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A evolução da legislação brasileira na regulamentação da radiodifusão

A evolução da legislação brasileira na regulamentação da radiodifusão

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A chegada da televisão no Brasil na década de 50 foi regulamentada por uma série de Decretos até a publicação do Código Brasileiro de Radiodifusão editado em 1962 e vigente até hoje. Este texto demonstra a necessidade de se regulamentar o setor.

RESUMO:A chegada da televisão no Brasil na década de 50 foi regulamentada por uma série de Decretos até a publicação do Código Brasileiro de Radiodifusão editado em 1962 e vigente até hoje. Este é um setor estratégico no país que carece que uma reformulação urgente na sua legislação.

Palavras-Chave: Radiodifusão. Televisão. Legislação.


INTRODUÇÃO

Vivemos em um país onde aproximadamente 30% da população é composta por crianças e adolescentes (idade de 0 a 17 anos), de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio – PNAD, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia – IBGE em 2009 e onde 12% dos brasileiros possuem entre 18 e 24 anos.

A PNAD de 2009 observou que a população brasileira possui hoje mais acesso a bens de consumo duráveis em comparação com anos anteriores, o que comprova o constante crescimento econômico pelo qual o país vem passando.

De acordo com a pesquisa, os eletrodomésticos mais procurados são a máquina de lavar, geladeiras e televisores, sendo que há mais televisores nos domicílios brasileiros do que geladeiras, 95,7% e 93,4% respectivamente, o que demonstra a importância que esse eletrodoméstico possui no cotidiano populacional.


2.  A TV COMO MANIFESTAÇÃO DA INDÚSTRIA CULTURAL

A televisão é a expressão mais clara do conceito de comunicação de massa proposto por McLuhan (BORDENAVE, 1982) ainda sob a égide do rádio. Para ele, com o crescente desenvolvimento tecnológico dos meios de comunicação, o mundo se tornaria uma aldeia diante da eliminação das distâncias proporcionadas por esses meios e compartilhamento comum dos mesmos valores.

A invenção da TV só veio a confirmar as previsões de McLuhan, pois a disseminação do conteúdo televisivo produzido pelos grandes centros comerciais do mundo e a sua distribuição através dos meios de comunicação de massa, alcançando os lugares mais distantes do planeta, permitiram que diferentes culturas fossem influenciadas e adotassem como suas os valores difundidos. “assim como a imprensa homogeneizou grupos diversos, fazendo com que superassem o espírito de clã e desembocassem na nação, a TV homogeniza as nações, globalizando-as” (COELHO, 1993, p.23).

Mas somente na década de 70 é que a preocupação com o homem social tomou contornos mais claros ao reconhecer que os meios de comunicação de massa tinham extremo potencial de produzir e destruir valores, podendo manipular seus usuários. “O impacto dos meios sobre as idéias, as emoções, o comportamento econômico e político das pessoas cresceu tanto que se converteu em fator fundamental de poder e domínio em todos os campos da atividade humana”. (BORDENAVE, 1982, p.33)

Dentre os meios com mais capacidade de influenciar está a televisão. Isso se deve a própria estrutura da TV e o seu modo de operar. Ao reproduzir sons e imagens ao mesmo tempo e agregar a eles a ideia da presentificação da cena, o 'ao vivo' ou 'tal como aconteceu' permite ao telespectador a sensação de vivenciar a ação, é como se ele estivesse lá.


3. A TV NO BRASIL

É importante observar que a chegada da televisão no Brasil coincide com um período de forte tentativa de integração nacional e afirmação de uma identidade pautada na perspectiva da formação da cultura nacional. Desde o início, a televisão brasileira nasceu privada e com claras intenções comerciais, baseada no modelo norte-americano.

Cronologicamente, a TV Tupi, inaugurada em 18 de setembro de 1950, foi a primeira emissora de televisão no Brasil, sob o controle de Assis Chateaubriand, dono dos maiores jornais impressos em circulação na época. Em 22 de novembro desse mesmo ano são autorizadas as primeiras concessões para TV Record e TV Tupi (São Paulo), TV Jornal do Comércio (Recife).

