consecução de suas finalidades assistenciais, mas que necessitam enquadrar-se numa programação de metas e obtenção de resultados. 5

Nesse sentido, a Lei que instituiu as organizações sociais previu a celebração de um contrato de gestão com o Estado, cuja função primeira é permitir o controle de bens patrimoniais, cessão de servidores e recursos públicos postos à sua disposição e aferir as metas alcançadas, em contraponto aos convênios que instrumentalizavam o repasse de recursos às entidades privadas sem fins lucrativos para a execução de determinado objeto.

Por fim, para que a entidade civil cunhada com o título de organização social assuma as atividades do ente público, é necessário que ele seja extinto na exata correspondência de sua criação, em face do que inspira o princípio da paridade das formas, aliado ao que dispõe o art. 37, XIX, da Constituição Federal. Mas há opiniões em sentido contrário. Com efeito, PAULO EDUARDO GARRIDO MODESTO leciona que as "organizações sociais podem ser reconhecidas e qualificadas como tais independentemente da extinção de qualquer ente público" 6.


3 – CONCEITO

O primeiro dilema que surge em relação às organizações sociais calha na sua definição e natureza jurídica. E o fenômeno se justifica diante do silêncio da legislação que regula o instituto e de uma certa imprecisão que paira sobre a matéria.

PERPÉTUA IVO VALADÃO BAHIA e PAULO MORENO CARVALHO, procuradores do Estado da Bahia, doutrinam que "problema dos mais complexos reside na conceituação das organizações sociais, pois tal instituto sequer encontra nos dispositivos legais que o disciplina satisfatória definição". E assinalam que "a incerteza acerca da indefinição de tais organizações revelam a imprecisão de sua natureza jurídica" 7.

No plano legal, a formulação fundamental das organizações sociais foi delineada em nível federal.

Com efeito o art. 1º da Lei n.º 9.637/98 estatui que

o poder executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura, à saúde, atendidos os requisitos previstosnesta Lei.

Exposto o conceito legal é na doutrina de PAULO EDUARDO GARRIDO MODESTO que encontramos um conceito enxuto e esclarecedor do instituto.

Para o ilustre Mestre baiano as Organizações Sociais são:

pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, voltadas para atividades de relevante valor social, que independem de concessão ou permissão do Poder Executivo, criadas por iniciativas de particulares segundo modelo previsto em lei, reconhecidas, fiscalizadas e fomentadas pelo Estado. 8

Resta, pois, concluir que as organizações sociais são pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, que se constituem como fundações ou associações e recebem do Poder Executivo uma qualificação especial, que assim as designam, tornando-as aptas a celebrarem um contrato de gestão com o Estado para o desenvolvimento de atividades de interesse público contempladas naquela avença, em regime distinto da concessão, permissão ou autorização, conforme requisitos previstos em Lei.


4 – NATUREZA JURÍDICA

Posto o conceito das organizações sociais, impõe-se salientar que elas não se constituem, definitivamente, uma nova figura jurídica.

De fato, como leciona PAULO EDUARDO GARRIDO MODESTO "o modelo das organizações sociais não se dedica a criar ou constituir uma nova forma de pessoas jurídica, como muitos afirmam" 9.

No mesmo sentido HELY LOPES MEIRELLES convalida o entendimento, afirmando que a organização social

(...) não é um novo ente administrativo, é uma qualificação, um título, que a Administração outorga a uma entidade privada, sem fins lucrativos, para que ela possa receber determinados benefícios do Poder Público (dotações orçamentárias, isenções fiscais, etc.) para a realização de atividades necessariamente coletivas. 10

Sua natureza jurídica de direito privado está expressa na própria Lei 9.637/98 quando, em seu art. 1º, está disciplinado que o Poder Executivo poderá qualificar pessoas jurídicas de direito privado como organizações sociais, desde que desafetadas de intuito lucrativo. Isto, pois, sua essência jurídica antecede ao próprio título que lhe é atribuído.

Desta forma, o diferencial das organizações sociais em relação a outras pessoas jurídicas de direito privado reside exatamente na qualificação que o Poder Público lhes confere. Justamente este adjetivo. É essa qualificação, portanto, que as torna, a priori, aptas a celebrarem um contrato de gestão com a Administração, sendo aquela a porta de entrada, o elo ensejador permissivo, que conduz à celebração daquele avença.

Nessa linha de raciocínio, sintetiza PAULO EDUARDO GARRIDO MODESTO:

A todo rigor, portanto, nenhuma entidade é constituída como organização social. Ser organização social não se pode traduzir em qualidade inata, mas em uma qualidade adquirida, resultado de um ato formal de reconhecimento do Poder Público, facultativo e eventual, semelhante em muitos aspectos à qualificação deferida às instituições privadas sem fins lucrativos quando recebem o título de utilidade pública." 11

Sendo, pois, a organização social uma pessoa jurídica de direito privado, daí derivarão uma série de peculiaridades de seu regime jurídico, cujo estudo se demonstra fundamental ao entendimento desta nova forma de gestão compartilhada. É o que veremos a seguir.


5 – PECULIARIDADES DO REGIME JURÍDICO DAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS

A inovação do instituto das organizações sociais traz consigo uma série de peculiaridades, principalmente no que toca ao seu regime jurídico.

Nesse sentido, JUAREZ FREITAS nos traz o escólio de que a organizações sociais se apresentam como atípicas, na medida em que suas atividades são dominadas por regras de direito privado e princípios de direito público, onde ocorre uma espécie de interseção. 12

Ainda que inspirada no Direito inglês, o instituto das organizações sociais guarda uma certa semelhança com uma conhecida figura do direito brasileiro, qual seja, o das entidades privadas beneficiárias de subvenções sociais, já mencionadas no histórico deste trabalho, onde também ocorre um hibridismo entre regras dos regimes jurídicos público e privado, principalmente no que se refere ao emprego das verbas que lhe são repassadas pelo Estado.

Com efeito, a Lei 4.320, de 17 de março de 1964, previu, em seu art. 16, a possibilidade de serem transferidos recursos a pessoas jurídicas de direito privado para a "prestação de serviços essenciais de assistência social, médica e educacional, sempre que a suplementação de recursos de origem privada aplicados a esses objetivos revelar-se mais econômica."

Daí vemos que o ordenamento jurídico brasileiro contempla a hipótese do repasse de recursos para determinada entidade civil, desde que reconhecida e declarada de utilidade pública, portadora de uma série de outros atributos, que recebem verbas do Poder Público, mediante a aprovação de um plano de trabalho e a celebração de um convênio, para executar, supletivamente, uma ação social que interessa ao Estado.

O fato é que, nos convênios de subvenção social, os recursos são investidos sob um regime jurídico de direito privado, decorrente da própria natureza jurídica da entidade civil contemplada com aquele benefício, mas com observância de princípios de direito público. Após a efetivação do gasto, a entidade deve prestar contas do recurso recebido, que é submetida ao crivo do Tribunal de Contas para o exame de sua regularidade em face dos princípios publicistas e do pactuado na avença.

Um aspecto curioso que se observa na leitura do art. 16 da Lei 4.320, de 17 de março de 1964, é a expressão literal do princípio da economicidade, traço marcante e implícito no princípio da eficiência, agora elevado ao status constitucional com a Emenda n.º 19/98, tornando-se um dos fundamentos da instituição do modelo das organizações sociais no ordenamento jurídico pátrio.

Todavia, J. TEIXEIRA MACHADO JR. e HERALDO DA COSTA REIS, alertam que

(...) as subvenções sociais não devem representar a regra, mas serem supletivas da ação da iniciativa privada (...). Isto significa que se o Município desejar ou puder entrar neste campo da atividades, deverá fazê-lo diretamente por sua ação, preservando as subvenções sociais, apenas, para suplementar e interessar a iniciativa privada de particulares. 13

Assim, temos que a figura das subvenções sociais não deve ser utilizada indiscriminadamente pelo Poder Público, senão para complementar a iniciativa privada de particulares nas atividades sociais, sendo esta a nota diferenciadora em relação às organizações sociais, pois estas, por meio do contrato de gestão, passam a ter um vínculo de maior envergadura com o Estado, ensejando-lhe maiores restrições, vigilâncias e responsabilidades. Em contrapartida, recebem mais benefícios, tais como servidores e bens públicos, o que não é possível nos convênios que acobertam as subvenções sociais.

