Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/33665
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

A inconstitucionalidade por omissão em face da inércia do Poder Legislativa

A inconstitucionalidade por omissão em face da inércia do Poder Legislativa

Publicado em . Elaborado em .

O presente trabalho se propôs a debater e examinar as implicações sociais geradas acerca da carência de discussão e implementação das normas constitucionais de eficácia limitada como formas de efetivação de direitos previstos constitucionalmente.

RESUMO - O presente trabalho se propôs a debater e examinar as implicações sociais geradas acerca da carência de discussão e implementação das normas constitucionais de eficácia limitada como formas de efetivação de direitos previstos constitucionalmente. Trabalhamos, sobretudo, com a leitura de alguns materiais que favoreceram a assimilação do conteúdo abordado, tais como livros, artigos e julgados da suprema corte usados para retratar a omissão do legislador ordinário em assuntos de natureza constitucional. Dentro dessa perspectiva, analisaremos à luz da Constituição Federal de 1988, os principais reflexos da inércia do legislador.

Palavras-chaves: Constituição; Direitos; Normas; Omissão

INTRODUÇÃO

Tema muito importante a ser discutido nos dias atuais são as leis vigentes no país, uma vez que é através delas que os direitos e deveres, que da sociedade são inerentes, são garantidos. Leis que, conforme PLATÃO, na sua “Carta VII”, são formas de garantir a ordem social diante da impossibilidade de se alcançar o ideal de justiça muito perseguido por aquele filósofo, o qual partia de um pressuposto político-ético-pedagógico de pensar a ordem das relações humanas.

É a partir deste diapasão, lançando mão das leis ainda não regulamentadas, tendo em vista a Constituição Federal, e do ideal de justiça social, que se faz necessário o estudo das normas que tem um valor precioso para a sociedade, mas que ainda não foram lapidadas para que haja uma segurança jurídica maior em face das leis, a fim de que se tenha uma coletividade mais igualitária e livre.

Discute-se neste, a problemática da não discussão de normas constitucionais de eficácia limitada, bem como os reflexos do pouco crédito dado a este tipo de norma. Trata-se, pois de uma análise crítica acerca da supressão de direitos em virtude da inatividade do legislador ordinário.

Partindo dessa perspectiva, o presente trabalho tem como objetivo conscientizar o leitor de direitos que a Constituição Federal de 1988 estabelece expressamente, e que apesar disso, tais direitos não vem sendo concretizados.

Neste artigo, trabalhamos, sobretudo, com a leitura de alguns materiais que favoreceram a assimilação do conteúdo abordado, tais como livros, artigos e julgados da suprema corte usados para retratar a omissão do legislador ordinário em assuntos de natureza constitucional, bem como as implicações que esta causa. 

APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS DE EFICACIA LIMITADA

As normas de eficácia limitada trazem conteúdos que não produzem seus efeitos essenciais com a simples entrada em vigor da Constituição, uma vez que o legislador constituinte originário deixou a cargo do legislador ordinário ou a outro órgão estatal a tarefa de legislar sobre os assuntos nelas constantes.

Segundo LENZA:

São aquelas normas que, de imediato, no momento em que a Constituição é promulgada, não tem o condão de produzir todos os seus efeitos, precisando de uma lei integrativa infraconstitucional. São, portanto, de aplicabilidade mediata e reduzida, ou, segundo alguns autores, aplicabilidade diferida.[1]

            Nesse tipo de norma, portanto, é necessário que haja a edição de um dispositivo normativo ulterior para que estas (lei complementar ou ordinária) alcancem os efeitos que o legislador constituinte quis lhe dar. Dessa forma, a discussão dessa temática torna-se, em nosso entender, muito relevante, pois diz respeito à vontade do legislador originário em nos conceder um direito.

Há autores que consideram que as normas de eficácia limitada produzem um mínimo efeito, no entanto, para o presente trabalho, não convém entrar no mérito.

No cenário sócio-político em que vivemos hoje, em meio a constantes manifestações na busca pela efetivação de um Estado Democrático de Direito, onde a sociedade, a cada dia, parece entender mais o sentido da Democracia, o debate do tema é algo fundamental, a fim de que se possa compreender os institutos constitucionais e porque estes não vem sendo objeto de discussão per parte do Poder Legislativo.

