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O silêncio no banco dos réus.

Nulidade absoluta das perguntas feitas pelo promotor no júri diante do silêncio do réu no interrogatório

O silêncio no banco dos réus. Nulidade absoluta das perguntas feitas pelo promotor no júri diante do silêncio do réu no interrogatório

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Admite-se que a parte acusadora formule perguntas diretamente ao réu no plenário, mesmo quando este invoca o silêncio absoluto? Trata-se de causa de nulidade no julgamento, em face da ofensa ao princípio da proibição da auto-incriminação?

O presente artigo trata do direito de não produzir prova contra si mesmo, sob o prisma do sistema constitucional de proteção ao silêncio do acusado no plenário do tribunal do júri, analisando a eficácia do silêncio absoluto, em uma interpretação extensiva, alinhada aos princípios constitucionais da presunção de inocência e  plenitude de defesa.

Deste modo, considerando as peculiaridades do tribunal do júri (sendo formado por juízes leigos, que decidem de forma imotivada), estuda-se o atual posicionamento da jurisprudência pátria em admitir que a parte acusadora formule perguntas diretamente ao réu no plenário, mesmo quando este invoca o silêncio absoluto em sede de interrogatório. Trata-se de causa de nulidade absoluta no julgamento, em face da ofensa ao princípio da proibição da auto-incriminação?


O DIREITO AO SILÊNCIO

O direito constitucional ao silêncio manifesta-se no interrogatório, momento sublime no processo, oportunidade em que o acusado tem para relatar a sua versão dos fatos, mentir, omitir ou calar-se, isso tudo amparado pelo princípio constitucional da plenitude de defesa.

No plenário da sessão de julgamento, iniciado os trabalhos realizando a oitiva das testemunhas de acusação,  defesa, sem qualquer outro esclarecimento, realiza-se no fim o interrogatório do acusado.

Assim, o interrogatório assume especial destaque na atual sistemática do procedimento do júri brasileiro. Pois é um momento chave na persecução da prova, estritamente ligado com o princípio constitucional da plenitude de defesa.

O interrogatório é um ato público, homenageando-se ao princípio da publicidade, ressalvada as exceções legais. Personalíssimo, pois não pode ser realizado por terceiros ou por intermédio de procuração. É realizado via de regra no local em que está sendo processado, podendo ser ouvido por precatória, excepcionalmente por videoconferência. É um ato oral. Apresentando ainda como características a individualidade, judicialidade e espontaneidade. (TAVORA, 2011, p.402/405).

Com efeito, o Código de Processo Penal, apresenta ordem legal a ser seguida no interrogatório, o que deve ser observado sob pena de nulidade e ofensa ao princípio do devido processo legal.

Inicialmente o magistrado qualifica o acusado, garantindo entrevista como o advogado, informando o direito ao silêncio e indagando se confessa a autoria do crime, após passa a palavra para a Acusação, assistência se houver, e por último Defesa, podendo os jurados também realizarem perguntas. Desacata-se que as perguntas são feitas diretamente pelas partes, sem o intermédio do juiz presidente, lembrando que os jurados, por sua vez, realizarão perguntas por meio do magistrado que preside o julgamento (art. 474, §1º e §2º do CPP).

Neste sentido, o interrogatório é divido em fase preliminar e conteúdo. Na fase preliminar, se garante o direito à entrevista com advogado e advertência do direito ao silêncio.

É pacífico o entendimento jurisprudencial pátrio que o direito ao silêncio não abrange o momento da qualificação, onde estaria obrigado a dizer a verdade não podendo calar-se. Nessa linha é o entendimento de Nucci que assevera “o direito ao silêncio não é ilimitado nem pode ser exercido abusivamente. As implicações, nessa situação, podem ser graves, mormente quando o réu fornece maldosamente dados de terceiros podendo responde pelo seu ato” (NUCCI, 2007, p. 390).

De outro lado, Tavora (2011), entende que o acusado não estaria obrigado a dizer a verdade em sua qualificação, pois ninguém é obrigado se auto-incriminar, sendo inexigível conduta diversa do acusado.

É nesse momento em que o acusado pode exercer o direito de calar-se, o direito ao silêncio. Nota-se que o silêncio pode ser absoluto ou relativo. Ao passo que o acusado pode escolher qual pergunta deseja responder e qual pergunta não deseja responder, por ser impertinente, inadequada ou cause-lhe prejuízo. No entanto, pode invocar também o silêncio absoluto, manifestando expressamente o desejo em não responder a nenhuma pergunta do magistrado, acusação ou jurados, exercendo o direito ao silêncio absoluto, tal ato não poderá em hipótese alguma ser interpretado em desfavor da defesa, sob pena de nulidade, máxima do princípio da proibição da auto-incriminarão.

Com efeito, o interrogatório é um meio de defesa, oportunidade em que o acusado por estratégia defensiva pode invocar o direito constitucional de ficar em silêncio. 

Para Nucci, o interrogatório seria inicialmente um meio de defesa e secundariamente um meio de prova “o interrogatório é, fundamentalmente, um meio de defesa, pois a constituição assegura ao réu o direito ao silêncio. Logo, a primeira alternativa que se avizinha ao réu é calar-se, daí não advindo conseqüência alguma. Defendendo-se.”. No entanto, “caso opte por falar, abrindo mão do direito ao silêncio, seja lá o que disser, constituiu meio de prova inequívoco, pois o magistrado poderá levar em consideração suas declarações” (NUCCI, Guillherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 3. ed. São Paulo: RT, 2007, p.381.).

Assim, resta inegável a dupla função que assume o interrogatório, qual seja, meio de prova e defesa, apresentando “natureza jurídica híbrida ou mista”- (TÁVORA, 2011, p.399).

Desta forma, o interrogatório é o momento ímpar em que o princípio-garantia da proibição da auto-incriminação se manifesta, consubstanciado no direito ao silêncio, ganhando especial relevo no plenário do júri, pois pode influir diretamente no convencimento do julgador leigo.

Importante ressaltar, que no tribunal do júri vigora o princípio constitucional da Plenitude de Defesa, que encontra guarida na Constituição Federal (art. 5º, XXXVIII, da CRFB). No Júri não basta que a defesa seja apenas ampla, deve ser garantindo todos os meios e recursos que a instrumentalizem, devendo também ser plena, “no sentido de ser eficiente, de qualidade acima da média” (CUNHA, 2011, p. 2).

É certo que em face da amplitude de defesa, poderá haver argumentos jurídicos e até mesmo extra-jurídicos, para sustentação das teses defensivas. Nesse cenário, o direito de não produzir prova contra si, consubstanciado no direito ao silêncio, ganha relevo , pois é unicamente no procedimento especial do júri, que vigora o princípio da plenitude de defesa, não olvidando que o conselho de sentença é composto por juízes leigos.

O direito ao silêncio encontra sua fonte precípua no princípio nemo tenetu se detegere, ou seja, o direito de não produzir prova contra si, pois calar-se, significa não se auto-incriminar, considerado em nosso ordenamento jurídico pátrio como princípio-garantia, encontra-se no rol dos direitos fundamentais, sendo, portanto, clausula pétrea.

Nesse sentido, é magistério de QUEIJO (2003. p. 191) “o direito ao silêncio configura manifestação do direito a intimidade, que. Igualmente, é direito fundamental. Insere-se também entre as liberdades públicas, oponíveis ao Estado”. No código de processo penal encontra-se com a seguinte redação:

Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acuado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de não responder perguntas que lhe forem formuladas.

O direito ao silêncio apresenta incidência imediata em qualquer processo criminal, podendo o acusado exercê-lo em sede de interrogatório.

Nesse enfoque, vejamos a posição da jurisprudencial pátria, que permite a formulação de perguntas pela parte acusadora, mesmo quando o acusado exerce o direito ao silêncio absoluto em plenário.


POSICIONAMENTO DA JURISPRUDÊNCIA PÁTRIA

Se de um lado temos o sistema constitucional de proteção ao silêncio do acusado, proibindo a produção de prova conta si mesmo, de outro lado, a jurisprudência pátria permite que o órgão acusador formule perguntas ao acusado. Senão Vejamos:

APELAÇÃO-CRIME. HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO E ROUBO MAJORADO. JÚRI. INTERROGATÓRIO EM PLENÁRIO. EXERCÍCIO DO DIREITO AO SILÊNCIO. OPÇÃO DO RÉU QUE NÃO IMPEDE A FORMULAÇÃO DE PERGUNTAS PELO AGENTE MINISTERIAL. INOCORRÊNCIA DE REFERÊNCIA AO SILÊNCIO EM PREJUÍZO DO ACUSADO. INEXISTÊNCIA DE NULIDADES. VEREDICTO CONDENATÓRIO. FARTA PROVA ORAL A CORROBORAR A VERSÃO DA ACUSAÇÃO PÚBLICA. SOBERANIA DA DECISÃO POPULAR. MANUTENÇÃO DO QUANTUM DAS PENAS. Apelo improvido. (Apelação Crime Nº 70047055918 Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Manuel José Martinez. (,TJ-RS - ACR: 70047055918 RS, Relator: Manuel José Martinez Lucas, Data de Julgamento: 11/07/2012, Primeira Câmara Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 01/08/2012). (Grifos Nossos)

INTERROGATÓRIO. DIREITO DE SILENCIAR. QUESTIONAMENTOS. O EXERCÍCIO DO DIREITO AO SILÊNCIO ESTÁ LIMITADO AO RESPEITO À OPÇÃO DO RÉU DE RESPONDER OU NÃO AOS QUESTIONAMENTOS QUE LHE FOREM DIRIGIDOS, MAS, ABSOLUTAMENTE, NÃO IMPEDE QUE O JUIZ, O PROMOTOR OU A PARTE OS FAÇAM. PRELIMINAR REJEITADA. APELAÇÃO DEFENSIVA IMPROVIDA.”(Apelação Crime Nº 70036420412, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Newton Brasil de Leão, Julgado em 02/09/2010). (Grifos Nossos).

Deste modo, é certo que a jurisprudência pátria entende que o exercício do direito ao silêncio em sede de  interrogatório no tribunal do júri não impede que a parte acusadora formule perguntas por ser limitado a esfera do réu. 

No entanto, é totalmente inconstitucional o malgrado entendimento, por ofensa ao princípio da auto-incriminação e plenitude de defesa, ao passo que faz uma interpretação restritiva do direito ao silêncio, em prejuízo da defesa.


O SILÊNCIO DO RÉU NO PLENÁRIO DO JÚRI

Diante desse quadro, o direito de não produzir prova contra si mesmo, consubstanciado na expressão latina”nemo tenetur se detegere", deve sempre nortear o processo criminal, principalmente por sua relação intrínseca com os demais princípios constitucionais correlatos.

Assim, a titularidade ativa quase que universal do direito ao silêncio se deu em face da mudança do sistema processual, onde o acusado deixou de ser objeto e passou a ser sujeito de direito no processo criminal.

Sobre o silêncio no plenário do júri, é exercido no momento do interrogatório judicial, Queijo (2003. p. 190) afirma que “o direito ao silêncio corresponde ao direito de não responder às indagações formuladas pela autoridade. É o direito de calar, reconhecimento da liberdade moral do acusado”.

Trata-se de direito fundamental  do acusado  permitir o exercício  do direito ao silêncio, durante o interrogatório de mérito, livremente. 

Ademais, o acusado não é obrigado a cooperar na produção da prova, podendo calar-se sempre que lhe for mais conveniente, com isso evitando a auto-incriminação.

Esse também tem sido o entendimento da suprema corte que enfatizou que qualquer individuo "tem, dentre as várias prerrogativas que lhe são constitucionalmente asseguradas, o direito de permanecer calado "nemo tenetur se detegere”. Ninguém pode ser constrangido a confessar a prática de um ilícito penal" (RTJ 141/512, Rel. Min. CELSO DE MELLO). Em suma: o direito ao silêncio - e o de não produzir provas contra si próprio (HC 96.219-MC/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

Ocorre, porém, que o exercício do silêncio no plenário do júri, muitas vezes é associado a indício de culpa, tal fator, torna-se relevante no plenário do júri, considerando que os juízes leigos, logo, e não possuem conhecimentos jurídicos.

Sobre esse assunto, QUEIJO (2003. p. 191) explica:

Registra-se uma forte tendência à associação do referido direito à culpabilidade do acusado, que vem de longa data, mas que persistente no dia-a-dia dos tribunais, nos julgados de primeiro grau, em alguns escritos doutrinários, o silêncio gera suspeita de que há algo a esconder ... ainda que presente ao interrogatório, o réu não é obrigado a responder. Convêm que o faça, pois do contrário, poderia, dar ao juiz a impressão de calar por não ter resposta, por ser realmente culpado, por não explicar os fatos.

Nesse sentido, Queijo (2003.p.192) ressalta que “tal vinculação decorre de enraizada idéia preconcebida, que remonta ao modelo de processo inglês denominada accused speaks, de que quem é inocente responde às indagações formuladas, porquê nada tem a ocultar. Mas do que isso: o inocente brada, grita, manifesta-se, proclamando a sua condição”

Com esse pensamento, surgiu o dito popular “quem cala, consente, é culpado”, formando uma visão inversa do conceito do silêncio no processo penal, bem como do princípio da presunção de inocência.

Assim, no plenário do júri, a jurisprudência pátria permite que a parte acusadora formule perguntas ao acusado em plenário, mesmo quando este invoca o silêncio, em especial o absoluto.

Ocorre que o direito de não produzir prova contra si mesmo, consubstanciado no silêncio, não poderá resultar nenhum tipo de interpretação em seu prejuízo do acusado, todavia, diante das perguntas formuladas pela acusação, coloca-se em xeque a eficácia do direito ao silêncio. Nessa linha NUCCI afirma:

Porém, como ter a certeza de que os jurados leigos efetivamente levarão em consideração o direito de permanecer caldo como algo natural, e acima de tudo, constitucional? Porventura, pode-se estar diante de algum jurado (ou mais de um) que não compreenda a atitude do réu em preferir deixar a defesa a cargo de seus advogados, formando convicção íntima de culpa, embora não manifestada em momento algum, até pelo fato de que os vereditos do conselho de sentença independem de motivação... As perguntas feitas pelo órgão acusatório (Ministério Público, assistente de acusação ou querelante) e pela defesa são dirigidas, diretamente, ao acusado. Coloca-se em evidente risco a garantia da plenitude de defesa, pois as partes, em particular, a acusação, podem promover indagações inadequadas... é viável a ocorrência de pressão e de embate entre parte e acusado, o que é totalmente indesejável, especialmente diante dos jurados (NUCCI, 2011, p. 207).

Nesse diapasão, o art. 478, I, do Código de Processo Penal, estabelece que durante os debates do plenário não poderá ser feita qualquer menção ao silêncio do acusado em plenário, sob pena de nulidade:

"Art. 478. Durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências: I- ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta de requerimento, em seu prejuízo."

Ademais, na mesma linha o já citado art. 186, parágrafo único do Código de Processo Penal, estabelece que o silêncio não se traduz em confissão, e não poderá ser interpretado em desfavor da defesa, pois pode ser inclusive adotado como estratégia da defesa dentro do processo.

Assim, resta certo que o silêncio em sede de  interrogatório no tribunal do júri não pode ser interpretado em desfavor do réu, principalmente quando invocado de forma absoluta, por ser verdadeira garantia constitucional da defesa.