Enfim, podemos observar que a presença dessa convivência dos regimes jurídicos público e privado não é novidade no direito brasileiro, quando vemos, ainda, verificar-se o mesmo hibridismo nos entes de cooperação, conhecidos como "serviços sociais autônomos" que são, como nos ensina HELY LOPES MEIRELLES,

(...) aqueles instituídos por lei, com personalidade de Direito Privado, para ministrar assistência ou ensino a certas categorias sociais ou grupos profissionais, sem fins lucrativos, sendo mantidos por dotações orçamentárias ou por contribuições parafiscais. São entes paraestatais, de cooperação com o Poder Público, com administração e patrimônio próprios, revestindo a forma de instituições particulares conveniadas (fundações, sociedades civis ou associações) ou peculiares ao desempenho de suas incumbências estatutárias. São exemplos desses entes os diversos serviços sociais da indústria e do comércio (SENAI, SENAC, SESC, SESI), com estruturação e organização especiais, genuinamente brasileiras. 14

JUAREZ FREITAS, orientado pela doutrina alemã, ao tratar da dicotomia e influência desses regimes, aduz que nas organizações sociais "a administração pública apenas se utiliza das formas do direito privado, mas não da liberdade ou da autonomia no sentido privatista". Mais adiante, o Mestre fala num "direito administrativo privado", expressão que bem oferece a noção desse hibridismo, onde existe uma conexão e, ao mesmo tempo, prevalência do direito público sobre o privado, não significando que essa predominância alcance regras, mas, fundamentalmente, princípios de direito público. E finaliza, jogando uma pá de cal na questão:

Pois bem, em face dos traços extraídos da Lei 9.637/98, resta claro que o regime de tais pessoas jurídicas de direito privado é mesmo atípico. Em minha ótica, há uma dominância de regras de direito privado e simultânea preponderância de princípio de direito público, uma vez que se encontram imantadas pelas suas próprias e inescapáveis finalidades de cogentes matizes sociais 15

Daí, resta concluirmos que o regime jurídico das organizações sociais é orientado pela sua própria natureza jurídica de direito privado; porém com a imanência de princípios juspublicistas, ensejando, do ponto de vista operacional, a execução mais eficiente das atividades sociais delegadas.

Nesse sentido, não parece ser outro o foco do art. 7º da Lei 9.637/98, quando por ali aferimos que essa eficiência deva ser canalizada e alcançada pelo emprego dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e economicidade. Enfim, princípios de direito público.

Talvez seja a convivência dos regimes jurídicos público e privado o traço mais marcante, peculiar por assim dizer, das organizações sociais. Mas o diferencial não para por aí. Em homenagem à síntese, enumeramos, conforme as disposições da Lei 9.637/98, as demais peculiaridades do regime jurídico das organizações sociais, orientados pela doutrina de JUAREZ DE FREITAS 16, já que o insigne Mestre oferece uma visualização panorâmica dessa nova forma de gestão compartilhada:

a) Devem elas atuar e ter como objetivos a prestação de serviço público de caráter relevante, de acordo com as áreas enumeradas no art. 1º da Lei em estudo. Como dantes salientado, essas entidades do terceiro setor desenvolvem atividades de cunho social que não são monopólio do Estado, interessando a este que sejam elas levadas a efeito e movidas pelo sentido da parceria;

b) Ausência de finalidade lucrativa, devendo seus excedentes ser reinvestidos nas suas atividades, com vedação expressa para a distribuição de bens ou parcelas do patrimônio líquido, conforme estatui, respectivamente, o art. 2º, I, "b" e "h" ;

c) Deve estar prevista a participação de representantes do Poder Público e da sociedade civil no conselho de administração (art. 2º I, d);

d) Publicar, no Órgão Oficial, os relatórios financeiros e de execução do contrato de gestão (art. 2º I, f), aliado ao dever de prestar contas junto ao Órgão de Controle Externo (art. 9º);

e) Contemplar, no ato constitutivo, a hipótese de incorporação de seu patrimônio, nos casos de dissolução e desqualificação, ao de outra organização social assim qualificada ou ao patrimônio público (art. 2º, I, i) 17;

f) Celebrar um contrato de gestão com o Poder Público, para a execução de atividades contempladas naquele instrumento jurídico, o qual deve observar os princípios de direito público na sua elaboração e execução, atentando para que suas cláusulas contenham critérios objetivos de avaliação dos resultados alcançados e a fixação de tetos de remuneração e vantagens do quadro de pessoal da organização social, de tal modo que seja factível certificar o descumprimento das disposições contidas no contrato de gestão e ensejar a desqualificação da organização social (art. 5º, 6º e 16);

g) Possibilidade de o Poder Público destinar recursos orçamentários e de permitir o uso de bens públicos (art. 12), bem como ceder seus servidores para trabalharem nas organizações sociais, com ônus para a origem (art. 14);

A essas particularidades acrescentamos mais uma, qual seja, a organização social não é titular de qualquer prerrogativa de direito público; ela não se beneficia de privilégios processuais ou de autoridade, até porque sua natureza jurídica de direito privado se revela incompatível com esses atributos.


6 - DA LICITAÇÃO, PESSOAL E CONCURSO PÚBLICO NAS ORGANIZAÇÕES SOCIAS

Feita a abordagem das peculiaridades do regime jurídico das organizações sociais, temos a tratar uma das questões mais intrigantes, controvertidas e, por sua vez, inspiradora de uma série de desconfianças quando se fala nesse novo instituto, uma vez que, numa analise preliminar, é de se vislumbrar a possibilidade de se comprar sem licitação e contratar sem concurso.

Daí se indaga que normas regularão a contratação de obras, serviços, compras e alienações e de pessoal nas organizações sociais, como decorrência da execução do contrato de gestão, calhando a questão: impõe-se a realização de licitação e do concurso público nas organizações sociais? Vejamos.

O parágrafo único do art. 1º da Lei 8.666, de 21 de junho de 1993, situa, no campo de incidência da obrigatoriedade de licitação,os órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Por delegação do poder público, a organização social atua paralelamente ao Estado, não integrando a administração direta ou indireta.

Como o campo de incidência do parágrafo único do art. 1º da Lei 8.666/93 não alcança as organizações sociais, o resultado dessa interpretação conduz à conclusão de que ela não se submete ao regime do Estatuto das Licitações e Contratos Administrativos.

É nesse sentido o escólio de CARLOS VASCONCELOS DOMINGUES acrescentado que a expressão"controladas indiretamente"contida no parágrafo único do art. 1º da Lei 8.666, de 21 de junho de 1993, "refere-se às subsidiárias que, controladas diretamente pelas sociedades de economia mista, submetem-se ao controle indireto da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios" 18.

Todavia isso não quer significar que a organização social possa aplicar os recursos públicos que lhe são repassados da maneira que lhe convier.

Com efeito, o art. 4º, VIII, da Lei 9.637/98 determina que o conselho de administração deve aprovar o regulamento contendo os procedimentos que a organização social adotará para a contratação de obras, serviços, compras e alienações, o qual deverá ser publicado no prazo máximo de 90 (noventa) dias após a assinatura do contrato de gestão, conforme prevê o art. 17.

Partindo-se do pressuposto de que nas organizações sociais os princípios de direito público devem sobrepor-se aos de direito privado, como procuramos demonstrar ao tratarmos das peculiaridades de seu regime jurídico, esse regulamento deve tomar como premissa os princípios gerais do processo licitatório contidos na Lei 8.666/93 visando a seleção da proposta mais vantajosa.

Ao tratar desse tema, LEON FREJDA SZKLAROWSKY leciona no mesmo sentido. Para o ilustre professor o regulamento deverá consubstanciar os princípios gerais do processo licitatório, tendo em vista recente decisão plenária, relatada pelo Ministro Lincoln M. da Rocha, corroborando decisão plenária do TCU n.º 907/97, em hipótese semelhante, ao concluir "que os Serviços Sociais Autônomos não estão sujeitos à observância aos estritos procedimentos estabelecidos na Lei n.º 8.666/93, e sim aos seus regulamentos próprios, devidamente publicados, consubstanciados nos princípios gerais do processo licitatório".19

Assim, as organizações sociais poderão dispor de normas mais flexíveis de licitação, não se submetendo aos procedimentos licitatórios aplicáveis ao poder público, mas devem observância aos princípios gerais consagrados na Lei 8.666/93.

Quanto às questões que envolvem a imposição ou não de concurso público destinado à seleção e recrutamento de pessoal nas organizações sociais, assim como saber se é certo ou não a ela ceder servidores públicos com ônus para a origem, a doutrina disponível é totalmente omissa nesses pontos.