Dentro dessa perspectiva, é válido discutir as implicações sociais geradas devido a não discussão, ou o pouco crédito dado pelos parlamentares, em relação à regulamentação de tais normas de sumo valor para o corpo social.

Convém ressaltar que as normas de eficácia limitada podem ser divididas em dois grupos: normas de princípio institutivo (ou organizativos ou orgânico) e normas de princípio programativo.

As primeiras, são aquelas que contém esquemas abrangentes de estruturação de instituições, órgãos, ou entidades como preceituam os artigos 88; 90, § 2. °; 128, § 5. ° e 146.

Já as normas de princípio programativo visam à efetivação de finalidades sociais, os quais mais interessa na análise do tema em estudo.

Até que ponto os líderes e governantes do país estão preocupados com a implementação de regras que melhor favoreçam o desenvolvimento social do Brasil?

CASOS DE INCONSTITUCIONALIADE POR OMISSÃO

 Dada a previsão constitucional de um direito, cabe ao legislativo viabilizar a sua aplicação. O problema é que essa viabilização por parte do legislativo, em muitos casos, não ocorre, fazendo com que haja a supressão de um direito pela inércia do legislador.

A Constituição Federal de 1988 prevê uma série de dispositivos submetidos a edição de leis integradoras da aplicação de seus comandos. Um dos dispositivos constitucionais que fundamenta o que está sendo dito é o que prevê o direito de greve dos servidores públicos, previsto no art. 37, inciso VII, que deveria ser regulamentado em legislação infraconstitucional, in verbis:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)

VII - o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica;[2]

  Contudo, com 25 anos de Constituição, não existe qualquer lei que regulamente este direito. Trata-se, neste caso, de uma total abstenção do poder legislativo com relação a matéria. O que precisa ser dito é que a inércia do legislador com relação a esses comandos constitucionais implica em uma situação de inconstitucionalidade por omissão.

Cuida-se de verdadeira desigualdade, haja vista que o mesmo direito é garantido para os trabalhadores em geral no art.9º da CF/88 e, para esta disposição, já existe uma regulamentação pautada na lei 7.783/89. Ora, o fato da existência de regimes jurídicos diferenciados entre trabalhadores empregados e servidores públicos, não pode impor violação a direito fundamental.

Outro caso de omissão absoluta, todavia com solução diversa da citada acima, diz respeito ao que dispunha o art.192 § 3º da CF, agora revogado pela EC n.40/2003, que estabelecia que as taxas de juros reais não poderiam ser superiores a 12%. Aqui, em virtude da pressão exercida pelos grandes empresários houve atuação do legislador, mas no sentido de retirar o dispositivo do ordenamento jurídico.

A inconstitucionalidade por omissão não se caracteriza somente com a total abstenção do legislador ordinário. Há também situações em que existe a regulamentação legal para a previsão constitucional, mas esta não é suficiente para atender o mandamento da Lei Maior. Como ensina Gilmar Mendes “é a que se verifica quando o legislador atua de modo insuficiente ou deficiente em relação à obrigação que lhe cabia”. A doutrina costuma chamar esta situação de omissão parcial. 

Caso típico de omissão parcial é o que dispõe sobre a instituição do salário mínimo, que visivelmente não é capaz de atender ao que prevê a Constituição no art. 7º, IV, senão vejamos:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(...)

IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim{C}[3]{C}.

Infelizmente, sabemos que o valor do salário mínimo atual é totalmente incapaz de satisfazer tais ditames. Em muitos casos o valor não consegue atender nem as necessidades básicas, como moradia e alimentação.

Partindo dessa premissa, o ministro Celso de Melo, entende:

A insuficiência do valor correspondente ao salário mínimo, definido em importância que se revele incapaz de atender as necessidades vitais básicas do trabalhador e dos membros de sua família, configura um claro descumprimento, ainda que parcial, da Constituição da República, pois o legislador, em tal hipótese, longe de atuar como o sujeito concretizante do postulado constitucional que garante à classe trabalhadora um piso geral de remuneração (CF, art. 7º, IV), estará realizando, de modo imperfeito, o programa social assumido pelo Estado na ordem jurídica[4].

