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Encerramento irregular das sociedades

Encerramento irregular das sociedades

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O encerramento irregular das sociedades tem sido uma prática comum, é necessário que os credores tenham conhecimento desta prática para que se previnam de efetuar negócios com empresas que possuem uma vida financeira em declínio.

A dissolução irregular tem sido uma grande problemática, a legislação não prevê expressamente medidas para inibir tal ação e, consequentemente não a pune como deveria.

Referida medida tem se tornado uma prática constante, tanto que na maioria das vezes a jurisprudência tem entendido que nestes casos é cabível a desconsideração da personalidade jurídica, por ser considerada uma espécie de fraude.

Conforme disposto no artigo 50 do Código Civil, a partir do momento que o sócio se utiliza do véu da sociedade para praticar atos ilícitos ou com abuso de poder, ele nitidamente não leva em consideração o princípio da conservação da empresa, responsabilidade societária e função social, muito menos o princípio da boa fé!

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Para Celso Marcelo de Oliveira, em caso de dissolução irregular da sociedade, é plenamente admissível a penhora em bens particulares dos sócios que a integram.

O entendimento consolidado da jurisprudência tem sido justamente em desconsiderar a personalidade jurídica quando o credor comprovar a existência de fraude praticada pelos sócios ou administradores ou ainda o encerramento irregular da sociedade, vejamos algumas ementas neste sentido:

                                                        AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO.                                                                      RECURSO QUE NÃO ATACA TODOS OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO                                                                            AGRAVDA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DA                                                                              EMPRESA. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO AOS SÓCIOS-                                                                                      ADMINISTRADORES. AUSÊNCIA DE QUESTÃO CONSTITUCIONAL. A                                                                             petição de agravo regimental não impugnou todos os fundamentos da decisão                                                                       ora agravada. Nesses casos é inadmissível o agravo, conforme orientação do                                                                       Supremo Tribunal Federal. Precedentes. De qualquer forma, incide a                                                                                     jurisprudência desta Corte no sentido de que não há questão constitucional a                                                                         ser analisada nas causas que envolvem pedido de desconsideração da                                                                                 personalidade jurídica de empresa. Precedentes. Agravo regimental a que se                                                                         nega provimento.(STF - ARE: 721803 RS , Relator: Min. ROBERTO                                                                                       BARROSO, Data de Julgamento: 12/11/2013, Primeira Turma, Data de                                                                                   Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-244 DIVULG 11-12-2013 PUBLIC 12-12-2013)

E ainda,

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. PROCESSO EM FASE DE EXECUÇÃO DE SENTENÇA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DA EMPRESA EXECUTADA. DOAÇÃO DE BEM DO SÓCIO. FRAUDE À EXECUÇÃO. Não demonstrada a hipótese de cabimento do recurso de revista prevista no art. 896, § 2º, da CLT. Agravo de instrumento a que se nega provimento.(TST - AIRR: 15244020115030098  1524-40.2011.5.03.0098, Relator: Fernando Eizo Ono, Data de Julgamento: 28/08/2013, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 06/09/2013)

            Na maioria das vezes os sócios que optam pela dissolução irregular da sociedade o fazem por desejar ludibriar credores, simplesmente baixando as portas da empresa e desaparecendo com os bens existentes, assim como a própria sociedade que, embora permaneça ativa na Junta Comercial e Receita Federal, estará inativa de fato por não ter regularizado o seu encerramento nos órgãos competentes.


                                                           A Súmula 435 do STJ prevê que presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio gerente.


                                                           Ora, diante do contido na súmula, o encerramento irregular ocorre quando a empresa simplesmente deixa de exercer suas atividades e não comunica as autoridades competentes, ou seja, a mudança de endereço sem a respectiva averbação no órgão competente também pode ser configurada como encerramento irregular.


                                                           Ocorre, porém, que recentemente a terceira turma do STJ decidiu que o encerramento irregular por si só não é suficiente para a desconsideração da personalidade jurídica. (Resp. 1.395.288/ SP).


                                                           De acordo com a ministra Nancy Andrighi, o simples argumento isolado da dissolução irregular não pode ensejar a desconsideração da personalidade jurídica. Este argumento precisa ser somado a fatos concretos que permitam a dedução de esvaziamento do patrimônio societário, com objetivo de impedir a satisfação dos credores e em benefício de terceiros, comprovando assim, o abuso de direito.


                                                           A recente decisão nitidamente prejudica o direito dos credores, eis que rebate a teoria trazida na súmula 435 e consequentemente impõe ao credor o dever de provar que os sócios agiram dolosa ou fraudulentamente, se aproveitando dos bens da empresa para interesses pessoais, tornando mais difícil a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, o que, nitidamente, beneficia o devedor.


                                                           Atualmente, com o desenvolvimento das empresas e a desburocratização para constituí-las, o número de sociedades que são dissolvidas tem aumentado, ao meu ponto de vista, um dos principais fatores é a falta de preparo dos sócios.

