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Ética tributária e cidadania fiscal

Ética tributária e cidadania fiscal

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Sumário: 1.Introdução; 2. O pós-positivismo e o Direito: Ética é Justiça !; 3. Ética Tributária e Contemporaneidade; 4. Perspectivas ético-jurídica da Justiça Tributária; 5. Cidadania Fiscal Unilateral e Bilateral; 6. Capacidade Contributiva: princípio ético norteador da cidadania fiscal bilateral; 7. Síntese das idéias expostas; 8. Bibliografia.


1. Introdução.

Não é freqüente nos escritos de direito financeiro e tributário no Brasil, a menção a aspecto éticos e morais no exercício da tributação [1]. E porque estudar estes aspectos então ? Quem nos responde é o professor Fernando Sainz de Bujanda: "Porque, efectivamente, cuando se estudian los institutos financieros, su manejo, su desarrollo, su limpiesa, se percibe que el jurista que mueve en este campo tiene una misión altísima que cumplir al servicio de la Comunidad (...) La justicia tributaria, la integración de los gastos e ingresos en los presupuestos, el volumen de los empréstitos públicos, cualquier otra de las manifestaciones de la actividad financiera tiene (...) una dimensión ética de immenso valor y todo cultivador de esta disciplina tiene que ser consciente de esa dimensión". [2]

Não ousa este breve artigo propor respostas definitivas, pelo contrário, prestigia ele mais as perguntas do que as respostas, neste sentido parte de alguns questionamentos ainda que implícitos, para sobre eles deitar perfunctórios comentários. Algumas destas perguntas são, verbi gratia: o que exige a ética tributária dos poderes públicos e a ética fiscal dos cidadãos obrigados ao pagamento de tributos ? Que princípios ou valores convincentes e razoáveis devem inspirar a atuação dos poderes públicos e dos cidadãos para que a relação jurídica tributária possa ser considerada justa ? Há deveres sociais envolvidos na relação jurídica que dizem respeito aos ingressos e os gastos públicos ?

O direito tributário do terceiro milênio não pode fugir a estas inquietações éticas, até porque o mundo globalizado mais do que nunca, trouxe à tona o problema da justificação filosófica das normas fundamentais que regem a ação humana.


2. O pós-positivismo e o Direito: Ética é Justiça ! -

A partir da segunda metade do século XX, é nítido o recrudescimento de uma visão jurídico-filósofica, denominada pela doutrina de positivismo-normativista, a saber, uma postura em que o direito se confunde com a própria norma, levando-se ao extremo de se promover uma rígida separação entre o direito e a ética.

Com o avanço do processo civilizatório e dos desejos humanitários que o ensejam, há uma aproximação definitiva da teoria dos direitos fundamentais e da teoria da justiça, e por conseguinte cresce em importância o estudo dos princípios jurídicos e com isto reconcilia-se a ética com o direito, superando os positivismos de diversos matizes ideológicos, desde o normativista [3] ao historicista e sociológico.

Paulo Bonavides [4] inspirado em Garcia de Enterría entre outros, menciona que a teoria contemporânea dos princípios jurídicos nos é reveladora de que as Constituições fazem no século XX o que os Códigos fizeram no século XIX, ou seja, uma espécie de positivação do Direito Natural, não pela via racionalizadora da lei, enquanto expressão da vontade geral, mas por meio dos princípios gerais, incorporados na ordem jurídica constitucional, onde logram valoração normativa suprema, isto é, adquirem a qualidade de instância juspublicística primária, sede de toda a legitimidade do poder.

Neste toar, podemos afirmar que os princípios baixaram primeiro das alturas montanhosas e metafísicas de suas primeiras formulações filosóficas para a planície normativa do Direito Civil. Transitando daí para as Constituições, noutro passo largo, subiram ao degrau mais alto da hierarquia normativa.

No Direito Positivo contemporâneo, nesta fase denominada pós-positivista (pós-moderna), os princípios jurídicos ocupam um espaço tão vasto que já se admite falar como quer García de Enterría, num Estado principial, Estado este que se peculiariza pelas seguintes características: i)- passagem dos princípios da especulação metafísica e abstrata para o campo concreto e positivo do Direito, com baixíssimo teor de densidade normativa; ii)- a transição crucial da ordem jusprivatista (sua antiga inserção nos Códigos) para a órbita juspublicística (seu ingresso nas Constituições); iii)- a suspensão da distinção clássica entre princípios e normas; iv)- o deslocamento dos princípios da esfera da jusfilosofia para o domínio da Ciência Jurídica; v)- a proclamação de sua normatividade; vi)- a perda de seu caráter de norma programática; vii)- o reconhecimento definitivo de sua positividade e concretude por obra sobretudo das Constituições; viii)- a distinção de regras e princípios, como espécies diversificadas do gênero norma, e finalmente, ix)- por expressão máxima de todo esse desdobramento doutrinário, o mais significativo de seus efeitos: a total hegemonia e preeminência dos princípios. [5]

Falar em um Estado principial, é pensar também um Direito Tributário principial é vivenciar uma visão pós-positivista do fenômeno jurídico. Segundo Luis Roberto Barroso [6], Professor Titular de Direito Constitucional da UERJ, "o pós-positivismo identifica um conjunto de idéias difusas que ultrapassam o legalismo estrito do positivismo normativista, sem recorrer às categorias da razão subjetiva do jusnaturalismo. Sua marca é a ascensão dos valores, o reconhecimento da normatividade dos princípios e a essencialidade dos direitos fundamentais. Como ele, a discussão ética volta ao Direito. O pluralismo político e jurídico, a nova hermenêutica e a ponderação de interesses são componentes dessa reelaboração teórica, filosófica e prática que fez a travessia de um milênio para o outro".

O direito tributário brasileiro do terceiro milênio, que antes de mais nada é um Direito Constitucional Tributário, recebe forte impacto de uma perspectiva pós-positivista e principiológica do fenômeno jurídico. Assim, frente uma moderna hermenêutica constitucional, além dos princípios materiais tributários (capacidade contributiva, justiça tributária, intributabilidade do mínimo existencial), desenvolve-se um catálogo de princípios instrumentais e específicos de interpretação constitucional, quais sejam na dicção de Luis Roberto Barroso [7], interpretação conforme a Constituição, unidade da Constituição, razoabilidade e efetividade etc.

O novo século inicia-se fundado na percepção de que o Direito é um sistema aberto de valores, e o direito tributário não escapa a tal visão. O sistema tributário não é fechado, mas antes aberto. Isto vale tanto para o sistema de proposições jurídicas descritivas (ciência do direito tributário) como para o sistema de proposições prescritivas (normas de direito tributário). Parafraseando Claus Wilhelm Canaris [8] poderíamos dizer que a propósito do primeiro, a abertura significa a incompletude do conhecimento científico, e a propósito do último, a mutabilidade dos valores jurídico-tributários fundamentais.

A idéia de abertura percute no direito financeiro e tributário ao se comunicar com a Constituição Tributária, e revelar a sua permeabilidade a elementos externos e a renúncia de que o Texto Constitucional possa, por meio de regras específicas disciplinar o infinito conjunto de possibilidades apresentadas no mundo real. Cresce assim, cada vez mais, a importância dos princípios jurídicos como canal de comunicação, entre o sistema de valores éticos e o sistema jurídico, não comportando eles, princípios, uma enumeração taxativa. Cresce também o sentimento jurídico de que na interpretação do Texto Constitucional Tributário, estão envolvidos além dos órgãos judiciais, todos os cidadãos e grupos, não sendo possível estabelecer um elenco cerrado ou fixado com numerus clausus de Intérpretes da Constituição, eis aí a Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição de que nos fala Peter Häberle. [9]

Referida abertura, da Ciência do Direito Financeiro e Tributário, como bem percebe Ricardo Lobo Torres significa que "ela vai buscar fora de si, na ética e na filosofia, os seus fundamentos e a definição básica dos valores. Temas como o da justiça fiscal, da redistribuição de rendas, do federalismo financeiro, da moralidade nos gastos públicos voltam a ser examinados sob a perspectiva da Ética, da Filosofia Política e da Teoria da Justiça, que recuperam o seu prestígio nos últimos anos". [10]

Ética é Justiça, portanto ética tributária é justiça tributária, e ser justo como bem já ensinou Aristóteles no Livro V, de sua Ética a Nicômaco [11], é ser proporcional, e ser injusto é violar a proporcionalidade, o meio-termo entre os dois, é como bem disse Aristóteles: o igual. Chamamos de justiça tributária então, a justiça que será o meio-termo entre as necessidades de recursos públicos por parte do fisco e a capacidade de contribuir por parte do cidadão.


3. Ética Tributária e Contemporaneidade.