Outra situação preocupante diz respeito ao sistema de educação básica, pois por mais que nos últimos anos tenha apresentado melhorias, ainda está muito aquém do ideal e deixa muito a desejar quando comparado com o dos países desenvolvidos.

Observado o artigo 206, inciso V, da Constituição Federal de 1988, vê-se um maravilhoso texto e uma lei espetacular que de fato e de verdade não se apresenta como realidade para a maioria dos profissionais da educação escolar, uma vez que o descaso nesse setor ainda é grande, o mesmo acontece quando se lê o inciso VII.

Com relação a estes incisos, sabe-se da insatisfação dos profissionais da educação da rede pública evidenciada pelas constantes greves de professores reivindicando melhores salários e condições de trabalho. Ou seja, aqui o legislador também atuou de forma insuficiente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base no que foi dito acima, foi possível entender o quanto é importante a discussão da inercia do legislador ordinário, haja vista que esta acaba provocando a perda de direitos que o constituinte elencou como fundamentai. Portanto, à sociedade como um todo, cabe reivindicar estes direitos que vem sendo mitigados pelo Legislativo.  

 E aqui não estamos dizendo que nada tenha sido feito pelo país. É evidente o crescimento dos variados setores sociais. Contudo, norma de eficácia limitada tem sido esquecidas ao longo dos anos, isto é, não se discute a necessidade de implementação do ordenamento jurídico no sentido de dar ao cidadão o que lhe foi garantido constitucionalmente.

O que temos visto são reformas que favoreçam os parlamentares e que distanciem qualquer atrito do Governo com instituições financeiras como nas reformas do teto do funcionalismo público e da taxa de juros reais de 12% que foi modificada tendo em vista a vultosa dívida interna contraída pelo Brasil ao longo dos anos.

Configura-se a cada dia uma falta de respeito com o povo que é o detentor do poder, ainda que indiretamente, pois não é dado o valor devido a normas de eficácia limitada como essas. Ainda que essas leis sejam colocadas, muitas vezes, como garantias ou objetivos que a República Federativa do Brasil, por meio dos seus representantes, almeja alcançar, não é notória a mobilização dos deputados e senadores no tocante à tentativa de aprovação de leis que viabilizem essas metas.

Portanto, acreditamos que o Brasil, enquanto Estado Democrático de Direito, vem amadurecendo a cada dia, no entanto sabemos que ainda estamos muito aquém de um Estado ideal. Desse modo, é necessário que a sociedade desenvolva mecanismos que possibilitem a uma cobrança maior dos nossos representantes para, dessa forma, alcançar aquilo que a Constituição nos garantiu.     

REFERÊNCIAS

BARROSO, Luis Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de Suas Normas – Limite e possibilidades da Constituição brasileira. 2º ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1993

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2011..

MARTINS, Ives Gandra da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira; NASCIMENTO, Carlos Valder do. Tratado de Direito Constitucional. Vol. 1. 2º ed. São Paulo: Saraiva, 2012

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 7º ed. São Paulo: Saraiva, 2012

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 25.ed. São Paulo: Atlas, 2010

 Salario mínimo e satisfação das necessidades vitais básica – ação direta de inconstitucionalidade nº 1.458-7,Distrito Federal. Disponível em:<http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/dh/volume%20ii/acao14587.htm> Acesso em 17 de ago. de 2013


[1]LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado.

{C}[2]{C}BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil publicada em 5 de outubro de 1988.

{C}[3]{C}Ibidem.

{C}[4]{C}Salário mínimo e satisfação das necessidades vitais básica. Biblioteca Virtual – Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.458-7,Distrito Federal. Disponível em:<http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/dh/volume%20ii/acao14587.htm> Acesso em 17 de ago. de 2013.


Autor

  • Marden de Carvalho Nogueira

    Procurador Federal - Procuradoria Geral Federal - PGF<br>Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal do Ceará - UFC.<br>Como Procurador Federal atuou ou atua nas matérias de direito tributário, execução fiscal, execução fiscal trabalhista, contencioso trabalhista, contencioso previdenciário, ações civis públicas, ações de improbidade administrativa etc.

    Textos publicados pelo autor


Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelo autor. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi.