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A não obrigatoriedade da filiação partidária

A não obrigatoriedade da filiação partidária

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O presente trabalho tem como objetivo oferecer o argumento jurídico hábil a suplantar a necessidade da filiação partidária para que o cidadão brasileiro seja elegível.

RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo oferecer o argumento jurídico hábil a suplantar a necessidade da filiação partidária para que o cidadão brasileiro possa ser elegível. Para tanto partirá da premissa de que a Constituição Federal de 1988 conflita com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969, importante instrumento multinacional protetivo dos direitos e garantias fundamentais do homem, ratificado e promulgado pelo Brasil. Sabe-se que especialmente no período pós-segunda guerra houve uma expansão no número de acordos internacionais, em especial no que diz respeito àqueles que versam sobre direitos fundamentais; sem que, no entanto, tenha sido totalmente superada a dicotomia entre monismo e dualismo quanto à sua força normativa ante a legislação interna de um Estado. Com o advento da emenda constitucional nº 45, contudo, no tocante aos tratados que versam sobre direitos humanos, a questão foi resolvida, porquanto lhes foi conferida força de emenda constitucional, desde que observadas as formalidades do art. 5º, § 3º, da CF/88. Não obstante, a dúvida se manteve relativamente aos tratados a ela anteriores, vez que sobre eles nada disse. Desta feita, em face das duas correntes dominantes no direito nacional, que se propõem a dar um deslinde à temática – a supralegalidade e a constitucionalidade –; este trabalho perlustrará o Pacto de São José da Costa Rica e a Lei Maior brasileira, notando a subversão daquele por esta, na medida em que exige a filiação partidária como condição de elegibilidade imprescindível, restringindo, destarte, o direito humano político passivo de ser eleito em maior medida do que permite o documento internacional em apreço; conferindo-lhe uma só solução, alcançada mediante os dois caminhos teóricos distintos: a não obrigatoriedade da filiação partidária.

PALAVRAS CHAVE: filiação partidária obrigatória. supralegalidade. constitucionalidade. norma mais benéfica. Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

 


1      INTRODUÇÃO

O Direito Internacional que hoje conhecemos teve sua origem há muito tempo, e é abundante a literatura que procura estabelecer com a maior exatidão possível o marco originário do direito das gentes (CASELLA; ACCIOLY; SILVA, 2012). No que diz respeito aos tratados como uma de suas fontes[1], procuram os estudiosos da matéria determinar qual foi o primeiro acordo firmado entre sujeitos de direito internacional. Em que pese a importância destas informações, afastemo-nos delas, porquanto independentemente do resultado alcançado, ter-se-á sempre a certeza de que na conjuntura internacional atual, fruto das duas grandes guerras mundiais, os acordos internacionais (bilaterais e multilaterais) representam importante conjunto de normas aplicáveis a uma multiplicidade de pessoas – no concernente a contratos por elas firmados, crimes cometidos, tributos pagos e etc. – nos quatro cantos do planeta.

Questão de suma estima no âmbito doutrinário é a atinente à relação entre o direito internacional e o direito interno dos Estados, uma vez que é difícil para alguns aceitar a ideia de abrir mão de parte de sua soberania em favor de uma ordem global. O ponto adquire maior valor quando passa a se tratar da relação entre o direito internacional humano e a ordem jurídica dos países. É que aqui o objetivo é assegurar e proteger os direitos fundamentais de todos os seres humanos, e não somente conduzir relações entre estados, entre os seus nacionais, ou organismos internacionais.

Na lição de Flávia Piovesan (2012) a internacionalização dos direitos humanos começa a se esboçar com o Direito Humanitário, a Liga das Nações e a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT). É, no entanto, apenas com a 2ª Guerra Mundial que começa a se consolidar, vindo à tona a questão referente ao afastamento da soberania dos Estados em face de violações neles cometidos (PIOVESAN, 2012). No período que se segue diversas organizações internacionais foram criadas com o fito de promover a proteção dos direitos mais fundamentais inerentes a todos os seres humanos, sendo a mais importante de todas a ONU (Organização das Nações Unidas), criada com a Carta das Nações Unidas de 1945, a qual consolida, ainda consoante as lições de Flávia Piovesan (2012, p.197), “o movimento de internacionalização dos direitos humanos, a partir do consenso de Estados que elevam a promoção desses direitos a propósito e finalidade das Nações Unidas.”

Hodiernamente o sistema internacional de proteção aos direitos humanos se encontra em um estágio de maior solidez, com diversos pactos a níveis global e regional, sem que, contudo, tenha sido efetivamente superada a questão acerca da sua relação com a legislação dos Estados. Nações existem que, não obstante signatárias de diversos tratados, não tomam as devidas medidas para adaptar seu direito interno àquele pactuado, incorrendo em múltiplas violações das obrigações contraídas, e com o nosso país a situação não se mostra diferente. Nesse sentido, o presente trabalho procurará trazer à baila apenas um dos possivelmente vários casos em que nossa legislação interna não apenas é insuficiente para garantir os direitos humanos consagrados em acordos multilaterais de que o Brasil é parte, mas que inclusive configura uma restrição infundada aos mesmos.

Em um primeiro momento se discorrerá a propósito dos tratados internacionais, dando-se um breve panorama de suas características principais, seus elementos e os procedimentos para sua formação e extinção. Ato contínuo, será abordada a relação entre os tratados internacionais e a Constituição Federal de 1988, passando-se para uma concisa análise do conflito entre monismo e dualismo, e em seguida para o entendimento que vinha sendo adotado pela nossa Corte Suprema desde 1977 quanto ao tema. Ocorre que em 2004, com a promulgação da Emenda Constitucional 45, inseriu-se no art. 5º da CF/88 o parágrafo 3º, atribuindo tratamento diferenciado aos tratados internacionais de direitos humanos aprovados de acordo com as formalidades por ele impostas; de modo que ficou a dúvida quanto aos tratados sobre a aludida matéria aprovados anteriormente ao ano de 2004. Desta feita, serão expostas as correntes doutrinárias de maior relevo atualmente, que se propõem a dar um deslinde à celeuma: a supralegalidade do Supremo Tribunal Federal, e a constitucionalidade de doutrinadores como Flávia Piovesan e Antônio Augusto Cançado Trindade. Enveredando pela segunda, se ponderará sobre as implicações dos acordos internacionais que carregam direitos humanos e a ordem jurídica pátria, trazendo à tona, inclusive, a solução a ser aplicada em caso de disposições conflitantes.

Continuará o trabalho com uma explanação alusiva aos direitos humanos políticos positivados no Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos), importante instrumento internacional de âmbito regional do qual o Brasil é signatário; e a previsão dos mesmos na Carta Política de 1988.

Por fim, se ressaltará a constitucionalidade da Convenção Americana de Direitos Humanos, o que levará a um cotejo entre os direitos humanos políticos nela previstos, e os elencados em nossa Lei Maior, iluminando-se o conflito existente entre as duas em relação à condição de elegibilidade insculpida no art. 14, § 3º, V, da Constituição de 1988, a saber, a filiação partidária. Não se pode, no entanto, apenas lançar a questão e não tentar solucioná-la, ao menos teoricamente. Destarte, se arriscará, partindo de dois raciocínios diferentes, formular uma resposta ao ponto suscitado.

A importância da temática a ser trabalhada justifica-se na medida em que a solução proposta irá, uma vez aplicada na prática, não só representar um avanço na garantia dos direitos humanos em nosso país, como também importará em um progresso para a nossa democracia.


2      A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E OS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS.

Tendo em vista o assunto de que se pretende tratar não somente nesse primeiro capítulo, como no presente trabalho como um todo, afiguram-se necessárias algumas considerações iniciais, as quais servirão de substrato para uma melhor compreensão da temática proposta. Destarte, curial discorrer, ainda que sucintamente, acerca dos tratados de direito internacional; passando-se, ato contínuo, a uma análise da relação que estes mantêm com a Constituição Federal de 1988, especialmente no que diz respeito àqueles que versam sobre direitos humanos.

2.1    Os tratados internacionais.

O tratado internacional conceitua-se como “todo acordo formal concluído entre pessoas jurídicas de direito internacional público [Estados e Organizações Internacionais], e destinado a produzir efeitos jurídicos.” (REZEK, 2013, p. 38). Para Casella; Accioly; Silva (2012, p. 158), “por tratado entende-se o ato jurídico por meio do qual se manifesta o acordo de vontades entre dois ou mais sujeitos de direito internacional.”

As Convenções de Viena de 1969 e 1986 definem tratado, sendo mais completa, no entanto, a acepção constante da primeira, pela qual, consoante dicção de seu art. 2º, 1, a, “‘tratado’ significa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica.”

Da definição positivada pelos documentos supracitados temos importantes informações elementares sobre os tratados internacionais, quais sejam: o necessário consentimento das partes, a sua forma escrita e os sujeitos. Percebe-se, ademais, que a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969 considerou importante introduzir no conceito questão pertinente à terminologia, explicitando não haver diferença alguma entre os termos tratado, acordo, carta, convenção, pacto, protocolo ou ajuste, por exemplo. Francisco Rezek (2013, p. 40), entretanto, nos mostra que na prática existem preferências quanto à utilização de certos termos:

[...] as mais das vezes, por exemplo, carta e constituição vêm a ser os nomes preferidos para tratados constitutivos de organizações internacionais, enquanto ajuste, arranjo e memorando têm largo trânsito na denominação de tratados bilaterais de importância reduzida. Apenas o termo concordata possui, em direito das gentes, significação singular: esse nome é estritamente reservado ao tratado bilateral em que uma das partes é a Santa Sé [...]

Quanto ao consentimento não poderia ser diferente, afinal os pactos internacionais se dispõem a regular situações as quais dizem respeito, no mínimo, a duas partes cujos interesses quase sempre são conflitantes, ainda que parcialmente. Destarte, em não concordando um dos sujeitos, frustrar-se-ia, ao menos para ele (no âmbito dos tratados multilaterais), a conclusão daquelas tratativas. Importante ressaltar, todavia, que na sistemática dos tratados negociados em conferência internacional, ou seja, nos tratados multilaterais; dispõe o art. 9, 2, da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados que o texto será aprovado mediante a maioria de dois terços dos Estados presentes e votantes, salvo quando, pela mesma maioria, esses Estados adotem regra diferente; implicando em uma mitigação da ideia de consentimento, porquanto este não necessita ser, em regra, unânime.

No concernente à forma, tem-se que esta será escrita. A oralidade via de regra diz respeito às normas consuetudinárias (costumes), as quais também consistem em fontes do direito internacional. Poderá o pacto, outrossim, consubstanciar-se em um ou mais instrumentos. Os sujeitos, por seu turno, são as pessoas jurídicas de direito internacional público: os Estados e as Organizações Internacionais.

Reunidos os três elementos alhures, passará a existir, portanto, um tratado de direito internacional. Sucede que, teoricamente[2], o acordo ainda não está em vigor para o Estado pactuante. Isso só ocorrerá com a sua ratificação, entendida essa como “o ato administrativo mediante o qual o chefe de estado confirma tratado firmado em seu nome ou em nome do estado, declarando aceito o que foi convencionado pelo agente signatário.” (CASELLA; ACCIOLY; SILVA, 2012, p. 167). Segundo Piovesan (2012, p. 103) “a ratificação é o ato jurídico que irradia necessariamente efeitos no plano internacional.” Assim, apenas com a ratificação do pacto pelo Poder Executivo (e esta somente pode ser realizada por ele) é que este passa a produzir seus efeitos, com a ressalva anteriormente feita da obrigação estatal de se abster da prática de atos que possam malograr seu objeto e finalidade. Será visto em momento posterior que no sistema brasileiro a convenção internacional só se torna passível de ratificação pelo Presidente da República após a sua aprovação pelo Congresso Nacional.

De suma importância quando se fala acerca do instituto da ratificação é a possibilidade de um pactuante formular reservas ao texto do tratado. Uma reserva nada mais é do que, conforme dispõe o art. 2, 1, d, da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados: “uma declaração unilateral, qualquer que seja a sua redação ou denominação, feita por um Estado [...], com o objetivo de excluir ou modificar o efeito jurídico de certas disposições do tratado em sua aplicação a esse Estado.” Nesse sentido, importante destacar que a previsão de se poderem firmar reservas garante o consentimento necessário à concretização dos tratados internacionais, vez que possibilita àqueles Estados que considerem inaceitáveis algumas disposições não sejam por elas obrigados. Ensina-nos Rezek (2013, p. 91) que:

As reservas são o corolário das naturais insatisfações que, ao término da negociação coletiva em conferência, ter-se-ão produzido, em relação a aspectos vários do compromisso, numa parte mais ou menos expressiva da comunidade estatal ali reunida.

Ressalte-se por fim, que as reservas não poderão ser formuladas quando o próprio tratado as proíba; quando disponha acerca das reservas possíveis, e a reserva em questão ali não figure; ou ainda quando a mesma seja incompatível com o objeto ou a finalidade do tratado.

Assim, após a sua entrada em vigor e passando o tratado a ser obrigatório para aqueles que o ratificaram ou a ele aderiram posteriormente, o mesmo só deixará de existir com a sua ab-rogação ou com a sua denúncia.

O primeiro método de extinção dos pactos de direito internacional pode dizer-se coletivo, porquanto consiste na vontade comum de todas as partes por ele obrigadas de pôr um termo ao mesmo. Já a denúncia consiste em método unilateral de extinção pelo qual “manifesta o Estado sua vontade de deixar de ser parte no acordo internacional.” (REZEK, 2013, p. 145).

Como dito no parágrafo que dá início a este capítulo, tudo o quanto foi até aqui explicitado consiste em uma breve análise acerca dos tratados internacionais, não sendo a pretensão desse trabalho exaurir o tema.

2.2    A Constituição Federal de 1988 e os tratados internacionais.

Havendo sido (sucintamente) superado o tema dos tratados internacionais, curial para a compreensão das páginas seguintes, veremos agora a relação que nossa Carta Magna de 1988 guarda com os tratados internacionais – dando-se maior ênfase à que mantêm com os acordos que versam sobre direitos humanos –, oportunidade na qual nos aprofundaremos mais na questão concernente aos conflitos entre tratados e legislação interna.

2.2.1   Conflito entre normas de direito internacional e legislação interna: monismo e dualismo.

Para se entender a relação entre a nossa Carta Magna e os tratados, faz-se necessário discorrer anteriormente acerca das relações entre direito internacional e direito interno. Existem, pois, no âmbito doutrinário, duas correntes bastante difundidas que buscam explicar como se dá esse fenômeno: a monista e a dualista.

A primeira corrente defende a unicidade do direito, ou seja, tanto o direito internacional como o direito interno de determinado Estado fazem parte de um mesmo ordenamento.  Subdivide-se, ademais, em duas: uma que advoga a superioridade do direito internacional e outra que defende o primado do direito interno.

Foi pelo caminho do primado do direito internacional que enveredou a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969, a qual dispõe em seu artigo 27 que “uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado.”

Para aqueles que defendem o dualismo, segundo Casella (2012, p. 237):

[...] direito internacional e direito interno seriam dois sistemas distintos, dois sistemas independentes e separados, que não se confundem. Salientam que num caso se trata de relações entre estados, enquanto, no outro, as regras visam à regulamentação das relações entre indivíduos [...] o direito internacional depende da vontade comum de vários estados, ao passo que os direitos internos dependem da vontade unilateral do estado. Em consequência, o direito internacional não criaria obrigações para o indivíduo, a não ser que as suas normas se vissem transformadas em direito interno.