Se há algo que caracteriza de forma marcante o mundo atual é, sem sombra de dúvida, a desproporção entre a velocidade absurda do progresso científico-tecnológico e o vácuo ético que se formou a partir da negação dos sistemas tradicionais de valores.

Neste mundo da tecnologia, da rápida informação, todos podemos mais, o Estado pode mais, enfim, a ciência nos mostrou que podemos muito, todavia, diante de tanto poder humano é salutar fazermos, por que não, algumas perguntas: para que podemos mais ? Por que o Estado pode mais, inclusive, mais tributar ? Tributar mais significa tributar melhor ? Poder mais significa para o cidadão pagar menos tributos ? Quais os limites contábeis da auto-organização econômica do cidadão-contribuinte ? [12]

É, pois bem, a racionalidade cientificista que se tornou hegemônica, inclusive no mundo jurídico, onde teve o seu ápice com o positivismo-normativista [13], está em crise, crise esta que fez ressurgir no mundo globalizado, o problema da justificação filosófica das normas fundamentais da ação humana.

Pensar o direito tributário hodierno e a ética que deve norteá-lo, é ainda que introdutoriamente refletir sobre o enfrentamento das questões que envolvem uma sociedade pluralista, desigual, injusta e que se constitui a partir de um confronto permanente entre diferentes cosmovisões. Neste sentido é patente e cristalino que a ética tem dificuldades (por isso mesmo devemos agir!) de legitimação diante de uma sociedade até então marcada pelo individualismo, onde as pessoas aparecem prisioneiras num círculo infinito de seus próprios interesses e impulsos, e a vida social não passa de uma associação mecânica de indivíduos perseguindo fins individuais. [14]

Curiosamente, há claras tentativas de superação deste individualismo que marcou a modernidade que ora tentamos superar. Nossa epocalidade é paradoxal conforme bem anota Manfredo A. de Oliveira, "se por um lado aprofundam-se o individualismo e particularismo, desembocando no escândalo moral de uma sociedade das mais iníquas da história contemporânea, por outro, há avanço na consciência e na defesa dos direitos que efetivam a dignidade da pessoa humana". [15]

Urge fazermos de pauta obrigatória no estudo do direito tributário contemporâneo, a questão ética na tributação. É a partir precisamente dos novos desafios postos ao homem contemporâneo que devemos repor a pergunta dos fins últimos que dão sentido à nossa existência e à nossa ação enquanto tal, tanto em nossa dimensão individual (microética) quanto em nossa atuação coletiva/estatal (macroética).

É inegável a escandalosa desproporção entre os indicadores econômicos que nos apontam como sociedade industrial moderna, marcada por enorme dinamismo econômico, e por outro lado, um alto índice de tributação e pífios indicadores sociais [16] através dos quais aparecemos no contexto das nações como sociedade primitiva, com condições de marginalidade urbana, de modo geral, com padrões de pobreza e ignorância comparáveis aos das sociedades mais atrasadas da África e da Ásia. [17]

Não é possível constituir um Estado de direito numa sociedade de miseráveis [18], e aqueles que como nós pensam o fenômeno jurídico sobre a ótica da tributação, não podem se esquivar de refletir sob esta temática escudando-se no decrépito argumento de que este tema não pertence ao jurista, mas, sim, ao político do direito. Não, o jurídico, o econômico e o político não podem ser pensados totalmente fora da esfera ética, e a ética na tributação pressupõe a capacidade de efetivarmos (de legai feriada e de legai lata) uma real igualdade na partilha dos bens primários.

Sem uma racionalização ética da atividade destinada a resolver o problema da satisfação das necessidades, torna-se impossível a constituição de uma sociedade política. O Estado de direito é incompatível com o Estado de miséria, uma vez que a exigência ética básica é incondicional e abrange todas as dimensões do ser-homem. No Brasil, cuja eticidade é profundamente marcada pela injustiça, vivemos frente a uma inafastável exigência de que, para tornarmos um verdadeiro Estado de direito democrático, precisamos antes de qualquer coisa, integrarmos no processo de desenvolvimento uma imensa massa de excluídos. Essa é a exigência central de nossa epocalidade, é a forma específica de efetivação, em nossa contemporaneidade, da exigência ética fundamental de respeito e proteção à dignidade da pessoa humana.

A ciência do direito financeiro e tributário enquanto atividade humana, efetiva-se inserida nesta epocalidade, isso implica que a exigência ética, que é a condição de possibilidade dela, vincula em suas raízes as grandes exigências humanistas de nosso tempo. Portanto, em nossa situação histórica atual, a ciência do direito financeiro e tributário se acha vinculada às exigências éticas da construção de uma sociedade justa do ponto de vista da tributação. Se não é possível pensar ciência fora do horizonte ético, pois ele é sua condição de possibilidade, e se o horizonte ético se especifica nas situações históricas de determinadas epocalidades, então é impossível pensar a ciência do direito financeiro e tributário fora de um horizonte ético, que exige a transformação radical de nossa sociedade no estabelecimento de uma eticidade tributária perpassada de justiça tributária e cidadania fiscal.

Somente o ser humano é ético ou aético. Um dos sentidos desta afirmação é que o ser humano tem em suas mãos o seu destino: pode construir-se ou perder-se, dependendo do rumo que ele imprima às suas decisões e ações ao longo da vida. É aqui que intervém a ética como direcionamento da vida, dos comportamentos pessoais e das ações coletivas, como sói acontecer com o poder de tributar conferido ao Estado. Em outras palavras, a ética propõe um estilo de vida visando à realização de si juntamente com os outros no âmbito da história de uma comunidade sociopolítica, mal comparando a ética é uma bússola que aponta o rumo de nossa navegação no mar da história. [19]

A ética tributária neste contexto é e será um decisivo princípio mediador, entre a necessidade de recursos por parte do fisco e a liberdade de cada cidadão em seu auto-organizar. A ética tributária se revela numa profunda dialética entre a individualidade (microética) e a comunidade (macroética), um equilíbrio entre lei e liberdade, neste sentido, ética tributária é justiça, ou comportamento ético tributário é, antes de tudo, comportamento segundo a justiça tributária.


4. Perspectivas ético-jurídica da Justiça Tributária.

O pensador americano John Rawls representa neste limiar do século XXI, o empenho da filosofia política em estabelecer parâmetros éticos para a redefinição do modelo de justiça distributiva pugnado pela tradição democrático-constitucional nos últimos duzentos anos, que foi atropelado pela voracidade do liberalismo econômico, o qual, ao extremar a defesa ilimitada da liberdade de acumular riquezas acabou por também extremar, por outro lado, a concentração de miséria. [20]

Neste diapasão, nos parece oportuno seguirmos alinhavando alguns apontamentos sobre a justiça tributária, tendo como pano de fundo também a visão filosófica de John Rawls, até porque ao nosso ver é evidente o caráter ético de sua teoria, que se materializa nas seguintes pretensões morais de validez: a uma, a pretensão de trato igual entre as pessoas; a duas, a pretensão de consistência entre discurso e ações e a três; pretensão de adoção de perspectivas. [21]O olhar de Rawls é de natureza ético-política, o nosso de natureza ético-jurídica,. O que nos une ? O homem: que é o único ser cujo ser é o seu dever-ser. [22]

Para falarmos em Justiça Tributária numa sociedade democrática precisamos notar a presença de pelo menos duas características básicas: i- uma forte regulação na distribuição de bens na estrutura básica da sociedade e, ii- cidadãos-contribuintes que em uma democracia constitucional pagam tributos e mantêm um fundo comum público, destinado a garantir a oferta de bens e de serviços impossíveis de serem assegurados com eqüidade a todos os cidadãos, se entregues ao mercado. A garantia da oferta básica de tais bens materiais e imateriais, passa inexoravelmente pela intributabilidade do mínimo existencial, e a ausência da oferta deste bens à camada pobre da população redunda na perda do sentido humano, na perda da dignidade no âmbito econômico, político, social e jurídico-fiscal.

Rawls propugna pela liberdade do individuo em escolher a sua posição econômica e social numa sociedade democrática, a saber, melhores condições de vida, mais acesso aos bens de consumo, mais renda, enseja no modelo de Rawls mais pagamentos de tributos, aumentando assim a poupança coletiva. Maior é assim a contribuição dos melhores situados na vida econômica, que acabam via justiça tributária produzindo tributos (leia-se: receita tributária) em socorro daqueles que não alcançam igual posição econômica, daí porque para nós com base em Rawls, sonegar tributos é sonegar a receita dos mais pobres, portanto, é tornar ilegítima a riqueza particular e o sistema jurídico que a fomenta: injusto.

A idéia tributária não é a de um igualitarismo outrora empregado pelo socialismo real, mas, sim, a da não legitimação tributária de um enriquecimento sem pagamento da contrapartida por ter chegado ao lugar onde se encontra, afinal de contas, vivemos no espaço público, vivemos com o outro. Noutro dizer; pode-se enriquecer, sim, todavia em nome da justiça tributária paga-se mais tributos sobre a parcela maior de riquezas acumuladas em decorrência de saberes conquistados e desenvolvidos pela oferta pública de qualificação para o trabalho. [23]

Em uma sociedade democrática há bens primários, cuja característica principal é serem necessários à sobrevivência digna de todos os indivíduos, por força disto devem ser de acesso obrigatório a todos os cidadãos, e.g, moradia, escola, saneamento básico, alimentação, saúde, salários dignos, cultura etc. A oferta dos bens desta natureza é de obrigação do poder público, ainda que o Estado deva recorrer ao mercado para garanti-los. No campo da tributação estes bens primários hão que ser protegidos da tributação, e é justamente em nome desta proteção que os governos democráticos estão legitimados à coleta de tributos sobre a renda, propriedade e consumo daqueles que efetivamente podem contribuir. Tanto mais evoluída é a sociedade democrática do ponto de vista da tributação, quanto mais ela consiga inserir e garantir livre da tributação, na lista dos bens primários, outros bens que possam elevar o padrão de dignidade humana dos seus cidadãos.

Diferentemente das sociedades hierárquicas, nas democracias deve-se reverter para o cidadão, em especial ao cidadão economicamente mais frágil, na forma da oferta de bens primários, o montante da riqueza que cada cidadão-contribuinte produzir com sua partipação econômica, política e social. Por essa razão, nas democracias a pessoa não trabalha para o engrandecimento da pátria, para merecer a salvação eterna, para honrar o monarca, para enriquecer o empregador etc; as pessoas trabalham, galgam melhores cargos e salários, tornam-se cidadãos-contribuintes para verem melhoradas a sua qualidade de vida, a qualidade de vida de sua geração e para verem garantidas a oferta básica de bens primários àqueles que em nome da solidariedade, têm um direito subjetivo à proteção social, trata-se na verdade de um reconhecimento de direitos e deveres gerados pela relação social.

Daí podermos falar hodiernamente no direito tributário em duas éticas [24]: uma ética fiscal privada e outra ética fiscal pública. A ética privada é uma ética de condutas que norteia o cidadão-contribuinte que tem o dever fundamental de pagar tributos [25] segundo a sua capacidade contributiva. Ao cidadão-contribuinte não é ético contribuir a menos para o montante da riqueza social, em proporção ao que suas faculdades lhe permitiam pagar, o que não deixa de ser uma exigência aristotélica na teoria da justiça tributária contemporânea. Já a ética fiscal pública é informada por quatro valores superiores, a saber, a liberdade, que consiste na aceitação da opção fiscal a ser adotada pelo contribuinte, desde que respeitada a sua capacidade contributiva; a igualdade, no sentido de que todos que estiverem na mesma situação haverão de sofrer a mesma tributação; a segurança, que pugna pela não tributação de surpresa, irracional etc, e finalmente; a solidariedade, ápice da efetivação da ética fiscal pública. Fazer justiça tributária é dentre várias coisas, ser solidário com os carentes que têm direito subjetivo à solidariedade, é garantir aos credores desta solidariedade a oferta de bens primários intributáveis, porquanto os pobres, desempregados, e os assalariados não podem suportar o ônus tributário do Estado, mas, sim, hão que ser suportados pelo Estado via ética tributária da solidariedade mediante a arrecadação e distribuição de riquezas oriundas do pagamento de tributos dos cidadãos-contribuintes.

O Estado rawlsiano foi-nos muito útil para esta reflexão ainda que perfunctória sobre uma Justiça Tributária, não obstante parece tenha nos ficado transparente que uma teoria da justiça tributária há que tratar, enfrentar e controlar em suas bases, questões como a influência dos tributos na criação de empregos, preços, assistência mínima, alimentação, propostas de gastos públicos etc, fazendo com que a liberdade econômica assimilada a uma ética pública possa amadurecer o surgimento de um Estado que seja ao mesmo tempo cobrador de tributos, porém, não negligente em relação a miséria social que assola em nosso país.


5. Cidadania Fiscal Unilateral e Bilateral.

Fulcrado na Teoria dos Direito Fundamentais, o professor Ricardo Lobo Torres da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ, vem organizando valiosas publicações sobre o tema Direitos Humanos pela editora Renovar do Rio de Janeiro. Numa destas obras o mestre fluminense enfrentou com extremo rigor e sensibilidade o tema, quando escreveu o ensaio: ´Cidadania Multidimensional na Era dos Direitos´. [26]

A nós interessa no ensaio supra mencionado, a idéia temática (Cidadania) para ser estudada e desdobrada no campo da tributação. Ricardo Lobo Torres bem afirma que a cidadania como constelação de direitos e deveres do homem em comunidade, só pode e dever ser compreendida em sua ontologia a partir das idéias de direitos humanos e justiça. [27]No Brasil a concepção de cidadania adquire densidade jurídica sólida no art. 1º, inciso II, da Constituição Federal de 1988, que a fez inserir entre os fundamentos do Estado Democrático de Direito, abrindo novas perspectivas para análise de sua temática.

Por ser tratar de um direito fundamental, a idéia jurídica de cidadania repercute em todos os quadrantes do direito, ocasião então, que podemos falar em uma cidadania fiscal, a saber, um conjunto de deveres e direitos dos cidadãos frente ao fisco brasileiro, daí porque uma reflexão sobre a cidadania fiscal envolve item concernente a ética tributária e por conseguinte a uma cidadania constitucional.

Já afirmamos linhas atrás que a ética fiscal pública, portanto, também a ética tributária é informada por quatro valores superiores, nesta oportunidade cabe-nos destacar um deles: o valor solidariedade. A tributação só se fará ética, e portanto justa, se e quando conseguir agasalhar e efetivar concretamente no dia a dia, a proteção da vasta camada da população brasileira que não tem condições mínimas existências de arcar com ônus tributário.

A relação jurídica tributária que se estabelece entre o fisco e o cidadão deve ser contemporaneamente pensado sob dois prismas. Do ponto de vista dos efeitos desta relação jurídica [28] podemos dizer que ela é unilateral porquanto o cidadão-carente é protegido neste liame pela intributabilidade do mínimo existencial, isto é, o cidadão-carente na cidadania fiscal unilateral tem unicamente a posição de sujeito credor da solidariedade do Estado e o Estado tem unicamente a posição de sujeito devedor desta solidariedade. Já na cidadania fiscal bilateral (repercussões serão trabalhadas mais adiante) a relação jurídica entre Fisco e cidadão-contribuinte quanto aos seus efeitos é bilateral, ou seja, há obrigação para ambas as partes, deveres e direitos do Fisco, ética tributária, deveres e direitos dos cidadãos-contribuintes, ética fiscal privada.

Neste sentido o conceito de cidadania fiscal unilateral ora cunhado, quer significar o direito à intributabilidade de um mínimo existencial (bens primários) à todos aqueles cidadãos brasileiros credores desta solidariedade, até porque como bem alerta Ricardo Lobo Torres, "sem o mínimo necessário à existência cessa a possibilidade de sobrevivência do homem e desaparecem as condições iniciais de liberdade. A dignidade humana e as condições materiais da existência não podem retroceder aquém de um mínimo, do qual nem os prisioneiros, os doentes mentais e os indigentes podem ser privados". [29] Na dicção de John Rawls [30] poderíamos dizer que a cidadania fiscal unilateral é um direito do cidadão à intributabilidade de um mínimo essencial, ou mínimo social, índice justo de bens de primeira necessidade, abaixo do qual as pessoas simplesmente não podem participar da sociedade como cidadãos.

No Brasil como já vimos a Constituição Federal prestigia como direito fundamental a cidadania (art. 1º, inciso II), bem como, diz constituir objetivos fundamentais da república a constituição de uma sociedade livre, justa e solidária, e mais adiante verbera que são direitos sociais do trabalhador um salário mínimo fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social (...). (art. 7º, inciso IV). Em nível infraconstitucional o salário mínimo foi tratado na Lei nº 185 de 14 de janeiro de 1936 e regulamentado através do Decreto-Lei nº 399 de abril de 1938. Este decreto-lei estabeleceu em seu artigo 2º que o "salário mínimo é a remuneração devida ao trabalhador adulto, sem distinção de sexo, por dia normal de serviço, capaz de satisfazer, em determinada época e região do país, às suas necessidades normas de alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte".

