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Princípio da insignificância: aplicação no Direito Ambiental e Direito Tributário

Princípio da insignificância: aplicação no Direito Ambiental e Direito Tributário

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O princípio da insignificância não tem fundamento legal próprio, é baseado na politica de adequação social. A tese, que teve origem no Direito Penal, vem sendo estendida à outras áreas do Direito, a exemplo do Direito Ambiental e Direto Tributário.

1 INTRODUÇÃO

O trabalho aqui desenvolvido trata do princípio da insignificância, que tem como fundamento a desnecessidade da aplicação de sanção penal, quando houver entendimento que a conduta não se amolda ao tipo definido como crime.

Nesses casos a atuação estatal é minimizada diante da ínfima infração e desproporção da punição, e dessa forma a força punitiva passa a ser focada em fatos jurídicos que causam grande ofensa às normas estabelecidas.

O princípio da insignificância é um assunto em destaque no meio jurídico e vem sendo aplicado na área ambiental e na tributária, tornando-se necessário tecer algumas considerações sobre sua aplicação.

O trabalho aborda os principais fundamentos doutrinários e parâmetros comumente utilizados pelos julgadores para o acolhimento do princípio da insignificância e a importância desse princípio para seleção de crimes considerados de maior relevância e a utilização do referido princípio para desobstruir o sistema judiciário.

Os aplicadores do direito encontram dificuldade na aplicação do princípio da insignificância, e muitos casos levam anos para serem solucionados, chegando até mesmo aos tribunais. A pesquisa se torna importante, pois demonstra a utilização do princípio da insignificância como orientador na esfera penal e até mesmo em outros ramos do direito.

Nesse sentido, o objetivo da aplicação desse princípio em âmbito judicial e até mesmo na fase da persecução penal tem como intuito impedir que certos casos cheguem ao Supremo Tribunal Federal, uma vez que contraria o princípio da economia processual com a prolongação do processo, gerando custas e morosidade na resolução do litígio.

O presente estudo se deu através de análise teórico-empírica utilizando-se de pesquisas em artigos científicos, doutrinas, jurisprudências e na legislação para coleta de informações pertinentes ao estudo. Buscando assim através da análise do princípio da insignificância, demonstrar a possibilidade da não aplicação da pena à determinada conduta, desde que o fato seja irrelevante, o autor do delito não demonstre periculosidade e suas práticas não sejam reiteradas.

Somente com a aplicação de medidas que minimizem a intervenção sancionadora do Direito Penal é que efetivamente o Estado concretizará os princípios que asseguram o respeito à dignidade da pessoa humana.


2 DEFINIÇÃO DE PRINCÍPIO

Os princípios são de suma importância para o direito e assim sendo, a Lei de Introdução ao Código Civil no artigo 4º esclarece que “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito”, fontes formais mediatas a lei, podendo orientar na solução dos conflitos.

Convém destacar que o legislador ao estabelecer que o juiz pode recorrer à analogia, costumes e princípios, anteviu a evolução social e permitiu autonomia para  o magistrado aplicar a lei mensurada no fato. Cezar Roberto Bitencourt pondera:

Tal interpretação deixa claro que a atribuição do legislador de legislar, isto é, elaborar os diplomas legais, a despeito da previsão constitucional, não é abso­luta e não esgota em definitivo o direito de estabelecer o limite do ius puniendi estatal. Com efeito, como essa atividade parlamentar pode apresentar-se de forma incompleta ou imperfeita ou, por alguma razão, mostrar-se insatisfatória, vaga, exageradamente extensa ou inadequada no âmbito de um Estado Democrático de Direito, o juiz, no exercício de sua função jurisdicional, deve corrigir eventu­al imperfeição da norma legislativa para adequá-la aos princípios norteadores dessa modalidade de Estado de Direito. (2010, p. 53).

As normas fazem previsões de situações abstratas e não conseguem se amoldar a todas as atitudes humanas, tendo em vista a infinidade de comportamentos que podem ser adotados no caso concreto, incumbindo ao juiz adequar a norma à época de sua aplicação.

Ao descrever que tais elementos poderão ser utilizados, o legislador teve como principal objetivo vincular as decisões a fundamentos constitucionais de maior valor, como exemplo, a dignidade da pessoa humana e outros que derivem deste.

Esse controle constitucional e principiológico ocorrem na elaboração da lei. Contudo, é de ressaltar que referidos controles podem acontecer em qualquer momento, para atender ao anseio da sociedade. Quando determinada lei afrontar a dignidade da pessoa humana, o principio axiológico da Constituição Federal do Brasil, há de se declarar sua inconstitucionalidade.

No âmbito penal sob a influência dos princípios, sempre imperará o Direito Penal Constitucional. Nas considerações de Luiz Fernando Kazmierczak:

Reconhecendo a necessidade de um Direito Penal Constitucional, é imperioso apontar como vetor principiológico a dignidade da pessoa humana, que irá irradiar seus fundamentos a todos os demais princípios, como a intervenção mínima, lesividade, adequação social, ofensividade, individualização da pena, proporcionalidade insignificância e culpabilidade. Assim, os princípios deverão ser obedecidos tanto no momento da criação da norma, penal quanto da sua efetiva aplicação.

É certo que os princípios deverão nortear o legislador na eleição dos bens jurídicos que merecerão a tutela penal, bem como a forma do processamento do fato praticado e a pena ao final imposta. No entanto quando todo esse arcabouço principiológico não tocar o mister legislativo imporá ao Poder Judiciário o exercício de resguarda-lo a fim de que a Constituição seja protegida e que o direito Penal não seja transformado em um substituto do Estado Social, nem em promotor da exclusão social e estigmatização das classes mais débeis da sociedade. (2010, p. 158).