É forçoso reconhecer que a maior parte dos recursos das Organizações Não Governamentais, gênero do qual a organização social é espécie, é canalizada para o custeio de pessoal, que constitui, por essência, a matéria prima que viabiliza suas atividades. Daí porque o elemento humano se revela imperioso ao implemento desta nova forma de gestão compartilhada, justificando sua disciplina na Lei 9.637/98.

No art. 4º, VIII, a Lei prevê que compete ao conselho de administração aprovar o plano de cargos, salários e benefícios dos empregados da entidade. Como pessoa jurídica de direito privado, o pessoal das organizações sociais se submete ao regime celetista de trabalho.

Por sua vez, o art. 7º, II, da Lei estatui que o contrato de gestão deve estipular os "limites e critérios para despesa com remuneração e vantagens de qualquer natureza a serem percebidos pelos dirigentes e empregados das organizações sociais no exercício de suas funções".

Nesse ponto, a Lei deve ser objeto de severas críticas porque, muito embora estabeleça limites e critérios para a remuneração, ou seja, a fixação de pisos e tetos e um plano de cargos e salários, não estipula as mesmas diretrizes para a seleção e recrutamento de pessoal. Em suma, abre porta para fraudar o concurso público.

Nesse ínterim, somos de opinião que a Lei deveria dispensar à seleção de pessoal o mesmo tratamento para a contratação de obras, serviços, compras e alienações, ou seja, o conselho de administração deveria aprovar normas reguladoras, estabelecendo critérios objetivos para a contratação de pessoal celetista, evitando-se eventuais privilégios ou favoritismos. Em suma, da mesma forma que se dá na licitação, devem ser observados na seleção de pessoal princípios de direito público.

Por sua vez, o art. 14, da Lei 9.637/98, faculta ao Poder Público ceder pessoal para as organizações sociais, com ônus para a origem. O Estado de São Paulo, ao instituir o modelo das organizações sociais no ordenamento jurídico local por meio da Lei Complementar n.º 846, de 04 de junho de 1998, bebe da mesma água do modelo federal, no que distancia o Estado da Bahia, pois sua lei estadual reguladora da matéria (Lei 7.027, de 29 de janeiro de 1997) veda terminantemente a cessão de servidores, com ou sem ônus para a origem. Entretanto permite que as organizações sociais admitam em seus quadros servidores públicos em regime celetista, desde que afastados por licença para tratar de assuntos particulares. A solução baiana, ao nosso ver, é incompatível com o salutar princípio da segurança jurídica, já que é notório que o servidor não está licenciado para tratar de "assuntos particulares", quando passa a exercer suas funções na organização social. Ele continua a atuar em benefício da própria Administração, ainda que de forma indireta. Por outro lado, a disciplina baiana sobre a matéria abre margem para eventuais fraudes, uma vez que pode o servidor licenciado ter sua remuneração majorada, quando contratado pela organização social no regime celetista, sem que esse aumento derive diretamente da lei, como determina o art. 37, X, da Constituição Federal, no que peca em relação ao regramento federal da matéria, apesar de seu inegável mérito quando disciplina o procedimento de qualificação e a conseqüente licitação, autorização e celebração do contrato de gestão com a organização social escolhida como delegatária dos serviços públicos, como procuraremos demonstrar no tópico seguinte.


7 - QUALIFICAÇÃO E DESQUALIFICAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS

Pela leitura do art. 2º, da Lei 9.637/98, temos os requisitos específicos para que as entidades privadas se habilitem à qualificação como organização social.

No inciso I, do aludido artigo, estão objetivamente enumerados os elementos que devem constar do ato constitutivo da pessoa jurídica sem fins lucrativos 20.

Esse ato constitutivo de que nos fala a Lei nada mais é do que o Estatuto da entidade civil, o qual deverá ser registrado no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas para a aquisição de personalidade jurídica, nos termos em que dispõe o art. 114, I, da Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973.

Aliado a esses pressupostos objetivos, o inciso II, do art. 2º, assume nítido caráter subjetivo, quando exige das pessoas jurídicas interessadas em receber o título especial a "aprovação, quanto à conveniência e oportunidade de sua qualificação como organização social, do Ministro ou titular de órgão supervisor ou regulador da área de atividade correspondente ao seu objeto social e do Ministro do Estado da Administração Federal e Reforma do Estado".

Como se vê, o comando normativo revela a natureza manifestamente discricionária do procedimento de qualificação. Com efeito, não basta à pessoa jurídica sem fins lucrativos cumprir todos os requisitos objetivamente contidos no art. 2º, I, da Lei 9.637/98. Requer-se mais. A aprovação da qualificação pelas autoridades destacadas no inciso II.

A intenção da regra disposta no art. 2º, II, não parece ser outra senão conferir ao administrador público um campo de atuação subjetiva para evitar a qualificação de entidades "fantasma" ou de origem e funcionamento duvidosos. E a preocupação encontra fundamento na medida em que serão executados serviços públicos, aí incluídos a gerência de bens patrimoniais, servidores e recursos estatais.

Todavia, ainda que procedente este resguardo, sob pena de se colocar submetida à séria e grave ameaça a tutela salutar sobre o gasto público, o dispositivo legal encerra controvérsia.

Com efeito, parcela dominante da doutrina entende que a subjetividade contida no art. 2º, II, da Lei 9.637/98, atribui ao administrador público um poder discricionário que confronta com o ordenamento jurídico pátrio, apesar de essa atribuição ter sido prevista em lei formalmente válida. Via de conseqüência, no procedimento de qualificação, a autoridade competente deveria restringir-se a apreciar o cumprimento dos requisitos legais objetivos impostos à pessoa jurídica que irá habilitar-se e qualificar-se como organização social, de tal modo que não deveria restar espaço para uma atuação discricionária.

É inegável reconhecer que, de um lado, o receio de se qualificar uma entidade inidônea levou o legislador a conferir um alto grau de subjetividade à prática daquele ato, de outro, abriu perigosa margem para dar vazão a intuitos particulares de favoritismos ou perseguição.

Esse é o ensinamento de ELIDA GRAZIANE PINTO, sustentada nas críticas de JUAREZ FREITAS e CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, pois

Aberto esse espaço politicamente inseguro, unilateral, pouco controlável e bastante subjetivo, as organizações sociais passam a ser, portanto, instrumento e alvo da completa discricionariedade do governo, quanto à escolha e definição de quais instituições assim serão classificadas 21

Assumindo esta conduta, inevitavelmente estaria ferido o princípio da impessoalidade, uma vez que é sempre o interesse público que deve nortear o comportamento da Administração, bem como o da moralidade, porque a atuação se distanciaria dos padrões éticos de probidade, decoro e boa fé.

A doutrina de CARLOS VASCONCELOS DOMINGUES, citando PERPÉTUA IVO VALADÃO CASALI BAHIA e PAULO MORENO CARVALHO conduz-se nessa diretriz. Para os procuradores baianos existe "inegável descompasso entre o interesse que deveria ser juridicamente protegido pela Lei e a sua redação final".

Adiante aduzem que

(...) a discricionariedade desse processo, eivado de subjetivismo, agride os princípios constitucionais da moralidade, impessoalidade, razoabilidade, legalidade e igualdade, afrontando, assim, os artigos 5º e 37 da Carta Magna. Tal conduta afastaria o administrador do bem comum, que é o critério balizador da atividade administrativa. 22

Leciona na mesma linha de raciocínio ODETE MADAUAR, quando trata a discricionariedade como uma liberdade-vínculo, devendo ela ser guiada pela observância da Constituição, da Lei, dos princípios constitucionais da Administração, outros princípios de direito administrativo e os princípios gerais de direito. 23

Mas não é outro senão o autorizado CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, que repudia incisivamente não só o ato de qualificação, mas o próprio instituto das Organizações Sociais em si mesmo, quem leciona que

a qualificação como Organização Social seria um gesto de graça, uma outorga imperial resultante tão só do soberano desejo dos outorgantes, o que, a toda evidência, é incompatível com as concepções do Estado moderno 24

Desta forma, a Lei não poderia oferecer ao administrador a opção para qualificar, ou não, uma entidade civil, que preencheu todos os requisitos exigidos no art. 2º, da Lei 9.637/98, ao argumento de não ter atendido o interesse público. Deveria a autoridade competente quedar-se manietado às condições formais vertidas à qualificação.

Todavia, ainda que preenchidos todos os elementos contidos no art. 2º, o dispositivo não está imune a críticas, pois a redação do artigo não confere nenhuma margem de segurança ao Poder Público, oferecendo o risco potencial de ser qualificada uma entidade que não possua credibilidade.

Com efeito, a Lei não exige da entidade privada existência de capital próprio, comprovação efetiva de serviços prestados na sua área de atuação, qualquer contrapartida ao apoio do Estado e um tempo mínimo de existência e funcionamento.

Nesse último e particular aspecto, chega a causar perplexidade o fato de a Lei não exigir um lapso temporal de funcionamento da entidade civil. A título de comparação, para que uma pessoa jurídica sem fins lucrativos seja reconhecida como uma "entidade de fins filantrópicos", nos moldes da Lei 8.742, de 08 de dezembro de 1993, requer-se um tempo mínimo de atuação de 03 (três) anos. Ao nosso ver, consideramos certo que este reconhecimento assume menor relevância que o cognome de organização social, na medida em que a entidade, assim titularizada, será responsável pela gestão de bens e recursos públicos a serem colocados à sua disposição, bem como lhe serão cedidos servidores públicos. A título de exemplo, vemos que o Estado de São Paulo é mais rigoroso no trato desta questão, pois impõe para a qualificação de entidades de serviços de assistência à saúde um tempo mínimo de 05 (cinco) anos de efetiva atuação, ao passo que no modelo federal não se exige idoneidade de qualquer espécie, a não ser uma habilitação jurídica, que consiste, unicamente, na verificação da capacidade jurídica da entidade civil, que nada mais é do que o registro de seu ato constitutivo no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas.

Nesse sentido, a Lei federal reclama adequações, de tal modo que se imponha uma fase de qualificação mais rigorosa e compatível com as responsabilidades que derivam daquele ato.

Por outro lado, outro aspecto de especial relevo é que, no modelo federal, a entidade civil qualificada como organização social já estaria apta a celebrar o contrato de gestão com a Administração pela via da dispensa de licitação.

Essa inovação foi incorporada ao Estatuto das Licitações e Contratos Administrativos por intermédio da Lei 9.648, de 27 da maio de 1998, quando previu, entre as várias hipóteses de dispensa, "a celebração de contratos de prestação de serviços com as organizações sociais, qualificadas no âmbito das respectivas esferas de governo, para atividades contempladas no contrato de gestão (art. 24, XXIV) ".

Mas há modelos que se distanciam do federal.

Com efeito, o Estado da Bahia, um dos precursores da regulação da matéria no Brasil, por meio da Lei 7.027, de 29 de janeiro de 1997, instituiu o mesmo procedimento adotado no plano federal, com a exceção de que naquela unidade federativa a celebração do contrato de gestão deve ser precedida de processo seletivo e autorização, como nos relata PERPETUA IVO VALADÃO CASALI BAHIA E PAULO MORENO CARVALHO 25.

No modelo baiano, a autorização é o ato-condição para a celebração do contrato de gestão. Assim, o percurso para se chegar até a celebração do contrato de gestão passaria pela qualificação, licitação e autorização.

Essa parece ser, ao nosso modesto entendimento, a questão angular da qualificação, ou seja, deveria ela ser fase preliminar na rotina do procedimento que conduz à autorização e celebração do contrato de gestão.

Calha o registro porque a qualificação, não quer significar, como propõe o modelo federal, estar a Administração jungida e obrigada a firmar com a entidade, assim titularizada, o contrato de gestão pela via da dispensa de licitação.

Ora, por determinação constitucional (art. 37, XXI) a Administração Pública encontra-se vinculada à licitação, sendo imperiosa a instauração do certame para determinar a entidade civil que irá celebrar o contrato de gestão. A regra é a licitação. Dispensa e inexigibilidade são procedimentos aplicáveis, quando aquela não se vislumbrar possível.

Novamente recorremos à lição de CELSO ANTÔNIO BANDERIA DE MELLO, quando aborda o tema da imposição de licitação para a escolha da organização social que irá assumir as atividades do ente público:

Não se imagine que pelo fato do art. 37, XXI, mencionar a obrigatoriedade de licitação, salvo em casos previstos em lei, o legislador é livre para arredar tal dever sempre que lhe apraza. Se assim não fosse, o princípio não teria envergadura constitucional; (...). A ausência de licitação obviamente é uma exceção que só pode ter lugar nos casos em que razões de indiscutível tomo a justifiquem, até porque, é óbvio, a ser de outra sorte, agravar-se-ia o referido princípio constitucional da isonomia 26

Daí, o próprio substrato contido no art. 24, XXIV, da Lei 8.666, de 21 de junho de 1993, não se sustenta na natureza jurídica da dispensa de licitação. Esta só encontra fundamento nas situações em que a licitação seria possível, mas relevantes razões ensejam sua não realização, em homenagem de outros interesses públicos.

Alicerce jurídico posto, e até por razões práticas, é forçoso crer que não se deve olvidar da instauração do procedimento licitatório pois, havendo uma gama de pretendentes, amplia-se o leque de possibilidades para se obter a melhor gestão do contrato a ser celebrado.

Partindo desse pressuposto e da matriz constitucional, resta-nos claro e intocável que, se um universo maior de entidades civis se habilitassem e se qualificassem como organizações sociais, submetendo-se a um procedimento de escolha, maiores chances seriam potencializadas para uma melhor gestão do contrato a ser firmado. De fato, se ampliado o universo de opções, invariavelmente seriam obtidas propostas canalizadas para a melhor gestão da avença, propiciando a eleição daquela considerada mais vantajosa aos interesses do Estado, fim único e objetivo primeiro da licitação. Não seria nada honesto por parte do Poder Público qualificar uma entidade civil, dispensar a licitação e elegê-la para celebrar o contrato de gestão, quando se verifica ser possível instaurar o certame.

Mais uma vez reportamo-nos à lição de CARLOS VASCONCELOS DOMINGUES para quem a solução da "quaestio" deve conciliar o respeito aos princípios constitucionais e a manutenção de uma zona de discricionariedade do Poder Público, sempre em função do interesse público. Com efeito, o sábio doutrinador baiano sustenta que pode ser "trazida à colação a própria legislação que disciplina as licitações". 27

Se factível a licitação, que se instaure o procedimento. Caso contrário, vamos encontrar no art. 25, da Lei 8.666, de 21 de junho de 1993, a hipótese de inexigibilidade de licitação, quando for verificada a inviabilidade de competição, seja pela singularidade do objeto, seja pelos créditos de tradição, competência, probidade e experiência da entidade civil ou pela falta dos pressupostos jurídicos ou fáticos arrolados como hipóteses de dispensa. De fato, pode perfeitamente acontecer que determinada entidade civil seja a mais, senão a única, capacitada para celebrar o contrato de gestão, de tal modo que a Administração entenda ser do interesse público delegar-lhe os serviços sociais, como podem existir outras que possam assumir essa atribuição, caso em que se impõe a seleção.

Mas um aspecto da maior importância na realização da licitação é a oportunidade única que terá a Administração de comprovar a idoneidade da entidade civil pretendente da celebração do contrato de gestão, quando a submeteria a uma fase de habilitação mais rigorosa, nos moldes preconizados nos arts. 27 a 31 de Lei 8.666, de 21 de junho de 1993. Com efeito, o Estatuto de Licitações e Contratos Administrativos exige do particular que celebra um contrato com o Poder Público a comprovação de sua capacidade jurídica, técnica, econômico-financeira e fiscal.

Com essa providência, a Administração superaria incertezas, evitando o risco de celebrar um contrato de gestão com uma entidade civil de origem e funcionamento temerários, eis que Lei 9.637/98, em seu art. 2º, I, exige, tão somente, da pessoa jurídica sem fins lucrativos, a comprovação de sua regularidade jurídica.

Por outro lado, quando forem verificados na espécie as hipóteses de dispensa ou inexigibilidade de licitação, nada impede que o Poder Público exija da entidade civil o preenchimento das condições de habilitação contidas no Estatuto das Licitações e dos Contratos Administrativos. Com efeito, dispensar ou inexigir a licitação não quer significar que a Administração renuncie à verificação das condições formais de habilitação. Isso é um dever inafastável, uma garantia que tem o Poder Público de comprovar a capacidade jurídica, técnica, financeira e fiscal do contratado.