No que tange a nulidade, vale afirmar que:"Introduziu-se uma vedação extravagante, passível de gerar nulidade ao processo. Proíbe-se qualquer menção ao silêncio do acusado, ausência de interrogatório, ao uso de algemas... sob pena de nulidade (art. 478,I e II, CPP)". (NUCCI, 2011, p. 210).

Com efeito, ambos dispositivos legais, demonstram a relevância do direito ao silêncio em nosso ordenamento jurídico, da tentativa do legislador de uma tutela integral do direito ao silêncio. (SAAD.2004,p.290).

O direito ao silêncio do acusado, no plenário do júri, como já demonstrado é uma garantia que aliado ao princípio da plenitude de defesa é meio de autodefesa e princípio da presunção de inocência devem sempre nortear todo o processo penal brasileiro.

Nessa esteira, Távora (2011, p. 74-75) diz que "O princípio da inexigibilidade de auto-incriminação ou “nemo tenetur se detegere”, assegura que ninguém pode ser compelido a produzir prova contra si mesmo, tem pontos com o princípio da presunção de inocência e com o direito ao silêncio assegurado pela Constituição"

Desta forma, deve-se buscar uma tutela ampla do “nemo tenetur se detegere”, principalmente quando diante do silêncio absoluto, bem como qualquer consignação das perguntas não respondidas pelo acusado. (QUEIJO, 2003, p.216).

Nesse sentido, o direito ao silêncio não apresentará eficácia plena, se o acusado ou seu defensor tiver que fornecer as razões pelas quais não respondeu uma pergunta. Ressaltando que o exercício de um direito não precisa ter justificativa por seu titular, caso contrário esvazia-se por completo o direito ao silêncio, e acaba respondendo indiretamente as perguntas formuladas. (COUCEIRO, 2004).

Assim, considerando que o exercício do direito ao silêncio não pode servir de arrimo a tese acusatória em plenário, nem mesmo em grau de recurso, considerando que o silêncio do acusado não pode ser interpretado em desfavor da defesa, e ainda, pelas peculiaridades do tribunal do júri, formado por juízes leigos, que decidem de forma  imotivada, o direito de não produzir prova contra si mesmo, no que tange ao direito do silêncio acaba sendo interpretado em desfavor do acusado, sendo por conseqüente, causa de nulidade no processo. 

De mais a mais, para buscar uma tutela efetiva do direito ao silêncio no plenário do júri, em uma interpretação extensiva, conforme o conceitua CAPEZ (2008. p.33) “a letra da escrita da lei ficou aquém da sua vontade (devendo ampliar o seu significado)”, do princípio “nemo tenetur se detegere”, é cediço que o parte acusadora deve abster-se de realizar perguntas frente ao silêncio absoluto do acusado no plenário do júri, sob pena de nulidade.

O desrespeito ao princípio da proibição da auto incriminação, no plenário do júri, as perguntas formulada pela acusação em face do silêncio absoluto, é causa de nulidade, pois ofende um princípio constitucional implícito, qual seja, o “nemo tenetur se detegere”, consubstanciado no direito ao silêncio, dispensando qualquer demonstração de prejuízo.

Ademais considerando as peculiaridades do tribunal do júri, diante de perguntas impertinentes, inadequadas e tendenciosas o silêncio absoluto invocado pelo acusado, acaba sendo interpretado em desfavor da defesa, maculando não só um direito e garantia constitucional, mas todo o sistema do devido processo legal e princípios correlatos, abalando oxalá a própria estrutura do estado democrático de direito.

Dessa forma, o acusado não é obrigado a produzir prova contra si mesmo, sendo que, no exercício desse direito, no caso do silêncio no plenário do júri, não poderá resultar nenhum tipo de interpretação em seu prejuízo, sob pena de nulidade, principalmente considerando que os jurados serem leigos e decidirem sem fundamentação, bem como a presença dos "símbolos culpa", é certo que no silêncio absoluto busca-se uma tutela integral do “nemo tenetur se detegere”, por tal razão deve haver vedações das perguntas da acusação.


