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Imposto de renda sobre rendimentos acumulados: regime de caixa ou de competência?

Imposto de renda sobre rendimentos acumulados: regime de caixa ou de competência?

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O artigo trata do julgamento do RE 614406 pelo STF e a interpretação conferida à aplicação do método do regime de caixa ou do regime de competência para a apuração do Imposto de Renda devido sobre quantia recebida de forma acumulada.

No dia 23 de outubro de 2014 o Plenário do Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento do Recurso Extraordinário 614406 e, por maioria (vencida apenas a relatora originária do recurso, Ministra Ellen Gracie), negou provimento ao recurso extraordinário da União, mantendo a decisão recorrida do Tribunal Regional Federal da 4ª Região na AC 200871130016588, que condenou a União a restituir ao contribuinte Imposto de Renda apurado de forma incorreta sobre valores recebidos acumuladamente. O acórdão do STF resolveu a controvérsia existente, em milhares de processos administrativos e judiciais, sobre a utilização do regime de caixa ou do regime de competência na incidência do IR.

Quatro anos antes, em 20 de outubro de 2010, o Plenário do STF reconheceu a existência da repercussão geral da matéria e fixou a Tese nº 368: (“Incidência do imposto de renda de pessoa física sobre rendimentos percebidos acumuladamente”), em acórdão assim ementado:

“TRIBUTÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IMPOSTO DE RENDA SOBRE VALORES RECEBIDOS ACUMULADAMENTE. ART. 12 DA LEI 7.713/88. ANTERIOR NEGATIVA DE REPERCUSSÃO. MODIFICAÇÃO DA POSIÇÃO EM FACE DA SUPERVENIENTE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI FEDERAL POR TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL.

1. A questão relativa ao modo de cálculo do imposto de renda sobre pagamentos acumulados - se por regime de caixa ou de competência - vinha sendo considerada por esta Corte como matéria infraconstitucional, tendo sido negada a sua repercussão geral.

2. A interposição do recurso extraordinário com fundamento no art. 102, III, b, da Constituição Federal, em razão do reconhecimento da inconstitucionalidade parcial do art. 12 da Lei 7.713/88 por Tribunal Regional Federal, constitui circunstância nova suficiente para justificar, agora, seu caráter constitucional e o reconhecimento da repercussão geral da matéria.

3. Reconhecida a relevância jurídica da questão, tendo em conta os princípios constitucionais tributários da isonomia e da uniformidade geográfica.

4. Questão de ordem acolhida para: a) tornar sem efeito a decisão monocrática da relatora que negava seguimento ao recurso extraordinário com suporte no entendimento anterior desta Corte; b) reconhecer a repercussão geral da questão constitucional; e c) determinar o sobrestamento, na origem, dos recursos extraordinários sobre a matéria, bem como dos respectivos agravos de instrumento, nos termos do art. 543-B, § 1º, do CPC” (RE 614406 AgR-QO-RG/RS, Pleno Virtual, rel. Min. Ellen Gracie, j. 20/10/2010, DJe 03/03/2011).

A discussão envolve a constitucionalidade – ou não – do art. 12 da Lei nº 7.713/88, que prevê a utilização do regime de caixa para o cálculo do Imposto de Renda incidente sobre valores recebidos de forma acumulada:

“Art. 12. No caso de rendimentos recebidos acumuladamente, o imposto incidirá, no mês do recebimento ou crédito, sobre o total dos rendimentos, diminuídos do valor das despesas com ação judicial necessárias ao seu recebimento, inclusive de advogados, se tiverem sido pagas pelo contribuinte, sem indenização”.

Outras normas legais trazem a mesma metodologia, como, por exemplo: (a) o art. 46 da Lei nº 8.541/92, que genericamente determina a retenção do IR sobre quantias recebidas em cumprimento de decisão judicial[1]; (b) e o art. 27 da Lei nº 10.833/2003, que prevê a incidência de 3% de Imposto de Renda sobre os valores auferidos no cumprimento de decisão da Justiça Federal (por meio de precatório ou de requisição de pequeno valor)[2].

