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Publicidade enganosa

Publicidade enganosa

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A necessidade incontrolável de incentivar práticas consumistas faz com que anunciantes e veículos de comunicação solidariamente faltem com a verdade e divulguem informações falsas, mascaradas, desvirtuadas, enfim, não verdadeiras, para induzir o consumidor à prática de um ato de consumo desnecessário.

Conceito

Paulo Vasconcellos Jacobina ensina que a publicidade não é só conteúdo, já que não se resume a informar as pessoas sobre as características de um produto ou serviço, mas, sim, um meio de despertar em sua mente a necessidade de consumir.[1]

Em diversas ocasiões, a necessidade incontrolável de incentivar práticas consumistas faz com que anunciantes e veículos de comunicação solidariamente faltem com a verdade e divulguem informações falsas, mascaradas, desvirtuadas, enfim, não verdadeiras, para induzir o consumidor à prática de um ato de consumo desnecessário.

Buscando-se coibir e limitar tais excessos cometidos durante o exercício da atividade publicitária, na maior parte das vezes, causadores de danos patrimoniais aos adquirentes (mas, sem excluir a possibilidade de ocorrência de danos morais pela frustração da expectativa gerada), criou-se, juntamente com a publicidade abusiva, a figura da publicidade enganosa.

O art. 37, § 1.º, define expressamente ser enganosa “qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preços e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços”.

Ainda, o legislador previu no § 3.º do mesmo dispositivo a possibilidade da enganosidade por omissão consistente em deixar de se informar ao consumidor dado essencial a respeito do produto ou serviço.

No dizer de Rizzato Nunes, “o Código foi exaustivo e bastante amplo na conceituação do que vem a ser publicidade enganosa. Quis garantir que efetivamente o consumidor não seria enganado por uma mentira nem por uma meia-verdade”.[2]  Ainda, conforme o pensamento do mesmo autor “o efeito da publicidade enganosa é induzir o consumidor a acreditar em alguma coisa que não corresponde à realidade do produto ou serviço em si, ou relativamente a seu preço e forma de pagamento, ou ainda, a sua garantia etc.”.[3]

Nota-se que a intenção do legislador nas duas previsões foi assegurar ao consumidor o direito de exercer uma escolha livre e consciente, cuja vontade não tenha sido viciada pela ilusão causada por uma peça publicitária enganosa.

Nesse sentido, segundo expõe Carlos Alberto Bittar “trata-se, pois, de uma ação tendente a instruir ilegitimamente o consumidor, a respeito de bens ou serviços oferecidos, condicionando o seu comportamento para a respectiva aquisição ou fruição”.[4]

No direito comparado, também encontram-se referências à vedação da publicidade enganosa.  O art. 9.º da Norma de Lealdade Comercial Argentina n. 22.802, de 11.05.1983,[5] por exemplo, veda a veiculação da publicidade enganosa ao dispor que:

“Queda prohibida la realización de cualquier clase de presentación, de publicidad o propaganda que mediante inexactitudes u ocultamientos, o pueda inducir a error, engaño o confusión respecto de las características o propiedades, naturaleza, origen, calidad, pureza, meszcla, cantidad, uso, precio, condiciones de comercialización, técnicas de producción de bienes muebles, inmuebles o servicios.”[6]

A Lei Reguladora das Relações de Consumo no Uruguai,[7] por sua vez, em seu art. 24 preceitua:

“Se entenderá por publicidad engañosa cualquier modalidad de información o comunicación contenida en mensajes publicitarios que sea entera o parcialmente falsa, incluso así también la que omita datos esenciales y por tanto capaz de inducir a error al consumidor y sea en cuanto a su naturaleza, cantidad, origen o precio, respecto de los productos y servicios.”[8]

A análise dos referidos conceitos legais permite a identificação de algumas informações comuns, tais como natureza, características, qualidade, quantidade, origem e preço dos produtos e serviços, sobre as quais não pode haver qualquer desvirtuamento, sob pena de configurar a publicidade enganosa.

Verifica-se que, não obstante o conceito argentino enumerar um maior número de elementos para caracterização da publicidade abusiva, os conceitos brasileiro e uruguaio podem ser considerados mais completos, pois referem-se, respectivamente, a “quaisquer outros dados sobre produtos e serviços” e “dados essenciais”, conceitos jurídicos indeterminados que, como se verá adiante, permitem maior abrangência quando da aplicação da norma ao caso concreto.