É nesse sentido a doutrina de DIOGENES GASPARINI quando trata da imposição da habilitação nos casos de dispensa ou inexigibilidade de licitação. Para o Mestre

A dispensabilidade da licitação é unicamente do procedimento de escolha da melhor proposta. Sendo assim, tudo o mais (verificação da personalidade jurídica, capacidade técnica, idoneidade financeira, regularidade fiscal, empenho prévio, celebração de contrato, publicações) deve ser observado. Nenhum desses cuidados foi dispensado28(o grifo é nosso)

Assim, temos em mente que a fragilidade do art. 2º, I, da Lei 9.637/98, ao exigir tão somente a regularidade jurídica da entidade civil a ser qualificada como organização social, pode ser suprida com a imposição de uma fase de habilitação, evitando-se a contratação de entidades inidôneas, nas condições previstas na Lei 8.666, de 21 de junho de 1993.

Em face do regramento constitucional, a Administração não pode olvidar da instauração do procedimento de licitação para selecionar a entidade civil que proponha a melhor gestão do contrato a ser firmado, a exemplo do que se dá no Estado da Bahia, de tal modo que não reste à autoridade competente margem para uma atuação discricionária, uma vez que esta conflita com o ordenamento jurídico pátrio.

Quanto a desqualificação dispõe o art. 16 da Lei 9.637/98:

Art. 16 - O Poder Executivo poderá proceder à desqualificação da entidade como organização social, quando constatado o descumprimento das disposições contidas no contrato de gestão.

§ 1º - A desqualificação será precedida de processo administrativo, assegurado o direito de ampla defesa, respondendo os dirigentes da organização social, individual e solidariamente, pelos danos ou prejuízos decorrentes de sua ação ou omissão.

§ 2º - A desqualificação importará a reversão dos bens permitidos e dos valores entregues à utilização da organização social, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.

Assim, vemos que o Poder Público pode promover a desqualificação da entidade quando esta descumprir o contrato de gestão, cuja conseqüência importará na reversão dos valores entregues à organização social.

Como visto anteriormente, no modelo baiano, o ato-condição para a celebração do contrato de gestão é a autorização do Poder Público, dada posteriormente à instauração de um procedimento licitatório destinado à seleção da entidade civil, ao passo que, no modelo federal, é a qualificação considerada em si mesma que conduz àquela avença pela via da dispensa de licitação. Procuramos demonstrar que a solução baiana é mais consentânea com nosso ordenamento jurídico, pelos motivos ali contidos. Entretanto resta saber se a autorização dada pelo Poder Público é incompatível com a instauração de um processo administrativo onde se assegura ampla defesa, como prevê o art. 16, § 1º, da Lei 9.637/98, já que é da essência daquele ato administrativo o seu caráter extremamente precário, altamente discricionário, onde, a princípio, não se exige licitação e aplicável, por vezes, quando não há regulamentação específica da matéria.

Apesar desses caracteres, entendemos que a autorização concedida pelo Poder Público não se revela incompatível com a natureza deste ato, pelo mesmo raciocínio dele ser a condição "sine qua non" para a celebração do contrato de gestão. Melhor explicando. Como entendemos que o procedimento que leva à celebração do contrato de gestão é uma série de atos concatenados (qualificação – licitação – autorização – contrato de gestão), onde um é condição para a existência do outro, nada impede que se instaure o processo administrativo para desqualificar a entidade civil titularizada como organização social quando ela houver descumprido a avença. Ultimado o processo administrativo e feita a desqualificação, o corolário conseqüente seria a cassação do ato autorizativo, porquanto não haveria mais sentido na sua existência. De outro lado, a autorização aplicável à espécie é decorrência de um procedimento licitatório, caso em que a Administração fica vinculada aos termos do edital convocatório.

Ao tratar da desqualificação, a Lei 9.637/98 cometeu uma atecnia, ao disciplinar que o Poder Executivo poderá desqualificar a entidade que não cumpriu o contrato de gestão, o que nos traz uma primeira noção de que este ato é revestido de discricionariedade. Essa idéia é apenas sintomática e não resiste a uma análise mais profunda. (o grifo é nosso)

Com efeito, ELIDA GRAZIANI PINTO, desenvolvendo um raciocínio jurídico próprio sobre o escólio de JUAREZ DE FREITAS a respeito deste tema, nos ensina que " não há que se entender o dispositivo legal literalmente, mas aplicar, como é feita com várias outras disposições legais, o poderá com o sentido de deverá". E arremata: "Não cabe faculdade ao Poder Executivo na desqualificação", eis que esta "se torna um incontornável dever no caso de descumprimento do estabelecido no contrato de gestão" diante do valor jurídico que termo assume diante do ordenamento. 29


8 - CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO

O art. 3º, da Lei 9.637/98, previu a estruturação de um conselho de administração como órgão de deliberação superior das organizações sociais, sendo um requisito necessário a que se obtenha a qualificação, conforme teor do art. 2º, I, "c" e "d" da aludida Lei, representando sua forma de composição um dos modos pelos quais o Poder Público, assim como a sociedade, exerce o controle sobre as atividades sociais absorvidas. 30

A obrigação primeira do conselho de administração, além de diversas e não menos importantes atribuições, é a de fiscalizar o cumprimento do contrato de gestão, sendo-lhe imputadas "atribuições normativas e de controle básicas" previstas no art. 2º, I, c, da Lei 9.637/98. 31

Assim, como previsto na lei, o conselho de administração assume vital importância, pois permite ao Poder Público exercer um controle efetivo e ostensivo sobre as organizações sociais.

Da mesma forma, sua instituição traz a possibilidade concreta da participação popular na gestão e controle das atividades desenvolvidas pelas organizações sociais, na medida em que foi previsto o assento de membros da sociedade civil naquele órgão de deliberação (art. 3, I, "b").

É nessa diretriz que ELIDA GRAZIANI PINTO entende as variadas formas de controle sobre as organizações sociais. Nas suas palavras"seria um controle mais direto da própriasociedade representada pela sua cota específica de membros natos (talvez o único controle social direto já instrumentalizado legalmente) " 32. (o grifo é nosso)

A previsão da participação da sociedade na fiscalização das organizações sociais parece-nos extremamente salutar e pertinente, pois torna a gestão democrática e enfatiza o sentido da parceria.

Todavia ELIDA GRAZIANI PINTO demonstra preocupação e alerta para os riscos que podem derivar da composição do conselho de administração, sob pena de ocorrer, de um lado, a "estatalização" ou "feudalização" das entidades civis qualificadas como organização social e, de outro, a privatização de autarquias e fundações públicas que cederiam lugar àquela. 33

Aqui o raciocínio para entender essa preocupação e os riscos decorrentes da forma de composição do conselho de administração é mais aritmético do que jurídico.

Com efeito, o art. 3º, I, "a", da Lei 9.637/98, determina que o conselho de administração deve ser composto por "vinte a quarenta por cento de membros natos representantes do Poder Público".

Assim, temos a possibilidade legal de o Poder Público participar do conselho de administração com 40% (quarenta por cento) da totalidade de seus membros. Olhos atentos ao que dispõe o art. 4º, VI e VIII, da Lei 9.637/98, vamos ter que, para aprovar e dispor sobre a alteração dos estatutos e a extinção da entidade e sobre o regulamento contendo os procedimentos para a contratação de obras, serviços, compras e alienações e o plano de cargos e salários e benefícios dos empregados da entidade", requer-se a maioria, no mínimo, de dois terços dos membros do conselho de administração.

Ora, se o Poder Público participa com um percentual acima de um terço no conselho de administração, teria ele um poder de veto absoluto sobre essas relevantes matérias, pois nunca será alcançada uma maioria mínima de dois terços. Daí porque se falar em "estatalização" ou "feudalização" por parte da Administração, pois a entidade ficaria refém do Estado. Em sentido contrário, se o Poder Público tiver uma participação menor que um terço no conselho de administração, ficaria ele a mercê da vontade dos demais integrantes; aliás, não possuidores de qualquer vínculo com o Estado. Nessa hipótese, o Poder Publico perderia o seu poder de veto e até mesmo o objetivo de sua participação no conselho, ou seja, o controle.

Lecionando sobre essa matéria, JUAREZ DE FREITAS entende merecer reparo a participação do Estado na composição do conselho de administração, sugerindo que as legislações estaduais e municipais não reiterem a regra, isto porque se atribui àquele a aprovação da proposta do contrato de gestão, "gerando uma relação perigosa e sem maiores vantagens sociais", além de representar a ingerência do poder público na organização social. 34

Todavia a redação da Lei 9.637/98 não vai eliminar o dilema da participação, ou não, do Poder Público no conselho de administração.

Polêmica à parte, entendemos que a preponderância da vontade do Estado impõe sua participação no conselho de administração com mais de um terço de seus membros, com vistas a garantir a tutela do interesse público, como justificativa, exigência e fundamento do exercício do controle sobre as organizações sociais. Essa é uma prerrogativa da Administração. Renunciá-la significa constante ameaça, pois abre margem para que a gestão dos serviços públicos, absorvidos pela organização social, se distancie da necessária fiscalização.


9 - CONTRATO DE GESTÃO

O contrato de gestão teve sua origem na França, no final da década de 60, sendo ali aplicado para o estabelecimento periódico e sistemático de compromissos tendentes a ensejar maior participação e co-responsabilização na operacionalização de objetivos e metas delineadas naquele instrumento. Para tanto, é concedida uma autonomia gerencial, onde o controle de resultados prepondera o meio como ele é alcançado.

Assim, em síntese, vamos ter que o contrato de gestão é a forma de viabilizar, nas áreas públicas, a administração por objetivos, deslocando os controles formais para o controle quantitativo e qualitativo.

No Brasil, temos notícia de que sua implantação se deu na gestão Collor nos contratos celebrados entre empresas estatais e o Governo, mais precisamente a Vale do Rio Doce e a Petrobrás, em que buscava-se, sobretudo, orientar as empresas a seguirem um plano geral, induzindo-as a ter clareza nos limites para investimento e nas metas a serem atingidas. Em nome da eficiência buscava o governo introduzir a técnica de administração por objetivos, vitoriosa na iniciativa privada, adotando-a nas empresas públicas.

Com isso, a direção e os empregados sairiam de uma posição passiva para a de agentes partícipes, onde a eficiência passaria a ser o elemento preponderante de avaliação. Consequentemente, a empresa se profissionalizaria, relegando as eventuais composições e desvios políticos para um segundo plano. Enfim, buscava-se uma mudança de comportamento e de mentalidade, onde o aspecto operacional sobrepunha-se ao formal.

Situado nesta experiência histórica e guiado pelo Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, veio a Emenda Constitucional n.º 19/98 introduzir o princípio da eficiência no "caput" do art. 37 e viabilizar a utilização dos contratos de gestão pelas entidades da administração direta e indireta, conforme se extrai de seu § 8º, "in verbis":

§ 8º - A autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de desempenho para o órgão ou entidade, cabendo à lei dispor sobre:

I – o prazo de duração do contrato;

II – os controles e critérios de avaliação de desempenho, direitos, obrigações e responsabilidade dos dirigentes;

III – a remuneração do pessoal.

IVAN BARBOSA RIGOLIN critica, de forma incisiva, a redação do § 8º, do art. 37, da Lei Maior, sugerindo que na próxima emenda constitucional se promova a correção do "despautério rigorosamente despropositado que a Emenda n.º 19 trouxe a lume, num dos momentos mais infelizes da história do direito constitucional brasileiro". Sua perplexidade tem procedência quando fica demonstrada a enunciação das partes do contrato de gestão prevista no aludido dispositivo: de um lado "os administradores dos órgãos e entidades da administração direta e indireta", e de outro, pasmem, "o Poder Público". Assim, na interpretação literal do dispositivo, vêm a tona várias idéias e hipóteses, como se vêem das indagações de RIGOLIN, as quais transcrevemos:

Tratar-se-ia do Poder Público contratando o Poder Público? Um governador contrataria a Secretaria de Estado que ele próprio administra superiormente, para um trabalho de gestão da saúde? A Administração direta do Estado contrataria a Administração direta do Estado? Um prefeito contrataria um departamento da própria prefeitura, para a gestão da educação no município? A cabeça contrataria o braço? A parte da frente contrataria a parte de traz, ou a de cima contrataria a de baixo, no mesmo corpo organizacional? Onde qualquer remoto sentido nessa idéia? 35

Apesar de a redação constitucional não ser tecnicamente primorosa e ter sido a Lei 9.637/98 editada antes da Emenda Constitucional n. º 19/98, o seu art. 5º nos revela que a celebração do contrato de gestão se dá entre o Poder Público e a entidade qualificada como organização social, determinando a forma como ele deve ser elaborado, como deve ser seu conteúdo e por quais princípios se orienta.

Pela Lei 9.637/98, o contrato de gestão é conceituado como sendo "o instrumento firmado entre o Poder Público e a entidade qualificada como organização social, com vistas à formação de parceria entre as partes para fomento e execução de atividades relativas às áreas relacionadas no art. 1º".

Por sua vez, o art. 6º estatui que o contrato de gestão deve ser "elaborado de comum acordo entre o órgão ou entidade supervisora e a organização social" e deverá "discriminar as atribuições, responsabilidades e obrigações do poder público e da organização social". Ato contínuo, o instrumento jurídico deve ser aprovado pelo conselho de administração da organização social e submetido, posteriormente, ao Ministro de Estado, ou, em outros casos, à autoridade governamental supervisora da área correspondente à atividade fomentada.

Adiante, o art. 7º arrola os princípios que devem nortear a celebração do contrato de gestão, as cláusulas que ele deve conter e a fixação dos limites e critérios para o corpo funcional da organização social. 36

Por fim, os arts. 8º ao 10, da Lei 9.637/98, tratam da execução e fiscalização do contrato de gestão, trazendo à colação regras severas nos casos em que se verificam a má gestão da avença, o enriquecimento ilícito do agente público ou de terceiro e de danos causados ao patrimônio público. 37

A designação "contrato de gestão" tem merecido críticas da doutrina, na medida em que não se vislumbram, na espécie, interesses divergentes, opostos, por figurá-lo como ato contratual, onde se exige contraprestação. Na verdade, a parceria, travada entre o Estado e a organização social, mais se aproxima de um convênio, onde se unificam interesses comuns, orientados no alcance das metas e resultados a serem identificados naquele instrumento jurídico. Para PAULO EDUARDO GARRIDO MODESTO, em vez de contrato, melhor se afiguraria ao "nomem iuris " a designação enquanto um "acordo de programas". 38

Divergências postas ao lado, resta claro que contrato de gestão pertence à categoria dos contratos administrativos, pois contém cláusulas exorbitantes, derrogatórias do direito comum.

Superada a imprecisão terminológica, leciona CAIO TÁCITO que

O ponto essencial do veículo associativo é, contudo, o caráter dinâmico, e não meramente formal, que tem como tônica a objetiva realização de uma estratégia operacional conducente à concretização de metas de desempenho e à consecução de resultados 39

Sob a mesma ótica, ELIDA GRAZIANI PINTO, citando o sempre lúcido CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, enfatiza que a pedra de toque das organizações Sociais reside justamente no contrato de gestão, aduzindo que a noção do instituto, tanto quanto das agências executivas, está ligada aos contratos de gestão. E, com sua indiscutível autoridade, profetiza CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO que "o destino jurídico tanto das organizações sociais quanto das agências executivas – existentes ou inexistentes juridicamente, válidas ou inválidas – está atrelado ao dos contratos de gestão." 40

A afirmação do insigne Mestre é, portanto, exemplar, já que a forma essencial de controle sobre as organizações sociais se dá pelo contrato de gestão, seja através de seu acompanhamento e fiscalização, seja pela avaliação do alcance das metas ali delineadas.


10 - CONTROLE DAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS

Em dois momentos distintos, a Lei 9.637/98 prevê o controle da sociedade sobre as organizações sociais. Primeiro, quando determinou a participação de representantes da sociedade civil no conselho de administração, conforme disposto no art. 3º, I, b. Segundo, quando disciplinou o "controle social das ações de forma transparente", por força do contido no art. 20, III.

Talvez seja este o único controle social direto já instrumentalizado legalmente, o que tem seus inegáveis méritos, como dantes observado.

Entretanto, como enfatiza ELIDA GRAZIANI PINTO, a Lei não fixou a forma concreta de como isso se dará, seja porque a quota reservada à participação popular corre o risco de ser desvirtuada, seja porque o controle social pode vir a ser mais uma norma programática ou utópica, uma vez que os usuários dos serviços públicos não teriam voz ativa a ponto de interferirem na gestão do que foi delegado e fazer valer seus direitos, falecendo, assim, o sentido do controle social.

Adiante, sugere que

serão necessárias novas regulamentações para delinear, em termos de competência e de implicações, o que se pode entender, na prática, por controle social das atividades desempenhadas pelas organizações sociais (...). 41

Por sua vez, o contrato de gestão é, por excelência, o principal instrumento de controle por parte do Estado.

