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Formas de controle social e participação popular na Administração Pública brasileira

Formas de controle social e participação popular na Administração Pública brasileira

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Estudam-se as formas jurisdicionais e administrativas de o cidadão controlar os atos da Administração Pública.

INTRODUÇÃO

A crescente importância da transparência na Administração Pública é notória. Ocorre que a transparência administrativa nada significa sem a existência de mecanismos que possibiltem à sociedade ou ao cidadão individualmente controlar de forma efetiva os atos praticados pela Administração.

O controle social é direito subjetivo do cidadão, concedendo a este a função de participar da gestão da coisa pública. Assim, a transparência é essencial para um exercício eficaz do controle social, e este é a razão de ser daquela.

Vale salientar, ainda, que a transparência pública e o controle social são importantes ferramentas, não só para garantir a prevalência da vontade do povo na Administração Pública, mas também para inibir a corrupção, estimulando uma administração mais proba e responsável. 

O controle social pode ocorrer tanto no planejamento como na execução das ações do governo. Aqui, focaremos apenas no segundo aspecto deste controle, sendo os mecanismos discutidos abaixo os considerados mais importantes para tal fim.


AÇÃO POPULAR

CONSIDERAÇÕES GERAIS E CABIMENTO

O art. 5º, LXXIII, da Constituição Federal, dispõe sobre a ação popular, cuja legitimidade pertence a qualquer cidadão que tenha como objetivo anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, ou, ainda, anular ato lesivo à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. Assim, constitucionalizou-se o direito público subjetivo ao trato ético da coisa pública. É ação civil de natureza coletiva, regulada pela Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965, diploma em grande parte ainda vigente.

Esta ação valoriza a participação popular no controle da gestão da coisa pública, tratando-se de um instrumento de defesa dos interesses da coletividade. Seu beneficiário direto e imediato não é o autor, mas sim o povo. O indivíduo a promove em nome da coletividade, no exercício de sua cidadania, que, como visto anteriormente, é fundamento da República.

Em matéria publicada no site do Superior Tribunal de Justiça, intitulada “Ação popular: STJ prestigia instrumento de controle social de agentes públicos”, o tribunal enaltece essa forma de participação dos cidadãos nos negócios públicos. Entretanto, levanta a questão de ser ínfimo o número de processos relacionados à ação popular que tramitam naquela Egrégia Corte.

O âmbito de proteção da ação popular, na vigente Constituição, é bastante amplo, abrangendo:

  1. O patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe;
  2. A moralidade administrativa;
  3. O meio ambiente;
  4. O patrimônio histórico e cultural.

Assim, na ação popular, o autor pede a prestação jurisdicional para defender o interesse público, implicando em um controle do cidadão sobre atos lesivos aos interesses protegidos pela Constituição.

A Lei dispõe que, além de anular o ato lesivo (objeto do pedido principal da ação popular), a sentença que julgue procedente a ação deverá condenar ao pagamento de perdas e danos os responsáveis pelo ato e os beneficiários dele (art.11). A sentença determinará ainda, se for o caso, a restituição de bens e valores indevidamente percebidos, estando a parte condenada sujeita a sequestro e penhora, desde a prolação da sentença condenatória (art. 14, §4º). Daí a dupla natureza da ação, que é ao mesmo tempo constitutiva e condenatória.

No caso de dano ao patrimônio público, a condenação incidirá sobre as autoridades responsáveis pelo ato e sobre os beneficiários, cabendo, ainda, ação regressiva contra funcionários não chamados ao processo e causadores do dano, quando incorrerem em culpa (art. 11). Vale salientar que, uma vez que o valor fixado na sentença se destina a recompor o patrimônio da pessoa jurídica, esta não responde pela condenação, ainda que conteste a ação.

Maria Sylvia Zanella di Pietro (2011, p. 814) ensina que, na hipótese de lesão ao patrimônio histórico ou cultural e ao meio ambiente, exige-se solução diversa, não cogitada na referida lei. A solução deverá ser a mesma prevista para a ação civil pública, onde o valor da indenização poderá ser destinado ao Fundo para Reconstituição de Bens Lesados, instituído pelo Decreto nº 92.302/86, com base no artigo 13 da Lei de Ação Civil Pública.

Além de sua função repressiva, a ação popular pode ser proposta em caráter preventivo. A lei que regulamenta a ação popular admite concessão de medida liminar que determine a suspensão do ato lesivo impugnado (art. 5º, §4º, introduzido pela Lei nº 6.513, de 1977), basta que o autor demonstre que o ato será realizado e que dele resultará lesão de difícil reparação a algum dos bens tutelados pela ação popular.