A enaganosidade, deve-se atentar, não pode ser confundida com a falsidade. Como bem expõe Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, publicidade falsa não passa de um tipo de publicidade enganosa. Ainda, utilizando-se das palavras de Bernitz Ulf e John Draper informam que: “de fato, uma publicidade pode, por exemplo, ser completamente correta e ainda assim ser enganosa, seja porque a informação importante foi deixada de fora, seja porque o seu esquema é tal que vem a fazer com que o consumidor entenda mal aquilo que se está, realmente, dizendo”.[9]

Diante das considerações acima, pode-se concluir que a modalidade enganosa é uma espécie do gênero da publicidade ilícita voltada à manipulação da vontade livre e consciente do consumidor, capaz de induzi-lo à prática de atos de consumo não pretendidos e potencialmente causadores de prejuízos patrimoniais.


Diferenças entre enganosidade e a abusividade

Embora ambas sejam espécies de publicidade ilícita, a publicidade enganosa em nada se confunde com a abusiva. Nesta última, a ilicitude corresponde à violação de valores e princípios ético-culturais, tais como vida, moral, honra, saúde, meio ambiente, bons costumes.

Já naquela – enganosa – maculam-se os princípios da veracidade e boa-fé que devem pautar a confecção dos materiais publicitários transmitidos aos consumidores.

Maria Luiza de Sabóia Campos afirma que a “abusiva é aquela mensagem que quer obter vantagens sobre as fraquezas e medos humanos... A abusividade tem caráter coercitivo, intimidatório e manipulador. Sua ofensividade é inerente às características da mensagem, que teve seu nascimento no conceito e na estratégia publicitária com a finalidade específica e pré-determinada”.[10]

A abusividade é capaz de ultrapassar os limites do direito do consumidor, pois ofende não apenas uma lei especificamente considerada, mas a ordem jurídica do meio em que a peça é veiculada.

Para Cláudia Lima Marques constitui um ilícito civil, de modo que o sujeito beneficiado com a divulgação estaria obrigado a promover a reparação civil por eventuais danos causados por eventual promoção indevida.[11]

Ainda, a natureza dos danos potenciais ou concretos que podem ser causados aos destinatários da mensagem também servem como parâmetro distintivo entre as duas modalidades.

Enquanto na publicidade enganosa identifica-se a ocorrência de danos eminentemente materiais, capazes de gerar diminuição patrimonial do consumidor, na publicidade abusiva, a natureza jurídica do dano é substancialmente não patrimonial, tendo em vista que o bem lesado é sua integridade física e moral.

Para sua configuração, não é necessário que na publicidade abusiva constem elementos não-verdadeiros, tal como ocorre na publicidade enganosa. João Batista de Almeida dispõe que “não chega a ser mentirosa, mas é distorcida, desvirtuada dos padrões da publicidade escorreita e violadora de valores éticos, que pode, inclusive ser induzido a comportamento prejudicial ou perigoso à sua saúde”.[12]

Dessa forma, um produto publicitário pode abarcar, simultaneamente, elementos abusivos e enganosos, não estando condicionada a presença de uns para caracterização dos outros. É fato que a publicidade pode ser veraz e ainda assim abusiva. Por tal motivo, parece ser de grande valia a distinção.


Desnecessidade da intenção de enganar e do erro real

A caracterização da mensagem enganosa é absolutamente independente da existência do dolo de enganar por parte do anunciante. Isso porque, para fins civis, não se considera a intenção do anunciante, mas sim o teor das informações nela contidas, o público-alvo e o contexto em que é divulgada.

Logo, o elemento subjetivo, ou seja, desígnio de induzir o consumidor ao erro ou culpa (por negligência, imprudência ou imperícia) apenas importará para tratamento do ato na esfera penal para o seu eventual enquadramento no tipo penal.

Não se releva se houve ou não má-fé por parte do anunciante, se a prática é utilizada pelo meio publicitário ou pelos próprios adquirentes dos produtos, ou ainda, que o fornecedor tenha tomado todas as medidas para impedir que ela fosse veiculada.