Em 1951, já existem, aproximadamente, 7 mil aparelhos de televisão entre São Paulo e Rio de Janeiro. Em 1952, e por vários anos seguidos, os telejornais e alguns programas possuem o nome do patrocinador, como: "Telenotícias Panair", "Repórter Esso", "Telejornal Bendix", "Reportagem Ducal", "Telejornal Pirelli", "Gincana Kibon", "Sabatina Maizena", "Teatrinho Trol". O valor para a compra de um televisor é três vezes maior que a mais sofisticada radiola do mercado e um pouco mais barato que um carro. Por isso, existem apenas 11 mil televisores. (TUDO SOBRE TV, 20 abr. 2012)

Em 1954, o número de aparelhos de televisão no Brasil chega a 34 mil. E esse número só cresceu com o passar dos anos permitindo que, em 1956, pela primeira vez, as três emissoras de TV de São Paulo arrecadassem mais do que as treze emissoras de rádio existentes. Calcula-se que, naquele ano, a TV tenha atingido cerca de um milhão e meio de telespectadores em todo o Brasil e cerca de 141 mil aparelhos de televisão.

O rápido crescimento da massiva presença da TV nos lares brasileiros indicava que esse fenômeno só iria aumentar, a ponto de, em 1958, o país contar com aproximadamente 344 mil aparelhos de televisão, o dobro de dois anos anteriores, de acordo com informações do Site – Tudo Sobre TV. Cabe lembrar que, naquela época, não havia cobertura nacional das torres de transmissão de imagens, sendo a maior parte das transmissões restritas às regiões sul e sudeste do Brasil.

A TV é encarada como um veículo de grande potencial explorado exaustivamente por anunciantes em busca de novas vitrines para os seus produtos. Os programas em si se tornam secundários, meros intervalos que justificavam a inserção das propagandas.

O sucesso da televisão no Brasil é tão grande que, em 1996, o Brasil era o sexto produtor de aparelhos de TV, produzindo cerca de 7,5 milhões e é o terceiro maior consumidor, perdendo apenas para os EUA e Japão.

Atualmente, conforme Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD realizada pelo IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, em 2009, dos 58,6 milhões de domicílios brasileiros, “quanto à posse de bens duráveis, (...), as estimativas da pesquisa revelaram a quase universalização de alguns itens, como o fogão, existente em 98,5% dos domicílios; a geladeira, em 93,9%; e a televisão, em 96,0%.” (PNAD, 2010).


4. ASPECTOS LEGAIS DA RADIOCOMUNICAÇÃO NO BRASIL

A análise da trajetória da regulamentação da radiocomunicação no Brasil é de extrema importância para melhor compreensão do interesse nacional na construção das políticas públicas ligadas à Comunicação.

Importante ressaltar inicialmente que as primeiras regulamentações na área da radiocomunicação no Brasil foi estabelecida por meio de Decretos, e não por leis ordinárias ou complementares como ocorre nos dias de hoje, isso de deve ao fato de que a competência para legislar sobre o assunto não pertencia ao Congresso Nacional e sim a pessoa do Presidente da República.

Apesar da primeira transmissão oficial da Televisão só ocorrer de fato em 1950 com a TV Tupi, decretos anteriores a ela, já regulamentavam a radiocomunicação no Brasil tendo como objeto principal as transmissões de rádio.

É o caso do Decreto nº 20.047, de 27/05/31 com importante significado para o histórico das políticas públicas de comunicações no País, pois estabeleceu regulamentações tais como, a exclusiva competência da União para concessão dos serviços e a garantia dos direitos autorais veiculados, além de se adiantar no tempo ao dizer que "constituem serviços de radiocomunicação, a radiotelegrafia, a radiotelefonia, a radiofotografia, a radiotelevisão, e quaisquer outras utilizações de radioeletricidade, para a transmissão ou recepção, sem fio, de escritos, sinais, imagens ou sons de qualquer natureza”.  Percebamos que o termo radiotelevisão já estava previsto no decreto antes mesmo da inauguração da primeira emissora de TV.