Para constituir uma sociedade e manter sua atividade é primordial que os sócios possuam educação financeira, a fim de não unificar o patrimônio pessoal ao patrimônio da empresa, o que configura confusão patrimonial.

É necessário possuir conhecimento de mercado, ou pelo menos das estratégias necessários para gerir o negócio, porém observamos que a cada dia a constituição de empresas tem aumentado pois cada vez mais pessoas entendem a facilidade de constituir uma empresa sem ter o menor conhecimento de mercado, administração, poder aquisitivo para mantê-la ou para contratar um profissional para orientá-lo.

Conforme ranking disponibilizado pelo Departamento de Registro Empresarial e Integração- DREI, no Brasil de 2010 à 2013 tivemos a constituição de 2.236.946 empresas e a extinção de 861.003, ou seja, 39% das sociedades constituídas neste período foram encerradas regularmente, logo, teoricamente, 61% ou 1.375.943 empresas estariam em pleno funcionamento, o que sabemos que não é verdade.


                                                           Segundo a estatística, em São Paulo no mesmo período apurado, tivemos a constituição de 727.706 empresas e a extinção de 262.124, ou seja, teoricamente 465.582 empresas permanecem abertas ou pelo menos não foram encerradas regularmente!

                                               Neste sentido, bem lecionou Jorge Lobo ao relatar que:

“Anote-se, de inicio, a relevância dos institutos em comento, o que pode ser facilmente percebido pelas estatísticas elaboradas pelo Departamento Nacional de Registro do Comércio (DNRC), em que se constata que, entre 1985 e 2000, apenas 871.902 empresas comerciais foram extintas, o correspondente a cerca de 11,61% do total de empresas constituídas no mesmo período, o que leva à inelutável conclusão de que milhares de sociedades, por razões de ordem técnica ou econômica, a despeito de encerrarem suas atividades, não são legalmente dissolvidas e liquidadas, impondo um criterioso tratamento legislativo da matéria, que abarque, inclusive, a questão das sociedades inativas.”


                                                           Este breve histórico e demonstrativo de levantamentos das empresas no Brasil e em São Paulo nos leva a crer que o fato de no Brasil qualquer pessoa conseguir constituir uma empresa e iniciar as atividades sem qualquer preparo, tem sido um fator altamente prejudicial.

Até o presente momento apenas se pensou em “regularizar as atividades” que até então funcionavam clandestinamente, porém não se pensou como a constituição descontrolada de empresas poderia beneficiar os devedores que se aproveitam da empresa para realizar fraudes.


                                                           Infelizmente no Brasil não temos a cultura de realizar estudo de viabilidade, planejamento estratégico/financeiro, além de outras medidas que poderiam levar a empresa ao sucesso e permanência no mercado.
 

Mesmo diante de medidas modernas para constrição de bens, como o BacenJud, Renajud e Infojud, tem sido muito difícil para o credor receber o que lhe é de direito, eis que na maioria dos casos os devedores simplesmente desaparecem com seus bens!

                                                               

As críticas aqui expostas, tem apenas o objetivo de esclarecer que o Brasil não precisa simplesmente acabar com a burocracia para a constituição de empresas, ele precisa principalmente investir para que os sócios, administradores e titulares das empresas, tenham educação financeira e gerencial para que a empresa não seja apenas constituída, mas que tenha uma “vida” longa e saudável, o que demonstramos não ocorrer, com base nos rankins trazidos acima.

É necessário investir não apenas em capital social, mas também em profissionais habilitados que se empenhem em aplicar métodos e estudos para que a empresa tenha sucesso.

Referências bibliográficas:

PAGANI. André de Souza, Desconsideração da Personalidade Jurídica, Ed. Saraiva.

ESTRELLA. Hernani, Apuração de haveres de sócio, ed. Forense, 3ª Edição.

FONSECA. Priscila M.P.Correa da, Dissolução parcial, retirada e exclusão de sócio, Ed. Atlas, 2002.

BARBI FILHO. Celso, Novos estudos de Direito Comercial em homenagem a Celso Barbi Filho, ed. Forense, 2003.

ROQUE. Sebastião José,  Da sociedade limitada, Ed. Ícone, 1ª edição, 2001.

CALÇAS. Manoel de Queiroz Pereira, Sociedade limitada no Novo Código Civil, ed. Atlas, 2003.

GONÇALVES NETO. Alfredo de Assis, Lições de direito societário, ed. Juarez de Oliveira, 2002.

ALMEIDA. Marcus Elidius Michelli de, Abuso de direito e concorrência desleal, Ed. Quartier Latin, 2004.

MAMEDE. Gladston, Manual de Direito Empresarial, Ed. Atlas, 6 edição

Código Civil 2002

COELHO, Fábio Ulhoa. A sociedade Limitada no Novo Código Civil, Ed. Saraiva, 2003.


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