Assim, basta a averiguação no caso concreto se a publicidade está (ou não) apta a enganar os consumidores, mesmo que em pequeno número. Requer-se apenas o que Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin denomina “capacidade de indução ao erro”.[13]

Ademais, não é exigível que o consumidor tenha sido de fato enganado no caso concreto. Esclarece o mesmo autor que se busca “sua capacidade de induzir em erro o consumidor, não sendo, por conseguinte, exigível qualquer prejuízo individual”.[14] A caracterização da publicidade enganosa é totalmente desvinculada da ocorrência de dano efetivo.


Consumidores tutelados

A caracterização de uma peça publicitária como enganosa considera, dentre outros critérios, o público para a qual ela é dirigida, ou seja, os consumidores tutelados contra os malefícios daquela divulgação.

Sob pena de se tornar a norma ineficaz, a avaliação acerca da enganosidade deve estar atrelada à análise conjunta do teor da mensagem em face das pessoas que compõem o grupo para o qual ela foi dirigida.

Nessa busca são considerados não apenas os consumidores experientes, especialistas, dotados de conhecimentos técnicos, mas também principalmente os ignorantes, crédulos, inexperientes.

Assim como Rizzatto Nunes afirma: “o anúncio publicitário é dirigido aos consumidores indiscriminadamente. Por isso, durante a averiguação não se pode levar em conta certo consumidor real, com qualidades específicas próprias, pois isso poderia, em tese, afastar o teor enganoso do anuncio”.[15]

Tenta-se, portanto, identificar uma espécie de “comprador modelo” para o produto ou serviço objeto da divulgação. Se na conclusão observar-se que este ente imaginário poderia ser levado a erro por conta do teor da mensagem, tal publicidade é enganosa, não obstante no caso concreto algumas pessoas mais ou menos cultas, experientes, não tenham incorrido erro.


Espécies de publicidade enganosa

A publicidade enganosa pode se manifestar por meio de condutas ativas ou passivas tomadas pelo fornecedor.

Dá-se a primeira hipótese nas situações em que o anunciante insere na peça publicitária informações que não deveriam dela constar por não corresponderem com o que o produto ou serviço é de fato. É denominada publicidade enganosa por ação ou comissiva.

Já a conduta passiva é chamada comumente de publicidade enganosa por omissão, omissiva ou comissiva por omissão. Corresponde ao descumprimento de um dever objetivo por parte do anunciante em informar o consumidor a respeito de certos dados fundamentais para a contratação.

A despeito de sua manifestação dar-se mediante condutas comissivas ou omissivas, a presença da enganosidade estará sempre atrelada à potencialidade de induzir o consumidor ao erro.

Tendo em vista ser capaz de macular a própria manifestação da vontade do consumidor, e, portanto, a formação do negócio jurídico, o erro consiste em um vício de consentimento no qual o agente exterioriza uma intenção influenciada por circunstâncias não coincidentes com a realidade. Se conhecesse verdadeiramente o contexto fático em que está inserido, comportar-se-ia de maneira diversa.

Nos termos do art. 37, § 1.º, do CDC, o erro, que precisa ser apenas potencial, pode recair sobre a natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preços e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

Muito frequente é a confusão que se faz entre a natureza de determinados produtos no sentido de serem eles alimentos, medicamentos e/ou cosméticos. Isso porque fornecedores anunciam alimentos como se dotados de propriedades terapêuticas ou cosméticas e vice-versa.

O consumidor pode, ainda, ser induzido a erro quanto às características do produto. Tal hipótese ocorrerá quando a publicidade levá-lo a crer na existência (ou inexistência) de certas peculiaridades que o distinguem dos demais produtos ou serviços semelhantes.

Exemplificando, se o fornecedor anuncia uma promoção de televisores atrelando determinado preço à imagem de um aparelho com tecnologia “led”, o consumidor terá o direito de exigir o cumprimento da oferta publicitária tal como vinculada, não podendo o anunciante pretender entregar aparelho diverso, sem a mencionada tecnologia.

Tal como as características, também é possível que haja erro quanto às propriedades do produto ou serviço. Nesse caso, as informações enganosas referir-se-ão às funções que ele pode exercer.

Já o erro quanto à qualidade diz respeito ao grau de perfeição esperado em relação a determinado produto ou serviço. São indicativos de qualidade atributos positivos como resistência, durabilidade, maciez, conforto.

A maior parte dos casos de indução a erro quanto à qualidade consiste em atribuir ao produto ou serviço determinados atributos não condizentes com a realidade. Seria o caso, por exemplo, de divulgar que determinada peça de roupa foi confeccionada utilizando-se seda natural, quando na realidade empregou-se um tecido com fibras sintéticas imitando seda.