O Decreto 21.111 de 01/03/32 regulamentou o Decreto de 1931, principalmente no que tange as outorgas das concessões e permaneceu em vigor pelos 30 anos seguintes, até o estabelecimento de uma lei específica de licitação às concessões públicas (Lei 8.666/91).

As principais mudanças foram o estabelecimento do prazo de concessões de 10 anos; um mínimo de 2/3 de diretores brasileiros para empresas nacionais; que as emissoras deviam ter uma orientação educacional; que o tempo máximo de publicidade em um programa devia ser de 10%, sendo que cada inserção não podia passar de 30 segundos e deviam ser intercaladas; e criava ainda uma escola profissionalizante para técnicos e operadores de rádio.

É preciso lembrar que essas regras foram criadas para serem inicialmente aplicadas ao rádio e não à TV. Quando em 1950 ocorre a primeira transmissão oficial da televisão no Brasil não há a criação de uma nova lei, a regulamentação a qual ela se subordinou foi a legislação estabelecida pelo Decreto de 1932.

Permanecia nesse período a outorga das concessões por mecanismos de seleção não isonômico pois, conforme pesquisa realizada por Murilo César Ramos e Suzy dos Santos, pesquisadores do Laboratório de Pesquisa de Comunicação da Universidade de Brasília, havia uma ligação pessoal entre políticos e detentores dos meios de comunicação.

“Uma influência recíproca pela qual os chefes do poder executivo outorgam as concessões a partir de critérios privilegiadamente políticos – o chamado clientelismo – e os proprietários de veículos escolhem ministros e ditam as regras que vão regulamentar o setor” (Mídia e políticas públicas de comunicação, 2007, p. 168)

Quanto a regulamentação do conteúdo veiculado pelos jornais, revistas, rádio e TV todos foram influenciados pela preocupação de Getúlio Vargas, atual Presidente do Brasil, em formar uma identidade nacional voltada à cultura popular.

Dessa forma, é estabelecido o Decreto 21.240/32, destinado as produções cinematográficas e posteriormente por analogia, à televisão, que, em seu preâmbulo, define que “a exemplo dos demais países, e, no interesse da educação popular, a censura dos filmes cinematográficos deve ter cunho acentuadamente cultural”. É o início da definição do que se entendia ser 'conteúdo educativo' nos meios de comunicação, mas era também o início da censura no País.

Art. 7º

§ 3º Serão considerados educativos, a juízo da comissão não só os filmes que tenham por objeto intencional divulgar conhecimentos científicos, como aqueles cujo entrecho musical ou figurado se desenvolver em torno de motivos artísticos, tendentes a revelar ao público os grandes aspectos da natureza ou da cultura.

Art. 8º

Será justiçada a interdição do filme, no todo ou em parte quando:

I – Contiver qualquer ofensa ao decoro público.

II – For capaz de provocar sugestão para os crimes ou maus costumes.

III – Contiver alusões que prejudiquem a cordialidade das relações com outros povos.

IV – Implicar insultos à coletividade ou a particulares, ou desrespeito a credos religiosos.

V – Ferir de qualquer forma a dignidade nacional ou contiver incitamentos contra a ordem pública, as forças armadas e o prestígio das autoridades e seus agentes.

§ 1º A impropriedade dos filmes para menores será julgada pela Comissão tendo em vista proteger o espírito infantil e adolescente contra as sugestões nocivas e o despertar precoce das paixões.

O decreto 24.655, de 11 de julho de 1934 também viria a estabelece regras morais aos conteúdos veiculados e no ano de 1937 o país entrou em um regime ditatorial, início do Estado Novo, após o auto-golpe de Getúlio Vargas.

Com o golpe, o rádio passou a ser um dos instrumentos de poder mais utilizados por Vargas, a exemplo do que já faziam seus inspiradores Adolf Hitler, na Alemanha e Benito Mussolini, na Itália. Culminando em 1939 com a Criação do  Departamento de Imprensa e Propaganda – DIP que intensivou a fiscalização dos Meios de Comunicação. O controle esse, que só terminaria com o final da ditadura em 1945 através do Decreto nº 8.356/45.

A década de 40 foi marcada pelos primeiros passos da TV no Brasil, em fase de testes técnicos, não obstante a legislação em torno da mesma já ganhava seus primeiros contornos, por meio da Portaria nº 692, de 26 de julho de 1949, que estabelecia normas para a utilização da freqüência VHF e  que definia o modelo de 12 canais para o serviço de televisão, antes mesmo da primeira transmissão oficial.

Contudo só em 1952, após o início das transmissões é passou se definir as normas gerais para televisão através do Decreto nº 31.835/52, sendo oficialmente o primeiro texto legal regulamentando, especificamente, da televisão no Brasil. O documento, entretanto não fez referência ao conteúdo a ser veiculado, apenas delimitou critérios técnicos na operacionalização da TV, planejando a divisão, em termos quantitativos, do número de canais, formas de importação de equipamentos e estabelecimento da qualidade de transmissão do sinal.

De 1945 a 1951 quando Vargas volta ao poder agora como Presidente, não houve nenhum controle sobre o conteúdo veiculado pelos meios de comunicação, a sombra da censura ainda pairava sobre os que a tinham vivenciado e a ideia de qualquer tipo de controle era encarada como uma ameaça à liberdade de expressão, por esse motivo nos anos seguintes a regulamentação se limitou a aspectos técnicos e modos de concessão das licenças aos interessados.

A falta de interesse em regular a matéria também pode ser entendida, segundo Kuroki Ito, pela inexpressiva presença da TV nos lares brasileiros, pois apesar de crescente, poucos tinham acesso ao aparelho e seu conteúdo, se comparado ao alcance do rádio na mesma década. “Economicamente falando, o que prevalecia continuava sendo o setor agrícola, com mais de dois terços da população vivendo em áreas rurais, onde a grande maioria não contava sequer com energia elétrica nas propriedades.” (KUROKI ITO, 2009, p. 16) e poucos tinham condições econômicas de adquirir um aparelho de televisão que custava quase o equivalente a um automóvel. E assim permaneceu durante os 10 anos seguintes.

Somente a partir de 1961 quando o Brasil possuía um pouco mais de 200 mil aparelhos receptores é que novos decretos tratando sobre o assunto foram editados.

Em 1961, importantes decisões, como o Decreto nº 50.450/61, de 12 de abril, obrigava a exibição de filmes nacionais na televisão à proporção de um nacional para cada dois estrangeiros (em 1962 este decreto foi reformulado para a obrigação apenas um filme nacional por semana sem importar a quantidade de filmes estrangeiros); O Decreto nº 50.666/61, que estabelecia a criação do Conselho Nacional de Telecomunicações (Contel), para propor uma nova legislação para o setor; O Decreto nº 50.840/61, de 24 de junho, que voltava a limitar o prazo de concessão de rádio e TV em três anos, não mais em dez. O último decreto desse ano, o nº 51.134, de 3 de agosto, restabeleceu a censura prévia e ditou uma série de normas como a proibição de cenas de crueldade, sensacionalismo e preconceito, além de proibir a exibição de cenas de atores com maiô ou peças íntimas, mesmo em comerciais. (REBOUÇAS, 2007)

Destaque deve ser dado ao Decreto nº 51.134/61, que reaviva a censura prévia de conteúdo, justificada pela “sensível influência dos programas de rádio e de televisão no ambiente familiar, na orientação dos costumes, e, principalmente, na formação do caráter da juventude”.