A doutrina e a jurisprudência pátria, no entanto, interpretaram as duas correntes de pensamento supracitadas de modo a modificar-lhes o sentido original, dando origem ao dualismo extremado e moderado, bem como ao monismo radical e moderado (CASELLA; ACCIOLY; SILVA, 2012). Entendem Casella; Accioly; Silva (2012, p. 238) que “nas suas modalidades moderadas, tanto do monismo quanto do dualismo, em verdade subverteram-se ambas as teorias, por terem sido suprimidas etapas que as integravam de forma essencial.”

Para o dualismo radical é imprescindível a edição de lei incorporando a matéria do tratado à ordem jurídica interna. Já para a vertente moderada do dualismo não é necessária a referida lei, sendo a integração da norma ao ordenamento nacional realizada através de procedimento complexo, com aprovação pelo legislativo e ulterior promulgação pelo executivo.

O monismo radical, a seu turno, prega a supremacia do tratado internacional sobre o direito interno, ao passo que os monistas moderados equiparam hierarquicamente os tratados às leis ordinárias, subordinando-os, consequentemente, à Constituição e ao critério cronológico (lei posterior derroga lei anterior) em caso de eventual conflito (CASELLA; ACCIOLY; SILVA, 2012).

2.2.2   A Constituição e o entendimento do Supremo Tribunal Federal.

A Carta Magna de 1988 não oferece solução à problemática do conflito entre obrigações advindas de tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Na verdade, a nossa Lei Maior é omissa quanto à força normativa desses diplomas no ordenamento jurídico pátrio, razão pela qual coube à doutrina e à jurisprudência, pautadas pelas correntes explanadas anteriormente, encontrar uma saída para a questão.

Com efeito, a Carta Política de 1988 menciona os tratados internacionais de maneira expressa em 09 (nove) oportunidades: a) no seu artigo 5º, parágrafo 2º; b) no mesmo artigo 5º, parágrafo 3º; c) no inciso I, do artigo 49; d) no artigo 84, inciso VIII; e) no artigo 102, III, b; f) no artigo 105, III, a; g) no artigo 109, III; h) no inciso V do artigo 109; e i) no parágrafo 5º do artigo 109.

O expresso nos parágrafos 2º e 3º, do artigo 5º da CF/88, diz respeito, respectivamente, à incorporação dos direitos e garantias previstos em tratados internacionais na ordem constitucional pátria; bem como ao quórum necessário para que os tratados e convenções sobre direitos humanos tenham força de emendas constitucionais. Frise-se, não obstante esses dispositivos venham a ser melhor estudados posteriormente, que apenas nesse momento o legislador constituinte (derivado) positivou regra atinente à força normativa de pactos internacionais, equiparando os tratados que versam sobre direitos humanos às emendas constitucionais, desde que aprovados em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos de votação, por três quintos dos seus membros.

Os artigos 49, I, e 84, VIII, ambos da Carta Política de 1988, por seu turno, dispõem, respectivamente, acerca da competência do Congresso Nacional para “resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional”, e da competência do Presidente da República para “celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional” - aqui se percebe uma opção do legislador constituinte originário pelo dualismo moderado, porquanto prevê procedimento complexo para a integração da normativa internacional pelo direito pátrio, conforme explicado anteriormente.

Quanto aos demais dispositivos constitucionais citados, estes dizem respeito, na devida ordem, à competência do Supremo Tribunal Federal para “julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal”; à competência do Superior Tribunal de Justiça para “julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida contrariar tratado [...]”, ou negar-lhe vigência; à competência dos Juízes Federais para processar e julgar “as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional” e “os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente”; e a possibilidade do Procurador Geral da República, com objetivo de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja signatário, suscitar, perante o STJ, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal.

Ora, dos artigos constitucionais acima se percebe aquilo que já foi frisado: a Constituição Federal de 1988 não indica qual o caráter normativo das disposições contidas nos Tratados de Direito Internacional dos quais o Brasil seja parte, pelo que coube à doutrina e à jurisprudência nacionais debruçar-se sobre o ponto.

Flávia Piovesan (2012, p. 116), excetuando os tratados internacionais que versam de direitos humanos, defende a hierarquia infraconstitucional, mas supralegal dos tratados tradicionais (monismo radical), a qual:

[...] é extraída do art. 102, III, b, da Constituição Federal de 1988, que confere ao Supremo Tribunal Federal a competência para julgar, mediante recurso extraordinário, “as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal.”

O Supremo Tribunal Federal, no entanto, perfilhava, desde 1977, entendimento diferente, quando com o julgamento do RE 80.004-SE, decidiu no sentido de que a legislação interna superveniente teria o condão de afetar tratado em vigor a ela anterior, ressalvando tão somente o caso específico da matéria tributária (art. 98, do Código tributário Nacional). Nesse sentido, Rezek (2013, p. 129):

De 1975 a junho de 1977 estendeu-se, no plenário do Supremo Tribunal Federal, o julgamento do Recurso extraordinário 80.004, em que assentada por maioria a tese de que, ante a realidade do conflito entre tratado e lei posterior, esta, porque expressão última da vontade do legislador republicano, deve ter sua prevalência garantida pela Justiça – não obstante as consequências do descumprimento do tratado, no plano internacional.

Ainda, continua o eminente doutrinador (2013, p. 130):

A maioria valeu-se de precedentes do próprio Tribunal para dar como certa a introdução do pacto [...] na ordem jurídica brasileira, desde sua promulgação. Reconheceu em seguida o conflito real entre o pacto e um diploma doméstico de nível igual ao das leis federais ordinárias [...] Entenderam as vozes majoritárias que, faltante na Constituição do Brasil garantia de privilégio hierárquico do tratado internacional sobre as leis do Congresso, era inevitável que a Justiça devesse garantir a autoridade da mais recente das normas, porque paritária sua estatura no ordenamento jurídico.

Observa-se, portanto, que o Supremo Tribunal Federal aderiu expressamente à corrente denominada monismo moderado, porquanto equiparou os tratados internacionais à legislação ordinária, aplicando, inclusive, o critério “lex posteriori derogat priori”; incorrendo, ademais, em afronta ao disposto no artigo 27[3] da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados.

O monismo moderado externado pelo STF, inobstante o haja sido anteriormente à Constituição de 1988, foi aplicado em julgamentos já sob a égide da nova Carta, até mesmo no tocante aos direitos provenientes de tratados internacionais sobre direitos humanos (PIOVESAN, 2012).

Não se pode, no entanto, data venia, corroborar o entendimento do Supremo Tribunal Federal, ao menos no que diz respeito aos pactos que abordam direitos humanos, como será visto a seguir.

2.2.3   A força dos tratados internacionais sobre direitos humanos perante a Constituição Federal.

Como visto o Supremo Tribunal Federal, desde 1977, aplicava às relações entre direito interno e direito internacional a vertente doutrinária do monismo moderado, equiparando os tratados internacionais à legislação ordinária doméstica, possibilitando que esta tornasse aqueles ineficazes.

No âmbito dos tratados que aventam direitos humanos a discussão é digna de maior atenção, pois que está a se falar de direitos fundamentais da pessoa humana, os quais merecem especial proteção, não somente na seara internacional, como também na legislação interna da maior parte dos Estados. Destarte, não se pode admitir sejam as normas internacionais que lhes conferem guarida, equiparadas ao direito de determinada nação, aplicando-se a elas os critérios pertinentes aos conflitos de fontes, sob pena de se considerar lídima a hipótese da legislação nacional suprimir direitos humanos fundamentais, provenientes de obrigações internacionalmente assumidas.

Com esse enfoque foi que o legislador constituinte derivado introduziu mediante a Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, o parágrafo 3º no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, o qual, versando sobre a força normativa dos aludidos instrumentos, dispõe que “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”[4]; conferindo, portanto, aos pactos internacionais sobre direitos humanos aprovados naqueles termos, hierarquia constitucional, tornando inaplicável o monismo moderado nesse sentido. Essas normas, outrossim, passaram a ostentar o caráter de normas materialmente e formalmente constitucionais.

Não obstante a inovação decorrente da EC 45/2004, há ainda grande celeuma quanto à condição dos pactos sobre direitos humanos aprovados anteriormente à sua vigência, e que não observaram, portanto, as formalidades exigidas para a sua equiparação às emendas constitucionais; pois a aludida emenda nº 45 quedou-se silente quanto à questão. Nesse toar, existem hodiernamente duas teses de grande relevo[5]: a tese da supralegalidade dos pactos relativos a direitos humanos, a qual se sagrou majoritária no âmbito do Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 466.343, em dezembro de 2008; e a tese de sua constitucionalidade, igualmente externada no referido julgamento, porém minoritária, e consequentemente vencida na oportunidade.

O Recurso Extraordinário nº 466.343, julgado em 03 de dezembro de 2008, representa importante divisor de águas na jurisprudência da Corte Constitucional, porquanto importa no abandono do monismo moderado de outrora, reconhecendo não haver paridade entre os tratados internacionais de direitos humanos que não foram aprovados nos moldes do parágrafo 3º, do art. 5º, da CF/88, e a legislação nacional; senão a superioridade daqueles.

O recurso em comento versava sobre hipótese de prisão civil por dívida de alienação fiduciária em garantia – a famigerada prisão civil do depositário infiel, prevista em nossa Constituição no seu artigo 5º, inciso LXVII. Discutia-se acerca da possibilidade de extensão à mesma da proibição constante do art. 7, § 7º, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), o qual permite a prisão civil tão somente por dívida referente a obrigação alimentícia. Na hipótese, decidiu o STF pela superioridade do tratado internacional, sendo merecedor de proteção o direito ali consubstanciado. Segundo Flávia Piovesan (2012, p. 133):

O entendimento unânime do Supremo Tribunal Federal foi no sentido de conferir prevalência ao valor da liberdade, em detrimento do valor da propriedade, em se tratando de prisão civil do depositário infiel, com ênfase na importância do respeito aos direitos humanos. O supremo firmou, assim, a orientação no sentido de que a prisão civil por dívida no Brasil está restrita à hipótese de inadimplemento voluntário e inescusável de prestação alimentícia. Convergiu, ainda, o Supremo Tribunal Federal em conferir aos tratados de direitos humanos um regime especial e diferenciado, distinto do regime jurídico aplicável aos tratados tradicionais. Todavia, divergiu no que se refere especificamente à hierarquia a ser atribuída aos tratados de direitos humanos, remanescendo dividido entre a tese da supralegalidade e a tese da constitucionalidade dos tratados de direitos humanos, sendo a primeira a tese majoritária [...]

Imperioso transcrever excerto do voto do Ministro Gilmar Mendes, defensor da supralegalidade, o qual refutou a possibilidade de se admitir a hierarquia constitucional daqueles tratados anteriores à EC 45/2004:

[...] parece que a discussão em torno do status constitucional dos tratados de direitos humanos foi, de certa forma, esvaziada pela promulgação da Emenda Constitucional nº 45/2004 [...] a qual trouxe como um dos seus estandartes a incorporação do § 3º ao art. 5º [...] Em termos práticos, trata-se de uma declaração eloquente de que os tratados já ratificados pelo Brasil, anteriormente à mudança constitucional, e não submetidos ao processo legislativo especial de aprovação no Congresso Nacional, não podem ser comparados às normas constitucionais. (BRASIL, 2009, p. 39).

Segue:

Não se pode negar, por outro lado, que a reforma também acabou por ressaltar o caráter especial dos tratados de direitos humanos em relação aos demais tratados de reciprocidade entre os estados pactuantes, conferindo-lhes lugar privilegiado no ordenamento jurídico. (BRASIL, 2009, p. 39).

E arremata:

Portanto, diante do inequívoco caráter especial dos tratados internacionais que cuidam da proteção dos direitos humanos, não é difícil entender que a sua internalização no ordenamento jurídico, por meio do procedimento de ratificação previsto na Constituição, tem o condão de paralisar a eficácia jurídica de toda e qualquer disciplina normativa infraconstitucional com ela conflitante [...] é possível concluir que diante da supremacia da Constituição sobre os atos normativos internacionais a previsão constitucional da prisão civil do depositário infiel (art. 5º, LXVII) não foi revogada [...] mas deixou de ter aplicabilidade diante do efeito paralisante desses tratados em relação à legislação infraconstitucional que disciplina a matéria [...] Tendo em vista o caráter supralegal desses diplomas normativos internacionais, a legislação infraconstitucional posterior que com eles seja conflitante também tem sua eficácia paralisada. (BRASIL, 2009, p. 55).

Em sentido contrário foram os votos vencidos dos Ministros Celso de Mello, Cezar Peluso, Ellen Gracie e Eros Grau, que entenderam pelo status constitucional dos tratados de direitos humanos, afiliando-se, assim, à parcela da doutrina representada, primordialmente, por Antônio Augusto Cançado Trindade e Flávia Piovesan.

Para aqueles que, como os citados acima, advogam o status constitucional dos acordos internacionais em matéria de direitos humanos, tal condição advém da própria Carta Magna, quando em seu art. 5º, § 2º, dispõe que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.” Entende Flávia Piovesan (2012, p. 108) que:

[...] ao prescrever que “os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros direitos decorrentes dos tratados internacionais”, a contrario sensu, a Carta de 1988 está a incluir, no catálogo de direitos constitucionalmente protegidos, os direitos enunciados nos tratados internacionais em que o Brasil seja parte. Esse processo de inclusão implica a incorporação pelo Texto Constitucional de tais direitos.

E continua a notável doutrinadora (2012, p. 108) o raciocínio, aduzindo que:

Ao efetuar a incorporação, a Carta atribui aos direitos internacionais uma natureza especial e diferenciada, qual seja, a natureza de norma constitucional. Os direitos enunciados nos tratados de direitos humanos de que o Brasil é parte integram, portanto, o elenco dos direitos constitucionalmente consagrados. Essa conclusão advém ainda de interpretação sistemática e teleológica do Texto, especialmente em face da força expansiva dos valores da dignidade humana e dos direitos fundamentais, como parâmetros axiológicos a orientar a compreensão do fenômeno constitucional.

De fato, não há como se proceder a uma leitura diferenciada do supracitado § 2º do art. 5º da Constituição Federal de 1988, vez que o mesmo insere os direitos e garantias decorrentes dos tratados internacionais assinados pelo Brasil no rol daqueles constitucionalmente protegidos.  Ora, se não os exclui, logicamente os acolhe, os aceita como parte integrante da normativa constitucional.

Seguem os defensores da constitucionalidade dos direitos elencados em documentos internacionais, ainda com espeque no multicitado artigo 5º, parágrafo 2º, da Lei Maior; argumentando no sentido de terem os direitos fundamentais natureza materialmente constitucional, consectário lógico do quanto acima exposto.

Ao positivar que não serão excluídos aqueles direitos consubstanciados em tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, integrando-os, pois, ao elenco dos direitos e garantias fundamentais abrigados pela Constituição, o legislador originário admitiu o seu caráter materialmente constitucional. Na verdade, por força do art. 1º, III, da nossa Constituição, o qual dispõe ser a dignidade da pessoa humana fundamento da República Federativa do Brasil, e, por conseguinte, do sistema constitucional pátrio, todos os direitos humanos possuem referida condição material de norma constitucional.