O mesmo decreto-lei também dispôs sobre a chamada Cesta Básica Nacional que é composta de treze (13) itens com quantidades diversas que aqui não cabe especificar, os itens são: carne, leite, feijão, arroz, farinha, batata, legumes (tomate), pão francês, café em pó, frutas (banana), açúcar, banha/óleo e manteiga. Tais ingredientes nas quantidades sugeridas seriam suficiente para o sustento e o bem estar de um trabalhador em idade adulta, contendo quantidades balanceadas de proteínas, calorias, ferro, cálcio e fósforo. Considerando o conteúdo desta cesta básica, e ainda o ditame constitucional de que o salário mínimo deve ser suficiente para a manutenção do trabalhador e sua família (média 2 adultos e duas crianças), suprindo os gastos com alimentação, moradia, educação, saúde, higiene, transporte, vestuário, lazer e previdência social, o DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócios-Econômicos) [31] estima que o salário mínimo necessário um chefe de família, em julho de 2002, para dar conta de todas estas despesas, deveria ser de R$1.154,63 (um mil, cento e cinqüenta e quatro reais e sessenta e três centavos).

Assim sendo, todo o trabalhador que ganha até R$1.154,63, tendo como base julho de 2002 à guisa de argumentação, há de ter o direito à intributabilidade de seus ganhos [32] e de todos aqueles bens primários que fazem da parte da composição do salário mínimo (leia-se: mínimo existencial), isto é, moradia, alimentação, transporte, vestuário etc, tudo isto em nome da cidadania fiscal unilateral. Só se pode falar numa existência de uma cidadania fiscal unilateral, e por outro lado numa ética tributária, ali onde houver a intributabilidade do mínimo existencial, ali onde houver a proteção do cidadão desprotegido, redundância que se impõe.

Do ponto de vista de uma visão pós-positivista do fenômeno jurídico, poderíamos dizer com fulcro nos artigos 1º, inciso II, 3º I, 5º § 2º e 6º IV todos da Constituição Federal, que a tributação dos itens pertencentes à cesta básica nacional e aos concernentes às necessidades básicas dos cidadãos a serem supridas com um salário mínimo de R$1.154,63, ofende frontalmente o princípio constitucional tributário da cidadania fiscal unilateral.

Professor Ricardo Lobo Torres [33] bem anotou que a Constituição de 1946 [34], art. 15, § 1º, garantia a imunidade ao mínimo indispensável à habitação, vestuário, alimentação e tratamento médico das pessoas de restrita capacidade econômica, todavia, tal dispositivo desapareceu expressamente do Texto Constitucional, e a proteção hoje se efetiva comedidamente através de isenções de IPI e do ICMS veiculadas através de legislações ordinárias. Entrementes, pensamos nós que a Constituição ainda agasalha tal princípio, podendo ser detectado em diversas passagens da Carta Magna, e.g, nas dobras do art. 1º, inciso III que trata da dignidade da pessoa humana, portanto, do princípio constitucional-tributário da cidadania fiscal primária, consubstanciada na proteção à intributabilidade dos bens primários.

Outrossim, a questão da cidadania fiscal não se esgota aqui. Precisamos tratar também da chamada cidadania fiscal bilateral. Para que possa haver uma cidadania fiscal unilateral, isto é, uma proteção fiscal aos cidadãos desprotegidos, carentes, há que haver uma atuação ética do fisco, portanto, solidária e justa, e também existir recursos para isto. É bom que se diga que os recursos serão são advindos de uma redução drástica nos excessos de renúncias fiscais [35], postura cotidiana nos países em desenvolvimento, que preconizam incentivos fiscais [36] e facilidades às empresas, na criação de pólos e distritos industriais, mas de outro lado penaliza o cidadão-contribuinte que acaba subsidiando estes benefícios; bem como, do pagamento de tributos por parte daqueles cidadãos em melhores condições sócio-econômicas, portanto, cidadãos-contribuintes, cidadãos estes portadores de uma cidadania fiscal bilateral, que lhes garante o direito de pagar tributos segundo sua capacidade contributiva e o dever constitucional (ética fiscal privada) de contribuir financeiramente para o aperfeiçoamento e aprimoramento da cidadania fiscal unilateral.

Por isto, com sapiência e rigor conceitual, o professor emérito de Direito Financeiro e Tributário da Universidade de Colônia, Klaus Tipke [37], ensina que a ética tributária é a teoria que estuda a moralidade das atuações em matéria tributária desenvolvidas pelos poderes públicos — legislativo, executivo e judiciário — e pelos cidadãos contribuintes.

Com efeito, há Constituições de países outros que estabelecem expressamente que todos estão obrigados ao pagamento de tributos estabelecidos por lei (Constituição Russa de 1993, art. 57; Constituição do Egito de 1971/80 art.61; Constituição da Síria de 1973, art. 41; Constituição dos Emirado Árabes de 1971, art. 42 e Constituição do Kuwait de 1962, art. 48). [38]

Se é verdade que o Estado fundado na propriedade privada e nos meios de produção, é obrigado a sobreviver mediante tributos, não é menos verdade que sem tributos e contribuintes não se pode construir nenhum Estado, nem Estado de Direito, nem muito menos um Estado Social, portanto, é princípio de justiça tributária que todos devam pagar tributos com base em sua capacidade contributiva, capacidade que começa ali onde a sua renda exceda o mínimo existencial [39], razão pela qual este mesmo Estado Social está eticamente obrigado a preservar as fontes tributárias (patrimônio dos contribuintes) ao revés de esgotá-las por prática de tributação excessiva, o que implicará em postura moralmente aética do ponto de vista tributário. [40]


6. Capacidade Contributiva: princípio ético norteador da cidadania fiscal bilateral.

A idéia de cidadania fiscal, defendida pelo Professor José Casalta Nabais [41], da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, e aqui trabalhada por nós sobre uma outra perspectiva (cidadania fiscal unilateral e bilateral), deixa antever que a existência de uma cidadania fiscal bilateral pressupõe que aqueles cidadãos que têm o dever de suportar o ônus financeiro do Estado, ou seja, a qualidade de destinatários do dever fundamental de pagar tributos, o tem na medida de sua respectiva capacidade contributiva, isto é, mediante o reconhecimento ético-tributário de que estamos frente a um Estado Fiscal suportável nos limites dos princípios constitucionais tributários.

A liberdade econômica no Estado Fiscal e Principial, é uma liberdade cidadã, cujo preço reside na existência de destinatários do dever fundamental de pagar tributos. Por conseguinte, a cidadania fiscal bilateral não nos reserva outro caminho, senão por exemplo, o da crescente abertura da informação bancária às administrações tributárias. O que devemos evitar é o maniqueísmo neste acesso a dados tão importantes, o que só será coibido via ponderação no uso dos princípios jurídicos tributários, ferramentas jurídicas que nos oferecem a possibilidade do justo equilíbrio entre os direitos dos cidadãos, de um lado, e os poderes da administração, de outro.

Como bem lembra José Casalta Nabais, "entre o segredo absoluto, que tudo sacrifica nos altares da arcana praxis, e a devassa, própria do mais descarado voyeurismo, há uma infinidade de oportunidades de realização do justo equilíbrio." [42]

Falar em cidadania fiscal bilateral é falar sobretudo, na capacidade contributiva revelada no aspecto material da fatispécie econômica [43]. Tal aspecto material consiste, objetivamente, no pressuposto, no limite máximo e no parâmetro do dever tributário. [44] É pressuposto na medida em que constitui o próprio fundamento do dever tributário, revelado pela realização concreta da fatispécie de conteúdo, econômico que, diante do conjunto de regras e princípios do ordenamento, justifica a incidência da norma tributária. É limite máximo, pois ninguém pode legitimamente ser obrigado a recolher um tributo superior à capacidade econômica revelada pela realização da fatispécie (pressuposto de fato), isto é, o princípio da capacidade contributiva impede que o dever tributário imposto seja maior do que o conteúdo econômico materializado na fatispécie. É parâmetro, para permitir a aferição da conexão razoável entre a fatispécie econômica e o montante do dever tributário, bem como, para que seja apurado se o valor recolhido pelo contribuinte está na medida correta (não pode ser inferior, nem superior) de suas possibilidades, tendo em vista que é dever de todos [45] concorrer para o financiamento das despesas públicas na medida de sua capacidade econômica, ou seja, quem pode pagar mais, porque é possível [46] pagar mais, deve pagar mais sempre (é vedado escusar-se em opções fiscais para pagar menos do que se pode economicamente), e quem não pode pagar, porque não é possível, deverá pagar o que é possível, só assim avançaremos na construção de uma sociedade menos injusta. [47]

Utilizando a noção de postulado kantiano, podemos ainda trabalhar a capacidade contributiva como sendo um postulado normativo, ou seja, como condição de possibilidade do conhecimento do dever tributário. Destacamos então três postulados normativos aplicáveis ao princípio da capacidade contributiva. Postulado da coerência, o conhecimento da capacidade contributiva enquanto norma de um sistema, só é possível com a compreensão das outras normas do sistema; postulado da integridade, só é possível conhecer a capacidade contributiva com a análise simultânea da fatispécie (fato), e com recursos aos textos normativos; postulado da reflexão, só é possível conhecer a capacidade contributiva enquanto norma, tendo em vista uma pré-compreensão pelo sujeito cognoscente, definida como a expectativa quanto à solução concreta, já que o texto sem a hipótese não é problemático, e a hipótese, por sua vez, só surge com o texto. [48]

Tais postulados, orientam o sujeito cognoscente no esclarecimento de como se pode avaliar a existência ou não da capacidade contributiva em dado caso real, capacidade contributiva que é dever tributário ínsito a cidadania fiscal.