Em 27 de agosto de 1962 a Lei nº 4.117/62 instituiu o Código Brasileiro de Telecomunicações, que autorizou a criação de uma empresa pública, a Empresa Brasileira de Telecomunicações. A Embratel além de amenizar as sanções deu maiores garantias aos concessionários. Nesse código, que se tornou o documento máximo do setor até 1997, estava prevista a regulamentação nas concessões de rádio e televisão, mas as decisões de renovação e novas concessões eram exclusivas do poder executivo. (REBOUÇAS, 2007)

O Código Brasileiro de Telecomunicações foi regulamentado pelo Decreto nº 52.026, de 20 de Maio de 1963 e cria a Empresa Brasileira de Telecomunicações (Embratel). Segundo Rebouças (2007), porém, a maior parte de seu conteúdo preservava os princípios dos decretos de 1931 e 1932, tais como a manutenção do sistema misto público/privado, nos procedimentos de concessão, na interdição do capital estrangeiro, o caráter educativo e cultural, os limites para a propriedade de empresas do setor e a criação do Conselho Nacional de Telecomunicações, com função de acompanhar a regulação/regulamentação das comunicações.

Com esse código, pela primeira vez, o Estado passa a preocupar-se com a elaboração e a execução de uma política para as comunicações. A legislação que regulamentava o funcionamento da radiodifusão no país, da década de 1930, encontrava-se defasada tecnologicamente e era resultante de uma conjuntura diferenciada no tocante à dinâmica das lutas sociais pela hegemonia política no país. (WANDERLEY. 2008. p. 5)

Em 1967, através do Decreto-lei 162, de 13 de fevereiro de 1967, o Código é alterado e a União passa a ter competência exclusiva na exploração dos serviços de telecomunicações, diretamente ou através de autorizações ou concessões, retirando os Estados e Municípios essa prerrogativa.

Na década de 60, a TV já atraía 24% dos investimentos publicitários no país, Assim, toda a programação da TV era definida e mantida por determinação dos patrocinadores, pois já havia no Brasil 34 estações de televisão e mais de 1 milhão e 600 mil aparelhos receptores.

O Golpe Militar em 1964 viria modificar a utilização desses meios de comunicação de massa, pois assim como o rádio foi utilizado pelo Governo de Getúlio Vargas para propagar os ideais políticos de sua época, a televisão estava pronta para ser utilizada na disseminação da ideologia ditatorial.

Em 1964, tanto as emissoras de rádio como as de televisão operavam canais concedidos pela administração federal, os quais poderiam ser cassados a qualquer momento, enquanto que os veículos da mídia impressa necessitam apenas de um simples registro. De 1964 a 1988, a concessão de licenças para exploração de frequências reforçava o controle exercido pelo Estado, pelo simples fato de que tais permissões só eram concedidas a grupos que originalmente apoiassem as ações adotadas pelo mesmo.

Para pesquisadores como Gabriel Priolli, no regime militar os meios de comunicação cumprem função essencial, e tratando da primeira lei referente à TV no país considera que:

O Código Brasileiro de Telecomunicações, aprovado pelo Congresso Nacional em 27 de agosto de 1962, foi, na verdade, um projeto de 'inspiração militar, plenamente identificado com as teses de integração nacional, segurança e desenvolvimento pregadas na ESG' (PRIOLLI, 1985, p.31 apud  KUROKI ITO, 2009, p. 20).

De acordo com Kuroki Ito, como o Estado possuía uma política na qual a TV era utilizada como suporte de divulgação ideológica e de manutenção do poder do regime vigente, a televisão acabou servindo para encurtar caminhos, através da publicidade eletrônica do produto ideológico. Segundo WANDERLEY (2008. p.8), “a televisão deveria servir para a afirmação de novos hábitos, valores e comportamentos compatíveis com o projeto nacional de desenvolvimento com segurança”.

Em 1967, a Lei nº 5.250 conhecida como Lei de Imprensa, estabeleceu parâmetros coercitivos aos meios de comunicação de massa juntamente com o Decreto nº 200, que cria o Ministério da Comunicação.

 Mas foi em 1968, durante o governo do General Arthur da Costa e Silva, que se inicia uma nova fase de endurecimento e rigidez governamental, flagrantemente marcada na época pela decretação do Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, que cassou muitas garantias individuais e cerceou a área de atuação do Poder Judiciário.