Nesse raciocínio, torna-se necessário sobremaneira na esfera penal, o reconhecimento dos princípios para que a norma não seja intransigente, e seja permitido um posicionamento analítico, adotando os ditames sociais da época.

Evidentemente determinado fato pode ter diferente interpretação quando utilizado dos princípios para orientação e buscar assim, verdadeiramente, que se prevaleça o respeito à dignidade da pessoa humana.

É relevante conceituar os princípios do direito, como norteadores e mediadores de conflitos, essenciais ao direito, enfatizando a ideia de que princípio é um mandamento nuclear e formador do sistema normativo, dando sentido por vezes a própria lei. Celso Antônio Bandeira de Mello esclarece:

Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. (2010, p. 959).

Assim, os princípios possuem valores maiores que a própria norma, definindo sua incidência e servindo como fonte orientadora do direito. Os princípios são de grande importância e não podem ser desprezados.

Ao tratar do princípio da insignificância, embora seja um princípio implícito, ele deve ser aplicado, em casos em que verificadas as condições, houver a efetiva possibilidade de sua aplicação em detrimento de medidas desrazoáveis e desnecessárias, como elemento integrador de garantia da eficácia da norma jurídica, a aplicação de princípios, em especial o da insignificância, revela a aplicação da justiça no caso em concreto.


3 DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO DIREITO PENAL

O princípio da insignificância tem origem no Direito Romano, onde a figura dos pretores, que eram os magistrados na época e atuavam nas causas judiciais em primeira instância, e devido ao aumento das causas, adotaram a máxima minimis non curat praetor, que na linguagem portuguesa tem sentido com, “o pretor não cuida de minudências”.

 Nessas linhas, se deu ao crime de menor importância os seguintes termos: crime de bagatela, crime insignificante, conceitos utilizados até os dias atuais.

No Dicionário Aurélio Buarque (2006, p.481), a palavra “insignificância” consta como: “S.f. 1. Qualidade de insignificante. 2.V. ninharia”, ou seja, coisa de pouco valor, insignificante, bagatela.

A respeito da origem do princípio da insignificância, Diomar Akel Filho, citado por Rogério Greco, ensina que:

Diomar Akel Filho aduz que ‘’o princípio já vigorava no Direito romano, onde o pretor não cuidava, de modo geral, de causas ou delitos de bagatela, consoante a máxima  contida no brocardo mínima non curat pretor’’, conforme esclarece Maurício Antônio Ribeiro Lopes, ‘’o princípio da insignificância, ou, como preferem os alemães, a ‘criminalidade de bagatela’  - bagatelledelikte, surge na Europa como problema de índole geral e progressivamente crescente a partir da primeira guerra mundial. Ao terminar esta, e em maior medida ao final do segundo confronto bélico mundial, produziu – se, em virtude de circunstâncias socioeconômicas sobejamente conhecidas, um notável aumento de delitos de caráter patrimonial e econômico e, facilmente demonstrável pela própria devastação sofrida pelo continente, quase todos eles marcados pela característica singular de consistirem em subtrações de pequena relevância, dai a primeira nomenclatura doutrinária de “criminalidade de bagatela” (2009, p. 84).

O princípio da bagatela foi adotado pelo Direito Alemão, quando da ocorrência da primeira guerra mundial, e ficou conhecido como Bagatelledelikte ou ”criminalidade de bagatela” e era aplicado aos pequenos furtos e saques, que foram consequências do desemprego e da falta de alimentos, refletindo a crise socioeconômica que perdurou até o final da segunda guerra mundial.

De acordo com Capez, (2005, p.14), o alemão Claus Roxin, foi o precursor do princípio da bagatela e difundiu esse ensinamento pelo mundo introduzindo em 1964 esse conceito no Direito Brasileiro com o nome de princípio da insignificância, reafirmando a enorme influência do Direito Alemão sobre a legislação brasileira.

O princípio da insignificância reflete os direitos fundamentais, como o da dignidade da pessoa humana, pois protege a pessoa da intervenção estatal, em casos em que não existe a necessidade repressiva.

Com a promulgação da nova ordem constitucional, a aplicação do princípio da insignificância tornou-se melhor fundamentada, pois como estabelecido no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988, o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana orienta toda a formação do direito brasileiro e deve ser respeitado, e estende-se às normas sem qualquer distinção.

Nas lições do professor Luiz Fernando Kazmierczak:

É o princípio basilar de todo o sistema, que o regula e orienta, transformando-o em um Direito Penal democrático. Dessa forma, qualquer construção típica, cujo conteúdo contrariar e afrontara dignidade da pessoa humana, será materialmente inconstitucional, posto que atentatória ao próprio fundamento da existência de nosso estado.

A dignidade humana, assim, orienta o legislador no momento de criar um novo delito e o operador no instante em que vai realizar a atividade de adequação típica.

Dessa forma, o Estado Democrático de Direito parte do princípio reitor de todo o Direito Penal, que é o da dignidade humana, adequando-o ao perfil constitucional do Brasil e erigindo-o à categoria de Direito Penal Democrático. Da dignidade humana por sua vez, derivam outros princípios mais específicos, os quais proporcionam um controle do tipo acerca de seu conteúdo. (2010, p. 87).

A dignidade da pessoa humana tem intima relação com uma infinidade de princípios do ordenamento brasileiro, sendo levados em consideração em todos os ambitos jurídicos, pois regulam a influência que o direito terá na sociedade.

Na esfera Penal os princípios são extremamente importantes, embasados na dignidade da pessoa humana, resguardam bens fundamentais como a liberdade individual.