Neste patamar — do desvelar da capacidade contributiva — não se fala em predominância do interesse público sobre o particular (princípio já questionado pela doutrina [49]), mas, sim em outras diretrizes. O esclarecimento dos fatos na fiscalização de tributos, a determinação do meios empregados pelo fisco, a ponderação dos interesses envolvidos, pela Administração ou pelo Poder Judiciário, a limitação da esfera privada dos cidadãos contribuintes, a preservação do sigilo etc, são, todos esses casos, exemplos de atividades administrativas que não podem ser ponderadas em favor do interesse público e em detrimento dos interesses privados envolvidos.

Não há de antemão uma diretiva para interpretação das regras tributárias ou administrativas em favor do interesse público, o que há no direito tributário pós-moderno, onde vige o importante conceito jurídico da cidadania fiscal bilateral, é uma relação entre interesses públicos e particulares, ou entre o Estado e o cidadão-contribuinte, relação esta que é explicada pelo postulado da unidade da reciprocidade de interesses, que significa implicar em uma principial ponderação entre os interesses reciprocamente relacionados (interligados), fundamentados na sistematização das normas constitucionais.

É certo que sob a ótica de uma cidadania fiscal bilateral é direito do contribuinte, valer-se dos meios juridicamente lícitos postos à sua disposição, para organizar sua situação tributária frente ao fisco de acordo com a sua capacidade contributiva, todavia, este direito de se auto-organizar (licitude dos meios/formas jurídicas) não é um direito absoluto e incontrastável em seu exercício, tendo em vista que a experiência pós-moderna de convívio em sociedade, é fundamentalmente informada pelo princípio da solidariedade social e não pelo individualismo exacerbado. [50]

Afirmar a existência de uma cidadania fiscal bilateral é pensar outra perspectiva, que não aquela tradicional de dar somente importância à discussão sobre a licitude ou ilicitude da conduta do contribuinte, isto é, se a conduta se materializou antes ou depois da fatispécie econômica, o que se deve verificar hodiernamente é se o contribuinte adotou uma forma jurídica para pagar o tributo, proporcionalmente e razoavelmente de acordo com a sua capacidade contributiva. Se assim o fez, utilizou-se dos meios jurídicos adequadamente; se assim não agiu, abusou dos meios jurídicos para sofrer carga tributária inferior à sua capacidade econômica, e por esta razão, deve ser desconsiderada a forma jurídica dada a fatispécie econômica.

Daí verberar Marco Aurélio Greco [51] que a conseqüência desta postura é a revitalização dos princípios éticos, ao lado das condutas típicas. Hoje, mais do que nunca, estão na ordem do dia os grandes princípios jurídicos: confiança, boa-fé, moralidade da Administração e também do particular, honestidade, sinceridade de propósitos, porque são eles que vão delimitar a faixa de constância e flexibilidade. Se estamos andando na direção da igualdade, justiça social, não podemos andar na direção de apenas um princípio, mas na direção de vários, e o que vai determinar a faixa de certeza e de flexibilidade serão este princípios.

Não cabe mais invocarmos simplesmente, o princípio da legalidade, a proteção ao patrimônio e a liberdade, mas, também devemos invocar a cidadania fiscal bilateral, que implica a afirmação de outros princípios jurídicos, solidariedade, capacidade contributiva, proporcionalidade etc. Como bem anota Marco Aurélio Greco [52], a solução dos conflitos concreto na medida em que estamos num Estado Democrático de Direito, passa pela reunião de valores do Estado de Direito e valores do Estado Social, um valor não exclui o outro, um não se anula com o outro, a solução passa pela composição de valores naquilo que eles não se contradisserem, ou seja, prestigia-se um, mas também prestigia-se outro.

Com efeito, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária pode, entre outras formas, ser buscada mediante uma concretização dos princípios da capacidade contributiva e da livre iniciativa, através do princípio da proporcionalidade, pois enquanto aquele primeiro liga-se diretamente à idéia de justiça e solidariedade, o segundo remete ao ideal de liberdade. O princípio da proporcionalidade nesta perspectiva, é princípio de direito e princípio de interpretação do direito, vetor fundamental dirigido tanto ao legislador quanto aos aplicadores do direito em sentido lato. Reflexões desta natureza, dão a dimensão exata do papel do Poder Judiciário no início deste século XXI, no que atine a interpretação autêntica (Kelsen) da norma tributária e da fatispécie econômica no caso concreto.

Por outro lado, registra-se como mais um reflexão, que os fins do Estado não podem se sobrepor aos meios validamente positivados no ordenamento jurídico nacional para a busca da fatispécie econômica. O que significa dizer, que cabe ao Estado o ônus da prova contra a conduta tributária do contribuinte, que paga tributo inferior à sua capacidade econômica mediante o uso de determinado negócio jurídico, ocasião em que detectada referida conduta, o Estado poderá aplicar a novel disposição do parágrafo único do art. 116 do CTN. [53]

Não há duvida que o contribuinte tem o direito encartado na Constituição Federal, de auto-organizar seus negócios segundo sua capacidade econômica, diante da sociedade onde vive e tem responsabilidade social [54], por isso o ônus probandi do abuso de direito é por parte do Estado. Todavia o limite ético desta auto-organização é a sua capacidade contributiva, se o contribuinte tem capacidade econômica para contribuir com R$100,00 (é possível contribuir com R$100,00), não pode juridicamente utilizar-se de forma jurídica desproporcional ou irrazoável, qualquer que seja, mesmo que lícita, para contribuir com R$50,00, porquanto mencionada conduta (opção fiscal) ainda que lícita, fere de morte o princípio da capacidade contributiva cujo corolário é a revelação da cidadania fiscal bilateral.

As opções fiscais sofrem o balizamento direto dos princípios da capacidade contributiva, proporcionalidade tributária e razoabilidade tributária, [55]tudo em nome da cidadania fiscal bilateral. Os autores de um modo geral acreditam que o contribuinte possa escolher, entre dois caminhos lícitos, aquele que fiscalmente seja menos oneroso. Numa empresa, aliás, ter esse objetivo em mente é obrigação do administrador, a quem incumbe zelar pelo patrimônio da sociedade, é o que pensa Luciano Amaro. [56]

Pensamos que não. O que deve balizar a conduta do administrador não é a maior ou menor onerosidade fiscal, mas, sim a capacidade contributiva da empresa/contribuinte, ou seja, se a empresa tem condições de contribuir com mais, é obrigada a isto por força do preceito constitucional da capacidade contributiva (art. 145, parágrafo 1º, "sempre que possível..."), se assim não o fizer escudando-se em formas desproporcionais à sua capacidade econômica, estará se sujeitando a imposição fiscal de ofício. A presunção constitucional é da liberdade de se auto-organizar, todavia, citada liberdade está umbilicalmente atrelada à perspectiva que toda auto-organização é permitida desde que feita na direção de pagar tributos segundo a capacidade econômica do contribuinte.

Repita-se: se era possível pagar mais, e pagou-se menos, foi ferido o princípio da capacidade econômica, por inobservância da cidadania fiscal bilateral. É bem verdade que Alberto Xavier [57] salienta que "a liberdade individual de os particulares se organizarem e contratarem de modo menos oneroso do ponto de vista fiscal é um dos temas mais nobres do Direito Tributário, intimamente ligado, como está, às garantias constitucionais que a visam proteger e que consistem nos princípios da legalidade e da tipicidade da tributação". Entrementes, mencionada ´liberdade´ não é absoluta conforma bem detecta Klaus Tipke, [58]que reconhece a existência de um direito dos particulares organizarem a sua vida econômica pelo recurso aos meios negociais que o Direito Privado faculta, mas, parte ele igualmente do pressuposto que esse direito não é absoluto, mas intrínseca e originariamente limitado.