O Ato Institucional nº 5 estabeleceu a censura em sua forma mais perversa. Tudo que não era conveniente ao regime poderia ser exibido e o desrespeito estava enquadrado na Lei de Segurança Nacional.

Com base nele, o presidente da República poderia decretar o recesso do Congresso Nacional e de Assembleias Legislativas, intervir no governo de estados e municípios, cassar e suspender direitos políticos, decretar e prorrogar o estado de sítio e confiscar os bens de funcionários públicos corruptos. Ficavam suspensas garantias como vitaliciedade e estabilidade e, em crimes políticos contra a Segurança Nacional, o habeas corpus. No que tange à imprensa, essas restrições significavam que jornalistas enquadrados em crimes previstos na Lei de Imprensa, cujos critérios eram fluidos e passíveis de múltiplas interpretações, poderiam ter seus direitos políticos suspensos e cassados e, se presos, não teriam direito a habeas corpus. O art. 9o do ato abria prerrogativa, ainda, para a decretação de censura, ao facultar ao Poder Executivo a possibilidade de baixar atos complementares visando à defesa do status quo vigente. (Pieranti, 2008. P. 316)

Enquanto o conteúdo veiculado pelos meios era severamente controlado, por outro lado, a expansão da infraestrutura da TV estava em pleno desenvolvimento. Em 1969, existiam mais de 3 milhões e 200 mil aparelhos de televisão no país, e com os constantes incentivos do Governo na expansão do sinal e à formação das redes nacionais de transmissão, a televisão ocupou o lugar do rádio no cotidiano dos brasileiros.

Com a chegada dos anos 70, a história da televisão tomaria um novo rumo. Em 1972 foi implantado o Programa Nacional de Telecomunicação que regulamentou a formação de redes nacionais. A Rede Globo se nacionalizou e se tornou pioneira na formação da primeira rede de televisão de alcance nacional, com mais de 36 filiadas e centenas de retransmissoras pelo país.

O Decreto nº 70.913, de 2 de Agosto de 1972 transformou a Embratel, antes empresa pública autônoma, em sociedade de economia mista e, no mesmo ano, através do  Decreto nº 70.914, criou a Telecomunicações Brasileiras S.A. (Telebrás), também sociedade de economia mista e hollding, que incorporou a Embratel na sua estrutura organizacional.

“A inauguração da Telebrás e do Ministério das Comunicações representou a etapa final da centralização da política de telecomunicações nas mãos do Estado. Ao Ministério das Comunicações coube a função normativa, enquanto a Telebrás consolidar se-ia como o órgão executor da nova diretriz.” (FILHO, 2002, p.4)

Nos anos que antecederam a redemocratização do Brasil em 1988, poucas mudanças ocorreram em relação à legislação que regulava a radiocomunicação no país. A censura permanecia e os incentivos à expansão do sinal e compras de aparelhos televisivos também.

O Brasil da década de 1970 já se distanciara muito do país que tinha sido vinte anos antes. Daquela década em diante, a nova forma de fazer televisão foi constantemente aperfeiçoada, para atingir público sempre maior, mesmo nos locais mais remotos, e garantir mercado, no exterior, para a produção televisiva brasileira. (Baracho, 2007, p. 6)

O planejamento brasileiro de integração nacional exigia cada vez mais investimentos em infra-estrutura capaz de atender um país com dimensões continentais e minimizar grandes diferenças econômico-sociais, pois um ano antes da promulgação da nova Constituição, a TV alcança uma audiência de, aproximadamente 90 milhões de telespectadores, equivalente a 63% da população brasileira em 1987 com mais de 31 milhões de aparelhos de TV no país, dos quais 12,5 milhões são em cores, segundo o site Tudo Sobre TV.

4.1  A CONSTITUIÇÃO DE 1988

Em 1988, é promulgada a primeira Constituição no Brasil a dedicar um capítulo específico à Comunicação Social. Com cinco artigos tratando especificamente sobre o tema, ela é considerada a mais cidadã das Constituições Brasileiras.