Para Flávia Piovesan (2012, p. 114), a interpretação acima, no sentido de se estender aos direitos enunciados em pactos internacionais o regime constitucional “é consoante com o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais.” Ademais:

[...] todas as normas constitucionais são verdadeiras normas jurídicas e desempenham uma função útil no ordenamento. A nenhuma norma constitucional se pode dar interpretação que lhe retire ou diminua a razão de ser. Considerando os princípios da força normativa da Constituição e da ótima concretização da norma, à norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê, especialmente quando se trata de norma instituidora de direitos e garantias fundamentais [...] Está-se assim a conferir máxima efetividade aos princípios constitucionais, em especial ao princípio do art. 5º, §2º, ao entender que os direitos constantes dos tratados internacionais passam a integrar o catálogo dos direitos constitucionalmente previstos. (PIOVESAN, 2012, p. 115).

Seguindo a interpretação acima exposta, aqueles que entendem pela hierarquia constitucional dos tratados de direitos humanos, postulam, igualmente, que o art. 5º, § 2º, da Carta Magna, ao reconhecer a sua natureza constitucional, diferenciou-os dos demais acordos de reciprocidade entre as diversas nações; resultando em uma duplicidade de regimes jurídicos aplicáveis: em matéria de tratados que versem sobre direitos humanos, aplicar-se-ia a teoria que lhes confere hierarquia constitucional, ao passo que no tocante aos demais ajustes se lhes garantiria hierarquia infraconstitucional.

Não bastasse a coerência lógico-constitucional da interpretação acima, pautada pelo princípio basilar de nosso ordenamento político-jurídico de prevalência da dignidade da pessoa humana, no sentido de se afastar qualquer dúvida acerca da hierarquia constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos; a doutrina ainda rechaça o entendimento (assentado pelo Supremo Tribunal Federal no RE 466.343) segundo o qual, devido ao contido no § 3º do art. 5º, os pactos anteriormente ratificados não poderiam ter status constitucional, porquanto não teriam observado as formalidades impostas pelo aludido dispositivo. Flávia Piovesan (2012, p. 128) bem observa que:

[...] os tratados de proteção dos direitos humanos ratificados anteriormente à Emenda Constitucional n. 45/2004 contaram com ampla maioria na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, excedendo, inclusive, o quórum de três quintos dos membros em cada Casa. Todavia não foram aprovados por dois turnos de votação [...] uma vez que o procedimento de dois turnos era tampouco previsto.

Ressaltam, ademais, os partidários da sua constitucionalidade, que o rito demandado pelo § 3º tão somente reforça a materialidade constitucional dos tratados internacionais, permitindo a atribuição aos posteriores à EC 45/2004 de caráter formalmente constitucional. Atentam, igualmente, para a irrazoabilidade de se admitir a recepção de tratados já ratificados como lei federal, ao passo que os posteriores à EC 45 adquiririam hierarquia constitucional devido ao quórum qualificado de aprovação. Oportuna a transcrição de exemplo proposto pela eminente doutrinadora Flávia Piovesan (2012, p. 129):

A título de exemplo, destaque-se que o Brasil é parte do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais desde 1992. Por hipótese, se vier a ratificar – como se espera – o Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, adotado pela ONU, em 10 de dezembro de 2008, não haveria qualquer razoabilidade a se conferir a este último – um tratado complementar e subsidiário ao principal – hierarquia constitucional e ao instrumento principal, hierarquia meramente legal.

No entendimento da professora Piovesan (2012, p. 129) a concretização da situação acima “importaria em agudo anacronismo do sistema jurídico, afrontando, ainda, a teoria geral da recepção acolhida no direito brasileiro.” Como exemplo, cita a doutrinadora (2012, p. 129) o caso do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172/1966), lei ordinária recepcionada pela Constituição Federal de 1988 como lei complementar, consoante o seu artigo 146.[6] O ex-Ministro do STF e ex-Juiz da Corte Internacional de Justiça, Francisco Rezek (2013, p. 140), corrobora esse entendimento:

[...] é sensato crer que ao promulgar esse parágrafo [3º] na Emenda Constitucional 45, de 8 [sic] de dezembro de 2004, sem nenhuma ressalva abjuratória dos tratados sobre direitos humanos outrora concluídos mediante processo simples, o Congresso constituinte os elevou à categoria dos tratados de nível constitucional. Essa é uma equação jurídica da mesma natureza daquela que explica que nosso Código Tributário, promulgado a seu tempo como lei ordinária, tenha se promovido a lei complementar à Constituição desde o momento em que a carta disse que as normas gerais de direito tributário deveriam estar expressas em diploma dessa estatura.

Ainda, acresça-se que em consequência da regra encerrada no art. 5º, § 1º, da Constituição Federal, pela qual “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”, os preceitos constantes dos documentos internacionais sobre direitos humanos, por serem desta natureza, não carecem de qualquer regulamentação para que sejam empregados e exigida a sua observância.

Não resta espaço, portanto, para desconfianças quanto à hierarquia constitucional dos tratados internacionais sobre direitos humanos dos quais o Brasil seja signatário, vez que a própria Carta Magna em seu art. 1º, III, ao positivar a dignidade da pessoa humana como fundamento de todo o nosso sistema político, conferiu a todas as normas que versem sobre direitos humanos caráter de normas materialmente constitucionais. Essa materialidade é expressa, ademais, pelo § 2º do art. 5º, o qual dispõe serem os direitos e garantias decorrentes de tratados internacionais integrantes do rol daqueles constitucionalmente protegidos.

Existe, no entanto, mais um ponto que merece ser tratado: aquele relativo à hipótese de suprimir o legislador constituinte derivado os direitos decorrentes dos tratados internacionais de direitos humanos.

Ao garantir-se hierarquia constitucional aos tratados que aventam direitos humanos originam-se duas situações: uma concernente àqueles tratados materialmente constitucionais, ratificados anteriormente à Emenda Constitucional nº 45/2004, e outra relativa aos acordos material e formalmente constitucionais, aprovados em observância ao quórum qualificado exigido pelo § 3º. Há, no entanto, um ponto em comum entre as duas. Vejamos.

Decorrência lógica da hierarquia constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos, quer dos apenas materialmente constitucionais (art. 5º, § 2º, da CF/88), quer daqueles que o são material e formalmente (art. 5º, §§ 2º e 3º, da CF/88); é que os direitos por eles introduzidos em nosso ordenamento jurídico constituirão cláusula pétrea, nos termos do art. 60, § 4º, da Carta de 1988.[7] Destarte, não poderão ser abolidos por emenda constitucional.

Quanto àqueles tratados que possuem condição de normas materialmente e formalmente constitucionais, não há maiores problemas, porquanto além de não poderem ser suprimidos mediante emenda constitucional, não podem ser objeto de denúncia pelo Chefe do Executivo já que os direitos por ele aventados foram introduzidos em nossa Lei Maior “não apenas pela matéria que veiculam, mas pelo grau de legitimidade popular contemplado pelo especial e dificultoso processo de sua aprovação.” (PIOVESAN, 2012, p. 142). Continua a referida doutrinadora (2012, p. 142):

Ora, se tais direitos internacionais passaram a compor o quadro constitucional, não só no campo material, mas também no formal, não há como admitir que um ato isolado e solitário do Poder Executivo subtraia tais direitos do patrimônio popular – ainda que a possibilidade de denúncia esteja prevista nos próprios tratados de direitos humanos ratificados [...] É como se o Estado houvesse renunciado a essa prerrogativa de denúncia, em virtude da “constitucionalização formal” do tratado no âmbito jurídico interno.

Já no caso dos tratados materialmente constitucionais, ou seja, aqueles que não observaram o quórum advindo da introdução do § 3º no art. 5º da Constituição, aduz Flávia Piovesan (2012, p. 140) que inobstante os direitos neles veiculados não sejam passíveis de eliminação através de emenda constitucional, poderão ser subtraídos pelo Estado que os incorporou através da denúncia do acordo internacional que os enumera.

Uma vez garantida a hierarquia constitucional – tese a qual será seguida nesse trabalho – aos tratados de direitos humanos, surge uma questão de extremo relevo, a ser tratada a seguir: o impacto dos direitos consubstanciados naqueles documentos em nosso ordenamento jurídico interno.

2.2.4   As implicações dos pactos de direitos humanos na ordem jurídica pátria.

Com a constitucionalização dos pactos internacionais de direitos humanos depara-se o nosso ordenamento interno com novos direitos e garantias fundamentais, os quais inobstante não estejam expressamente consignados no texto da nossa Lei Maior, são, ante tudo o que já foi exposto, parte da mesma. Com efeito, existem diversas disposições de nossa Constituição que são reproduções de outras constantes em acordos multilaterais. Como exemplo poderíamos citar a proibição de tortura, tratamento cruel, desumano ou degradante, positivada no art. 5º, III[8], e cópia fiel do art. V[9] da Declaração Universal de Direitos Humanos, do art. 7º[10] do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, bem como do art. 5º, 2[11], do Pacto de São José da Costa Rica. Nesse sentido, “o Direito Internacional dos Direitos Humanos pode reforçar a imperatividade dos direitos constitucionalmente garantidos.” (PIOVESAN, 2012, p. 164).

Há, por outro lado, a possibilidade de os tratados internacionais ampliarem o rol de direitos constitucionalmente garantidos. É o que sucede com os demais dispositivos que não foram reproduzidos por nossa Carta Magna, mas que devido à sua condição de normas materialmente constitucionais, dela fazem parte. Conforme os ensinamentos de Flávia Piovesan (2012, p. 160):

Esse elenco de direitos enunciados em tratados internacionais de que o Brasil é parte inova e amplia o universo de direitos nacionalmente assegurados, na medida em que não se encontram previstos no Direito interno. Observe-se que o elenco não é exaustivo: tem por finalidade apenas apontar, exemplificativamente, direitos consagrados nos instrumentos internacionais ratificados pelo Brasil e que se incorporam à ordem jurídica interna brasileira. Desse modo, percebe-se como o Direito Internacional dos Direitos Humanos inova, estende e amplia o universo dos direitos constitucionalmente assegurados.

Quanto à situação ampliativa dos direitos e garantias constitucionais pelos pactos internacionais não há problema algum, porquanto apenas se está a fazer uma introdução positiva de direitos em nosso ordenamento pátrio, completando-o, portanto. O legislador constitucional originário não poderia (tampouco era essa a sua intenção) enumerar de maneira exaustiva em nossa constituição todos os direitos fundamentais do homem, razão pela qual escreveu os artigos 1º, III, e 5º, § 2º, ambos da Constituição Federal. Existe, porém, uma terceira possibilidade.

É possível que surja um conflito entre os direitos humanos consubstanciados em instrumentos internacionais e a Constituição de 1988. A solução a ser adotada, nesses casos, será a da prevalência da norma mais favorável ao titular do direito. Segundo Antônio Augusto Cançado Trindade (1991 apud PIOVESAN, 2012, p. 164-165):

Desvencilhamo-nos das amarras da velha e ociosa polêmica entre monistas e dualistas; neste campo de proteção, não se trata de primazia do Direito Internacional ou do Direito interno, aqui em constante interação: a primazia é, no presente domínio, da norma que melhor proteja, em cada caso, os direitos consagrados da pessoa humana, seja ela uma norma de Direito Internacional ou de Direito interno.

O artigo 29, b, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), acaba por positivar o princípio interpretativo da prevalência da norma mais benéfica à pessoa, quando ao tratar acerca das normas de interpretação, dispõe, in verbis:

Artigo 29 - Normas de interpretação

Nenhuma disposição da presente Convenção pode ser interpretada no sentido de:

[...]

b) limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos em virtude de leis de qualquer dos Estados-partes ou em virtude de Convenções em que seja parte um dos referidos Estados;

Destarte, se a Constituição Federal de 1988 garantir às pessoas determinado direito, e este resulte conflitante com algum outro elencado em pacto do qual o Brasil seja signatário, deverão os aplicadores do direito optar pela norma que confira uma situação melhor ao ser humano.

Pois bem, introduzidas noções basilares acerca dos tratados internacionais, e havendo-se trilhado todo um caminho acerca de suas relações com o ordenamento jurídico interno brasileiro, principalmente no que diz respeito à condição dos pactos sobre direitos humanos em face da Constituição de 1988 – a qual para o presente trabalho é a de sua hierarquia constitucional –; culminando com a indicação da solução a ser adotada em caso de eventual conflito entre direitos expressamente constantes da Carta Política e aqueles dos instrumentos internacionais (prevalência da norma mais benéfica/favorável), pode se passar agora à segunda parte do estudo, porquanto garantida parte dos elementos básicos necessários ao deslinde da questão proposta.


3      OS DIREITOS POLÍTICOS NO PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA E NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO.

Quando se fala acerca dos pactos internacionais de direitos humanos (e consequentemente dos sistemas protetivos criados com o fito de garantir-lhes efetividade), deve-se ter em mente que os mesmos existem em duas esferas diferenciadas, mas não excludentes entre si. Nesse sentido concluiu o 28º relatório da Organização para o Estudo da Organização da Paz (1980, apud PIOVESAN, 2012, p. 321):

Pode ser afirmado que o sistema global e o sistema regional para a promoção e proteção dos direitos humanos não são necessariamente incompatíveis; pelo contrário, são ambos úteis e complementares. As duas sistemáticas podem ser conciliadas em uma base funcional: o conteúdo normativo de ambos os instrumentos internacionais, tanto global como regional, deve ser similar em princípios e valores, refletindo a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que é proclamada como um código comum a ser alcançado por todos os povos e todas as Nações. O instrumento global deve conter um parâmetro normativo mínimo, enquanto que o instrumento regional deve ir além, adicionando novos direitos, aperfeiçoando outros, levando em consideração as diferenças peculiares em uma mesma região ou entre uma região e outra. O que inicialmente parecia ser uma seria dicotomia – o sistema global e o sistema regional de direitos humanos – tem sido solucionado satisfatoriamente em uma base funcional.

Pois bem, a primeira esfera diz respeito aos tratados e sistemas protetivos de âmbito universal, ao passo que a segunda engloba aqueles abrangentes de determinados domínios regionais. Estes, como o próprio nome já informa, dizem respeito a certas regiões geográficas, sendo o ingresso neles permitido tão somente aos países compreendidos na respectiva área, a qual também baliza sua atuação; dos quais se têm como exemplos a Convenção Europeia de Direitos Humanos de 1950, a Convenção Americana de Direitos Humanos (1969) e a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos de 1981. Aqueles, por serem produzidos no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU), são concernentes a todos os Estados da comunidade internacional, não se restringindo a atuação de seus respectivos sistemas de proteção a uma ou outra região do globo (PIOVESAN, 2012, p. 317). Como exemplos podemos citar, dentre outros, a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1992.

Não obstante o Brasil seja signatário de 15 (quinze) documentos referentes aos direitos humanos em âmbito global e de 04 (quatro) tratados de caráter regional, todos, inclusive, já ratificados (PIOVESAN, 2012); somente será tratada a seguir a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, comumente conhecida como Pacto de San José/São José da Costa Rica, especialmente no que diz respeito ao direito consubstanciado em seu artigo 23; e seu conflito com disposições de nossa legislação interna.