É certo que os dois produtos não podem ser considerados equivalentes, posto que a textura, maciez, caimento, capacidade de reter a transpiração e seus odores, leveza e brilho do tecido natural demonstram sua qualidade superior ao sintético.

Por sua vez, a indução ao erro pela quantidade do produto ou serviço ocorre quando o consumidor recebe menos do que foi ofertado ou indicado em rótulos e embalagens.

O consumidor também pode ser induzido a erro quanto à origem do produto, sendo esta, quase sempre, utilizada como um indicador de suas características e qualidade.

Com o intuito de proteger os nomes de algumas cozinhas regionais, próprias de determinadas áreas geográficas foram criadas as “denominações de origem” para designar determinados alimentos, como vinhos, queijos, embutidos, entre outros.

Assim, em razão de leis internas e convenções internacionais, é conferido aos produtores de uma região o direito de propriedade industrial de exclusividade para usar determinada nomenclatura, designando os bens fabricados. É o que se dá, por exemplo, com o “presunto de Parma”, o vinho “Champagne”, o queijo “Parmegiano Reggiano”.

O direito às expressões de origem somente é conferido aos produtos cultivados naquela região específica e sobre certas condições. Deste modo, a utilização da denominação controlada para produtos que não atendam a tais requisitos será publicidade enganosa.

Logo, um presunto não pode ser anunciado como “de Parma” se não tiver sido produzido na cidade de Parma, na Itália, sob pena de enganosidade. Em substituição, deve-se indicar tratar-se de um presunto tipo Parma.

Por fim, a modalidade mais corriqueira de indução do consumidor ao erro diz respeito à transmissão de informações distorcidas sobre os preços dos produtos ou serviços. É a mais frequente, pois a contraprestação financeira feita pelo consumidor é, como regra, o fator decisivo para captar sua atenção quando assiste a uma publicidade e também o fator decisivo para determinar a contratação.

Nesses ilícitos, a sociedade não pode se resignar, independente do valor irrisório, diante de atos desleais e mal intencionados de fornecedores sem ética que abusam da vulnerabilidade e hipossuficiência dos consumidores para lhe causarem danos patrimoniais. Além disso, se somados os pequenos prejuízos sofridos por cada pessoa que adquiriu o produto individualmente, com certeza serão encontradas quantias consideráveis.

Como exposto acima, o rol de hipóteses que podem induzir o consumidor ao erro previsto no art. 37, § 1.º, do Código do Consumidor são exemplificativos, pois ao final de sua redação indica-se que “outros dados” podem ser determinantes. Abaixo algumas considerações quanto a essa previsão genérica.


Essencialidade das informações veiculadas

Ao se tratar da enganosidade por omissão, foi mencionado que essa se dá quando o anunciante descumpre o dever objetivo de informar ao consumidor dados essenciais a respeito do produto ou serviço.

Passa a ser questionável, portanto, qual o valor a ser atribuído à expressão “dados essenciais”. Como indaga Luiz Antônio Nunes “será necessário ao fornecedor anunciar todo e qualquer dado do produto, como tem dito alguns, tentando ridicularizar o Código?”.[16]

Parece que a resposta há de ser negativa, pois, em síntese, devem ser consideradas essenciais todas as informações relevantes capazes de influenciar o consumidor no sentido de não adquirir o produto ou contratar o serviço, ou ainda, remunerá-lo por valor inferior.

São essenciais os dados que, se conhecidos pelo consumidor, influenciariam diretamente na realização ou não do negócio entre as partes, bem como, nas condições pactuadas. Porém, a identificação da essencialidade dar-se-á levando-se em consideração as peculiaridades do produto ou do serviço envolvido.

Nas palavras do mesmo autor, essencial “é todo dado simultaneamente inerente ao produto ou serviço e desconhecido do consumidor. Se o consumidor já conhece o componente essencial do produto ou serviço, o fornecedor não precisa informá-lo ao mercado”.[17]

Conclui-se, portanto, que a essencialidade dos dados que necessariamente devem ser divulgados está diretamente relacionada à legítima expectativa que o consumidor possui com aquela contratação, bem como às finalidades que serão dadas ao produto ou serviço adquiridos.