Entretanto, no que toca as concessões para exploração da radiocomunicação no País ela manteve no Artigo 21, XI, do texto original o monopólio da concessão em poder da União.

“Explorar, diretamente ou mediante concessão a empresas sob controle acionário estatal, os serviços telefônicos, telegráficos, de transmissão de dados e demais serviços públicos de telecomunicações, assegurada a prestação de serviços de informações por entidades de direito privado através da rede pública de telecomunicações explorada pela União.”

No ano de 1995 a Emenda Constitucional nº 08 alterou drasticamente a redação do artigo 21, XI, ficando assim estabelecido: “Compete à União […] Explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais”.

O serviço de telecomunicação deixava de ser fruto da “rede pública de telecomunicação explorada pela União” e passava a ser explorado “nos termos da lei”. Determinação confirmada pela alteração também operada no inciso XII, alínea 'a', do mesmo artigo, cuja redação original “XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens e demais serviços de telecomunicações;” teve a expressão 'serviços de telecomunicação' suprimida após a Emenda, e passou a ser sinônimo de telefonia.

Isso porque até a Constituição de 1988, telefonia e radiodifusão estavam sob a mesma incidência legal, o Código Brasileiro de Telecomunicações, e eram considerados serviços de telecomunicações. Mas em 1995, através da Emenda Constitucional n.º 08/95, houve alteração no texto constitucional para diferenciar os dois serviços e consequentemente seu modo de regulamentação.

A Emenda alterou também a participação do capital nas empresas de telecomunicação, antes 'sob controle acionário estatal' passou a permitir a exploração privada do setor. No ano seguinte, o Executivo decidiu abrir à competição o serviço de telefonia móvel e em 1997 o governo enviou ao Congresso uma ampla proposta de legislação para o setor, a Lei Geral de Telecomunicações, Lei 9.472 de 1997, para substituir parcialmente o Código Brasileiro de Telecomunicações.

A nova lei autorizou o governo a privatizar o Sistema Telebrás e garantiu a criação da Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, com a finalidade de implementar a política de telecomunicações visando a ampliação e universalização dos serviços.

O novo ordenamento legal substituiu o modelo monopolista estatal, pondo fim ao papel concedente da União. Terminava assim a era da atuação direta do Estado na operação dos serviços de telecomunicações. O Estado agora deixava de exercer o papel de provedor dos serviços de telecomunicações e passava a regulamentar o setor.

Essas mudanças culminaram na privatização da Embratel em 1998, adquirida pela empresa norte-americana MCI World Com, após completar 33 anos de atividades.

Privatizar a Embratel foi parte de um processo mais amplo que envolveu a quebra do monopólio estatal no setor de telecomunicações, a venda das empresas que operavam no setor (as Teles. Estaduais, a Embratel e a Telebrás) e que foi conduzido pelo Ministro das Comunicações Sérgio Motta. (FILHO, 2002, p. 09)

Enquanto as telecomunicações, leia-se telefonia, ficaram regidas pela Lei 9.472 de 1997 conhecida como a Lei Geral de Telecomunicações, que revogou parcialmente o antigo Código Brasileiro de Telecomunicações e criou a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL - órgão de fiscalização das telecomunicações, a radiodifusão não estaria submetida ao controle da Agência, exceto quanto aspectos técnicos, como dispõe o artigo Art. 211 do seu texto:

Art. 221 - A outorga dos serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens fica excluída da jurisdição da Agência, permanecendo no âmbito de competências do Poder Executivo, devendo a Agência elaborar e manter os respectivos planos de distribuição de canais, levando em conta, inclusive, os aspectos concernentes à evolução tecnológica.

Parágrafo único. Caberá à Agência a fiscalização, quanto aos aspectos técnicos, das respectivas estações.