3.1    O Pacto de San José da Costa Rica e os direitos políticos.

A Convenção Americana de Direitos Humanos foi adotada no âmbito da Organização dos Estados Americanos na data de 22 de novembro de 1969, em San José da Costa Rica, daí o porquê de ser também conhecida como Pacto de San José/São José da Costa Rica. No entanto, foi apenas em 18 de julho de 1978 que entrou em vigor internacionalmente com o depósito do 11º instrumento de ratificação/adesão, na forma requerida pelo seu art. 74, 2.[12]

O Brasil, por sua vez, apenas a ratificou em 25 de setembro de 1992, data do depósito de sua carta de adesão; promulgando-a mediante o Decreto nº 678, de 06 de novembro de 1992, ou seja, transcorridos quase 15 (quinze) anos de sua entrada em vigor internacionalmente. Não obstante, apenas uma reserva foi feita, sob a denominação de “declaração interpretativa”, pela qual, nas palavras do art. 2º do decreto acima mencionado, “o Governo do Brasil entende que os arts. 43 e 48, alínea d não incluem o direito automático de visitas e inspeções in loco da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, as quais dependerão da anuência expressa do Estado.” Destarte, todas as demais disposições constantes do aludido documento foram aceitas pelo Estado Brasileiro, sendo imperioso o seu total cumprimento; o que foi inclusive positivado no artigo 1º[13] do supracitado Decreto nº 678.

Pois bem. O Pacto de São José da Costa Rica traz em seu bojo, ao longo de 82 artigos, um amplo rol de direitos fundamentais da pessoa humana, divididos em direitos civis e políticos (artigos 3º a 25) e direitos econômicos, sociais e culturais (artigo 26); ademais de deveres dos Estados signatários e das pessoas protegidas, bem como disposições relativas aos meios de proteção e garantia destes direitos, além das disposições gerais e transitórias.

Merecem destaque os deveres orientados aos Estados-partes, insculpidos nos artigos 1º e 2º da Convenção, pelos quais aqueles se comprometem, respectivamente, a respeitar os direitos e liberdades reconhecidos no tratado, garantindo a toda pessoa sujeita à sua jurisdição, seu livre e pleno exercício, sem discriminação alguma; bem como a adotar, caso os direitos e liberdades mencionados no acordo não estejam garantidos por quaisquer disposições, as medidas legislativas ou de outra natureza necessárias à sua efetivação.

No tocante aos direitos humanos per si, podemos citar exemplos que são bastante conhecidos de grande parcela da população mundial – ainda que não sejam por ela observados –, como o direito à vida (art. 4º), o direito à integridade pessoal (art. 5º), a proibição de trabalho escravo (art. 6º), a proteção da família (art. 17) e os direitos da criança (art. 19). Estes são alvo constante de debates legislativos e na mídia. Parece, inclusive, que lhes é dado maior importância em relação aos demais.

Há, no entanto, certos direitos igualmente constantes não só da Convenção Americana de Direitos Humanos, como de outros documentos internacionais, que são relegados a segundo plano; de modo que atualmente são maculados pela legislação interna dos Estados, até mesmo por suas Constituições. Nesse sentido, levando-se em consideração o Brasil, Flávia Piovesan (2012) traz excelente exemplo de inobservância de garantia positivada em tratados internacionais de direitos humanos, pela Constituição Federal de 1988: a liberdade sindical, garantida pelo art. 22 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos[14], bem como pelo art. 16 da Convenção Americana de Direitos Humanos[15], e restringida pelo art. 8º, II, da Carta Política de 1988.[16]

Outro direito fundamental internacionalmente garantido, ao qual, entretanto, não é dada a devida atenção – e que, consoante será demonstrado oportunamente, não é respeitado pela legislação pátria –, é o direito político de ser eleito (elegibilidade), constante do artigo 23, b, do Pacto de San José da Costa Rica.

Com efeito, o supracitado artigo 23 reza:

Artigo 23 – Direitos políticos

1. Todos os cidadãos devem gozar dos seguintes direitos e oportunidades:

a) de participar da condução dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes livremente eleitos;

b) de votar e ser eleito em eleições periódicas, autênticas, realizadas por sufrágio universal e igualitário e por voto secreto, que garantam a livre expressão da vontade dos eleitores; e

c) de ter acesso, em condições gerais de igualdade, às funções públicas de seu país.

2. A lei pode regular o exercício dos direitos e oportunidades, a que se refere o inciso anterior, exclusivamente por motivo de idade, nacionalidade, residência, idioma, instrução, capacidade civil ou mental, ou condenação, por juiz competente, em processo penal.

Antes de tudo, curial frisar que os direitos políticos foram expressamente reconhecidos dentro de tratados multilaterais de âmbito universal no pós-guerra como sendo direitos fundamentais da pessoa humana desde a adoção pela ONU, em 10 de dezembro de 1948, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo XXI[17]; um tratado internacional de direitos humanos que, assim como muitos dos que a ele se seguiram, nasceu da necessidade de se tentar coibir a futura perpetração de atrocidades tais como as cometidas pelos regimes autoritários no período da segunda guerra mundial.  Mas qual o papel dos direitos políticos nesse sentido?

Robert A. Dahl (2001, p. 58), na obra intitulada “Sobre a democracia”, enumera 10 (dez) consequências ou vantagens dos sistemas democráticos, como por exemplo, a garantia de direitos essenciais, a liberdade geral, o desenvolvimento humano e a busca pela paz. Todas estas são, outrossim, objetivos dos tratados internacionais de direitos humanos. Destarte, conclui-se que a democracia é o regime político-jurídico hábil a garantir a efetivação dos direitos fundamentais dos seres humanos. Nesse sentido, para José Afonso da Silva (2010, p. 126) “a democracia não é um mero conceito político [...] é um processo de afirmação do povo e de garantia dos direitos fundamentais que o povo vai conquistando no correr da história.”

Ocorre que, para que exista a democracia são imprescindíveis certos direitos políticos tais quais os de participar efetivamente dos assuntos públicos; de votar e de ser votado em pé de igualdade com os demais cidadãos; de ter seus votos contabilizados justamente; bem como o voto universal. Apenas com a garantia desses direitos teremos um sistema democrático.

Em síntese, temos que os sistemas democráticos são aqueles com maior capacidade (quiçá os únicos) para concretizar os direitos e garantias fundamentais da pessoa humana. É indispensável, no entanto, para a materialização da democracia, que seja conferido aos cidadãos um leque de outros direitos, os políticos. Sem estes, portanto, aquela não existe; e sem aquela os direitos humanos dificilmente serão observados. Resulta daí, consequentemente, o papel dos direitos políticos como direitos humanos fundamentais, e, desta feita, merecedores da mesma atenção dispensada aos demais – os direitos políticos possibilitam a existência de um sistema democrático, o qual, por sua vez, é aquele apto a efetivar os direitos e garantias fundamentais do homem constantes dos acordos internacionais e das legislações internas.

Retornando agora ao artigo 23, supratranscrito, podemos perceber como os legisladores internacionais, ao confeccionar o instrumento em comento, estavam imbuídos dessa lógica, razão pela qual incluíram em seu corpo os direitos políticos essenciais à concretização e solidificação das democracias na América latina. O seu inciso 1 subdivide-se em três alíneas, as quais elencam os direitos: a) de participar da condução dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes livremente eleitos; b) de votar e ser eleito em eleições periódicas, autênticas, realizadas por sufrágio universal e igualitário e por voto secreto, que garantam a livre expressão da vontade dos eleitores; e c) de ter acesso, em condições gerais de igualdade, às funções públicas de seu país. São os mesmos direitos aos quais foi feita alusão anteriormente como sendo imprescindíveis à democracia.

O inciso 2 do mesmo dispositivo, por seu turno, tem como desiderato evitar que os Estados signatários tentem se furtar da completa observância dos direitos políticos mediante manobras legislativas que imponham condições ao seu exercício que não aquelas por ele expressamente elencadas: idade, nacionalidade, residência, idioma, instrução, capacidade civil ou mental, ou condenação proferida por juiz competente, em ação penal.

Ocorre que a legislação doméstica brasileira, ainda que traga como direitos fundamentais os direitos políticos, impõe uma condição de elegibilidade (direito de ser eleito) que, além de não ser permitida pela Convenção Americana de Direitos Humanos, acaba por, nos dias de hoje, reduzir o efetivo exercício da democracia.

3.2    Os direitos políticos na Constituição Federal de 1988.

Segundo nos ensina José Afonso da Silva (2010), a expressão direitos fundamentais do homem, em contraponto a outras como direitos humanos ou direitos individuais, por exemplo, é a mais adequada para conceituar o conjunto de direitos inerentes ao homem e a ele imprescindíveis. Conforme o insigne doutrinador (2010, p. 178), a escolha se justifica uma vez que:

[...] além de referir-se a princípios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas. No qualificativo fundamentais acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados. Do homem, não como o macho da espécie, mas no sentido de pessoa humana. Direitos fundamentais do homem significa direitos fundamentais da pessoa humana ou direitos fundamentais. É com esse conteúdo que a expressão direitos fundamentais encabeça o Título II da Constituição, que se completa, como direitos fundamentais da pessoa humana, expressamente, no art. 17.

Têm-se, deste modo, que o Título II da Constituição Federal de 1988, ainda que mediante nomenclatura diferente – Direitos e Garantias Fundamentais –, traz em seus artigos aqueles direitos e garantias que, no âmbito internacional, são comumente denominados simplesmente de direitos humanos. Repise-se, por oportuno, que a Constituição deve ser lida e interpretada em seu conjunto, de modo que direitos e garantias existem que, inobstante não se encontrem no Título II da CF/88, ainda assim fazem parte daqueles ditos fundamentais da pessoa humana.

O constituinte originário optou por dividir o multicitado Título II da Carta Magna em cinco capítulos, correspondentes às classes de direitos fundamentais que em cada um estão contidos. No Capítulo I (art. 5º) positivou os direitos e deveres individuais e coletivos. Já no Capítulo II (arts. 6º a 11) elencou os direitos sociais, enquanto que no Capítulo III (arts. 12 e 13) inseriu aqueles relativos à nacionalidade. Nos Capítulos IV (arts. 14 a 16) e V (art. 17), deu lugar, respectivamente, aos direitos políticos e aos partidos políticos. De acordo com José Afonso da Silva (2010) o nosso Direito Constitucional classifica os direitos fundamentais com base em seu conteúdo, pelo que para o eminente constitucionalista (2010, p. 183) os direitos individuais consubstanciados no art. 5º, dizem respeito aos direitos do homem como indivíduo, “que são aqueles que reconhecem autonomia aos particulares, garantindo iniciativa e independência aos indivíduos diante dos demais membros da sociedade política e do próprio Estado”; ao passo que os direitos coletivos, igualmente constantes do art. 5º, correspondem aos direitos fundamentais do homem como membro de uma coletividade. Já os direitos da nacionalidade (arts. 12 e 13), definidores da nacionalidade e de suas características, são os direitos do homem-nacional. Como direitos básicos do homem-cidadão, ter-se-iam os direitos políticos (art. 14); enquanto que os direitos sociais (art. 6º e ss), fundamentais do homem-social, “constituem os direitos assegurados ao homem em suas relações sociais e culturais.” (SILVA, 2010, p. 184). Acrescenta ainda como direitos fundamentais, desta vez sob a alcunha de direitos fundamentais do gênero humano, os direitos contidos nos artigos 3º[18] e 225[19] da CF/88; e ressalta que apesar de o legislador constituinte originário não haver elencado os direitos econômicos como direitos fundamentais sociais, eles aí se inserem (SILVA, 2010). Interessam-nos, no entanto, apenas os direitos do homem como cidadão, os direitos políticos.

A Constituição Republicana de 1988, logo em seu artigo 1º, institui que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito; ou seja, o Brasil, ao menos em termos constitucionais, é uma democracia. O parágrafo único do mesmo dispositivo reza que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”, positivando os princípios da soberania do povo e da representatividade, inerentes aos sistemas democráticos. Foi, portanto, com o objetivo de garantir a existência e a manutenção da democracia em nosso país, bem como para dar efetividade aos princípios da soberania popular e da representatividade, que o constituinte originário elencou como fundamentais os direitos políticos. A escolha justifica-se, ademais, ao levarmos em consideração os fundamentos e objetivos da República, os quais essencialmente remontam à consecução da plenitude dos direitos e garantias fundamentais do homem; e o raciocínio anteriormente esposado, no sentido de que os direitos humanos só podem ser efetivamente garantidos em um sistema democrático, o qual não prescinde da outorga aos cidadãos de determinadas prerrogativas para que prospere; de modo que o enquadramento dos direitos políticos como direitos fundamentais do homem, quer no âmbito dos tratados internacionais, quer em nossa Lei Maior, se justifica como meio de possibilitar a democracia, capaz de dar existência real aos direitos do ser humano.

Conforme leciona José Afonso da Silva (2010, p. 346), o núcleo basilar dos direitos políticos traduz-se nos direitos de votar e de ser votado, o que possibilita que falemos em modalidades do seu exercício, denominando de direitos políticos ativos aqueles que dizem respeito à capacidade eleitoral ativa, ou seja, ao direito de votar e às condições para seu exercício; ou de direitos políticos passivos os que correspondem à elegibilidade (direito de ser votado). Há ainda que se falar, segundo o conspícuo doutrinador (2010, p. 346), em duas outras modalidades de direitos políticos: os direitos políticos positivos, os quais “dizem respeito às normas que asseguram a participação no processo político eleitoral, votando ou sendo votado, envolvendo, portanto, as modalidades ativas e passivas”; e os direitos políticos negativos, consubstanciados nas normas atinentes aos modos pelos quais se impede o exercício dos anteriores.

Condição imprescindível para o exercício dos direitos políticos é que a pessoa seja titular da cidadania (por isso se fala em direitos básicos do homem-cidadão), qualidade jurídica adquirida mediante o seu alistamento eleitoral na forma da lei. Conforme a nossa Lei Maior, o alistamento eleitoral é obrigatório para aqueles maiores de 18 (dezoito) anos (art. 14, § 1º, I) e facultativo para os analfabetos, os maiores de 70 (setenta) anos de idade e os maiores de 16 (dezesseis) e menores de 18 (dezoito) anos de idade (art. 14, § 1º, II). Em sentido contrário, não podem alistar-se como eleitores – e, consequentemente, não podem ser titulares dos direitos políticos – os estrangeiros e, durante o serviço militar obrigatório, os conscritos (art. 14, § 2º). Frise-se que caso o estrangeiro obtenha a nacionalidade brasileira, deverá, até um ano após a sua aquisição, tomar as providências no sentido de realizar seu alistamento eleitoral. No caso dos conscritos, caso tornem-se militares permanentemente, também deverão proceder ao seu alistamento eleitoral. Destarte, “pode-se dizer, então, que a cidadania se adquire com a obtenção da qualidade de eleitor.” (SILVA, 2010, p. 347).

3.2.1   O direito de sufrágio.

Foi dito acima que os direitos políticos positivos comportam os direitos políticos ativos e os direitos políticos passivos. Estes dizem respeito ao direito de ser votado, conhecido também como elegibilidade; aqueles remetem ao direito de votar, quer seja nas eleições, instituto da democracia representativa, quer nos plebiscitos e referendos, institutos da democracia direta. No âmbito dos direitos políticos positivos têm-se, ainda, os demais direitos de participação popular (SILVA, 2010, p. 348). Com efeito, os direitos positivos correspondem, fundamentalmente, ao direito de sufrágio, “direito público de natureza política, que tem o cidadão de eleger, ser eleito e de participar da organização e da atividade do poder estatal.” (SILVA, 2010, p. 349).