A esse respeito, Fernando Capez ensina que:

Pois bem. Do Estado Democrático de Direito partem princípios regradores dos mais diversos campos da atuação humana. No que diz respeito ao âmbito penal, há um gigantesco princípio a regular e orientar todo o sistema, transformando-o em um direito penal democrático. Trata-se de um braço genérico e abrangente, que deriva direta e imediatamente deste moderno perfil político do Estado brasileiro, a partir do qual partem inúmeros outros princípios próprios afetos à esfera criminal, que nele encontram guarida e orientam o legislador na definição das condutas delituosas. Estamos falando do princípio da dignidade humana (CF, art. 1º, III). (2005, p. 10).

Assim, observa-se que a dignidade da pessoa humana se reflete nos princípios. Nesta ótica é indubitável que o princípio da insignificância como baliza para intervenção Estatal, enaltece direitos fundamentais.

O princípio da insignificância, conhecido popularmente como crime de bagatela, exclui a tipicidade da conduta, quando verificadas determinadas condições, tais como quando a conduta da pessoa ofender de forma ínfima o patrimônio alheio, existência de valor ínfimo do bem, dentre outras. Nas palavras de Júlio Fabbrini Mirabete:

Sendo o crime uma ofensa a um interesse dirigido a um bem jurídico relevante, preocupa-se a doutrina em estabelecer um princípio para excluir do direito penal certas lesões insignificantes. Claus Roxin propôs o chamado princípio da insignificância, que permite na maioria dos tipos excluir, em princípio, os danos de pouca importância. Não há crime de dano ou de furto quando a coisa alheia não tem qualquer significação para o proprietário, não existe contrabando na posse de pequena quantidade de produto estrangeiro, de valor reduzido, que não cause uma lesão de certa expressão para o fisco; não há peculato quando o servidor se apropria de ninharias do Estado; não há crime contra a honra quando não se afeta significativamente a dignidade, a reputação a honra de outrem; não há lesão corporal em pequenos danos à integridade física; não há maus-tratos quando não se ocasiona prejuízo considerável ao bem-estar corporal; não há dano no estrago ao patrimônio público de pequena monta; não há estelionato quando o agente se utiliza de fraude para não pagar passagem de ônibus; não há furto quando a res subtraída é economicamente insignificante, não há corrupção passiva quando o funcionário aceita um "mimo" de pequena expressão econômica etc. (2000, p.118).

Nesses casos não haverá a necessidade da aplicação da lei penal, a atuação jurídica será minimizada diante do pequeno valor da infração e a desproporção de uma punição, mantendo a força punitiva Estatal focada em fatos jurídicos que causam maiores ofensas as normas estabelecidas, tendo em vista que tais normas têm como principal objetivo manutenção da ordem social.

Sobre a prevenção e repressão de crimes, em sua obra, Dos Delitos e das Penas, Cesare Beccaria traz a ideia de que:

É preferível prevenir os delitos a ter de puni-los; e todo legislador sábio deve antes procurar impedir o mal que repará-lo, pois uma boa legislação não é mais do que a arte de proporcionar aos homens a maior soma de bem-estar possível e livrá-los de todos os pesares que se lhes possam causar, conforme o cálculo dos bens e dos males desta existência.

Contudo, os processos até hoje utilizados são geralmente insuficientes e contrários à finalidade que se propõem. Não se pode submeter a atividade tumultuosa de uma massa de cidadãos a uma ordem geométrica que não mostre irregularidade nem confusão. (2010, p. 101).

O autor explica que a melhor técnica empregada para que os crimes não aconteçam é a prevenção, e a punição estatal deve ser utilizada somente em caso de extrema necessidade, pois embora o fato seja típico e antijurídico, uma drástica punição pode não atingir a finalidade a que a legislação se propõe.

Nesse sentido, mesmo o fato sendo considerado típico no que concerne ao requisito formal e antijurídico perante o conteúdo normativo, pode deixar de ser penalizado e considerado insignificante, afastada a tipicidade material, demonstrado pelo pequeno valor da afronta, não tendo o comportamento reprovabilidade social e o agente não ofereça perigo à sociedade, prevalecendo a justiça equitativa onde se considerará cada situação peculiarmente.

 Nessa consideração, seria inaceitável aplicar a mesma pena de uma pessoa que furta alguns poucos Reais, para outra que furta milhares ou milhões de Reais, sendo evidente a desproporção entre a pena e o ato praticado, justificando-se a aplicação do princípio da insignificância, para que não haja injustiça.

Diversos são os defensores da aplicação do princípio da insignificância e dentre eles se destacam Edilson Mougenot Bonfim e Fernando Capez que ensinam:

Se a finalidade do tipo penal é tutelar um bem jurídico quando a lesão, de tão insignificante, torna-se imperceptível, não será possível proceder a seu enquadramento típico, por absoluta falta de correspondência entre o fato narrado na lei e o comportamento iníquo realizado. É que, no tipo, somente estão descritos os comportamentos capazes de ofender o interesse tutelado pela norma. Por essa razão, os danos de nenhuma monta devem ser considerados atípicos. A tipicidade penal está a reclamar ofensa de certa gravidade exercida sobre os bens jurídicos, pois nem sempre ofensa mínima a um bem ou interesse juridicamente protegido é capaz de se incluir no requerimento reclamado pela tipicidade penal, o qual exige ofensa de alguma magnitude a esse mesmo bem jurídico. (2004, p. 121-122).

Em síntese, os autores afirmam que deve existir uma ofensa de determinada monta ao bem jurídico, ou seja, para que o comportamento seja considerado típico, é necessário que ele tenha potencial ofensivo, caso contrário, não há razão para enquadrar a conduta como típica.