Dessa forma, a radiodifusão permaneceu sob a regência do Código Brasileiro de Telecomunicações, vale lembrar, editado em 1962. Informação confirmada inclusive no próprio site do Ministério das Comunicações que, tratando sobre a radiodifusão, se reporta ao Código Brasileiro de Telecomunicações:

De acordo com o Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT), a radiodifusão é um serviço “destinado a ser recebido direta e livremente pelo público em geral, compreendendo a radiodifusão sonora – popularmente conhecida como ‘rádio’ – e a televisão. (Ministério das Comunicações, 2012)

E quando trata de telecomunicação, reporta a Lei Geral das Telecomunicações: “De acordo com a Lei Geral de Telecomunicações (Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997), serviços de telecomunicações são um conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicação.” (Ministério das Comunicações, 2012)

Outra diferença operada com a Emenda nº 05, foi que, apesar dos serviços de radiodifusão serem previstos constitucionalmente como em regime de concessão, permissão ou autorização por parte da União, eles nem ao menos estão submetidos à Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995 que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, pois dispõe no art. 41. “O disposto nesta Lei não se aplica à concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens”.

Em 1996 foi editado o Decreto 2.108 de 1996, que estabeleceu a exigência de licitação aos interessados a executar o serviço de radiodifusão de sons e imagens, cuja abertura é de responsabilidade do Ministério das Comunicações, minimizando o poder de outorga discricionária concedido ao Presidente da República, com o intuito de oferecer tratamento isonômico aos participantes.

Contudo, mesmo com as regras estabelecidas, tem prevalecido o oligopólio das emissoras de televisão, devido ao critério de desempate com maior peso para o melhor preço oferecido.

Segundo dados do próprio ministério, das 9.719 propostas técnicas apresentadas em procedimentos licitatórios desde 1997, 8.812 (90,67%) alcançaram nota máxima em todos os quesitos de avaliação e 310 (3,19%) receberam nota entre 99 e 99,999. Na maior parte dos procedimentos licitatórios, todos os concorrentes empataram na avaliação técnica, e foi a proposta de preço que definiu o vencedor. (LOPES, 2011)

Prometendo oferecer o melhor conteúdo à população com o menor custo para o Estado, as emissoras de televisão descobriram que com a falta de fiscalização do setor não há necessidade de cumprir a proposta.

A Emenda Constitucional nº 08 da Constituição de 1988 acabou assim, por desregulamentar as transmissões de rádio e TV, que sob a égide parcial do Código Brasileiro de Telecomunicações e não submetida à nova Lei das Telecomunicações, nem a qualquer tipo de fiscalização oficial, tem seu mecanismo de funcionamento regido pelos interesses privados de seus proprietários e nenhum controle sobre o conteúdo veiculado.

Como podemos perceber, a televisão comercial aberta, em seus 60 anos de existência, nunca teve uma legislação própria, sempre se adequando a legislações específicas de outros meios de comunicação carecendo urgentemente de uma reformulação.


5. REFERÊNCIAS

BARACHO, Maria Luiza Gonçalves. Televisão brasileira: uma (re)visão. Revista de História e estudos Culturais. V. 04. n.02. abril/maio/junho. 2007. Disponível em <http://www.revistafenix.pro.br/PDF11/ARTIGO.4.SECAO.LIVRE-MARIA.LUIZA.BARACHO.PDF> Acesso em 17 mai. 2012

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Informações sobre o texto

Este artigo é parte integrante da pesquisa intitulada: O direito das crianças brasileiras a programas com conteúdo educativo na TV aberta: um olhar sobre o programa TV Globinho, desenvolvida pela aluna Denise Alves do Santos, sob a orientação da Profa. M.Sc. Fernanda Oliveira de Araújo, da Faculdade de Administração e Negócios de Sergipe -Mestre em Sociologia, Professora da Faculdade de Administração e Negócios de Sergipe e Técnica Pedagógica da Secretaria de Estado da Educação de Sergipe.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

, Denise Alves dos Santos. A evolução da legislação brasileira na regulamentação da radiodifusão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4334, 14 maio 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32975. Acesso em: 23 abr. 2024.