Di Pietro (2011, p. 810) tece algumas considerações sobre o caráter preventivo da ação popular, partindo de uma comparação hipotética entre ação popular preventiva e mandado de segurança preventivo. Ao comparar os dispositivos legais referentes às duas medidas, para a autora, a interpretação literal concluiria pela impossibilidade de interpor uma ação popular sem que se demonstre a lesão já ocorrida, pois a Lei nº 4.717, de 1965 não faz expressa menção à “violação ou justo receio de sofrê-la”, como consta no artigo 1º da Lei nº 12.016, de 2009, que disciplina o mandado de segurança. Entretanto, ao se incluir na ação popular valores concernentes ao patrimônio histórico, cultural, artístico, moral e meio ambiente, torna-se indefensável a tese da exigência de lesão concreta, sob pena da ação se tornar inócua para os fins pretendidos.

Nessas hipóteses, ela é muito mais útil e necessária como medida preventiva, para evitar um dano que pode tornar-se irreparável, do que como medida repressiva, que poderá, no mais das vezes, resultar em compensação pecuniária, nem sempre suscetível de reparar danos dessa natureza (DI PIETRO, 2011, p. 810).

Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (2009, p. 819) citam como exemplo de cabimento de ação popular de caráter preventivo o caso de uma licitação, já homologada e com data marcada para assinatura do contrato, onde houve conchavo entre os participantes com o fim de elevar artificialmente os preços ofertados. Se um cidadão ajuizar ação popular com elementos que deem plausibilidade à alegação de que ocorreu conchavo e superfaturamento na licitação, poderia obter a concessão de liminar que obstasse a celebração do correspondente contrato administrativo.

A lesão ou a ameaça de lesão pode resultar de ato ou omissão, desde que produza efeitos concretos. Não se admite ação popular contra a lei em tese, a não ser que esta seja autoaplicável ou de efeitos concretos. Também não é cabível ação popular contra ato judicial; neste caso, se o ato não for definitivo, deve ser impugnado pelos recursos previstos na lei processual, ou, na falta deles, por mandado de segurança; se já houver se tornado definitivo, ou seja, já tiver transitado em julgado, a única hipótese é a ação rescisória.

A competência para conhecer da ação popular define-se conforme a origem do ato impugnado, equiparando-se, para esse fim, aos da União, Estados, Municípios e Distrito Federal os atos das pessoas criadas ou mantidas por essas entidades, bem como os atos das sociedades de que elas sejam acionistas e os das pessoas ou entidades por ela subvencionadas ou em relação às quais tenham interesse patrimonial. Nesta última hipótese, havendo várias interessadas, prevalece o juízo da entidade maior.

A prescrição ocorre no prazo de cinco anos, salvo quanto à reparação de danos, que é imprescritível, nos termos do artigo 37, §5º, da Constituição.

LEGITIMIDADE ATIVA E PASSIVA

A legitimidade ativa da referida ação cabe somente ao cidadão, sendo este considerado toda pessoa humana no gozo dos seus direitos cívicos e políticos, isto é, que seja eleitor. O autor deverá comprovar a chamada capacidade eleitoral ativa para poder propor a ação, devendo comprovar essa condição para ingressar em juízo através da apresentação de título eleitoral ou documento que a ele corresponda. O legitimado pode ser brasileiro nato ou naturalizado, ou português equiparado, no gozo de seus direitos políticos (CF, art. 12, §1º). O artigo 6º, §5º, da lei da ação popular faculta a qualquer cidadão habilitar-se como litisconsorte ou assistente do autor da ação popular.

A Constituição Federal isenta o autor da ação popular de custas e de ônus de sucumbência, salvo comprovada má-fé, revogando o artigo 10 da Lei de ação popular. A gratuidade beneficia o autor da ação, e não os réus; se julgado procedente a ação popular, serão estes condenados ao ressarcimento de eventuais despesas havidas pelo autor da ação.

No polo passivo, a Lei impõe a formação de um litisconsórcio necessário, devendo figurar como réus na ação popular, obrigatoriamente:

  • Todas as pessoas jurídicas, públicas ou privadas, em nome das quais foi praticado o ato ou contrato a ser anulado (pessoas enumeradas no art. 1º da Lei nº 4717). Embora a ação popular seja meio de controle da Administração Pública, esse conceito foi ampliado ao se considerar como tal todas as entidades, de direito público ou privado, de que o Poder Público participe;
  • Todas as autoridades, os funcionários e administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado pessoalmente o ato ou firmado o contrato a ser anulado, ou que, por omissos, permitiram a lesão;
  • Todos os beneficiários diretos do ato impugnado, se houver.

A pessoa jurídica, embora deva ser necessariamente citada, como sujeito passivo, pode adotar três medidas, a saber:

  1. Contestar a ação (continuando na posição de sujeito passivo);
  2. Abster-se de contestar;
  3. Atuar do lado do autor, desde que isso se afigure útil ao interesse público, a juízo do respectivo representante legal ou dirigente.

Para Di Pietro (2011, p. 812), a atitude de atuar ao lado do autor justifica-se em decorrência do objetivo da ação popular, onde a pessoa jurídica, na qualidade de assistente, estará reforçando a posição do sujeito ativo na defesa do interesse público. Entretanto, referida autora aponta que este tipo de procedimento não é muito comum, tendo em vista que o representante da pessoa jurídica é, em geral, servidor de confiança do Chefe do Executivo. É mais possível tal hipótese quando a ação popular vise impugnar ato do Governo anterior. O Superior Tribunal de Justiça já admitiu que a pessoa jurídica citada participe, inclusive, de forma simultânea, como autor e réu da mesma ação popular, quando haja mais de um pedido (REsp 791042).

MINISTÉRIO PÚBLICO

A lei que regula a ação popular atribui várias funções ao Ministério Público, algumas obrigatórias, outras facultativas. As funções obrigatórias são:

  1. Acompanhar a ação e apressar a produção da prova, bem como promover a responsabilidade, civil ou criminal, dos que nela incidirem, hipótese em que atuará como autor (art. 6º, §4º);
  2. Providenciar para que as requisições de documentos e informações previstas no artigo 7º, I, b, sejam atendidas dentro dos prazos fixados pelo juiz (art. 7º, §1º);
  3. Promover a execução da sentença condenatória quando o autor não o fizer (art. 16).

São funções facultativas:

  1. Dar continuidade ao processo em caso de desistência ou de absolvição de instância (extinção do processo, sem julgamento do mérito, por falta de providências a cargo do autor). É o que decorre do artigo 9º, que dá essa possibilidade a qualquer cidadão ou ao representante do MP;
  2. Recorrer das decisões contrárias ao autor (art. 19, §2º), o que também pode ser feito por qualquer cidadão.

Pode-se dizer, assim, que a função do Ministério Público na ação popular, em regra, é de fiscal da lei, ressalvadas as hipóteses em que atua como autor ou como sucessor (em caso de desistência e absolvição de instância). E como fiscal da lei, o Ministério poderá opinar pela procedência ou improcedência da ação, embora o artigo 6º, §4º, da Lei vede ao Ministério Público assumir a defesa do ato impugnado pela ação popular ou dos seus autores.


AÇÃO CIVIL PÚBLICA

CONSIDERAÇÕES GERAIS E CABIMENTO

A ação civil pública, a rigor, não constitui instrumento específico de controle da Administração Pública. Contudo, possui como legitimado passivo todo aquele que causar dano a algum interesse difuso, podendo, assim, ser proposta contra o Poder Público quando ele for o responsável pelo dano.

A Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Esse diploma teve alguns dispositivos alterados pelo Código de Defesa do Consumidor, pela Lei nº 8.884, de 1994, pela Lei 9.494, de 1997, pelo Estatuto da Cidade, pela Medida Provisória nº 2.180-35, de 2001 e pelo Estatuto da Igualdade Racial.

Tal ação surgiu na legislação ordinária, mas foi instituída a nível constitucional em 1988. Está prevista no artigo 129, III, da Constituição Federal, como uma função institucional do Ministério Público. Entretanto, a titularidade da referida ação não é exclusiva desse órgão, a própria Carta Magna, no §1º do mesmo dispositivo, estatui que “a legitimação do Ministério Público para as ações civis previstas neste artigo não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o disposto nesta Constituição e na lei”.

A Carta Magna inclui entre as funções institucionais do Ministério Público a de promover a “ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”. Isto significa que a Constituição ampliou o âmbito dos interesses protegidos por meio dessa ação, com o emprego da expressão “e de outros interesses difusos e coletivos”. A enumeração deixou de ser taxativa, como era na Lei que a disciplina, passando a ser exemplificativa.

A proteção do patrimônio e a defesa do meio ambiente são amparadas também pela ação popular, conforme visto na seção anterior. A diferença básica está na legitimidade ativa e passiva. Enquanto na ação popular o sujeito ativo é o cidadão e o passivo a entidade pública ou privada detentora do patrimônio público (art. 1º, Lei nº 4.717), na ação civil pública o sujeito ativo é o poder público e o passivo qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que cause lesão ao interesse difuso protegido. Poderá, inclusive, ocorrer a hipótese de cabimento das duas ações, quando o ato lesivo for praticados por uma das pessoas definidas no art. 1º da Lei nº 4.717.

Constitui pressuposto da ação civil pública o dano ou a ameaça do dano, assim, pode ter finalidade preventiva ou repressiva, ou seja, pode ter por objeto evitar uma lesão ou, se já ocorrida, repará-la e responsabilizar os que a ocasionaram, por ação ou omissão. O objeto do pedido pode ser a condenação em dinheiro (perdas e danos) ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.

O artigo 1º da Lei de ação civil pública dispõe sobre a abrangência desta ação. Trata-se de um rol exemplificativo, haja vista o inciso IV do referido artigo e o artigo 129, III, da Constituição Federal, que prescrevem a utilização da ação civil pública, genericamente, para a proteção de qualquer interesse difuso ou coletivo, independentemente de estar discriminado de forma explícita na legislação que a disciplina.

O parágrafo único do supracitado artigo exclui da proteção da lei da ação civil pública as pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados. Entretanto, como bem ensina Di Pietro (2011, p. 818), esta disposição não pode prevalecer nas situações em que estejam presentes os requisitos constitucionais para propositura da ação, previstos no artigo 129, inciso III, da Constituição.

O ajuizamento de ação civil pública é inadmissível se tiver por fim a declaração de inconstitucionalidade de tributos e obtenção de restituição dos valores indevidamente pagos. O meio idôneo para o controle da constitucionalidade da lei que tenha instituído tributo cuja validade seja contestada é a ação direta de inconstitucionalidade.

Ademais, já está assente

que a ação civil pública não pode ser utilizada como sucedâneo da ação direta de inconstitucionalidade, para o controle de validade, em tese, de leis e atos normativos, pois nesse caso estaria havendo usurpação de competência do Supremo Tribunal Federal pelos juízos inferiores.

Cabe ressaltar, entretanto, que é legítima a utilização da ação civil pública como instrumento de fiscalização incidental de constitucionalidade, pela via difusa, de quaisquer leis ou atos do Poder Público, desde que a controvérsia constitucional não se identifique como objeto único ou pedido principal da demanda, e sim como simples questão prejudicial, indispensável para a solução do litígio principal (ALEXANDRINO, 2009, p. 825).

A ação civil pública é utilizada também para apurar e sancionar os atos de improbidade administrativa, nos termos do artigo 37, §4º, da Constituição. A ação judicial prevista na Lei nº 8.429, de 02 de junho de 1992 – que descreve e sanciona os atos de improbidade administrativa – tem sido considerada uma espécie de ação civil pública. Por meio dela protege-se basicamente a honestidade, a moralidade e a lisura na Administração Pública, não escapando, portanto, da finalidade da ação civil pública.

LEGITIMIDADE ATIVA E PASSIVA

De acordo com o artigo 129, §1º, da Constituição, e o artigo 5º da Lei nº 7.347/85, podemos indicar como sujeitos ativos da ação civil pública o Ministério Público, a Defensoria Pública, a União, os Estados, os Municípios, as autarquias, empresas públicas, fundações, sociedades de economia mista, bem como associações que estejam constituídas há pelo menos um ano, nos termos da lei civil, e incluam entre suas finalidades institucionais a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico ou de qualquer outro interesse difuso ou coletivo.

A iniciativa do Ministério Público poderá ser provocada por qualquer pessoa que souber de informações sobre fatos que constituam objeto da ação civil pública. No caso de servidor público, esta provocação será um dever, e não apenas uma faculdade.

Como dito anteriormente, esta ação não se trata de um instrumento criado especificamente para o controle da administração pública. O sujeito passivo pode ser qualquer pessoa, física ou jurídica, pública ou privada, responsável por dano ou ameaça de dano a interesse difuso ou geral. Mas, como ferramenta de controle social, o Poder Público pode figurar no seu polo passivo quando for responsável pelo dano ou ameaça de dano a um dos bens jurídicos tutelados.

MINISTÉRIO PÚBLICO

O Ministério Público desempenha as seguintes funções na ação civil pública:

  1. Ser o autor da ação ou, se não tiver essa posição, atuar como fiscal da lei (art. 5º, §1º, da Lei nº 7.247/85);
  2. Promover a execução, se o autor não o fizer no prazo de 60 dias do trânsito em julgado da sentença condenatória (art. 15);
  3. Assumir a titularidade ativa quando houver desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada (art. 112 do Código de Defesa do Consumidor);
  4. Realizar inquérito civil com o objetivo de buscar elementos que permitam a instauração da ação civil pública. Esse procedimento constitui a única modalidade de inquérito civil prevista no direito positivo brasileiro, sendo de competência exclusiva do Ministério Público. Não é obrigatório, visto que se torna desnecessário se já houver elementos suficientes para a propositura da ação.

O Ministério Público, para instruir a ação, poderá requisitar de qualquer organismo, público ou privado, certidões, informações, exames ou perícias (art. 8º, §1º). Cabe recusa apenas em caso de sigilo, hipótese em que cabe ao juiz requisitá-los, fora dessa hipótese, a recusa constitui crime (art. 10).


MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO

O mandado de segurança coletivo está previsto no artigo 5º, inciso LXX, da Lei Maior. Entretanto, o dispositivo constitucional não indica os pressupostos da medida, o que faz a doutrina entender que são os mesmos previstos para o mandado de segurança individual (inciso LXIX do mesmo artigo), a saber: ato de autoridade, ilegalidade ou abuso de poder e lesão ou ameaça de lesão a direito líquido e certo. Assim, mandado de segurança é o gênero que comporta duas espécies: o individual e o coletivo.

A Lei nº 12.016, de 7 de agosto de 2009, disciplina o mandado de segurança individual e coletivo. Esta lei introduziu um dispositivo definindo os interesses que podem ser protegidos com esse remédio constitucional, abrangendo os coletivos e os individuais homogêneos. Lembrando que os primeiros são aqueles cuja titularidade pertence a um grupo ou categoria de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica básica; e os segundos são os decorrentes de origem comum e da atividade ou situação específica da totalidade ou de parte dos associados ou membros do impetrante.

Pode ser impetrado, nos termos da Constituição Federal, por partido político com representação no Congresso Nacional ou organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados.

Nota-se, do texto constitucional, que os partidos políticos podem agir na defesa de interesses que extrapolam aos dos seus membros ou associados, o que não ocorre com as demais entidades citadas acima, que só podem agir “em defesa dos interesses de seus membros ou associados”.

Entretanto, o artigo 21 da Lei nº 12.016 entra em conflito com essa interpretação literal do dispositivo constitucional, pois de acordo com essa lei o mandado de segurança coletivo impetrado por partido político somente pode proteger os “interesses legítimos relativos a seus integrantes” e as “finalidades partidárias”, excluindo assim a possibilidade de defender interesses da coletividade. Di Pietro (2011, p. 803), diante deste conflito, se posiciona por uma interpretação do artigo 21 de forma a não colidir com o artigo 5º, LXX, da Constituição, sob pena de inconstitucionalidade.

O mandado de segurança difere da ação popular por tutelar direito subjetivo, líquido e certo, que, embora de expressão coletiva, possui titularidade definida. O direito tutelado é das pessoas cujos interesses o autor da ação, na qualidade de substituto processual, pretende defender.

Assim, nas hipóteses de ação popular, ação civil pública e mandado de segurança coletivo, o que se protege são os interesses públicos (interesses metaindividuais), que abrangem o interesse geral, que atinge toda a sociedade, o interesse difuso, afeto a um grupo de pessoas caracterizadas pela indeterminação e indivisibilidade, e os interesses coletivos, pertinentes a um grupo de pessoas determinadas ou determináveis.

A proteção do patrimônio público (considerado em sentido amplo, para abranger o econômico, o turístico, o estético e o paisagístico), que pode ser do interesse geral ou de um grupo apenas, se faz por meio da ação popular ou da ação civil pública (distinguíveis, como visto, pela legitimidade ativa e passiva). A proteção do interesse coletivo, pertinente a uma coletividade determinada é feita por meio do mandado de segurança coletivo.