O princípio da insignificância não tem fundamento normativo e se embasa em entendimentos doutrinários e jurisprudenciais e se relaciona dessa forma com outros princípios do Direito Brasileiro, que buscam a minimização da intervenção Estatal nas relações sociais, enquadrando a conduta num comportamento socialmente aceitável e descaracterizando a conduta delitiva. Nas lições de Francisco de Assis Toledo:

Por isso, Claus Roxin propôs a introdução, no sistema penal, de outro princípio geral para a determinação do injusto, o qual atuaria igualmente como regra auxiliar de interpretação. Trata-se do denominado princípio da insignificância, que permite, na maioria dos tipos, excluir os danos de pouca importância. Não vemos incompatibilidade na aceitação de ambos os princípios que, evidentemente, se completam e se ajustam à concepção material do tipo que estamos defendendo.

Segundo o princípio da insignificância, que se revela por inteiro pela sua própria denominação, o direito penal, por sua natureza fragmentária, só vai até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico. Não deve ocupar-se de bagatelas. (2002, p. 133).

Cabe ao juiz interpretar, a norma e no caso concreto, determinar o que merece a intervenção penal, tomando os devidos cuidados para que de um lado, não imperando a impunidade, também não vigore o excesso. Para tanto o magistrado tem a sua disposição uma infinidade de fundamentos para se acautelar que haja justiça.

O professor Luiz Flavio Gomes ensina que:

O melhor caminho é, sem equívoco, verificar individualmente caso a caso: quando se tratar de res de valor insignificante, não há dúvida que a solução mais adequada é resolver o problema já no cerne da tipicidade, aplicando o princípio da insignificância, de modo a revelar a atipicidade material da conduta. De outro lado, apenas quando não possível reconhecê-la, é que será analisado se estão presentes os requisitos para a caracterização do estado de necessidade, ou seja, para o afastamento da ilicitude. Há de se entender que essa forma de solucionar o problema não visa privilegiar o réu e a impunidade, mas sim, atender aos valores consagrados por um Estado constitucional e humanitário de Direito. (2007, p. 01).

Não há unanimidade acerca do reconhecimento do princípio da insignificância e, portanto subexistem muitas críticas a respeito da falta de regulamentação e discordância nos requisitos para a aplicação de tal princípio no caso concreto.

Desse modo não existe consenso nas decisões dos magistrados, pois em casos análogos as decisões poderão ser divergentes, admitindo ou rejeitando a aplicação do princípio da insignificância, pela utilização de conceitos de avaliação individual e subjetivo, o que pode violar outro princípio, o da segurança jurídica.

A referida análise sobre o que é ou não, insignificante para o direito, é baseada na lesão ao bem jurídico tutelado, o que revela o critério subjetivo e particular de cada magistrado. Nesse prisma Joseli de Lima Guimarães elucida:

Neste aspecto, deve-se atribuir à capacidade intelectual e jurídica de nossos magistrados, bem como na jurisprudência que, ainda que timidamente, já está se firmando, o que são delitos de pouca importância, a ponto de não afetarem seriamente o ordenamento jurídico-punitivo, considerando-se como atípica a conduta praticada pelo agente. Essa medição levará em conta todas as circunstâncias ocorridas ao tempo da conduta, observando, contudo, o resultado provocado por esse comportamento. (1996, p. 01).

Mesmo que o ordenamento vigente não consiga regulamentar preventivamente todas as situações possíveis, o magistrado pode avaliar e definir quais são as condutas incapazes de lesar o bem juridicamente tutelado.

3.1 Princípios relacionados ao Princípio da Insignificância

Dentre os princípios relacionados ao princípio da insignificância se destacam: o princípio da intervenção mínima, o princípio da subsidiaridade, o princípio da fragmentariedade, o princípio da proporcionalidade, o princípio da adequação social, o princípio da ofensividade e o princípio da razoabilidade.

O princípio da intervenção mínima estabelece que o Estado somente deva intervir na sociedade, em situações de grave ofensa à ordem social para reprimenda, defendendo que as perturbações mais leves podem ser resolvidas por outros ramos do direito, e a esfera penal deve ser utilizada como última alternativa, quando as outras esferas do direito se mostrarem ineficientes. Quando provocado, o Estado deve utilizar o Direito Penal em última hipótese, por ser este o meio mais drástico.

O princípio da subsidiariedade é uma consequência lógica do princípio da intervenção mínima, pois o Estado não vai interferir nas relações sociais quando os conflitos se resolverem pacificamente, estipulando que havendo mais de um meio sancionador terá preferência o menos gravoso ao infrator e enfatiza que podendo-se alcançar o mesmo resultado por um meio mais brando, este será ministrado.

Como já mencionado, o Direito Penal é o meio mais drástico nas relações jurídicas e não deve ser invocado se houver outra alternativa para resolução do conflito, minimizando a intervenção do Estado na vida das pessoas.

Nesse diapasão, somente quando as demais medidas se revelarem ineficazes, invocar-se-á o Direito Penal para que este não seja banalizado, promovendo assim a paz jurídica.

O princípio da fragmentariedade é oriundo de uma lógica e limita o poder punitivo do Estado, ao dispor que deve haver uma avaliação entre a conduta delitiva e a austeridade da punição, pois nem todo ilícito merece a intervenção estatal. O princípio da fragmentariedade tutela somente os bens jurídicos mais importantes.

O princípio da proporcionalidade defende a aplicação sancionadora, na medida da gravidade da infração praticada, proibindo tanto excesso, quanto a insuficiência na reprimenda Estatal, todavia tal princípio comumente é invocado quando a punição por parte do Estado se mostra excessiva.