CONCLUSÃO

A atual posição da jurisprudência pátria, ao permitir que a parte acusadora formule e pergunte ao acusado no júri quando este invoca o silêncio absoluto ofende o princípio constitucional nemo tenetur se detegere?

O direito de permanecer em silêncio é um direito subjetivo constitucionalmente reconhecido (art. 5º., LXIII, CRFB e art. 186, parágrafo único, CPP) a toda pessoa que se veja processada criminalmente. Ao longo da história o silêncio foi consagrado como exercício de defesa. Tal garantia fundamental resta consubstanciada no princípio da proibição constitucional da auto-incriminação (nemo tenetur se detegere).

Quando realizado no plenário do tribunal do júri, ganha particular relevo, pois não deve em nenhuma hipótese ser interpretado em prejuízo da defesa. Ocorre que a jurisprudência pátria permite que a acusação (Ministério Público e assistente de acusação) formule perguntas diretamente ao acusado, mesmo quando invocado o silêncio absoluto do réu, oportunidade em que o órgão acusador pode promover indagações inadequadas, impertinentes ou agressivas, bem como deixá-las consignadas em ata.

Defende-se que o jurado deveria ter um curso preparatório para compreensão de seu papel na realização do julgamento. Isso seria importante para afastar os símbolos sociais de culpa, como o silêncio. 

Tal garantia visa a legalidade das investigações, a fim de evitar abusos, contra o suspeito ou indiciado, razão pela qual deve ser observado pela policia criminal e autoridades judiciárias. Trata-se de respeito à tutela da pessoa humana e limitação do poder estatal, adotando a ótica do sistema acusatório. Portanto, um direito fundamental que pode ser exercido sempre que necessário, quer seja na fase policial ou no processo penal.

Nesse sentido, as razões para permitir que o órgão acusador formule e consigne perguntas em ata no plenário do júri é consequência de uma interpretação restritiva do princípio nemo tenetur se detegere, pois a jurisprudência pátria vem entendendo que tal garantia do silêncio aplica-se somente ao acusado, não impedindo que as partes, formulem perguntas, não reconhecendo como interpretação desfavorável, afastando a nulidade.

Todavia, o silêncio do réu é uma garantia fundamental, e em nenhuma hipótese  pode prejudicar o réu, considerando o fato que no plenário os destinatários da prova são juízes leigos, na contramão do dito popular “quem cala consente, tem culpa no cartório", deve a parte acusadora abster-se de formular perguntas, sob pena de violação ao princípio da proibição da auto-incriminação.

Vale salientar, de antemão, que todos os fatos anteriormente discutidos possibilitaram a apresentação das seguintes sugestões:

Destarte, devem os jurados para melhor entendimento dos princípios constitucionais que vigoram no processo penal terem um curso preparatório.  A  interpretação do direito do silêncio no tribunal do júri deve ser extensiva como forma de buscar uma tutela integral da presente garantia constitucional. Por fim,  é imperiosa a mudança do posicionamento jurisprudencial, por ser totalmente inconstitucional e ofensa ao direito de não produzir prova contra si. 


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal Parte Geral. Vol.1. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2008..

GRINOVER, Ada Pellegrine; FERNANDES, Antonio Scarance Fernandes; GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As nulidades no Processo Penal. 6ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais.

NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. 3. ed. Rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.

QUEIJO, Maria Elizabeth. O Direito de não produzir prova contra si mesmo: o princípio nemo tenetur se detegere e suas decorrências no processo penal. São Paulo: Saraiva, 2003.

TAVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 6ª Ed. Rev., ampliada e atualizada. Salvador: Jus Podivm, 2011


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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA JÚNIOR, Osny Brito da. O silêncio no banco dos réus. Nulidade absoluta das perguntas feitas pelo promotor no júri diante do silêncio do réu no interrogatório. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4449, 6 set. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/33370. Acesso em: 26 abr. 2024.