Dentro de um regime democrático, o direito de sufrágio comporta tão somente duas formas, não excludentes, mas que devem caminhar sempre juntas: a universal, indicativa de que se concede a todos o direito ativo de votar em seus representantes, sem que lhes sejam impostas quaisquer restrições tais como qualificação econômica (sufrágio censitário) ou determinada capacidade especial (sufrágio capacitário); e a igual, pela qual a cada um é concedido tão somente um único voto, de mesmo valor para todos; bem como idêntico direito de ser votado. A Constituição Federal Republicana de 1988 consagra em seu artigo 14, caput[20], a universalidade do direito de sufrágio e o princípio de sua igualdade – esta, no entanto, tão somente no que diz respeito à equidade do valor dos votos. A universalidade em nosso ordenamento jurídico, por sua vez, comporta algumas condições já citadas anteriormente quando se falava acerca da titularidade da cidadania, quais sejam: ser brasileiro (nato ou naturalizado), maior de 16 anos, não conscrito, e com o alistamento eleitoral formalizado.

De tudo o quanto foi até aqui exposto, conclui-se que todo aquele que seja titular da cidadania o é, outrossim, do direito de sufrágio em seu aspecto ativo, logo, possuidor de capacidade eleitoral ativa, ou seja, pode exercer o direito de sufrágio mediante o voto. Quanto ao direito de sufrágio passivo – o direito de ser votado, portanto –, não o detêm aqueles que não estão alistados como eleitores, aqueles que não o podem fazê-lo, os analfabetos, além daqueles que não preencherem as demais condições de elegibilidade elencadas no § 3º do artigo 14 de nossa Carta Magna; ou ainda os que sejam, por alguma razão, inelegíveis. Retornaremos a essa questão mais além em nosso estudo.

Relativamente ao exercício do direito de sufrágio mediante o voto, ensina José Afonso da Silva (2010, p. 357) que este é também um direito público subjetivo, detentor de uma função social “na medida em que traduz o instrumento de atuação [da soberania popular]”, e um dever social e político atinente ao dever do eleitor de manifestar a sua precedência por um ou outro candidato dentro de um regime representativo. Quanto à obrigatoriedade do voto trazida pela Constituição em seu artigo 14, § 1º, I, o aludido doutrinador explica que ela não confere ao voto (entendido como a efetiva manifestação da vontade pela escolha, ou não, do representante) a natureza de dever jurídico, senão apenas à formalidade de comparecer o eleitor à seção judiciária e votar na urna eletrônica, mesmo que sem indicar a sua preferência.

Ainda consoante os ensinamentos de José Afonso da Silva (2010, p. 359), são atributos conferidos ao voto pelos sistemas democráticos a eficácia, a sinceridade e a autenticidade, mediante a garantia de sua personalidade e liberdade. A eficácia do voto se manifesta na sua potencial repercussão, ao passo que a sua sinceridade e autenticidade correspondem à expressão da real vontade daquele eleitor, pelo que se o voto não for “autêntica expressão da vontade, do sentir, do consentimento de quem o dá, falseada estará, em sua própria origem, a vontade da nação.” (Meirelles Teixeira, 1991, apud SILVA, 2010, p. 359). Guardemos essa assertiva para mais tarde.

Pois bem. A personalidade, logicamente, desponta na afirmação de que apenas o próprio eleitor, mediante identificação, é que pode emitir o seu voto. Apesar de não constar expressamente em nossa Constituição, depreende-se a personalidade em nosso ordenamento jurídico pelo dever do eleitor de, no momento da votação, exibir o respectivo título eleitoral, bem como documento de identificação com fotografia (art. 91-A, da Lei nº 9.504/97, incluído pela Lei nº 12.034/2009).[21] A liberdade, a seu turno, não significa dizer que o eleitor está livre para comparecer ou não no dia da eleição, mas sim que pode (em tese) escolher aquele candidato que melhor lhe representa, votar em branco ou ainda anular seu voto.

Outra garantia que deve ser dada ao voto é a de seu sigilo, no sentido de que a opção do eleitor não deverá ser revelada por ninguém, nem mesmo por ele próprio, ao menos até que se retire da sala de votação. Essa garantia está prevista em nossa Constituição no já citado caput do artigo 14. Ademais das garantias de liberdade, personalidade e sigilo do voto, a Constituição prevê ainda que este será direto, ou seja, é o eleitor mesmo quem exprime sua vontade, sem o intermédio de terceiros (como se dá no sistema Norte Americano, por exemplo).

3.2.2   A elegibilidade e suas limitações.

Já em seu aspecto passivo, o direito de sufrágio corresponde, em suma, ao direito do cidadão de ser votado e eleito por seus iguais com o fito de representá-los; e se concretiza na elegibilidade. “Numa democracia, a elegibilidade deve tender à universalidade” (SILVA, 2010, p. 366), pelo que todos aqueles titulares do direito político ativo de votar – todos os eleitores, portanto –, deveriam, outrossim, ser detentores da prerrogativa de ser eleitos. Em nosso Estado Democrático de Direito, no entanto, existem algumas limitações a esse direito conhecidas como condições de elegibilidade; além das inelegibilidades, direitos políticos negativos que constituem impedimentos ao pleno exercício daquele. Imperioso frisar que para José Afonso da Silva (2010, p. 366), essas “limitações não deverão prejudicar a livre escolha dos eleitores, mas ser ditadas apenas por considerações práticas, isentas de qualquer condicionamento político, econômico, social ou cultural.”

A primeira condição para que alguém possua a capacidade eleitoral passiva, ou seja, possa “praticar” em sua inteireza o direito de ser eleito, é que seja eleitor. Destarte, aqueles que não se encontram alistados, ou os que são inalistáveis[22], não podem postular sua candidatura a um cargo eletivo. Nem todos os alistados, entretanto, são elegíveis – devemos lembrar que os analfabetos não o são por expressa previsão constitucional.[23]

Na Constituição Federal de 1988, as condições de elegibilidade constam expressamente no art. 14, § 3º, in verbis:

Art. 14. [...]

§ 3º - São condições de elegibilidade, na forma da lei:

I - a nacionalidade brasileira;

II - o pleno exercício dos direitos políticos;

III - o alistamento eleitoral;

IV - o domicílio eleitoral na circunscrição;

V - a filiação partidária;

VI - a idade mínima de:

a) trinta e cinco anos para Presidente e Vice-Presidente da República e Senador;

b) trinta anos para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal;

c) vinte e um anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice-Prefeito e juiz de paz;

d) dezoito anos para Vereador.

No tocante à nacionalidade brasileira (inciso I), devem se observar as normas insculpidas no art. 12 da Constituição Federal, sendo forçoso, no entanto, chamar atenção à dicção do seu § 3º, I, o qual reza serem privativos de brasileiro nato os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República. O pleno exercício dos direitos políticos se dá desde que o pretenso candidato não tenha perdido seus direitos políticos, bem como que estes não se encontrem suspensos, nos termos do art. 15[24] da Carta Magna. Quanto ao alistamento eleitoral já foi dito acima que este é conditio sine qua non para que a pessoa detenha a capacidade política passiva, ressalvado o caso dos analfabetos, os quais ainda que alistados não podem concorrer a cargo eletivo por expressa previsão constitucional. Com efeito, as condições dos incisos I, II e III estão todas contidas na primeira supracitada: que o candidato deverá ser, antes de tudo, eleitor. Ter domicílio eleitoral na circunscrição significa que deve haver coincidência entre a circunscrição à qual corresponde o cargo para o qual se candidata e a registrada oficialmente como domicílio eleitoral do pretendente – se postula sua candidatura ao posto de Vereador de Aracaju, seu domicílio eleitoral deverá constar como sendo nesse município. Pela condição insculpida no inciso V, exige-se que o candidato seja filiado a um partido político. Por fim, temos nas alíneas do inciso VI a idade mínima necessária que o concorrente deverá ter na data da posse (CERQUEIRA, T.; CERQUEIRA, C., 2013, p. 95) para que possa assumir o cargo para o qual foi eleito, a saber: 35 (trinta e cinco) anos para Presidente e Vice-Presidente da República e Senador; 30 (trinta) anos para Governador e Vice-Governador de Estado ou do Distrito Federal; 21 (vinte e um) anos para assumir os cargos de Deputado Federal, Deputado Estadual (ou Distrital), Prefeito, Vice-Prefeito e Juiz de Paz; e 18 (dezoito) anos para o cargo de Vereador.

Satisfeitas todas as condições de elegibilidade alhures[25], é possível que o cidadão não detenha ainda a capacidade eleitoral passiva, já que existem os chamados direitos políticos negativos.

Temos em primeiro lugar as regras atinentes à perda ou suspensão dos direitos políticos de votar e de ser votado, positivadas no art. 15 da Constituição Federal. Quanto à capacidade passiva, elas agem no sentido de que privam a pessoa do pleno exercício de seus direitos políticos, de modo que esta resta impossibilitada de observar a condição insculpida no art. 14, II. Não poderia ser diferente, já que a condição primordial para que alguém possa se eleger é que seja também eleitor, o que não ocorre caso se encontre privado de seus direitos políticos. Às hipóteses do art. 15 a doutrina (CERQUEIRA, T.; CERQUEIRA, C., 2013, p. 95; SILVA, 2010, p. 383) acrescenta a perda dos direitos políticos pela perda da nacionalidade brasileira mediante a aquisição de outra, nos termos do art. 12, § 4º, II; bem como através da opção pelo exercício dos direitos políticos em Portugal, inscrita no art. 12 do Decreto nº 70.436/72.

Do seu lado existem as inelegibilidades, as quais atingem tão somente o direito político passivo de ser votado. Quanto à terminologia, diferem da inalistabilidade, porquanto essa configura óbice à capacidade eleitoral ativa; e das incompatibilidades, as quais consistem em impedimentos ao exercício do mandato após eleito (SILVA, 2010, p. 388). Em nossa Constituição estão previstas no art. 14, §§ 4º a 7º, com a autorização de que sejam estabelecidas outras mediante lei complementar (art. 14, § 9º, CF/88). Dividem-se em dois tipos: absolutas e relativas. Estas “constituem restrições à elegibilidade para determinados mandatos em razão de situações especiais em que, no momento da eleição, se encontre o cidadão.” (SILVA, 2010, p. 390). Aquelas são empecilhos que incidem para qualquer cargo eletivo. Assim sendo, os atingidos por inelegibilidade absoluta são totalmente privados da elegibilidade, ao passo que o cerceamento desse direito pode-se dizer parcial no tocante àqueles alcançados por alguma inelegibilidade relativa. Ainda no que diz respeito à distinção entre absolutas e relativas, tem-se que as primeiras não possuem prazo certo para que sejam eliminadas e somente podem ser previstas pela Constituição (SILVA, 2010, p. 390); ao passo que as seguintes são passíveis de afastamento mediante a desincompatibilização e podem encontrar-se em lei complementar.

Em nossa Lei Maior, os únicos casos de inelegibilidade absoluta são os dois previstos no parágrafo 4º do art. 14, a saber, a inalistabilidade e o analfabetismo. Com efeito, aqueles abarcados pela primeira hipótese sequer são eleitores, não gozando, portanto, dos direitos políticos. Entretanto, caso readquiram os direitos políticos (se os tiverem perdido ou estes estejam suspensos) ou se alistem, cessa a inelegibilidade. Quanto aos atingidos pela segunda, a eles lhes é negado tão somente o direito político passivo consubstanciado na elegibilidade; sendo-lhes possibilitado, no entanto, livrar-se das amarras da inelegibilidade mediante a sua alfabetização.[26]

A primeira inelegibilidade relativa está prevista no art. 14, § 5º, o qual preceitua que “o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subsequente.” Inserido pela Emenda Constitucional nº 16, de 1997, o parágrafo permite uma única reeleição, tornando os candidatos aos cargos acima inelegíveis para um terceiro mandato consecutivo. Em se tratando do titular originário ou seu sucessor, basta que tenha exercido o cargo no período do segundo mandato, enquanto que o substituto deve haver entrado em exercício no cargo dentro dos 06 (seis) meses anteriores ao pleito (SILVA, 2010, p. 391). A inelegibilidade não se aplica aos vices, exceto se houverem sucedido/substituído o titular nas condições acima. O parágrafo 6º prevê outra inelegibilidade relativa destinada aos ocupantes dos mesmos cargos anteriormente citados – Presidente da República, Governadores e Prefeitos –, desta feita no tocante à postulação de outro cargo. Para que esta seja possível, e estes não sejam considerados inelegíveis, é necessário que renunciem aos seus mandatos em até 06 meses antes do pleito no qual pretendem concorrer (SILVA, 2010, p. 391). Trata-se da desincompatibilização citada alhures. Nesse caso, serve a mesma ressalva feita quanto aos vices. A última hipótese de inelegibilidade sobre a qual versa a Constituição concerne ao parentesco entre os candidatos e os ocupantes de cargos eletivos. Segundo a dicção do § 7º do art. 14, são inelegíveis, na mesma circunscrição do titular (SILVA, 2010, p. 391), os cônjuges e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, Governadores e Prefeitos, ou de quem os tenha substituído nos 06 (seis) meses anteriores às eleições; com a ressalva de que se já forem titulares de cargos eletivos e estejam postulando tão somente sua reeleição, não incidirá a inelegibilidade. Os parentes tão-só se livrarão da restrição caso o titular renuncie ao seu cargo até 06 (seis) meses antes do pleito. Ademais destas, existem outras inelegibilidades com previsão no art. 1º, da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, as quais consistem, em suma, em casos práticos decorrentes das hipóteses constitucionais. Nas penas de José Afonso da Silva (2010, p. 392) e de Thales Tácito Cerqueira e Camila Albuquerque Cerqueira (2013, p. 112), ainda se acrescenta como inelegibilidade a hipótese de o candidato não possuir domicílio eleitoral na circunscrição do cargo para o qual pretende concorrer pelo prazo de 01 (um) ano (art. 14, § 3º, IV, da CF/88, c/c artigos 42, parágrafo único, e 55, da Lei nº. 4.737/65, e Lei nº. 9.504/97).

Vimos no presente capítulo a importância dos direitos políticos para a democracia e a razão pela qual foram erigidos à condição de direitos fundamentais da pessoa humana; bem como a sua previsão na Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, e, ainda que sem o aprofundamento que o presente estudo não nos permite, o seu vaticínio em nossa legislação interna, especialmente na Constituição Federal de 1988. Podemos agora passar a confrontá-las, pelo que atingiremos o objetivo ao qual nos propusemos nesse trabalho.


4      A CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS, A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E A FILIAÇÃO PARTIDÁRIA OBRIGATÓRIA.

O artigo 23, 1, b[27], do Pacto de San José da Costa Rica, positiva os direitos políticos fundamentais do ser humano de votar e ser votado. O inciso 2 do mesmo artigo, por sua vez, vaticina as únicas (mediante o uso do advérbio “exclusivamente”)  maneiras pelas quais a legislação interna de um Estado-parte pode regular o exercício das prerrogativas acima, a saber: “por motivo de idade, nacionalidade, residência, idioma, instrução, capacidade civil ou mental, ou condenação, por juiz competente, em processo penal.”[28]

Como foi dito no capítulo precedente, a aludida convenção foi ratificada pelo Brasil em 25 de setembro de 1992, e promulgada em 06 de novembro do mesmo ano através do Decreto nº 678, com a única reserva feita (art. 2º) em relação às disposições contidas nos artigos 43 e 48, d, no sentido de que as visitas e inspeções in loco da CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) não prescindem da anuência expressa do Estado. Desta feita, todos os outros dispositivos do documento em análise foram aceitos, passando a integrar, assim, de alguma maneira, o ordenamento jurídico pátrio. Nesse sentido, inclusive, a redação do art. 1º, do Dec. nº 678/92, in verbis:

Art. 1º A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), celebrada em São José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, apensa por cópia ao presente decreto, deverá ser cumprida tão inteiramente como nela se contém.