Há a necessidade de interpretação da conduta, como sendo uma ação e a reprimenda como uma reação, assim elas devem ter a mesma medida, ou seja, para que uma conduta seja considerada como típica, deve existir uma gravidade na ofensa ao bem juridicamente tutelado, entendendo-se como proporcional, o crime e a punição, com o fim de promover a paz jurídica.

Nesse contexto conclui-se que determinados crimes merecem uma intervenção Estatal drástica, pois eles desestabilizam a ordem social, devendo então ser punidos severamente, mas nem todas as condutas devem ser consideradas como grave afronta ao Estado e deve-se prevalecer o bom senso.

O princípio da adequação social preleciona que a conduta para ser tida como crime, deve fugir da normalidade do comportamento e pode variar conforme os costumes, o lugar e o tempo de sua invocação e a principal definidora é a própria sociedade, frente às constantes mudanças que o legislador antes não podia prever.

O princípio da ofensividade, também conhecido como princípio da lesividade preceitua que não basta a mera violação normativa, mas a gravidade na afronta e nesse sentido deve haver relevância no ataque ao bem juridicamente tutelado em um bem jurídico alheio, individualmente, ou coletivo, justificando a intervenção Estatal.

Na ofensividade são também afastadas as condutas de violação a direito próprio, como a autolesão, tentativa de suicídio, entre outras. Essa gravidade na conduta nesses casos, não pode ser mensurada com base no resultado.

O princípio da razoabilidade apregoa que a medida utilizada pelo aplicador do direito deve ser cumulativamente adequada, necessária e proporcional, e deve-se usar do bom senso para a aplicação da lei, sem contudo  incidir em excesso, pressupõe-se que os critérios utilizados para serem considerados razoáveis, devem ser coerentes e racionais, podendo alcançar uma solução em parâmetros aceitáveis.

A título de elucidação, pode-se afirmar que os princípios acima elencados relacionam-se com o Direito Penal Mínimo ou como preferem alguns doutrinadores, o Direito Penal do Equilíbrio. Sobre o Direito Penal Mínimo, Luiz Fernando Kasmierczak explica:

Situado em uma posição intermediária entre os movimentos do Direito Penal Máximo e o Abolicionismo, há o Direito Penal Mínimo, que não abandona os ideais abolicionistas ao fazer uma abordagem crítica e seletiva das condutas tipificadas e retirar do ordenamento penal aquelas que podem ser suficientemente controladas pelos demais ramos jurídicos, bem como não se utiliza dos rigores do Direito Penal Máximo, sendo punidas apenas as condutas que venham a atingir ou colocar em perigo concreto de lesão os bens jurídicos mais importantes para a sociedade. (2010, p. 86).

Ressalte-se que o Direito Penal protegerá seletivamente os bens mais relevantes à sociedade, não abolindo a conduta delitiva, mas avaliando o impacto negativo que a máxima repressão surtirá e a banalização da pena, sendo que essa é a mesma intenção da aplicação do princípio da insignificância.

Dessa forma, os princípios servem como ferramentas a serem utilizadas na aplicação da lei penal, imperando respeito aos direitos e garantias fundamentais inerentes a todo ser humano. Na descrição do doutrinador Cezar Roberto Bitencourt:

As ideias de igualdade e de liberdade, apanágios do Iluminismo, deram ao Direito Penal um caráter formal menos cruel do que aquele que predominou durante o Estado Absolutista, impondo limites à intervenção estatal nas liberdades individuais. Muitos desses princípios limitadores passaram a integrar os Códigos Penais dos países democráticos e, afinal, receberam assento constitucional, como garantia máxima de respeito aos direitos fundamentais do cidadão.

Todos esses princípios hoje incertos, explícita ou implicitamente em nossa constituição (art.5º), têm a função de orientar o legislador ordinário para a adoção de um sistema de controle penal voltado para os direitos humanos, embasado em um Direito Penal da culpabilidade, um Direito Penal Mínimo e garantista. (2010, p. 40).

Na exposição do autor é possível vislumbrar um Estado voltado às garantias fundamentais asseguradas pela Carta Magna e aplicadas na forma de princípios, explícitos ou implícitos, utilizados como meios garantistas e orientadores.


4 O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA EM OUTROS RAMOS DO DIREITO

Vislumbra-se atualmente que a jurisprudência tem acolhido o princípio da insignificância além do ramo penal do qual se originou e a tendência é que esse princípio estenda-se a todos os ramos do Direito Brasileiro. Isaac Sabbá Guimarães ensina:

A jurisprudência tem adotado o Princípio da Insignificância nos casos de furto de objeto material insignificante, lesão corporal, de lesão insignificante ao fisco, de maus-tratos de importância mínima, crime de descaminho, no caso de dano de Pequena Monta, de lesão corporal de extrema singeleza e Crimes contra a Fauna. Entretanto, o entendimento adotado segue sempre uma mesma linha, ou seja, a lesão ou o fato praticado, por ser insignificante, torna-se atípico, além dos argumentos da proporcionalidade, da mínima intervenção, da fragmentariedade e da subsidiariedade (2004, p. 01).

Na explicação do autor, percebe-se que o direito não pode se preocupar com a resolução de questões que não ofereçam um mínimo de ofensividade, e por isso, deve-se amoldar a parâmetros razoáveis e assim, desobstruir o sistema judiciário.

O Estado somente deve atuar em casos em que a conduta seja uma grave afronta ao bem juridicamente tutelado, defendendo uma postura preventiva e educativa e a repreensão somente adotada quando necessária medida mais severa.

4.1 Princípio da Insignificância no Direito Ambiental

O Direito Ambiental preocupa-se com a preservação do meio ambiente. O artigo 225 da Constituição Federal aduz que o meio ambiente equilibrado é direito de todos e a sua preservação é dever do Estado e da sociedade.