Em resumo, o regime de caixa é um método contábil que leva em conta o valor total recebido pelo contribuinte, independentemente de ter sido pago em uma ou em mais parcelas. Por sua vez, o regime de competência considera, quando as prestações são pagas (em atraso) de modo acumulado, os valores e limites devidos em cada mês em que seriam devidas, como se tivessem sido pagas nas datas corretas. Por exemplo, se um segurado do INSS tem seu requerimento de aposentadoria por idade indeferido administrativamente e, após uma tramitação processual de dois anos, o benefício é concedido judicialmente, irá receber os valores devidos (entre o requerimento e o pagamento, em regra) de forma acumulada; caso receba a quantia de cinquenta mil reais, a tabela progressiva de incidência do IR chegará ao percentual de 27,5% (regime de caixa), o que não ocorreria se fosse considerado o recebimento mensal da aposentadoria desde a data da entrada do requerimento administrativo (regime de competência). Desse modo, o Imposto de Renda a ser pago pode variar conforme o método utilizado (regime de caixa / de competência).

A matéria gerou controvérsia nos Tribunais Regionais Federais e, consequentemente, foi levada ao Superior Tribunal de Justiça, que entendeu ser adequada a utilização do regime de competência. O tema foi padronizado em acórdão unânime da 1ª Seção, em julgamento sob o rito dos recursos repetitivos previsto no art. 543-C do Código de Processo Civil:

“TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA. AÇÃO REVISIONAL DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PARCELAS ATRASADAS RECEBIDAS DE FORMA ACUMULADA.

1. O Imposto de Renda incidente sobre os benefícios pagos acumuladamente deve ser calculado de acordo com as tabelas e alíquotas vigentes à época em que os valores deveriam ter sido adimplidos, observando a renda auferida mês a mês pelo segurado. Não é legítima a cobrança de IR com parâmetro no montante global pago extemporaneamente. Precedentes do STJ.

2. Recurso Especial não provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e do art. 8º da Resolução STJ 8/2008” (REsp 1118429/SP, 1ª Seção, rel. Min. Herman Benjamin, j. 24/03/2010, DJe 14/05/2010).

No Supremo Tribunal Federal, ao iniciar o julgamento do mérito da Tese nº 368 no RE 614406, na sessão de 25 de maio de 2011, a Ministra Ellen Gracie apresentou voto em que deu provimento ao recurso extraordinário. Sua decisão parte do pressuposto de que o fato gerador do Imposto de Renda é, no aspecto temporal, ficto (por se considerar ocorrido todo o acréscimo patrimonial no dia 31 de dezembro do ano anterior) e que, por isso, deve ser adotado o regime de caixa. Por outro lado, entende não haver violação à capacidade contributiva, à progressividade e à isonomia, e conclui que o regime de caixa adotado pela administração tributária é constitucional.

Por outro lado, os Ministros Marco Aurélio e Dias Toffoli apresentaram votos divergentes, negando provimento ao RE. O julgamento foi interrompido pelo pedido de vista da Ministra Cármen Lúcia e concluído na sessão de 23 de outubro de 2014, com o seu voto e os dos demais Ministros, todos negando provimento ao recurso.

Portanto, e com os efeitos vinculantes inerentes à decisão de mérito em recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida, o Supremo Tribunal Federal concluiu no RE 614406 que o cálculo adotado pela Receita Federal (regime de caixa) é inadequado, e que a apuração de imposto de renda devido sobre verbas recebidas de forma acumulada deve ser feita com fundamento no regime de competência.


[1] “O imposto sobre a renda incidente sobre os rendimentos pagos em cumprimento de decisão judicial será retido na fonte pela pessoa física ou jurídica obrigada ao pagamento, no momento em que, por qualquer forma, o rendimento se torne disponível para o beneficiário”.

[2] “O imposto de renda sobre os rendimentos pagos, em cumprimento de decisão da Justiça Federal, mediante precatório ou requisição de pequeno valor, será retido na fonte pela instituição financeira responsável pelo pagamento e incidirá à alíquota de 3% (três por cento) sobre o montante pago, sem quaisquer deduções, no momento do pagamento ao beneficiário ou seu representante legal”. De forma excepcional, o § 1o desse art. 27 dispensa a retenção do imposto de renda quando o beneficiário declarar que os rendimentos recebidos são isentos ou não tributáveis (pessoa natural ou jurídica) ou quando estiver inscrito no SIMPLES (pessoa jurídica). Ademais, o § 2º, I, da mesma norma, esclarece que esse tributo retido na fonte consiste em uma mera antecipação do imposto apurado na declaração de ajuste anual das pessoas físicas. Logo, pode ser deduzido e ajustado na declaração referente ao ano-base em que recebido o valor em ação previdenciária ou trabalhista, e inclusive integralmente restituído, caso o contribuinte permaneça isento.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Oscar Valente. Imposto de renda sobre rendimentos acumulados: regime de caixa ou de competência?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4288, 29 mar. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/33331. Acesso em: 28 mar. 2024.