Conquanto o Brasil tenha ratificado e promulgado a Convenção nos termos acima, a legislação interna possui disposições reguladoras dos direitos fundamentais do homem-cidadão (SILVA, 2010) que vão de encontro à obrigação internacionalmente assumida. Antes de nos aprofundarmos nesse problema, entretanto, devemos tecer alguns comentários.

4.1    A constitucionalidade do Pacto de São José da Costa Rica.

O próprio nome do instrumento – Convenção Americana sobre Direitos Humanos – já espanca qualquer dúvida que porventura poderia surgir quanto aos direitos que carrega dentro de si: os direitos humanos ou os direitos fundamentais do homem (SILVA, 2010, p. 178). Logo, é um tratado internacional sobre direitos humanos de qual o Brasil é parte.

Sucede que o aludido pacto foi ratificado e promulgado no ano de 1992, antes, portanto, de haver sido inserido no art. 5º da Constituição Federal de 1988, mediante a Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, o parágrafo 3º; o qual equiparou às emendas constitucionais aqueles tratados e convenções internacionais que versam sobre direitos humanos e que forem aprovados em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos, pelo voto de três quintos dos seus respectivos membros. Destarte, fica a dúvida quanto à sua força normativa no ordenamento jurídico pátrio.

Explicamos no primeiro capítulo deste estudo que existem atualmente em nosso país duas grandes correntes de pensamento que se propõem a solucionar a questão: a da supralegalidade dos tratados internacionais de direitos humanos não aprovados de acordo com as novas formalidades demandadas pelo § 3º, e a de sua constitucionalidade.[29]

A primeira sagrou-se vencedora[30] no pleno do Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 466.343; e embora reconheça o caráter especial da espécie de tratados em comento, os coloca em um patamar abaixo da Constituição Federal, mas acima de todo o restante da legislação interna infraconstitucional. Antagônica à tese da supralegalidade, a da constitucionalidade das convenções sobre direitos humanos sustenta, logicamente, o seu status constitucional, de modo que teriam uma relação de horizontalidade com a Carta Política de 1988, e não vertical, como sugere a tese anterior.

Comungamos do entendimento de que aos pactos internacionais de direitos humanos deve ser conferida a força de norma constitucional, não no sentido de que estão de acordo com todas as disposições de nossa Lei Maior, mas sim no de que a integram; pelo que afirmamos que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) tem status constitucional, e os direitos e garantias nela inseridos devem ser totalmente observados por nosso ordenamento jurídico.

Ora, vimos que o Pacto de São José da Costa Rica elenca direitos e garantias fundamentais do ser humano, os quais são partes integrantes de nossa Carta Política mediante  interpretação a contrario sensu (PIOVESAN, 2012, p. 108) do seu art. 5º, § 2º, o qual prescreve que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes [...] dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.” Por conseguinte, se não se excluem referidas prerrogativas, estas são incluídas, englobadas pela normativa constitucional. Ademais, se são admitidas pela Lei Maior, passam a ostentar o caráter de normas materialmente constitucionais. Com efeito, essa materialidade advém já do art. 1º, III, da Carta Política, uma vez que, como mencionado anteriormente nesse estudo, ao dispor ser a dignidade da pessoa humana um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, atribuiu aos direitos e garantias que visam sua concretude o caráter de normas materialmente constitucionais. Temos, ainda, que a interpretação dos dispositivos constitucionais acima, elevando ao nível constitucional aquelas prerrogativas e garantias consubstanciadas no Pacto de São José da Costa Rica; estaria a lhes garantir a máxima eficácia (PIOVESAN, 2012, p. 115) porquanto “a nenhuma norma constitucional se pode dar interpretação que lhe retire ou diminua a razão de ser”; e que por enquadrarem as normas contidas no aludido instrumento, direitos e garantias fundamentais, têm aplicação imediata por força do quanto disposto no art. 5º, § 1º, da Constituição Federal de 1988.

Em sentido contrário àqueles que rechaçam a constitucionalidade dos tratados internacionais sobre direitos humanos, e, portanto, da Convenção sobredita; sob o argumento de que seria impossível lhes conferir o caráter de norma constitucional, porquanto não observaram as formalidades constantes do art. 5º, § 3º; há de se frisar que não o fizeram porque o procedimento exigido não era sequer previsto. Na verdade o rito demandado pelo multicitado § 3º tão somente reforçou a materialidade constitucional dos acordos sobre direitos humanos, garantindo um plus àqueles que o observarem – a equivalência a uma emenda constitucional, e, portanto, o seu caráter não só material, mas também formalmente constitucional. Na prática as duas “espécies” de documentos internacionais (materialmente constitucionais e material e formalmente constitucionais) implicam no mesmo resultado – os preceitos neles consubstanciados fazem parte de nossa Constituição, e, por conseguinte, deverão nortear todo o ordenamento jurídico.

A diferença que a formalidade acarreta diz respeito tão somente à hipótese de supressão dos direitos humanos inseridos nos pactos. Explicamos. As prerrogativas e garantias constantes de documentos internacionais equivalentes às emendas constitucionais, por se tratarem de direitos e garantias individuais, jamais poderão ser afastadas por nova emenda constitucional, consoante dicção do art. 60, § 4º, IV, da CF/88. Mais ainda, se eventualmente o Chefe do Executivo proceder à denúncia[31] destes, o ato não surtirá quaisquer efeitos sobre os preceitos nele inseridos, porquanto a sua introdução no ordenamento jurídico pátrio se deu “não apenas pela matéria que veiculam, mas pelo grau de legitimidade popular contemplado pelo especial e dificultoso processo de sua aprovação.” (PIOVESAN, 2012, p. 142). No caso do Pacto de San José da Costa Rica, por possuir tão somente o caráter de norma materialmente constitucional, embora os direitos humanos nele constantes também configurem cláusula pétrea (art. 60, § 4º, IV, CF/88) – não podendo, assim, ser abolidos mediante emenda constitucional posterior –, é este passível de denúncia, pelo que não mais fariam parte do direito interno suas disposições, afastando-se, assim, a obrigação jurídica de serem observadas. A Convenção, todavia, não foi denunciada, de modo que os direitos e garantias fundamentais por ela trazidas devem ser protegidos e efetivados pelo nosso ordenamento.

Desta feita, explicada a constitucionalidade do Pacto de San José da Costa Rica, 03 (três) situações podem ocorrer no tocante à relação entre os direitos fundamentais do homem que carrega, e os previstos na Constituição de 1988: a) pode haver uma coincidência entre os direitos garantidos pelos dois diplomas legais; b) o documento internacional pode disciplinar novos direitos não previstos pela Constituição, completando-a; e c) pode haver um conflito entre os direitos e garantias positivados nos dois.[32] É dessa situação que trataremos a seguir.

4.2    A Constituição Federal de 1988 x a Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969.

Com efeito, existem diversos conflitos em se tratando da relação entre as normas de direitos humanos carreadas no bojo dos documentos internacionais, e aquelas insculpidas em nossa Lei Maior. Limitaremo-nos, contudo, ao conflito existente entre o Pacto de São José da Costa Rica e a Carta Magna no que diz respeito aos direitos políticos trazidos em seus corpos.

4.2.1   O(s) conflito(s).

O Pacto de São José da Costa Rica, como já frisamos anteriormente, estatui em seu art. 23, 1, b, os direitos políticos positivos fundamentais que todo cidadão deverá ter “de votar e ser eleito em eleições periódicas, autênticas, realizadas por sufrágio universal e igualitário e por voto secreto, que garantam a livre expressão da vontade dos eleitores.” O seu inciso 2 elenca, ademais, as excepcionais maneiras de que o Estado poderá se valer em seu direito interno para regular o exercício dos direitos supracitados: idade, nacionalidade, residência, idioma, instrução, capacidade civil ou mental, ou condenação proferida por juiz competente, em ação penal.

Na Constituição Federal Republicana, os direitos políticos de votar e ser votado, bem como as suas limitações, estão disciplinados nos artigos 14 e 15; e o confronto de uma destas com as normas do parágrafo anterior é que será analisado abaixo.

Em relação ao direito de sufrágio ativo, ou seja, o direito de votar, a nossa Lei Maior exige tão somente o alistamento eleitoral, mediante o qual a pessoa se torna eleitora e titular dos direitos da cidadania. No § 2º do art. 14, entretanto, o constituinte originário restringiu de duas maneiras a possibilidade de uma pessoa adquirir a qualidade de eleitora em nosso país: se não for nacional (nato ou naturalizado), ou se tratar-se de conscrito (aquele que presta serviço militar obrigatório). Quanto à exigência da nacionalidade, temos que está em perfeita harmonia com uma das hipóteses do art. 23, 2, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Já no que diz respeito à inalistabilidade dos conscritos, percebemos que a mesma não consta entre os motivos estatuídos no aludido dispositivo como um dos que autorizam o Estado-parte a regular o exercício dos direitos políticos, de modo que há, efetivamente, um conflito entre os dois documentos. Não é esse, contudo, o problema alvo do presente estudo.

O art. 15 traz em seus incisos os casos nos quais a pessoa perderá ou terá suspensa a totalidade de seus direitos políticos, de modo que não poderá, portanto, votar ou ser eleito. O inciso I traz a situação na qual a pessoa teve sua naturalização cancelada por sentença transitada em julgado. Notamos que está de acordo[33] com o Pacto, porquanto se trata de uma limitação ao exercício dos direitos políticos por motivo de nacionalidade, o qual consta em seu art. 23, 2. O mesmo sucede com as hipóteses dos incisos II (incapacidade civil absoluta) e III (condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos), igualmente em consonância com o que preconiza a Carta.

A hipótese de perda consubstanciada no inciso IV (recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII), por outro lado, se mostra passível de discussão, pois a Carta Política não indica de que maneira ocorrerá. Sem adentrarmos na legislação infraconstitucional que cuida da matéria, podemos afirmar que deverá observar o quanto consta do inciso 2 do art. 23 do Pacto de São José da Costa Rica, sob pena de tratar-se de lei inconstitucional; de modo que entendemos que a perda dos direitos políticos pela recusa em cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa só poderá se dar através de condenação por juiz competente, em processo penal. Igualmente no que diz respeito à improbidade administrativa (art. 15, V, da CF/88), a qual, a nosso ver, carece de apuração em processo criminal para que resulte na suspensão dos direitos políticos.

Quanto à inelegibilidade absoluta consubstanciada no art. 14, § 4º, da Constituição Federal, em relação à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, poderíamos discutir acerca da existência de conflito tão somente no tocante aos conscritos (inalistáveis), porquanto as inelegibilidades dos menores de 16 (dezesseis) anos (inalistáveis), estrangeiros (igualmente inalistáveis) e dos analfabetos, caracterizam modos de condicionamento do exercício dos direitos políticos referentes à idade, nacionalidade e instrução, respectivamente. Já no atinente às inelegibilidades relativas (art. 14, §§ 5º a 7º, CF/88 e art. 14, § 3º, IV, da CF/88, c/c artigos 42, parágrafo único, e 55, da Lei nº. 4.737/65, e Lei nº. 9.504/97) – por motivos funcionais, de parentesco e de domicílio –, sem adentrarmos nas razões[34] que levaram à sua instituição na Lei Maior (vez que ainda não é este o nosso objetivo), podemos observar que tão somente a que diz respeito ao domicílio se encontra consoante o Pacto sob estudo. Também não é o nosso objetivo analisar as inelegibilidades contidas na legislação infraconstitucional complementar, mas quanto a elas é necessário fazer a mesma ressalva de que deverão adequar-se aos ditames da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, sob pena de sua inconstitucionalidade.

As condições de elegibilidade – requisitos que devem ser cumpridos pelo pretenso candidato para que possa efetivamente ser titular da capacidade eleitoral passiva – estão elencadas no parágrafo 3º do art. 14, ipsis litteris:

Art. 14. [...]

§ 3º - São condições de elegibilidade, na forma da lei:

I - a nacionalidade brasileira;

II - o pleno exercício dos direitos políticos;

III - o alistamento eleitoral;

IV - o domicílio eleitoral na circunscrição;

V - a filiação partidária;

VI - a idade mínima de:

a) trinta e cinco anos para Presidente e Vice-Presidente da República e Senador;

b) trinta anos para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal;

c) vinte e um anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice-Prefeito e juiz de paz;

d) dezoito anos para Vereador.

Cotejando os motivos elencados no art. 23, 2, do Pacto de San José da Costa Rica, com o dispositivo constitucional supracitado, notamos que há uma colisão entre os dois apenas no tocante a uma das condições de elegibilidade neste enumeradas.

Quanto à condição insculpida no inciso I (nacionalidade brasileira), que nos remete às normas constantes do art. 12 da Constituição Federal, temos que a mesma está plenamente de acordo com o segundo dos motivos que traz o Pacto em seu art. 23, 2. O pleno exercício dos direitos políticos, a seu turno, significa que a pessoa não se encontra privada de seus direitos políticos (por sua perda, ou suspensão), de modo que, exceto nos casos onde a perda se deu pela recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa (art. 15, IV) ou os direitos foram suspensos devido à improbidade administrativa (art. 15, V), os quais comportam discussão, como explanado acima; configura requisito em consonância com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, porquanto as demais hipóteses de perda ou suspensão – naturalização cancelada por sentença transitada em julgado, perda da nacionalidade mediante a aquisição de outra, opção de exercer os direitos políticos em Portugal, incapacidade civil absoluta e condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos – também estão. O mesmo ocorre no tocante ao alistamento eleitoral, uma vez que este demanda a nacionalidade brasileira (motivo de nacionalidade) e a idade mínima de 16 (dezesseis) anos (motivo de idade). Devemos frisar, nesse ponto, a questão dos analfabetos, que embora alistáveis são inelegíveis (motivo de instrução); e a atinente aos conscritos, cuja inalistabilidade conforma motivo de regulação do exercício dos direitos políticos não apresentado pelo Pacto de São José. Os incisos IV e VI, que dizem respeito à exigência de domicílio eleitoral na circunscrição na qual o cidadão pretende concorrer a cargo eletivo, e à idade mínima necessária para os cargos elencados nas alíneas a) a d); se encontram, outrossim,  conforme o que institui o tratado em paralelo.