Internamente, o controle se verifica no acompanhamento, avaliação e fiscalização de seu cumprimento pelo conselho de administração, o que se dá pela cota de participação do Poder Público naquele órgão deliberativo. Externamente, ele se dá pelo órgão ou entidade supervisora dos serviços sociais absorvidos, bem como pela unidade de controle interno do Poder Executivo. A esses controles acresce-se o do Tribunal de Contas.

Diante da novidade do instituto das organizações sociais, é imperativo que esses organismos estejam munidos de instrumentos capazes de avaliar a transparência e os resultados derivados do contrato de gestão, de tal modo que seja possível verificar qualquer ocorrência na malversação dos recursos públicos que lhe são repassados, bem como do alcance qualitativo das metas acordadas.

No que toca especificamente ao controle externo das organizações sociais pelo Tribunal de Contas, este vai encontrar seu sustentáculo no art. 70, parágrafo único, da Constituição Federal, "in verbis":

Parágrafo único – Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária.

Assim, vamos ter que o controle sobre as organizações sociais fundamenta-se no poder-dever que tem a Administração de verificar se a utilização dos bens e valores públicos estão sendo feitos, conforme o seriam, se feitos pelo próprio Estado, até porque as atividades contempladas no contrato de gestão devem guiar-se por princípios de direito público.

Um dado que deve ser destacado é que as prestações de contas das organizações sociais não se submetem às mesmas regras impostas às contas dos ordenadores de despesa e dos gestores públicos. Ato contínuo, a atual legislação restringe a análise do órgão de controle externo, fundamentalmente, no aspecto formal das contas, quando o exame destas, no caso das organizações sociais, devem levar também em consideração os aspectos qualitativos e operacionais resultantes da execução do contrato de gestão.

Aberta esta lacuna e diante das circunstâncias e particularidades que envolvem esse o modelo de gestão, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, por meio da Instrução n.º 4/98, aprovada pela Resolução n.º 7/98, de 30 de dezembro de 1998, foi o pioneiro nesta espécie de regulamentação para disciplinar a matéria, na qual vemos peculiar importância, já que somente o controle formal da legalidade e da regularidade das contas é insuficiente para evidenciar o cumprimento dos programas de trabalho contidos no contrato de gestão, na medida em que a atuação das organizações sociais está ligada, fundamentalmente, no elemento operacional, ou seja, no cumprimento de metas, na redução de custos, na eficiência e qualidade dos serviços prestados. Em suma, uma auditoria de resultados.

Todavia, impõe-se salientar que o Tribunal de Contas não pode interferir nas opções políticas de trabalho das organizações sociais sob o pretexto de realizar o controle de mérito. É necessário respeitar a autonomia da instituição no que concerne as escolhas que melhor dão ensejo à execução do contrato de gestão.


11 - CONCLUSÃO

Desde o começo deste empreitada, procuramos enfatizar o instituto das organizações sociais sob o ponto de vista eminentemente jurídico, levantando, abordando e discutindo os riscos que podem derivar desta nova forma de gestão compartilhada e de sua viabilidade no ordenamento jurídico brasileiro.

Substancialmente, foram deixadas mais perguntas do que respostas mas, a esta altura, já podemos esboçar uma via de entendimento para a questão introdutória de tudo o quanto foi debatido, ou seja, como as organizações sociais se situam no contexto da reforma do Estado brasileiro e diante do ordenamento jurídico pátrio.

É fato que o aspecto econômico influencia diretamente o direito, e é inevitável que o Estado imite a empresa. A história é implacável nesse sentido.

Novos tempos estão a reclamar mudanças, e o grande desafio do direito, no início do século, é exatamente o de vencer a insuficiência de princípios clássicos e o de se adaptar à contestação criada por novas realidades. Talvez seja este o motivo de o implemento das organizações sociais ser ainda uma questão aberta, não suficientemente esclarecida, porque quase nada ainda foi posto em prática.

A desconfiança dos juristas em relação ao instituto pode ser superada com os benefícios sociais que serão auferidos pelo conjunto da sociedade brasileira com a potencial melhoria dos serviços públicos delegados. Caso contrário, o discurso de reformar o Estado, em nome da eficiência, da contenção de custos, do controle por resultados, do foco no cliente-cidadão estará aderindo à imposição da lógica do mercado, onde há mais espaço para a desigualdade social do que para o exercício pleno da cidadania.

Ao Estado cabe tentar resolver este dilema e o natural receio diante da novidade, atentando para quem serão delegados os serviços públicos e a forma o contrato de gestão será administrado, executado e fiscalizado o contrato de gestão. Enfim, requer-se instrumentos efetivos de controle e de avaliação desta nova forma de gestão compartilhada, já que o Poder Público não pode eximir-se de suas responsabilidades junto a toda sociedade no sentido de garantir os direitos sociais constitucionalmente conquistados.

Em linhas gerais, esses desafios conformam o meio como devem ser tratados os problemas e os riscos derivados da instituição das organizações sociais, diante da inadequação de vários pontos da Lei 9.637/98, os quais podem ser supridos com a instituição de controles mais rígidos, orientados por institutos jurídicos já existentes, donde resta necessário um aprimoramento do modelo.

Superadas essas incertezas, só assim poderíamos entender o sentido da reforma do Estado, de tal modo que ele vise, realmente, à construção de um Estado Democrático de Direito.


12- BIBLIOGRAFIA

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NOTAS

  1. PINTO, Elida Graziani. Organizações Sociais e Reforma do Estado no Brasil. Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte: TCMG, v.. 36., n.º 3. Jul./set. 2000, p. 171.

  2. MEIRELLES, Hely Lopes. Curso de Direito Administrativo. 24ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 347.

  3. O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (1995) distingue 04 (quatro) setores estatais, que intitula: a) núcleo estratégico, que compreende os Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e o Ministério Público; b) atividades exclusivas, que seriam os setores em que só o Estado pode atuar, tais como cobrança e fiscalização dos impostos, polícia, previdência social básica e emissão de passaporte. Em suma, envolve o poder de regulamentar, fiscalizar e fomentar; c) serviços não exclusivos, em que o Estado atua simultaneamente com outras organizações públicas não-estatais e privadas, ai entendido que as instituições desse setor não possuem poder do Estado, mas que o poder público não pode estar ausente, eis que tais serviços envolvem direitos humanos fundamentais, tais como ciência e tecnologia, cultura, educação e saúde, tendo-se como exemplos as universidades, hospitais, centros de pesquisa e os museus; e, finalmente, d) produção de bens e serviços para o mercado, que compreende as atividades econômicas desenvolvidas por empresas estatais voltadas para o lucro, o que se dá, por exemplo, nos setores de infra-estrutura.

  4. BRASIL. Código Civil. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998. Arts. 16, I e 24 a 30.

  5. Op. Cit., p. 347/348.

  6. MODESTO, Paulo Eduardo Garrido. Reforma Administrativa e Marco Legal das Organizações Sociais no Brasil. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n.º 210, p. 201, out./dez. 1997

  7. BAHIA, Perpétua Ivo Valadão.; CARVALHO, Paulo Moreno. Organizações Sociais – Qualificação Como Ato Vinculado do Poder Público. Disponível em <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/Congresso/Tese21.doc>. Acesso em: 30 ago. 2001.

  8. Op. Cit., p. 199.

  9. Op. Cit., p. 200.

  10. Op. Cit., p. 338.

  11. Op. Cit., p. 199/200.

  12. FREITAS, Juarez. Regime Peculiar das Organizações Sociais e o Indispensável Aperfeiçoamento do Modelo Federal. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n.º 214, p. 100, out./dez. 1998.

  13. MACHADO JUNIOR, J. Teixeira.; REIS, Heraldo da Costa. A Lei 4.320 Comentada. 12ª ed. Rio de Janeiro: IBAM, 1979, p. 45.

  14. Op. Cit., p. 346.

  15. Op. Cit., p. 102.

  16. Op. Cit., p. 101/102.

  17. JUAREZ FREITAS (Op. Cit., p. 102) alerta para a atecnia da redação legal, porquanto não se vislumbra na espécie transferência de domínio de bens públicos, de tal modo que esses mesmos bens sejam incorporados ao patrimônio público nos casos de desqualificação ou extinção da entidade, eis que esses bens são cedidos, verificando-se tão somente a permissão de uso, muito embora o art. 13 da Lei 9.637/98 permite a permuta.