É necessário que o Estado exerça sua ação inibitória e preventiva havendo risco de danos ou degradação ao meio ambiente, por esse ser um bem protegido constitucionalmente e um direito fundamental. Assim, Marcos Destefenni aponta:

Uma das mais evidentes e preocupantes ofensas á dignidade da pessoa humana decorre da agressão ao meio em que o ser humano vive e em que se relaciona.

Assim sendo, o dano ambiental é uma das maiores afrontas à dignidade da pessoa humana.

Daí porque o direito constitucional enunciado no art. 225 da Constituição Federal, qual seja, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, é mais um dos direitos e garantias fundamentais que integra o rol constitucional mencionado exemplificativamente no art. 5º da Constituição Federal. (2005, p. 134).

Dessa maneira o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado deve ser sobremaneira protegido. O parágrafo 3º do artigo 225 da Constituição Federal aduz que as condutas que causarem lesões ao meio ambiente, estão sujeitas a sanções penais. Dessa forma, o Direito Penal tem a função de salvaguardar o meio ambiente e reprimir os crimes ambientais. Isso se justifica pela relevância jurídica do meio ambiente, considerado patrimônio das presentes e futuras gerações.

Quando se fala em meio ambiente penalmente tutelado é importante esclarecer que se divide em três elementos, quais sejam: elementos naturais (fauna e flora), elementos artificiais (ordenamento urbano: edificações, ruas, praças etc.) e culturais (patrimônio cultural). Desse modo o conjunto desses elementos deve manter-se equilibrado e a preservação é dever de todos.

Há divergências quanto ao reconhecimento do princípio da insignificância tratando-se de crimes praticados contra o meio ambiente.

A inaplicabilidade de tal princípio se fundamenta na ideia de que o meio ambiente é um bem universal e um direito difuso, devendo ser protegido demasiadamente, justificando assim a intervenção penal, não podendo comportar exceção tendo o meio ambiente, garantia de proteção erga ominis, ou seja, um dever de cuidado que se estende a toda humanidade. Segundo Vladimir Passos de Freitas:

(...) o meio ambiente é bem jurídico de difícil, por vezes impossível, reparação. O sujeito passivo não é um indivíduo, como no estelionato ou nas lesões corporais. É toda a coletividade. O alcance é maior. Tudo deve ser feito para criminalizar as condutas nocivas, a fim de que o bem jurídico, que na maioria das vezes é de valor incalculável, seja protegido. (2000, p. 198).

Para os críticos, a utilização da sanção penal para conter as agressões ao meio ambiente demonstra-se a mais eficaz, pois as demais medidas não penais não possuem o mesmo efeito de contenção.

Os adeptos à aplicação do princípio da insignificância no Direito Ambiental afirmam que em situações onde não ocorre sequer ameaça ao meio ambiente, deve ser reconhecida a insignificância, tendo como principal alicerce o princípio da subsidiariedade, onde apregoa-se que será utilizado o meio sancionador menos gravoso ao agente, podendo a infração ser processada na esfera administrativa ou civil. A esse respeito Ivan Luiz da Silva explica que:

Em face dos bens jurídicos fundamentais, o Direito Penal atua como ultima ratio, ou seja, como ultima instância de proteção aos bens imprescindíveis à sociedade. Isso significa que apenas será empregada a tutela penal quando todos os outros meios de proteção - cíveis e administrativos - não lograram êxito na guarda dos bens tutelados. (2008, p. 67).

Cumpre assinalar que o Direito Penal que se conhece e estuda deve ser utilizado como última alternativa (ultima ratio) na resolução dos conflitos, assim, na tutela ambiental não é diferente, ou seja, o Direito Penal somente deverá ser aplicado quando os demais meios do direito (administrativo e civil) se esgotarem ou forem insuficientes. Édis Milaré ensina que:

O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, na sua concepção moderna é um dos direitos fundamentais da pessoa humana, o que, por si só, justifica a imposição de sanções penais às agressões contra ele perpetradas, como extrema ratio. Em outro modo de dizer, “ultima ratio da tutela penal ambiental significa que esta é chamada a intervir somente nos casos em que as agressões aos valores fundamentais da sociedade alcancem o ponto do intolerável ou sejam objeto de intensa reprovação do corpo social” (2007, p. 913).

Para que se possa aplicar o princípio da insignificância no ramo ambiental, primeiramente é preciso esclarecer que não serão os delitos que serão considerados como insignificantes ou de bagatela, mas os fatos, ou seja, o resultado da conduta é o que determinará seu grau de significância. Nas palavras de Ivan Luiz da Silva:

A lesão ao meio ambiente considerada penalmente insignificante será determinada através do critério de insignificância concreta, que consiste na avaliação dos índices de desvalor da ação e desvalor do resultado que compõem o injusto penal ambiental praticado com o objetivo de aferirmos seu grau de lesividade. Haverá uma lesão ambiental penalmente insignificante quando nessa avaliação concluirmos que ambos os índices demonstram que é ínfimo o grau de lesividade da conduta praticada contra o bem ambiental tutelado. (2008, p. 89).

Nessas linhas, o que se afirma é que para a aplicação do princípio da insignificância no Direito Ambiental se aferir-se-á o binômio: desvalor da ação e desvalor do resultado. Vale mencionar a concepção de Freitas:

É preciso que fique demonstrada no caso concreto. É dizer, o magistrado, para rejeitar uma denúncia ou absolver o acusado, deverá explicitar, no caso concreto, porque a infração não tem significado. Por exemplo, em crime contra a fauna não basta dizer que é insignificante o abate de um animal. Precisa deixar claro, entre outras coisas, que este mesmo abate não teve influência no ecossistema local, na cadeia alimentar, analisar a quantidade de espécimes na região e investigar se não está relacionado entre os que se acham ameaçados de extinção. (2006, p. 44).