OUTRAS MEDIDAS DE CONTROLE SOCIAL

Além das ações discutidas nas seções antecedentes, a Constituição Federal dispõe sobre outras ferramentas que podem ser utilizadas como instrumento de controle social. Vejamos:

O artigo 5º, XXXIV, “a”, da Constituição Federal assegura a todos, independentemente do pagamento de taxas, o “direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder”. Trata-se de um importante instrumento de participação política e fiscalização da gestão pública, encaminhado à autoridade competente para responder à demanda. O cidadão poderá utilizar desse direito para obter, independente de assistência advocatícia, informações sobre questões públicas não sigilosas.

Já o artigo 74, §2º, da Carta da República estatui que “qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União”. Aqui, o cidadão acionará um órgão competente, o Tribunal de Contas da União, para apreciar e julgar administrativamente irregularidades praticadas pelo agente público na utilização de recursos federais. Apesar de não estar previsto neste dispositivo, a Controladoria-Geral da União também recebe denúncias sobre irregularidade ou ação de mau uso do dinheiro público (recursos públicos federais).

Temos ainda o artigo 37, §3º, do Texto Magno, inserido pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998, dispondo que a lei deve disciplinar as formas de participação do cidadão na administração pública direta e indireta, regulando especialmente:

  • As reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao cidadão e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços;
  • O acesso dos cidadãos a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, respeitadas as limitações impostas pela própria Constituição, nos incisos X e XXXIII do seu art. 5º;
  • A disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na Administração Pública.

Ainda não houve a promulgação de tal lei que regularia essa participação do cidadão na Administração, mas este seria um importante instrumento de controle social. Di Pietro (2011, p. 736) menciona inclusive a importância da criação de um Código de Defesa do Usuário do Serviço Público, com instrumentos de atuação semelhantes ao que o Procon desempenha em relação às atividades privadas em geral.

Outra forma de exercício do controle social prevista na legislação brasileira são os conselhos de políticas públicas. Os conselhos podem ser classificados conforme as funções que exercem, a saber:

  • Fiscalizadora, referindo-se ao acompanhamento e controle dos atos praticados pelos governantes;
  • Mobilizadora, com a função de estimular a participação popular na gestão pública e contribuir para a formulação e disseminação de estratégias de informação para a sociedade sobre as políticas públicas;
  • Deliberativa, referindo-se à sua prerrogativa de decidir sobre as estratégias utilizadas nas políticas públicas de sua competência;
  • Consultiva, relacionando-se à emissão de opiniões e sugestões sobre assuntos que lhe são correlatos.

Assim, tais Conselhos dão ao cidadão, como membro ou como acompanhante dos trabalhos, a possibilidade de exercer o controle social. Mas o indivíduo pode exercer esse controle de forma isolada, independente da atuação dos Conselhos, verificando a execução de obras, os gastos realizados, a compatibilidade dos valores lançados com os de mercado etc. Caso o cidadão verifique alguma irregularidade nos atos do gestor público, ou que este não está agindo de forma a melhor atender o interesse público, deverá socorrer-se de uma das ferramentas de controle social já discutidas ou, ainda, oferecer denúncia ao Tribunal de Contas ou a Controladoria-Geral da União.


CONCLUSÃO

 A Constituição de 1988, através dos dispositivos estudados, representou um significativo avanço no sentido da democratização da Administração Pública no Brasil, introduzindo mecanismos que permitem o controle social e estimulam a transparência.

Hoje, com a legislação sobre transparência administrativa e ferramentas de controle social, podemos dizer que o Brasil possui um aparato legal capaz de combater a corrupção e a improbidade administrativa. Porém, falta uma mobilização da sociedade no sentido de tornar eficaz o controle social. As mudanças são lentas, e dependem de um esforço conjunto dos brasileiros no sentido de tutelar o patrimônio público e retirar da Administração Pública os agentes ímprobos e descomprometidos com a boa gestão dos recursos nacionais.


REFERÊNCIAS

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. 17. ed. rev. São Paulo: Método, 2009.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2011.

__________. Participação popular na Administração Pública. Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo, Malheiros, v. 1, p. 127-139, 1993.

FONSECA, Francisco; GUEDES, Alvaro Martim. Controle social da administração pública: cenário, avanços e dilemas no Brasil. 1. ed. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2008.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 36. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. 

PESTANA, Márcio. Direito administrativo brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.

TÁCITO, Caio. Direito Administrativo Participativo. Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo, Malheiros, v. 15, p. 24-28, 1996.


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANCHES, Priscila Sanches. Formas de controle social e participação popular na Administração Pública brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4315, 25 abr. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32566. Acesso em: 28 mar. 2024.