A condição de elegibilidade gravada no inciso V, por outro lado, encontra-se em total desencontro com a Convenção, pois que inexiste nesta qualquer provisão permitindo ao Estado-parte impor a filiação partidária como um requisito cogente para que o cidadão possa exercitar o seu direito político passivo de postular sua candidatura a um cargo eletivo. Com efeito, da leitura de seus traveux préparatoires (trabalhos preparatórios) nota-se que a maioria dos países americanos, entre eles o Brasil, rejeitaram a proposta original que incluía no art. 23, 1, a letra d), que dispunha acerca do direito de pertencer livremente a partidos políticos, os quais deveriam ser protegidos pela legislação nacional. Acrescente-se a isso o fato de que quando da discussão acerca dos motivos pelos quais um país poderia regular o exercício dos direitos políticos, nenhuma das delegações levantou questão atinente à hipótese de se incluir, entre aqueles, a filiação partidária; de modo que o número 2 do art. 23 foi aprovado contendo tão somente os já conhecidos motivos de idade, nacionalidade, residência, idioma, instrução, capacidade civil ou mental, ou condenação proferida por juiz competente, em ação penal. Ademais, teve a chance de se manifestar sobre o assunto a Corte Interamericana de Direitos Humanos, no julgamento do caso YATAMA vs. Nicarágua; oportunidade na qual externou o entendimento acima, no sentido de que não há na Convenção qualquer disposição autorizando o condicionamento, pelos Estados, do exercício da elegibilidade à filiação a partido político como também reconheceu existirem outras maneiras hábeis para que o candidato postule sua candidatura a determinado cargo eletivo, as quais devem, inclusive, ser fomentadas. Na mesma oportunidade, o juiz da CIDH, Oliver Jackman, em opinião separada, ao comentar o art. 23, aduziu que:

Um “cidadão” – que deve ser obviamente um “indivíduo” e não um grupo, nos termos do artigo 1 (2) – tem um direito absoluto de “votar e ser eleito” em eleições democráticas, como estabelecido no dito artigo [art. 23, 1, b]. Dessa maneira, qualquer exigência de que um “cidadão” deva ser membro de um partido político ou qualquer outra forma de organização política para exercer este direito claramente viola igualmente o espírito e o texto da norma em questão. (INTER-AMERICAN COURT OF HUMAN RIGHTS, 2005, p. 120, tradução nossa).

A isso, some-se o quanto foi estabelecido pelo United Nations Human Rights Committee (SUIÇA, tradução nossa) em respeito às restrições ao direito de ser eleito:

O direito das pessoas de concorrer às eleições não deve ser limitado injustificadamente exigindo-se que os candidatos sejam membros de partidos ou de partidos específicos. Se um candidato é obrigado a ter um número mínimo de apoiadores para nomeação, essa exigência deve ser razoável, e não agir como uma barreira à candidatura.

Ante o exposto, não há dúvidas da ocorrência de um choque entre a Carta Republicana de 1988 e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969 no que diz respeito ao direito fundamental do ser humano de ser eleito, pois que aquela condiciona o seu exercício ao preenchimento de um requisito que não se encontra entre os motivos pelos quais esta autoriza a legislação interna a fazê-lo.

4.2.2   As soluções.

Passemos, agora, às pretensas soluções que procuramos ofertar ao conflito suscitado acima, abstraindo-se da discussão, no entanto, questão concernente às reformas legislativas que deverão ser levadas a cabo para que a resposta dada possa ser posta em prática.

4.2.2.1  Segundo a teoria da constitucionalidade dos pactos internacionais de direitos humanos.

Para aqueles que advogam a tese da constitucionalidade dos acordos internacionais que tratam de direitos humanos, três situações diferentes podem ocorrer no tocante à sua relação com a lei maior do Estado signatário. Os dois primeiros casos não comportam grandes dúvidas, uma vez que tratam da hipótese na qual os direitos consubstanciados nos dois diplomas coincidem; ou daquela pela qual os documentos internacionais ampliam o rol de direitos fundamentais já garantidos pela legislação interna do país. O terceiro caso, no entanto, diz respeito ao conflito entre os direitos e garantias positivados em ambos. A solução a ser adotada, então, segundo nos ensina Flávia Piovesan (2012) é a escolha da norma mais favorável ao indivíduo – aquela que efetivamente confira, no caso prático, maior proteção aos seus direitos fundamentais, seja aquela insculpida em documento internacional, seja a da legislação pátria.

Analisando o conflito entre o art. 14, § 3º, V, da Constituição Federal de 1988, e o art. 23, 1, b, e 2, do Pacto de São José da Costa Rica; temos que a condição de elegibilidade relativa à obrigatoriedade de filiação partidária prevista naquele não se encontra dentre os motivos exclusivos arrolados neste como autorizadores de qualquer condicionamento do direito de ser eleito. Uma vez que já sustentamos a constitucionalidade do aludido Pacto, e considerando que os direitos nele previstos são integrados à nossa Lei Maior, acolhemos então a resposta da prevalência da norma mais favorável, pelo que concluímos que a exigência de que o cidadão se filie a um partido político para que possa se candidatar a um cargo eletivo, por não ser prevista na Convenção Americana, não merece prevalecer; de modo que a qualquer cidadão brasileiro, preenchidos os demais requisitos legais que encontrem correspondência no art. 23, 2, da Convenção, deve ser assegurado o direito político passivo de ser eleito.

Devemos, outrossim, lembrar que a delegação brasileira, quando dos trabalhos que levaram à redação do multicitado art. 23, rechaçaram a inclusão de disposição acerca dos partidos políticos, bem como que não se opuseram em momento algum à dicção do seu inciso 2. Ademais, ao ratificar o Pacto em 25 de setembro de 1992, e promulgá-lo em 06 de novembro do mesmo ano através do Decreto nº 678, não foi estabelecida qualquer reserva à matéria, quer pelo Chefe do Executivo, quer pelo Congresso; de modo que foram aceitos expressamente os ensejos do inciso 2 como os únicos dos quais poderia se valer a República Federativa Brasileira para regular o exercício dos direitos políticos. Ainda, a redação do art. 1º do Dec. nº 678/92 deixa isto claro, ao dizer que “a Convenção Americana sobre Direitos Humanos [...] deverá ser cumprida tão inteiramente como nela se contém.”

Não bastasse, a carta em tela, ao dispor em seu art. 29 sobre as normas de interpretação, estatui que nenhuma de suas disposições “pode ser interpretada no sentido de permitir a qualquer dos Estados-partes, grupo ou indivíduo, suprimir o gozo e o exercício dos direitos e liberdades reconhecidos [...] ou limitá-los em maior medida do que a nela prevista”; razão pela qual podemos rebater, desde logo, eventual argumento de que o legislador internacional não poderia enumerar todos os meios de regular os direitos humanos políticos que não configurassem em sua eliminação ou restrição exacerbada, e que, assim, a ausência da filiação partidária no art. 23, 2, não implicaria em dizer que a mesma não seja admitida.

Os argumentos expendidos acima, todavia, dão conta apenas de justificar porque a não obrigatoriedade da filiação partidária para que um cidadão quede elegível lhe é mais favorável. Podemos sustentar, contudo, que a solução dada é mais favorável também para todos os demais cidadãos que compõem o corpo eleitoral do país.

O multicitado artigo 23, 1, b, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, prescreve que os direitos políticos positivos deverão ser exercidos “em eleições periódicas, autênticas, realizadas por sufrágio universal e igualitário e por voto secreto, que garantam a livre expressão da vontade dos eleitores.” Em nosso país as eleições são periódicas (de 04 em 04 anos) e autênticas, porquanto ao menos em tese não podem ser falseadas. O sufrágio é, em certa medida, universal, em que pese a questão dos conscritos; é igualitário, uma vez que a cada cidadão lhe é conferido apenas um voto, com o mesmo peso dos demais, e, digamos, secreto. Perguntamos, no entanto: nossas eleições garantem a livre expressão da vontade dos eleitores? A letra a do dispositivo citado, por sua vez, preceitua que todo cidadão deverá gozar do direito/oportunidade de “de participar da condução dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes livremente eleitos.” Mas até que ponto nossos representantes são eleitos sem coação alguma? Ao exigir a filiação partidária como condição de elegibilidade, a Carta Política de 1988 conflitou, outrossim, com as disposições supracitadas. Observemos.

A livre expressão da vontade é o resultado da soma de dois dos atributos conferidos ao voto pelos sistemas democráticos: a sinceridade e a autenticidade. Tem íntima conexão com o direito de o cidadão participar dos assuntos públicos mediante representantes livremente eleitos, no sentido de que se em face dos eleitores é imposta alguma amarra capaz de “balizar” seu voto entre candidato A ou B; o representante não será, na prática, livremente eleito, uma vez que foi cerceada a liberdade de escolha do cidadão, bem como a expressão de sua vontade não haverá sido autêntica. Exigir-se que o candidato seja filiado a algum partido político é, portanto, infirmar a livre expressão da pretensão do votante, uma vez que cabe primordialmente aos membros do partido escolher quem serão os candidatos que estarão com suas fotos e números nas urnas no dia da eleição, sob a sombra de suas bandeiras ideológicas, como as únicas opções possíveis. Poderia ser que algum dos filiados ao partido fosse a verdadeira escolha de muitos dos eleitores, mas por questões as mais diversas possíveis, não foi a escolha dos dirigentes partidários, de modo que foi anulada, antes mesmo de que pudesse ser dada, a oportunidade do eleitor de exercer sua vontade política.

Poder-se-ia criticar esse raciocínio pela simples afirmação de que o mandato é do partido, e não do político. Quem exerce a representação não é o indivíduo, senão o grupo político do qual faz parte. Caberia, então, àquele candidato que não foi lançado à eleição por seu partido, criar um novo, uma vez que “é livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos”, conforme a letra do art. 17 de nossa Carta Política; e então postular sua candidatura. Os requisitos legais para tanto, todavia, não são razoáveis para um país de dimensões continentais como o nosso, e possuidor de um eleitorado de 140.646.446 (cento e quarenta milhões, seiscentos e quarenta e seis mil, quatrocentos e quarenta e seis) pessoas. Ora, a lei nº 9.096/95, em seu artigo 7º, §§ 1º e 2º, dispõe que apenas o partido político que tenha registrado seu estatuto junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) poderá participar do processo eleitoral; e exige, para que isso seja possível, que o partido comprove ter o apoio dos eleitores condizentes a, no mínimo, 0,5% (meio por cento) dos votos dados na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, excetuados os brancos e nulos, distribuídos por 1/3 (um terço), ou mais, dos Estados, com um mínimo de 0,1% (um décimo por cento) do eleitorado que haja votado em cada um deles.[35] Acreditamos que os críticos poderiam sustentar que se o novo partido não conseguiu reunir o número mínimo de assinaturas, não possuiria, então, uma representatividade significante perante a população nacional. Não se trata, entretanto, de números, e sim de garantir aos cidadãos que possam exercer o seus direitos políticos livres de quaisquer amarras. Podemos, ainda, imaginar que o fato de não haver o pretenso partido atingido o piso de firmas, se deva não a eventual falta de representatividade, mas sim a fatores tais quais a desconfiança da população nos partidos já existentes, a ausência de interesse na vida política do país, a falta de educação cívica de grande parcela da população, dentre outros mais que não cabem neste estudo.

Mas suponhamos que o novo partido logre êxito em preencher os requisitos legais e seja criado. Podem existir, nesse caso, eleitores que ainda não se identifiquem com a nova legenda, ou com qualquer outra das já existentes. Qual seria, então, a solução para eles? Poderiam votar em branco ou ainda anular os seus votos, por que não?[36] Diferenças a parte, sem retirar a importância dos votos brancos e nulos, vez que são mais duas oportunidades conferidas ao eleitor para que exprima sua real vontade; entendemos que os mesmos só podem ser assim entendidos se já houverem sido garantidas aos cidadãos todas as demais possibilidades de externar seus anseios quanto à política mediante o voto, caso contrário esses dois tipos de voto seriam, outrossim, mais uma imposição aos eleitores, cerceando a sua liberdade de expressão.

Ante todo o exposto, deverá, portanto, ser afastada do ordenamento jurídico pátrio a obrigatoriedade da filiação partidária para que o indivíduo goze da elegibilidade, quer por ser a norma mais favorável ao candidato, quer pelo fato de que configura norma mais favorável aos eleitores. Não obstante a resposta dada acima seja a que consideramos juridicamente correta, uma vez que, como já foi dito, compactuamos com o entendimento de que as normas contidas no Pacto de San José da Costa Rica têm status constitucional; por questões didáticas traremos abaixo outra solução que acarretará o mesmo resultado prático: a não obrigatoriedade da filiação partidária.

4.2.2.2       Segundo a supralegalidade adotada pelo STF no RE nº 466.343/SP.

A nossa Corte Constitucional, desde 1977, perfilhava o entendimento de que os tratados internacionais de qualquer espécie equiparavam-se à legislação ordinária, pelo que se aplicariam as normas de solução tradicionais[37] em eventual caso de conflito. Em 03 de dezembro de 2008, no entanto, com o julgamento do Recurso Extraordinário nº 466.343, ao reconhecer que o entendimento acima necessitava ser modificado, porquanto defasado e insuficiente diante da novidade trazida pela EC nº 45/2004; e em face da “premente necessidade de se dar efetividade à proteção dos direitos humanos nos planos interno e internacional” (BRASIL, 2009, p. 55), o Supremo Tribunal Federal promoveu uma mudança no paradigma então vigente, e adotou a tese da supralegalidade dos tratados internacionais de direitos humanos, segundo a qual:

[...] diante de seu caráter especial em relação aos demais atos normativos internacionais, também seriam dotados de um atributo de supralegalidade. [...] os tratados sobre direitos humanos não poderiam afrontar a supremacia da Constituição, mas teriam lugar especial reservado no ordenamento jurídico. (BRASIL, 2009, p. 49).

Pela tese aventada no julgamento supracitado, os tratados internacionais sobre direitos humanos ratificados pelo Brasil não surtiriam quaisquer efeitos perante a normativa constitucional que com eles colidisse, mas teriam o poder de neutralizar toda aquela legislação infraconstitucional, anterior ou posterior (BRASIL, 2009, p. 55), que se encontrasse nessa situação.

No Recurso Extraordinário em comento, que tratava, dentre outras coisas, da hipótese de se estender ao nosso ordenamento pátrio a proibição da prisão civil por dívida que não a alimentar (art. 11 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, e art. 7º, 7, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos), concluiu-se, portanto:

[...] que, desde a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil, dessa forma, torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão. (BRASIL, 2009, p. 86).

Aplicando-se a tese da supralegalidade à questão da filiação partidária obrigatória, traçando-se um paralelo com o caso paradigma acima, podemos afirmar que por tratar-se de conflito entre tratado internacional que protege direitos humanos e disposição constitucional, aquele não produz qualquer efeito jurídico sobre esta. Entretanto, a filiação partidária queda obrigatória não só pelo disposto no art. 14, § 3º, V, da CF/88, mas também se depreende, outrossim, do art. 18, da Lei nº 9.096/95, o qual reza que “para concorrer a cargo eletivo, o eleitor deverá estar filiado ao respectivo partido pelo menos um ano antes da data fixada para as eleições, majoritárias ou proporcionais.” Ora, o referido dispositivo legal não só exige expressamente a filiação partidária, como a ela acrescenta o requisito temporal de que haja sido formalizada com ao menos um ano em avanço à data fixada para as eleições.

Se, repita-se, a normativa internacional não tem o condão de produzir qualquer modificação na nossa Lei Maior, segundo o entendimento do Supremo, no entanto, possui o poder de paralisar a eficácia da legislação infraconstitucional (anterior ou posterior) que com ela esteja em estado de conflito. Desta feita, podemos concluir que desde a ratificação pelo Brasil, em 25 de setembro de 1992, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, sem qualquer reserva pertinente aos direitos políticos; não mais poderia persistir a exigência de que o cidadão, para ser eleito, filie-se a um partido político pelo menos um ano antes das eleições.

Como dissemos, por meio de uma equação jurídica diferente da que corroboramos, alcançamos o mesmo resultado prático: a filiação partidária em nosso ordenamento jurídico não é conditio sine qua non para que se possa ser detentor da capacidade política passiva denominada elegibilidade.