Nestes termos, não basta que o juiz em sua livre convicção, justifique a aplicação da insignificância pelo pequeno dano causado, mas pelo impacto que esse dano causará a todo o ecossistema. Outro exemplo é a pequena quantidade de animais, devendo ser analisado, sobretudo o risco de extinção da espécie, qual a importância desses animais para a cadeia alimentar e preservação do equilíbrio ecológico, em sentido amplo. Para exemplificar, Ivan Luiz da Silva assim aduz:

Numa primeira avaliação afere-se e o grau de lesividade da conduta considerando-se-lhe de per se (quantidade de exemplares abatidos, possibilidades de extinção da espécie etc.); numa segunda avaliação analisa-se a conduta em relação ao meio ambiente como um todo (importância e função da espécie, a afetação do equilíbrio ecológico etc.). A conclusão de insignificância da conduta será obtida quando a avaliação desses índices indicar que a lesão não é capaz de pôr em perigo o bem ambiental tutelado. (2008, p. 91-92).

Importante mencionar o Habeas Corpus 112.563, decidido pelo Supremo Tribunal Federal em 21/08/2012, de Santa Catarina, em que pela primeira vez o STF reconheceu a aplicação do princípio da insignificância em crimes ambientais.

No referido caso José Alfredo Mattos Dias, foi processado por prática de crime ambiental ao ser surpreendido com doze camarões e rede de pesca, e infringir o artigo 34, parágrafo único, inciso II da Lei 9605/98. Nas instâncias inferiores, a pena privativa de liberdade foi reduzida para restritivas de direito, o que fez com que o recurso chegasse até a Suprema Corte.

O Relator do processo, Ministro Ricardo Lewandowski foi contra a absolvição do autor do crime, ao aduzir que embora fosse ínfima a quantidade de camarões, ele poderia ter causado grande prejuízo ao meio ambiente, ao pescar em período proibido e com apetrechos não permitidos em prejuízo do ecossistema e norma constitucional que protege o meio ambiente. Afirmou ainda que a pena reduzida já aplicada se demonstrava razoável e proporcional.

O Ministro Cesar Peluso por sua vez foi favorável à concessão da absolvição, pela atipicidade da conduta, tendo em vista o insignificante objeto da ação.

Por último, o Ministro Gilmar Mendes, entendeu que o caso poderia até se enquadrar a um crime famélico, dado a desproporção da pena à conduta praticada, e que nesse caso, a sanção penal não deveria ser a melhor medida a ser aplicada.

Dessa forma, por maioria de votos, José Alfredo Mattos Dias foi absolvido e teve sua conduta considerada atípica, pela efetiva aplicação do princípio da insignificância em crime ambiental, pelo Supremo Tribunal Federal.

4.2 Princípio da Insignificância no Direito Tributário

O Direito Tributário regula a relação entre a Fazenda Pública e os contribuintes. O artigo 3º do Código Tributário Nacional dispõe: “art. 3º - Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.

Por meio do artigo supramencionado, logicamente os tributos são cobrados, por previsão legal, através de uma atividade administrativa e em tese os tributos são compulsórios, ou seja, a pessoa não paga os tributos por sua vontade e consciência, paga para que não incida em crime tributário.

O Decreto Lei nº 8.137 de 27 de dezembro de 1990, dispõe acerca dos Crimes contra a ordem tributária, econômica e consumo, e nos artigos 1º e 2º são elencadas as condutas tidas como crimes, e dentre elas podem ser destacados os verbos: omitir, fraudar, falsificar, negar, deixar de recolher.

Verificadas as condutas descritas acima, a Fazenda Pública pode instaurar um processo administrativo onde os fatos serão apurados e o contribuinte querendo, poderá apresenta sua defesa e depois de encerrados os procedimentos administrativos, a União lança os valores na divida ativa da União, onde administrativamente faz a cobrança.

Quando os valores dos tributos lançados na divida ativa atingem uma quantia que compense a cobrança, pode ingressar com ação de execução fiscal para cobrança da dívida judicialmente.

 Se a Fazenda Publica constatar, no entanto, que a ação de execução fiscal é muito dispendiosa, e os valores a serem cobrados não atingem um patamar mínimo que compense a cobrança, o Estado não se obriga ao ajuizamento da ação de execução fiscal, na justificativa de que as custas processuais serão iguais, senão maiores que o valor a ser cobrado e decide portanto pela não instauração do processo judicial, tendo como fundamento o princípio da insignificância.

Hugo de Brito Machado a respeito do tema pondera:

É certo que o objeto jurídico protegido nos crimes contra a ordem tributária não é o patrimônio do Estado, mas a ordem jurídica tributária. A realização do tipo penal destrói de algum modo a eficácia do sistema normativo e degrada a ordem tributária. Mas daí não se pode concluir que o valor econômico do resultado obtido com o cometimento ilícito seja irrelevante. Muito pelo contrário, especialmente quando no sistema jurídico são introduzidas normas dispensando até o agente público de promover a cobrança do tributo de até certo montante, à consideração de que o dispêndio de recursos financeiros com a ação de cobrança supera o valor que a Fazenda Pública pretende receber (2011, p. 84).

É possível na explicação do autor, vislumbrar que o princípio da insignificância pode ser aplicado no Direito Tributário, quando não se compensar o ajuizamento de uma ação de execução, pelo ínfimo valor a ser cobrado.