Nesta linha, para Tipke [59] a defesa intransigente da segurança jurídica corresponde a um pensamento positivista, ligado ao Estado de Direito Formal, mas inadequado face ao moderno Estado de Direito material. Por isso, caso se comprove que o contribuinte, pelo uso de forma inusuais, modelou juridicamente um fato econômico revelador de capacidade contributiva, de modo a evitar a tributação, o princípio da segurança jurídica deve ceder perante o princípio da capacidade contributiva, cabendo até a legitimação da aplicação analógica.

Cidadão-Contribuinte e Estado têm objetivos (fins) a serem alcançados, entre eles há uma permanente ‘tensão’ de justos interesses, de ambos os lados desta relação pululam os valores da segurança jurídica, da legalidade tributária, da capacidade contributiva, da cidadania fiscal bilateral e da proporcionalidade, e certamente, hoje em dia a proporcionalidade (enquanto princípio de direito e princípio de interpretação do direito [60]) e a capacidade contributiva, são fortes instrumentos à disposição do intérprete para que a tensão entre Estado e Contribuinte possa permanecer em níveis democraticamente aceitos, conforme bem leciona Helenílson Cunha Pontes em obra específica sobre o tema da "proporcionalidade" no Direito Tributário [61].

A discussão atual entre a Ética Tributário do Estado e a Ética Fiscal do cidadão-contribuinte nos revela que o sentido semântico do que seja segurança jurídica mudou completamente, há uma revolução copernicana no conceito do que seja segurança jurídica, tipicidade tributária etc., e quanto a isto parece não pairar mais dúvidas. José Marcos Domingues de Oliveira é sensível a tal mudança, quando bem observa que a "tipicidade aberta, através dos conceitos indeterminados, é o caminho capaz de iluminar materialmente a conciliação ético-jurídica da liberdade humana com o dever social de prestar o tributo justo, justo porque conexo à capacidade contributiva dos cidadãos, sempre sob a reserva do controle de proporcionalidade das leis e dos atos administrativos de lançamento". [62]

Vivemos um período de cidadania fiscal, cidadania fiscal diz respeito a prudência jurídica: i)- perdemos a ilusão quanto a neutralidade ideológica do intérprete, o intérprete e a interpretação não são neutros; ii)- não se crê mais, que possa haver um possível conteúdo ´legal´ pré-definido ´na lei´; iii)- sabe-se que não sustenta-se mais uma visão exclusivamente positivista do Direito; iv)- refuta-se com veemência a existência de uma tipicidade ´fechada, até porque as palavras possuem significação aberta [63], contextuais, históricas etc; v)- o jurídico aborda questões cujas respostas não são um "sim ou não", mas, um "pode ser que sim" ou "pode ser que não", acabaram as ´nítidas divisões´, ruíram as certezas, o que nos lança o desafio de saber onde se encontra o lícito e o onde está o ilícito.

É hora de assumirmos responsabilidades bem claras e transparentes no jogo jurídico-tributário, é chegado o momento de irmos ao púlpito e confessarmos a toda sociedade, a nossa insegurança. Prudência no campo da tributação é a insegurança assumida e controlada. Tal como Descartes no limiar da ciência moderna, exerceu a dúvida em vez de a sofrer, nós neste início do século XXI, no limiar de uma ciência jurídica pós-moderna, de uma jurisprudência principial, devemos com prudência, exercer a insegurança jurídica em vez de sofrê-la, [64]ou seja, devemos partir em direção a uma tributação acima de tudo ética, tanto por parte do fisco quanto por parte do cidadão-contribuinte, não há espaços para tergiversações.


7. Síntese das idéias expostas.

7.1. Podemos concluir afirmando que há no direito tributário contemporâneo duas éticas a serem observadas: uma ética fiscal privada e outra ética fiscal pública. A ética privada é uma ética de condutas que norteia o cidadão-contribuinte que tem o dever fundamental de pagar tributos segundo a sua capacidade contributiva. Ao cidadão-contribuinte não é ético contribuir a menos para o montante da riqueza social, em proporção ao que suas faculdades lhe permitiam pagar, o que não deixa de ser uma exigência aristotélica na teoria da justiça tributária contemporânea. Já a ética fiscal pública é informada por quatro valores superiores, a saber, a liberdade, que consiste na aceitação da opção fiscal a ser adotada pelo contribuinte, desde que respeitada a sua capacidade contributiva; a igualdade, no sentido de que todos que estiverem na mesma situação haverão de sofrer a mesma tributação; a segurança, que pugna pela não tributação de surpresa, irracional etc, e finalmente; a solidariedade, ápice da efetivação da ética fiscal pública.

7.2. Fazer justiça tributária é dentre várias coisas, ser solidário com os carentes que têm direito subjetivo à solidariedade, é garantir aos credores desta solidariedade a oferta de bens primários intributáveis, porquanto os pobres, desempregados, e os assalariados não podem suportar o ônus tributário do Estado, mas, sim, hão que ser suportados pelo Estado via ética tributária da solidariedade mediante a arrecadação e distribuição de riquezas oriundas do pagamento de tributos dos cidadãos-contribuintes.

7.3. A relação jurídica tributária que se estabelece entre o fisco e o cidadão deve ser contemporaneamente pensado sob dois prismas. Do ponto de vista dos efeitos desta relação jurídica, podemos dizer que ela é unilateral porquanto o cidadão-carente é protegido neste liame pela intributabilidade do mínimo existencial, isto é, o cidadão-carente na cidadania fiscal unilateral tem unicamente a posição de sujeito credor da solidariedade do Estado e o Estado tem unicamente a posição de sujeito devedor desta solidariedade. Já na cidadania fiscal bilateral (repercussões serão trabalhadas mais adiante) a relação jurídica entre Fisco e cidadão-contribuinte quanto aos seus efeitos é bilateral, ou seja, há obrigação para ambas as partes, deveres e direitos do Fisco, ética tributária, deveres e direitos dos cidadãos-contribuintes, ética fiscal privada.

7.4. Frente uma visão pós-positivista do fenômeno jurídico, podemos dizer com fulcro nos artigos 1º, inciso II, 3º I, 5º § 2º e 6º IV todos da Constituição Federal, que a tributação dos itens pertencentes à cesta básica nacional e aos concernentes às necessidades básicas dos cidadãos a serem supridas com um salário mínimo de R$1.154,63, ofende frontalmente o princípio constitucional tributário da cidadania fiscal unilateral

7.5. Para que possa haver uma cidadania fiscal unilateral, isto é, uma proteção fiscal aos cidadãos desprotegidos, carentes, há que haver uma atuação ética do fisco, portanto, solidária e justa, e também existir recursos para isto. É bom que se diga que os recursos serão são advindos de uma redução drástica nos excessos de renúncias fiscais, postura cotidiana nos países em desenvolvimento, que preconizam incentivos fiscais e facilidades às empresas, na criação de pólos e distritos industriais, mas de outro lado penaliza o cidadão-contribuinte que acaba subsidiando estes benefícios; bem como, do pagamento de tributos por parte daqueles cidadãos em melhores condições sócio-econômicas, portanto, cidadãos-contribuintes, cidadãos estes portadores de uma cidadania fiscal bilateral, que lhes garante o direito de pagar tributos segundo sua capacidade contributiva e o dever constitucional (ética fiscal privada) de contribuir financeiramente para o aperfeiçoamento e aprimoramento da cidadania fiscal unilateral.

7.6. Afirmar a existência de uma cidadania fiscal bilateral é pensar outra perspectiva, que não aquela tradicional de dar somente importância à discussão sobre a licitude ou ilicitude da conduta do contribuinte, isto é, se a conduta se materializou antes ou depois da fatispécie econômica, o que se deve verificar hodiernamente é se o contribuinte adotou uma forma jurídica para pagar o tributo, proporcionalmente e razoavelmente de acordo com a sua capacidade contributiva. Se assim o fez, utilizou-se dos meios jurídicos adequadamente; se assim não agiu, abusou dos meios jurídicos para sofrer carga tributária inferior à sua capacidade econômica, e por esta razão, deve ser desconsiderada a forma jurídica dada a fatispécie econômica.

7.6. O que deve balizar a conduta do administrador não é a maior ou menor onerosidade fiscal, mas, sim a capacidade contributiva da empresa/contribuinte, ou seja, se a empresa tem condições de contribuir com mais, é obrigada a isto por força do preceito constitucional da capacidade contributiva (art. 145, parágrafo 1º, "sempre que possível..."), se assim não o fizer escudando-se em formas desproporcionais à sua capacidade econômica, estará se sujeitando a imposição fiscal de ofício. A presunção constitucional é da liberdade de se auto-organizar, todavia, citada liberdade está umbilicalmente atrelada à perspectiva que toda auto-organização é permitida desde que feita na direção de pagar tributos segundo a capacidade econômica do contribuinte.