5      CONCLUSÃO

Ante todo o exposto, alcançamos o objetivo ao qual nos propusemos no início desse trabalho, porquanto diante da comparação entre a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) e a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 no tocante aos direitos humanos políticos consubstanciados em ambos, constatamos o conflito referente às disposições constantes do art. 23, 1, b, e 2 da primeira, em face do art. 14, § 3º, V, da última; uma vez que a filiação partidária imposta por nossa Constituição como condição imprescindível ao exercício do direito político passivo de ser eleito não consta como uma das exclusivas maneiras pelas quais os Estados poderão regular o exercício dos direitos políticos, consoante a Convenção. Foram dois os raciocínios utilizados, mas que derivaram na mesma conclusão: a não obrigatoriedade da filiação partidária no nosso ordenamento jurídico.

O primeiro caminho percorrido foi aquele da aplicação da norma mais favorável, consoante os defensores da teoria da constitucionalidade dos tratados internacionais sobre direitos humanos aprovados anteriormente à promulgação da Emenda Constitucional nº 45 de 2004. Pelo fato de não se encontrar a filiação partidária no rol exaustivo do art. 23, 2, do Pacto de São José da Costa Rica, defendemos que a mesma não poderia subsistir, já que, em se tratando de conflito entre disposições relativas a direitos humanos, aplicar-se-ia a norma mais favorável, a qual seria, no caso, para o pretenso candidato, o afastamento de uma exigência que tão somente restringe o efetivo exercício de seu direito político passivo de ser eleito. Pela ótica do eleitor, sustentamos, ademais, que a referida condição não mais haveria de ser, pois conflitante com o art. 23, 1, b, do Pacto sobredito; na medida em que importaria em invalidar a livre expressão de sua vontade.

A segunda abordagem se deu partindo do pressuposto de que o Pacto em tela não estaria no mesmo patamar da Constituição Federal, mas sim em um nível inferior a ela, entretanto superior à legislação infraconstitucional; consoante o entendimento exarado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário nº 466.343. Pela tese da supralegalidade, a Convenção teria tão somente o condão de sustar a eficácia de toda e qualquer legislação infraconstitucional com ela conflitante, ainda que posterior. Desta feita, a obrigatoriedade de se filiar a um partido político para se concorrer às eleições, insculpida no art. 14, § 3º, V, da CF/88, subsistiria; mas a legislação infraconstitucional que a disciplina – o art. 18, da Lei nº 9.096/95 – quedaria com sua eficácia paralisada, pelo que, portanto, a regra constitucional deixaria de ter aplicabilidade.

A conclusão, por conseguinte, é a mesma: a filiação partidária em nosso ordenamento jurídico não é obrigatória para aqueles cidadãos que desejam concorrer a um cargo eletivo.

O afastamento da obrigatoriedade da filiação partidária não configura apenas um avanço na seara dos direitos humanos, senão também no âmbito da democracia. Não se está aqui a criticar a função dos partidos políticos[38], tampouco se pretende afirmar que os mesmos são de todo imprestáveis dentro de um sistema democrático. Não há duvidas de que desempenham (ou deveriam desempenhar) importante papel como canal de comunicação entre os cidadãos e os seus representantes, bem como meio de informação. Há ainda a respeitável função que os partidos de oposição exercem ao fiscalizar aqueles que se encontram no poder. Contudo, ao dar-lhes o monopólio das candidaturas restringe-se a democracia representativa, já que cabe aos seus dirigentes, em última instância, escolher aqueles filiados que entendem serem melhores, mas que podem não conceber os anseios daqueles que representam. Reduz-se, assim, a representatividade fundante de nosso sistema político, afastando-se aqueles que não se sentem parte do todo, da política.

Sabemos, entretanto, a limitação do presente estudo, pois que inobstante traga à baila o problema e evidencie a solução, esta reside tão somente no campo da teoria, já que a sua aplicação no mundo prático não prescinde de que se efetivem mudanças na legislação atinente ao sistema eleitoral brasileiro no intuito de se viabilizar a candidatura por outros meios que não através de um partido político, como, por exemplo, de maneira avulsa.

Exemplos existem de diversos países deveras democráticos onde a candidatura avulsa é permitida, e nos quais os cidadãos conseguem se eleger desta maneira, ainda que em concorrência com membros de partidos políticos. Na Austrália têm-se o senador Nick Xenophon, eleito como independente nas eleições federais de 2007, e reeleito no pleito de 2013. Joachim Gauck, eleito presidente da Alemanha em 2012, era, outrossim, candidato independente. Ólafur Ragnar Grímsson, presidente da Islândia eleito em 1996, foi reeleito em 2000, 2004, 2008 e 2012, e também não é filiado a qualquer partido político. O famoso presidente norte americano George Washington não era formalmente pertencente a qualquer partido político durante seus dois períodos no governo da autointitulada maior democracia do mundo. São apenas alguns dos exemplos que podemos citar.[39] Estes, entretanto, servem apenas como respaldo à viabilidade das candidaturas avulsas em países com sólidas democracias e partidos políticos bem estruturados, pois que não se poderá simplesmente tentar trazer para o nosso país os sistemas eleitorais que lá funcionam sem antes se proceder a um estudo pormenorizado de seu funcionamento, e às alterações que evidentemente teriam de ser feitas para adaptá-los à cultura brasileira.

É, repetimos, nesse ponto que se encerram as restrições deste estudo, porquanto não foi capaz de indicar a solução prática, não obstante não tenha sido esse o nosso objetivo. Uma coisa, contudo, é certa: a exigência da filiação partidária por nosso ordenamento jurídico constitui uma restrição aos direitos humanos políticos dos brasileiros, quer dos que pretendem se candidatar, quer dos que tão somente desejam cumprir com o dever social que o exercício do direito de sufrágio mediante o voto representa; bem como um entrave à democracia representativa.


REFERÊNCIAS

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ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado. 6. ed. São Paulo: Método, 2012.

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______. Decreto nº 592, de 6 de julho de 1992. Promulga o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 16 de dezembro de 1966. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 7 jul. 1992. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0592.htm>. Acesso em: 13 jun. 2014.

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Notas

[1] As outras são: costumes e princípios gerais de direito. Há, ainda, os meios auxiliares de determinação da regra jurídica, a saber, a jurisprudência e a doutrina; bem como a possibilidade de se utilizar a equidade.

[2] Teoricamente porque inobstante o tratado só entre em vigor após a sua ratificação, todo Estado pactuante está obrigado a não praticar qualquer ato hábil a frustrar o seu objeto e finalidade, nos termos do artigo 18 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969.

[3] Artigo 27.º Direito interno e observância dos tratados

   Uma Parte não pode invocar as disposições do seu direito interno para justificar o incumprimento de um Tratado

   Esta norma não prejudica o disposto no artigo 46.

[4] No entanto, até o presente momento só foi aprovado nos termos do art. 5º, § 3º, da CF/88 o texto da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinada em Nova Iorque, em 30 de março de 2007; mediante o Decreto Legislativo nº 186, de 09 de julho de 2008. A mesma foi promulgada em 25 de agosto de 2009, através do Decreto nº 6.949.

[5] Optou-se, no presente trabalho, por não tratar acerca da vertente doutrinária que advoga a supraconstitucionalidade dos tratados internacionais sobre direitos humanos, bem como aquela que propugna a paridade dos tratados e legislação interna. Nesse sentido, ver Flávia Piovesan (2012).

[6] Sobre o assunto, conferir também ALEXANDRE, 2012, p. 177-180.

[7] Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

  [...]

  § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

  [...]

  IV - os direitos e garantias individuais.

[8] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

   [...]

   III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

[9] Artigo V - Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.

[10] Artigo 7º - Ninguém poderá ser submetido à tortura, nem a penas ou tratamento cruéis, desumanos ou degradantes. Será proibido sobretudo, submeter uma pessoa, sem seu livre consentimento, a experiências médicas ou cientificas.

[11] Art. 5º:

    [...]

   2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes.  Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano.

[12] Artigo 74 – 1. Esta Convenção está aberta à assinatura e à ratificação de todos os Estados-membros da Organização dos Estados Americanos.

   2. A ratificação desta Convenção ou a adesão a ela efetuar-se-á mediante depósito de um instrumento de ratificação ou adesão na Secretaria-Geral da Organização dos Estados Americanos. Esta Convenção entrará em vigor logo que onze Estados houverem depositado os seus respectivos instrumentos de ratificação ou de adesão. Com referência a qualquer outro Estado que a ratificar ou que a ela aderir ulteriormente, a Convenção entrará em vigor na data do depósito do seu instrumento de ratificação ou adesão. 

[13] Art. 1º A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), celebrada em São José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, apensa por cópia ao presente decreto, deverá ser cumprida tão inteiramente como nela se contém.

[14] Artigo 22 - 1. Toda pessoa terá o direito de associar-se livremente a outras, inclusive o direito de construir sindicatos e de a eles filiar-se, para a proteção de seus interesses.

   2. O exercício desse direito estará sujeito apenas às restrições previstas em lei e que se façam necessárias, em uma sociedade democrática, no interesse da segurança nacional, da segurança e da ordem públicas, ou para proteger a saúde ou a moral públicas ou os direitos e liberdades das demais pessoas. O presente artigo não impedirá que se submeta a restrições legais o exercício desse direito por membros das forças armadas e da polícia.

   3. Nenhuma das disposições do presente artigo permitirá que Estados Partes da Convenção de 1948 da Organização Internacional do Trabalho, relativa à liberdade sindical e à proteção do direito sindical, venham a adotar medidas legislativas que restrinjam ou aplicar a lei de maneira a restringir as garantias previstas na referida Convenção.

[15] Artigo 16 - Liberdade de associação

   1. Todas as pessoas têm o direito de associar-se livremente com fins ideológicos, religiosos, políticos, econômicos, trabalhistas, sociais, culturais, desportivos ou de qualquer outra natureza.

   2. O exercício desse direito só pode estar sujeito às restrições previstas em lei e que se façam necessárias, em uma sociedade democrática, ao interesse da segurança nacional, da segurança e da ordem públicas, ou para proteger a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas.

   3. O presente artigo não impede a imposição de restrições legais, e mesmo a privação do exercício do direito de associação, aos membros das forças armadas e da polícia.

[16] Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:

  [...]

   II - é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município;

[17] Artigo XXI – 1. Toda pessoa tem o direito de tomar parte no governo de seu país diretamente ou por  intermédio de representantes livremente escolhidos.

   2. Toda pessoa tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país.

   3. A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade do voto.

[18] Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

   I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

   II - garantir o desenvolvimento nacional;

   III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

   IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

[19] Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

[20] Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos [...]

    

[21] No julgamento da cautelar na ADI nº 4467, ajuizada pelo Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores  questionando a constitucionalidade do art. 91-A, da Lei Eleitoral, lhe foi dada interpretação conforme a  Constituição, de modo que, constando o eleitor no caderno de eleição e no programa da urna eletrônica de sua  seção, ainda que porte tão somente o documento oficial com foto, não poderá ser impedido de votar.

[22] Art. 14. [...]                

    § 4º - São inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos.

[23] Idem.

[24] Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:

    I - cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado;

    II - incapacidade civil absoluta;

    III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;

    IV - recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII;

    V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.

[25] A estas Thales Tácito Cerqueira e Camila Albuquerque Cerqueira (2013, p. 96 – 102) acrescentam as   chamadas condições de elegibilidade implícitas, como “todos aqueles requisitos indispensáveis para a   candidatura de um nacional, com uma diferença: não estão previstos no art. 14, §3º, da CF/88”, a saber:   alfabetização, escolha do candidato em convenção, desincompatibilização, foto do candidato na urna,   condição especial dos militares e quitação eleitoral.

[26] Nesse sentido, cf. Thales Tácito Cerqueira e Camila Albuquerque Cerqueira (2013, p. 97).

[27] Artigo 23 – Direitos políticos

  1. Todos os cidadãos devem gozar dos seguintes direitos e oportunidades:

  [...]

   b) de votar e ser eleito em eleições periódicas, autênticas, realizadas por sufrágio universal e igualitário e por voto secreto, que garantam a livre expressão da vontade dos eleitores;

[28] Artigo 23 – Direitos políticos

  [...]

   2. A lei pode regular o exercício dos direitos e oportunidades, a que se refere o inciso anterior, exclusivamente por motivo de idade, nacionalidade, residência, idioma, instrução, capacidade civil ou mental, ou condenação, por juiz competente, em processo penal.

[29] Encontra em Antônio Augusto Cançado Trindade e Flávia Piovesan os seus maiores defensores.

[30] Por maioria, no entanto, vez que os votos vencidos dos Ministros Celso de Mello, Cezar Peluso, Ellen Gracie e Eros Grau, defendiam o status constitucional dos tratados internacionais sobre direitos humanos de que o Brasil é signatário, mas que não foram aprovados conforme o § 4º do art. 5º da Constituição de 1988.

[31] Ousamos discordar do entendimento da eminente doutrinadora Flávia Piovesan (2012, p.142), quando aduz que “É como se o Estado houvesse renunciado a essa prerrogativa de denúncia, em virtude da ‘constitucionalização formal’ do tratado no âmbito jurídico interno.” Entendemos que a possibilidade de    denúncia, se prevista, não é afastada, mas tão somente os seus efeitos quanto aos direitos e garantias    fundamentais que já foram integrados ao ordenamento jurídico pátrio mediante o rito complexo do art. 5º, § 3º,    da CF/88.

[32] Poderíamos acrescentar, ademais, a hipótese pela qual a legislação infraconstitucional que regulamenta os direitos fundamentais é que conflita com as disposições do tratado internacional, de modo que aquela deveria adequar-se a este, sob pena de ser considerada inconstitucional.

[33] No mesmo sentido as hipóteses de perda dos direitos políticos pela perda da nacionalidade mediante a aquisição de outra (art. 12, § 4º, II, CF/88), e pela opção de exercer os direitos políticos em Portugal (art. 12, do Decreto nº 70.436/72).

[34] Para maiores considerações sobre o tema, cf. Thales Tácito Cerqueira e Camila Albuquerque Cerqueira    (2013).

[35] Recentemente, por exemplo, o partido da ex-senadora Marina Silva – o Rede Sustentabilidade –, não teve seu registro concedido pelo TSE devido ao fato de não haver logrado êxito em comprovar o apoio dos eleitores. Seu partido conseguiu apenas 442 mil assinaturas válidas, ao passo que o mínimo requerido, à época (2013), eram 492 mil assinaturas.

[36] Por voto em branco entende-se aquele que é proferido a nenhum candidato ou legenda – poder-se-ia dizer que     o eleitor se conforma com a situação política atual, e não possui qualquer desejo de influenciar na conjuntura     futura. Já o voto nulo é aquele que não existe. Pode ser considerado como um protesto, uma manifestação de     insatisfação do eleitorado.

[37] Por exemplo, lex generalis derogat lex specialis ou lex posterior derogat legi priori.

[38] Quanto a estas, imprescindíveis as lições de Giovanni Sartori (2009).

[39] A candidatura avulsa, ou independente, também existe em democracias como Nova Zelândia, Índia, Inglaterra, Rússia, Filipinas, Polônia, Itália e Irlanda.


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Informações sobre o texto

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito para a conclusão do curso de bacharelado em direito do Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORELLI, Mânlio Souza. A não obrigatoriedade da filiação partidária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4115, 7 out. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32545. Acesso em: 29 mar. 2024.