Nessas linhas, assim como as outras esferas do direito que atuam na solução dos conflitos, os crimes de ordem tributária, também tem consagrado o princípio da insignificância como fundamento para não intervenção do Estado. Esse entendimento foi confirmado pelo Superior Tribunal de Justiça, que entendeu que nesses casos deve prevalecer o princípio da insignificância. Sob essa ótica, Fernando Capez instrui que:

De acordo com o art. 20 da Lei 10.522, de 19 de julho de 2002, as execuções fiscais da União de débitos iguais ou inferiores a R$2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) serão arquivadas pela Procuradoria da Fazenda Nacional, sem cobrança, dada a insignificância do valor da dívida. Com isso, entendemos que referido montante passou a servir de parâmetro para se considerar atípica a sonegação fiscal de até R$2.500,00 (dois mil e quinhentos reais). (2005, p.15).

Torna-se nítido que a União com o fim definir o patamar mínimo para ajuizamento da ação de execução da dívida fiscal ativa, estipulou no artigo 20 da lei 10.522/02 que valores inferiores a dois mil e quinhentos reais não seriam cobrados judicialmente se utilizando das execuções fiscais, pois não compensariam o ajuizamento da ação na época.

Importante mencionar que a Lei 11.033 de 2004 estipulou que a quantia considerada de pequeno valor para ajuizamento das execuções fiscais seria de R$10.000,00 (dez mil reais) e a Portaria Nº 75, de 22 de março de 2012 alterou o valor para R$20.000,00 (vinte mil reais), determinando que quantia igual ou inferior a esse valor não fossem executadas. Verifica-se no artigo 1º da referida portaria que o Ministro de Estado da Fazenda resolve:

Art.1º Determinar

I - a não inscrição na Dívida Ativa da União de débito de um mesmo devedor com a Fazenda Nacional de valor consolidado igual ou inferior a R$ 1.000,00 (mil reais); e II - o não ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais). (BRASIL, 2012)

Diante do exposto fica fácil compreender que há dois valores para a serem considerados, o valor de R$1.000,00 (mil reais) para inscrição do crédito na Divida Ativa da União e o valor mínimo para ajuizamento da execução fiscal R$20.000,00 (vinte mil reais).

Então quando se fala de arquivamento pelo reconhecimento do princípio da insignificância no Direito Tributário, o que bem na verdade se verifica é o tempo que demorará até que o montante do crédito somado a novos lançamentos, juros e correções monetárias atinjam o valor determinado para se ajuizar a execução fiscal.

A que ao contrario possa suscitar não significa que a divida ativa deixará de existir, o que ocorrerá é a não expedição da Guia de Recolhimento da União que é o titulo executivo com o qual o devedor é cobrado judicialmente, sob pena de ter seus bens penhorados.

Os créditos tributários continuarão a serem lançados, reajustados e cobrados administrativamente, até que se atinjam os valores já mencionados, constatando-se significativa economia processual por parte do estado que ajuíza menos ações, com valores maiores, compensando as custas com a execução fiscal. Seguindo esse raciocínio, Fernando Capez descreve que:

Na hipótese de crime de descaminho de bens, em que o débito tributário e a multa não excederem determinado valor, a Fazenda Pública se recusa a efetuar a cobrança em juízo, nos termos da Lei 9.579/97, sob o argumento de que a irrisória quantia não compensa a instauração de um executivo fiscal, o que levou o Superior Tribunal de Justiça a considerar atípico o fato, por influxo do princípio da insignificância. (2005, p. 14-15).

Existem críticas a respeito do tema, pois acredita-se que há muita disparidade entre a aplicação do valor considerado insignificante nos crimes cometidos contra o patrimônio na esfera penal e os crimes cometidos na esfera tributária.


5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa realizada tratou do princípio da insignificância, sua importância para o Direito Penal e sua aplicabilidade em outras esferas do direito, com ênfase no Direito Ambiental e Direito Tributário.

No decorrer do trabalho foi necessário discorrer sobre a relevância dos princípios, para a solução de conflitos, bem como sobre o conceito do princípio da insignificância no direito Penal onde a atuação punitiva estatal é minimizada, diante do desvalor da conduta e do desvalor do bem atingido.

Ressalte-se que apesar de alguns autores discordarem da aplicação do princípio da insignificância, a sua aplicação é de grande valor para o direito, porque através desse princípio, vários outros são postos em prática simultaneamente, como o da subsidiariedade, o da proporcionalidade, razoabilidade e fragmentariedade.

Dessa forma, o Direito Penal deve ser utilizado somente como última alternativa, quando as demais áreas do direito não se demonstrarem eficientes. Do mesmo modo, a pena deve ser proporcional à conduta praticada e a medida aplicada para a contenção do delito deve ser razoável. Por último, o Estado deve centralizar sua atenção para a afronta de bens jurídicos de maior importância.

No Direito Ambiental para que determinado crime seja considerado insignificante, não basta somente a livre convicção do juiz, também, deve ser levada em conta a repercussão da conduta para todo o meio ambiente, independente do valor do bem, ou do desvalor da conduta.

No Direito Tributário, a justificativa para a adoção do princípio da insignificância fundamenta-se em determinados valores a serem cobrados, que não compensariam o ajuizamento da ação.

Assim, o princípio da insignificância, oriundo do Direito Penal, tem sido aplicado em outros ramos do direito, na justificativa de que o Estado deve abster-se de preocupações com crimes considerados de menor importância, congregando-se aos delitos que afetam de forma mais grave os bens jurídicos tutelados.

Desse modo, o direito deve cada vez mais adotar princípios que atribuam maior celeridade e efetividade à Justiça, a exemplo do princípio da insignificância, que objetiva criminalizar condutas socialmente relevantes.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SALVADOR, Daniel Jorge de Almeida. Princípio da insignificância: aplicação no Direito Ambiental e Direito Tributário . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4460, 17 set. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/33655. Acesso em: 10 maio 2024.