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9.Notas

1. Existem exceções, e.g, "O Princípio da Moralidade no Direito Tributário" (Coord) Ives Gandra da Silva Martins. 2ª ed. atual. São Paulo. Revista dos Tribunais, 1998, bem como, outros títulos citados no decorrer deste estudo, em especial, os escritos do Professor Ricardo Lobo Torres, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ.

2. "El Desarrollo actual del Derecho financiero en Espanã". Crónica Tributaria, num 78. 1996. p. 188. Apud, Klaus Tipke, "Moral Tributaria del Estado y de los Contribuintes". Tradução Pedro M. Herrera Molina. Madrid. Marcial Pons. 2002. p. 9.

3. O déficit teórico acumulado pelo excesso de estudo positivista de cunho normativista no ensino jurídico brasileiro, vem sendo fortemente resgatado pelos atuais programas de pós-graduação de diversas universidades brasileiras, dentre elas, destacamos no Rio de Janeiro, o Mestrado em Direito Tributário da UCAM – Universidade Candido Mendes e as Pós-Graduações em Direito da UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e da PUC Pontifícia Universidade Católica, em seus Mestrados e Doutorados, respectivamente.

4. "Curso de Direito Constitucional" 6ª ed. rev. e atual. e amp. São Paulo. Malheiros. 1996. op. cit. p. 264.

5. Cf. Paulo Bonavides, op. cit. p. 264/265.

6. "Fundamentos teóricos e filosóficos do Novo Direito Constitucional Brasileiro - (Pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo)". Revista Diálogo Jurídico. Salvador. CAJ - Centro de Atualização Jurídica. V.1. nº 6. setembro 2001. p. 31-32. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br>

7. "Fundamentos teóricos..." op. cit. p. 23-24.

8. "A abertura do sistema jurídico não contradita a aplicabilidade do pensamento sistemático na Ciência do Direito. Ela partilha a abertura do <sistema científico> com todas as outras Ciências, pois enquanto no domínio respectivo ainda for possível um progresso no conhecimento, e, portanto, o trabalho científico fizer sentido, nenhum desses sistemas pode ser mais do que um projecto transitório. A abertura do <sistema objectivo> é, pelo contrário, possivelmente, uma especialidade da Ciência do Direito, pois ela resulta logo de seu objecto, designadamente, da essência do Direito, como um fenômeno situado no processo da História e, por isso, mutável". "Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito". 2ª ed. Lisboa. Calouste Gulbenkian. 1996. p. 281.

9. "A sociedade torna-se aberta e livre, porque todos estão potencial e atualmente aptos a oferecer alternativas para a interpretação constitucional. A interpretação constitucional jurídica traduz (apenas) a pluralidade da esfera pública e da realidade (die pluralistische Öffentlichkeit und Wirklichkeit), as necessidades e as possibilidades das comunidade, que constam do texto, que antecedem os textos constitucionais ou subjazem a eles." "Hermenêutica Constitucional - [A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e ´procedimental" da Constituição]". Sergio Antonio Fabris. Porto Alegre. 1997. p. 43. Cf. também, Inocêncio Mártires Coelho, "Konrad Esse/Peter Häberle: um retorno aos fatores reais de poder". Revista Diálogo Jurídico. Salvador. CAJ - Centro de Atualização Jurídica. v. I. nº 5. agosto de 2001. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br>.

10. "Curso de Direito Financeiro e Tributário" 7ª ed. Rio de Janeiro. Renovar. 2000. p. 14.

11. "Ética a Nicômaco" São Paulo. Martin Claret. 2002. p. 110-111.

12. O desejo desmedido de poder econômico é refletido atualmente na crise das bolsas norte-americanas, provocada por fraudes contábeis nos balanços de grandes empresas. Como exemplo mencionamos a WorldCom que pediu concordata no mês passado (julho/2002), depois de revelar que tinha contabilizado impropriamente US$ 3,8 bilhões de despesas recentes. Na noite de quinta-feira (08/08/2002), a empresa anunciou ter descoberto outras irregularidades contábeis desde 1999, que chegavam a US$ 3,3 bilhões. A WorldCom é dona da MCI, a segunda maior provedora de telefonia de longa distância dos EUA e importante provedora de Internet. Segundo a empresa, as irregularidades recém descobertas forçarão revisões em sua contabilidade dos anos de 2000 e 2001 e do primeiro trimestre deste ano. Eis aí uma postura contábil sobejamente aética, que inclusive, fere um princípio fundamental de Contabilidade, a saber, o denominado Princípio da Prevalência da Essência sobre a Forma.

13. "Com a onda positivista, que tentava o cientificismo no conhecimento do jurídico e do social, a Filosofia do Direito perdeu a importância e abdicou, em favor da Economia e da Ciência das Finanças, do exame do problemo do justo tributário". Ricardo Lobo Torres, "Curso de Direito Financeiro..." op. cit. p. 25.

14. Manfredo A. de Oliveira (org). "Correntes Fundamentais da Ética Contemporânea". Petrópolis. Vozes. 2000. p. 7.

15. "Ética e Racionalidade Moderna". São Paulo. Loyola. 1993. p. 47.

16. O Brasil está no modestíssimo 73º lugar no Índice de Desenvolvimento humano (IDH), do relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), criado em 1990 pelos economistas Mahhub ul Haq e Amartya Sen, indiano que ganhou o Premio Nobel de Economia em 1998. O IDH considera a esperança de vida ao nascer, o percentual de adultos alfabetizados e a proporção de matrículas nos níveis primário, secundário e universitário. O IDH varia de zero a um, quanto mais próximo de um, maior o desenvolvimento humano, o Brasil ficou com a 73º colocação com um índice de 0,757 entre 173 países. Os cincos melhores índices são, respectivamente: Noruega (IDH 0,942), Suécia (IDH 0,941), Canadá (IDH, 0,940), Bélgica (IDH, 0,939) e Austrália (IDH 0,939). O pior IDH é de Serra Leoa com 0,275.

17. Cf. Manfredo A. de Oliveira. "Ética e Racionalidade..." op. cit. p. 42.

18. Manfredo A. de Oliveira. "Ética e Racionalidade..." op cit. p. 169.

19. Olinto A. Pergoraro. "Ética é Justiça" 6ª ed. Petrópolis. Vozes. 2001. p. 9.

20. Cf. Sônia T. Felipe, "Rawls: uma teoria ético-política da justiça", in, "Correntes Fundamentais da Ética Contemporânea", op. cit. p. 133.

21. Ver Raúl Marques Sullivan, "Pretensões morais de validez". Apud, Sonia T. Felipe, in "Correntes Fundamentais..." op. cit. p. 133, nota de rodapé 1.

22. Ensina Miguel Reale, "O homem não é "ser histórico" em razão da história vivida, mas o é mais pela carência de história futura. É preciso, em verdade, atentar ao significado pleno de minha afirmação de que o homem é o único ente que é e deve ser, no qual "ser" e "dever ser"coincidem, cujo ser é o seu dever ser. Se o ser do homem é o seu dever ser, é sinal de que sente em sua finitude algo que o transcende, que o seu valer e o seu atualizar-se como pessoa implica o reconhecimento de um valor absoluto, que é a razão de ser de sua experiência estimativa; valor absoluto que ele não pode conhecer senão como procura, tentâmen, renovadas atualizações do plano da história, mas sem a qual a história não seria senão uma dramaturgia de alternativas e de irremediáveis perplexidades". "Teoria Tridimensional do Direito" 5ª ed. rev. e reest. Saraiva. São Paulo. 1994. 138.

23. Sônia T. Felipe, op. cit. p. 139

24. Cf. noutros termos, Peces-Barba em "Moral e Direito. A fundamentação dos Direitos Humanos nas visões de Hart, Peces-Barba e Dworkin". Márcio Monteiro Reis, in "Teoria dos Direito Fundamentais" 2ª ed. rev. e atual. (org) Ricardo Lobo Torres. Rio de Janeiro. Renovar. 2001. p. 133-134.

25. Cf. José Casalta Nabais, "O Dever Fundamental de Pagar Impostos" Almedina. Coimbra. 1998. p. 671-696.

26. in. "Teoria dos Direitos Fundamentais" (org) Ricardo Lobo Torres, op. cit. p. 243-342.

27. "Cidadania Multidimensional na Era dos Direitos", in "Teoria dos Direito Fundamentais" op. cit. p. 251.