  18. DOMINGES, Carlos Vasconcelos. O Controle Externo e os Novos Modelos de Gestão de Serviços Públicos: As Organizações Sociais. Salvador: Tribunal de Contas da Bahia, 2000, p. 98.

  19. SZKLAROWSKY, Leon Fredja. Organizações Sociais. Disponível em <trlex.com.br>. Acesso em: 30 ago. de 2001.

  20. Em suas 9 (nove) alíneas, o inciso I, do art. 2º, da Lei 9.637/98, arrola os requisitos que deverão constar do ato constitutivo da pessoa jurídica de direito privado que se habilitará à qualificação como Organização Social. São eles: a) natureza social de seus objetivos relativos à respectiva área de atuação; b) finalidade não lucrativa, com a obrigatoriedade de investimento de seus excedentes financeiros no desenvolvimento das próprias atividades; c) previsão expressa da entidade ter, como órgão de deliberação superior e direção, um conselho de administração e uma diretoria definidos nos termos do estatuto, com composição e atribuições normativas e de controle básicas previstas em Lei e asseguradas àquele; d) previsão de participação, no órgão colegiado de deliberação superior, de representantes do Poder Público e de membros da comunidade, de notória capacidade profissional e idoneidade moral; e) composição e atribuições da diretoria; f) obrigatoriedade de publicação anual, no Diário Oficial da União, dos relatórios financeiros e do relatório de execução do contrato de gestão; g) no caso de associação civil, a aceitação de novos associados, na forma do estatuto; h) proibição de distribuição de bens ou parcelas do patrimônio líquido, em qualquer hipótese, inclusive em razão de desligamento, retirada ou falecimento de associado ou membro da entidade; i) previsão de incorporação integral do patrimônio, dos legados ou das doações que lhe foram destinados, bem como dos excedentes financeiros decorrentes de suas atividades, em caso de extinção ou desqualificação, ao patrimônio de outra organização social qualificada no âmbito da união, da mesma área de atuação, ou ao patrimônio da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, na proporção dos recursos e bens por estes alocados.

  21. Op. Cit., p. 131.

  22. Op. Cit.

  23. MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 143

  24. Curso de Direito Administrativo. 11ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 159.

  25. Op. Cit. No mesmo sentido Carlos Domingues Vasconcelos, Op. Cit., p. 96/97.

  26. Op. Cit. p. 158.

  27. Op. Cit. p. 96 e 97

  28. GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 303.

  29. Op. Cit., p. 135.

  30. O art. 3º, I, da Lei 9.637/98 dispõe que o conselho de administração deve ser composto por: a) vinte a quarenta por cento de membros natos representantes do Poder Público, definidos no estatuto da entidade; b) vinte a trinta por cento de membros natos representantes de entidades da sociedade civil, definidos no estatuto; c) até dez por cento, no caso de associação civil, de membros eleitos dentre os membros ou os associados; d) dez a trinta por cento de membros eleitos pelos demais integrantes do conselho, dentre pessoas de notória capacidade profissional e reconhecida idoneidade moral; e) até dez por cento de membros indicados ou eleitos na forma estabelecida no estatuto

  31. O art. 4º da Lei 9.637/98, em seus 10 (dez) incisos, dispõe sobre as atribuições privativas do conselho de administração. São elas: a) fixar o âmbito de atuação da entidade, para consecução do seu objeto; b) aprovar a proposta de contrato de gestão da entidade; c) aprovar a proposta de orçamento da entidade e o programa de investimentos; d) designar e dispensar os membros da diretoria; e) aprovar e dispor sobre a alteração dos estatutos e a extinção da entidade por maioria, no mínimo, de dois terços de seus membros; f) aprovar o regimento interno da entidade, que deve dispor, no mínimo, sobre a estrutura, forma de gerenciamento, os cargos e as respectivas competências; g) aprovar por maioria, no mínimo de dois terços de seus membros, o regulamento próprio contendo os procedimentos que deve adotar para a contratação de obras, serviços, compras e alienações e o plano de cargos, salários e benefícios dos empregados da entidade; i) aprovar e encaminhar, ao órgão supervisor da execução do contrato de gestão, os relatórios gerenciais e de atividades da entidade, elaborados pela diretoria; j) fiscalizar o cumprimento das diretrizes e metas definidas e aprovar os demonstrativos financeiros e contábeis e as contas anuais da entidade, com o auxílio de auditoria externa.

  32. Op. Cit., p. 169.

  33. Op. Cit., p. 169.

  34. Op. Cit., p. 104.

  35. RIGOLIN, Ivan Barbosa. O Contrato de Gestão e Seus Mistérios. Consulex. Ano III. n.º 27. 31 de março de 1999.

  36. O art. 7º da Lei regula a matéria nestes termos: "Art. 7º - Na elaboração do contrato de gestão, devem ser observados os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e, também, os seguintes preceitos I – especificação do programa de trabalho proposto pela organização social, a estipulação das metas a serem atingidas e os respectivos prazos de execução, bem como a previsão expressa dos critérios de avaliação e desempenho a serem utilizados, mediantes indicadores de qualidade e produtividade; II – a estipulação dos limites e critérios para despesa com remuneração e vantagens de qualquer natureza a serem percebidas pelos dirigentes e empregados das organizações sociais no exercício de suas funções. Parágrafo único – Os Ministros de Estado ou autoridades supervisoras da área de atuação da entidade devem definir as demais cláusulas do contrato de gestão de que sejam signatários.

  37. Dispõem "in literis" os arts. 8º ao 10 da Lei 9.637/98: "Art. 8º - A execução do contrato de gestão celebrado por organização social será fiscalizada pelo órgão ou entidade supervisora da área de atuação correspondente à atividade fomentada.

    § 1º - A entidade qualificada apresentará ao órgão ou entidade do Poder Público supervisora signatária do contrato, ao término de cada exercício ou a qualquer momento, conforme recomende o interesse público, relatório pertinente à execução do contrato de gestão, contendo comparativo específico das metas propostas com os resultados alcançados, acompanhado da prestação de contas correspondente ao exercício financeiro.

    § 2º - Os resultados atingidos com a execução do contrato de gestão devem ser analisados, periodicamente, por comissão de avaliação, indicada pela autoridade supervisora da área correspondente, composta por especialistas de notória capacidade e adequada qualificação.

    § 3º - A Comissão deve encaminhar à autoridade supervisora relatório conclusivo sobre a avaliação procedida.

    Art. 9º - Os responsáveis pela fiscalização da execução do contrato de gestão, ao tomarem conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade na utilização de recursos ou bens de origem pública por organização social, dela darão ciência ao Tribunal de Contas da União, sob pena de responsabilidade solidária.

    Art. 10 - Sem prejuízo da medida a que se refere o artigo anterior, quando assim exigir a gravidade dos fatos ou o interesse público, havendo indícios fundados de malversação de bens ou recursos de origem pública, os responsáveis pela fiscalização representarão o Ministério Público, à Advocacia Geral da União ou à Procuradoria da entidade para que se requeira ao juízo competente a decretação da indisponibilidade dos bens da entidade e o seqüestro dos bens dos seus dirigentes, bem como do agente público ou terceiro, que possam Ter enriquecido ou causado dano ao patrimônio público.

    § 1º - O pedido de seqüestro será processado de acordo com o disposto nos arts. 822 e 825 do Código de Processo Civil.

    § 2º - Quando for o caso, o pedido incluirá a investigação, o exame e o bloqueio dos bens, contas bancárias e aplicações mantidas pelo demandado no País e no exterior e dos tratados internacionais.

    § 3º - Até o término da ação, o Poder Público permanecerá como depositário e gestor dos bens e valores seqüestrados ou indisponíveis e velará pela continuidade das atividades sociais da entidade."

  38. Op. Cit. P. 203 e 210.

  39. TÁCITO, Caio.A Reforma do Estado e a Modernidade Administrativa. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Renovar, jan./mar. 1999, v. 215, p. 7.

  40. Op. Cit., p. 143.

  41. Op. Cit., p. 150 a 152


Autor


Informações sobre o texto

Monografia inédita, apresentada em dezembro de 2001 perante a banca de Direito Administrativo da PUC/MG, sob a orientação do Professor Ary Fernando R. do Nascimento, mestre em Direito Administrativo pela UFMG, como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Direito, tendo obtido pontuação máxima.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA NETO, Belarmino José da. Organizações sociais: a viabilidade jurídica de uma nova forma de gestão compartilhada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. -274, 1 out. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3254. Acesso em: 26 abr. 2024.