28. V. por todos Lourival Vilanova, "Causalidade e Relação no Direito" 4ª ed. rev. atual. e amp. Revista dos Tribunais. São Paulo. 2000. p. 177-178.

29. Op. cit. p. 267.

30. Apud, José Nedel, "A Teoria Ético-Política de John Rawls. Uma tentativa de integração de liberdade e igualdade" EDIPUCRS. Porto Alegre. Coleção Filosofia 108. 2000. p.63

31. Disponível em: http://www.dieese.gov.br.

32. Fontes indicam que o imposto de renda da pessoa física, ao isentar da tributação os indivíduos com renda mensal de até R$1.058,00, enquanto tributa os demais com taxa de até 27,5%, sobre a renda adicional recebida além desse limite, desonera cerca de 80% dos trabalhadores assalariados dessa incidência. Todavia, acabamos de demonstrar que esta exoneração é insuficiente, porquanto o mínimo essencial está na faixa de R$1.154,63, logo, passível de tributação o que não deixa de ser uma inconstitucionalidade por ofensa ao princípio tributário da proteção à cidadania fiscal unilateral. Senado Federal. Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle - CONORF. Disponível em: http://www.senado.gov.br/legisla.htm

33. V. "Os Direitos Humanos e a Tributação". Rio de Janeiro. Renovar. 1995. p. 141.

34. Assim dispunha o art. 15, § 1º da Cf de 1946: "São isentos do imposto de consumo os artigos que a lei classificar como o mínimo indispensável à habitação, vestuário, alimentação e tratamento médico das pessoas de restrita capacidade econômica."

35. Klaus Tipke pondera que embora possa resultar exagerado para alguns entendidos no assunto, ao ver dele seria mais justo eliminar todos os benefícios fiscais e utilizar a maior arrecadação para reduzir o ônus tributário em favor de todos os contribuintes. Segundo ele, não só existem juristas, senão também economistas que defendem esta opinião. "Moral Tributaria del Estado y de los Constribuintes" op. cit. p. 75.

36. Conforme já sustentou o ex-governador do Distrito Federal, o escritor Cristovam Buarque, "o caminho é criar um produtivismo social, por meio dos incentivos sociais, substituindo os incentivos fiscais que, em 50 anos, não reduziram a pobreza."

37. "Moral Tributaria del Estado y de los Contribuintes". Tradução de Pedro M. Herrera Molina. Marcial Pons. Madrid. 2002. p. 21.

38. Apud. Klaus Tipke. op cit. p. 109.

39. V. Klaus Tipke, op. cit. p. 35.

40. Klaus Tipke, op. cit. p. 59.

41. "Algumas reflexões sobre o actual estado fiscal" site da Revista Virtual da Advocacia Geral da União. [AGU] n.. 9. p. 12. abril/2001: www.agu.gov.br.

42. "Revista Virtual..."op. cit. p. 26.

43. Para o entendimento adequado do termo "fatispécie econômica" remetemos o leitor ao nosso livro "Fundamentos do Dever Tributário", Del Rey, Belo Horizonte, 2002. Em breves palavras podemos dizer que este conceito corresponde ao conceito de suporte fáctico cunhado por Pontes de Miranda, isto é, o fato ou conjunto de fatos antes de ser juridicizado, antes de ser tornar fato jurídico tributário por força da incidência.

44. Helenilson Cunha Pontes, op. cit. p. 107.

45. Com exceção é claro daqueles cidadãos protegidos pelo princípio constitucional da cidadania fiscal unilateral.

46. Lembrar preceito Constitucional art. 145, § 1º, "Sempre que possível...".

47. Bem disse Paulo Freire: "Se a nossa opção é progressista, se estamos a favor da vida e não da morte, da eqüidade e não da injustiça, do direito e não do arbítrio, da convivência com o diferente e não de sua negação, não temos outro caminho senão viver plenamente nossa opção. Encarná-la, diminuindo assim a distância entre o que dizemos e o que fazemos. (...) Desrespeitando os fracos, enganando os incautos, ofendendo a vida, explorando os outros, discriminando o índio, o negro, a mulher, não estarei ajudando meus filhos a serem justos e amorosos com a vida e com os outros". Rio de Janeiro. Jornal "O Globo". Caderno Prosa e Verso. 24-05-1997, p. 6.

48. Cf. Humberto Ávila, "Repensando o "Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Particular". Revista Diálogo Jurídico. Salvador. CAJ - Centro de Atualização Jurídica. v. I. nº 7. outubro 2001. p. 5. Disponível em: < http://www.direitopublico.com.br>

49. Cf. Humberto Ávila, "Repensando o "Princípio da Supremacia..." op. cit. p. 29.

50. Marco Aurélio Greco, "Planejamento Fiscal e Interpretação da Lei Tributária" São Paulo. Dialética. 1998. p. 127-128.

51. "Planejamento Fiscal..." op. cit. p. 25.

52. "Planejamento Fiscal..." op. cit. p. 29.

53. CTN. Art. 116. Parágrafo único: "A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária".

54. Escreve Helenilson Cunha Pontes que "O dever de solidariedade prescrito pelo art. 3º do Texto Constitucional compete à República Federativa do Brasil. Não por acaso o legislador constitucional atribuiu à República e não somente ao Estado brasileiro a busca dos objetivos ali elencados. A essência do regime republicano está na noção de res publica. Ora, se a coisa pública pertence a todos, todos têm o dever de concorrer para o custeio das ações ligadas à manutenção da mesma. Ademais a consagração do dever de solidariedade conduz a ordem constitucional a uma ética comunitária de solidariedade, afastando-a de um individualismo centrado nos interesses egoísticos dos sujeitos isoladamente considerados". "O Princípio da Proporcionalidade e o Direito Tributário" São Paulo. Dialética. 2000. p. 105-105.

55. Cf. Ricardo Aziz Cretton, "Os Princípios da Proporcionalidade e da Razoabilidade - e sua aplicação no Direito Tributário". Rio de Janeiro. Lumen Juris. 2001. p. 1032-147.

56. Luciano Amaro, "Direito Tributário Brasileiro" 4ª ed. São Paulo. Saraiva. p. 219.

57. "Tipicidade da Tributação, Simulação e Norma Antielisiva". São Paulo. Dialética. 2001. p. 13.

58. Apud, Alberto Xavier, "Tipicidade da tributação..." op. cit. p. 102.

59. Apud, Alberto Xavier, "Tipicidade da tributação..." op. cit. p. 103.

60. Apud, Eros Roberto Grau, in prefácio, Helenílson Cunha Pontes, "O Princípio da proporcionalidade e o Direito Tributário" São Paulo. Dialética. 2000.

61. "O Princípio da proporcionalidade..." op. cit. parte III, p. 101-120.

62. "Legalidade tributária. O princípio da proporcionalidade e a tipicidade aberta" in "Estudos de Direito Tributário em homenagem à memória de Gilberto de Ulhôa Canto". (Coord) Maria Augusta Machado de Carvalho. Rio de Janeiro. Forense. 1998. p. 215.

63. Esclarece Luis Alberto Warat que assim "como o desejo, a significação é um desafio as conotações infinitas que os significantes veiculam. A psique e a linguagem se constituem sobre o fundamento de uma relação inaugural colocada como provocação constante de uma incompletude impossível de ser superada. O sentido, tal qual o desejo, não tem como fugir da mobilidade punsional. Sentido e desejo dependem de uma tensão - nunca resolvida - difusa, da satisfação e da insatisfação. Movimentos que afirmam a completude conceitual para negar a inacabável incompletude das palavras e dos desejos". "O Direito e Sua Linguagem" 2ª ed. Porto Alegre. Sérgio Antonio Fabris. 1995. p. 115.

64. Cf. Boaventura de Souza Santos, "Um Discurso sobre as Ciências na transição para uma ciência pós-moderna". São Paulo. Revista do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo [USP]. v. 3: p. 71.


Autor

  • Roberto Wagner Lima Nogueira

    mestre em Direito Tributário, professor do Departamento de Direito Público das Universidades Católica de Petrópolis (UCP) , procurador do Município de Areal (RJ), membro do Conselho Científico da Associação Paulista de Direito Tributário (APET) é autor dos livros "Fundamentos do Dever Tributário", Belo Horizonte, Del Rey, 2003, e "Direito Financeiro e Justiça Tributária", Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2004; co-autor dos livros "ISS - LC 116/2003" (coord. Marcelo Magalhães Peixoto e Ives Gandra da Silva Martins), Curitiba, Juruá, 2004; e "Planejamento Tributário" (coord. Marcelo Magalhães Peixoto), São Paulo, Quartier Latim, 2004.

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NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. Ética tributária e cidadania fiscal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3356. Acesso em: 26 abr. 2024.