Exageros publicitários

Discute-se se os exageros publicitários, consistentes em adjetivos superlativos utilizados pelos anunciantes para captar a atenção dos consumidores, podem ser considerados publicidade abusiva.

Denominado doutrinariamente de puffing, a princípio não seria vedado quando usado “como publicidade espalhafatosa, cujo caráter subjetivo ou jocoso não permite que seja objetivamente encarada como vinculante”.[18]

Não obstante, diversos autores sustentam que a aceitação desta prática publicitária seria admissível quando de modo concreto não for possível a comprovação das mensagens anunciadas por serem de caráter de extrema imprecisão. Ainda, seria cabível quando a alegação claramente não puder ser recebida com seriedade.

Para produzir efeitos vinculantes ao anunciante, o exagero deverá ser considerado relevante sempre que de algum modo seja capaz de induzir o consumidor a erro.

Deste modo, alegações subjetivas como “o melhor bolo do mundo”, “o parque mais divertido do país”, “os serviços mais organizados do planeta” não podem ser considerados para fins de caracterizar-se a enganosidade, tendo em vista que não são passíveis de serem precisamente mensuráveis.

Todavia, a utilização de expressões como “gratuitamente”, “mais rentável”, “mais rápida”, “mais resistente”, “mais duradouro” podem configurar a veiculação de publicidade abusiva, pois são suscetíveis à comprovação empírica.

Suzana Maria Pimenta Catta Preta Federighi faz consideração interessante ao mencionar que a utilização em mensagens publicitárias de fotos de alimentos em porções bem maiores que as comercializadas é uma espécie de puffing visual muito difundida e por vezes não tratada com atenção pela doutrina consumerista.[19]

Nessa situação, se o tamanho das porções apresentadas puder existir na realidade (e não for apenas fruto imaginário de uma criação publicitária), é certo que o fornecedor deve honrar a oferta e entregar o produto no tamanho tal como divulgado.

Importante frisar que, nesses casos, a simples indicação de que as imagens são “meramente ilustrativas” de forma não ostensiva e anterior ao momento da contratação não elidem a responsabilidade do fornecedor pelo cumprimento do anúncio. Isso porque, a imagem exerce influência decisiva no momento de captação da atenção do consumidor.


Publicidade comparativa

Segundo a Diretiva 2006/114/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12.12.2005, que dispõe acerca da publicidade enganosa e comparativa, esta pode ser definida como “qualquer publicidade que, explícita ou implicitamente, identifica um concorrente ou os bens ou serviços oferecidos por um concorrente”.[20]

Trata-se da exposição de informações relativas a produtos ou serviços de outros fabricantes para compará-los àqueles produzidos pelo anunciante. A princípio não constitui uma espécie de publicidade ilícita, enganosa.

Isso porque, a exposição das informações a respeito das qualidades, características e peculiaridades de cada bem podem revelar-se um meio positivo de se dotar o consumidor de subsídios para realizar a escolha mais adequada aos seus interesses.

Todavia, para que possa ser admitida, é necessário que os dados sejam transmitidos com a observância de certos critérios.

Conforme a supramencionada Diretiva, são algumas das condições a serem observadas quando da veiculação da publicidade comparativa: não ser enganosa; prestar-se os bens ou serviços comparados às mesmas funções ou finalidades; incidirem as comparações sobre características comprováveis objetivamente; não criar no mercado confusão entre a figura do anunciante e um concorrente.

O Código de Auto-regulamentação publicitária do CONAR, em seus artigos também elenca alguns princípios e limites a serem respeitados quando da utilização da publicidade comparativa, podendo se destacar: ter como finalidade principal o esclarecimento e a defesa do consumidor; utilizar dados objetivos sem fazer comparações de cunho psicológico ou emocional; não estabelecer confusão entre produtos e marcas concorrentes.

Ainda, tanto a Diretiva, como o Código do CONAR, vedam a utilização da publicidade comparativa como instrumento de concorrência desleal e denegrimento à imagem dos produtos ou marcas dos concorrentes.

A capacidade de denegrir consiste na prática de atos que influenciam negativamente os consumidores quanto aos produtos, serviços, prestígio, marca, enfim, quanto à imagem que se tem a respeito do fornecedor.

Exemplificando a utilização inadequada dessa técnica publicitária, pode ser citada a peça televisada, veiculada em 2006, em que Jessé Gomes dos Santos, o cantor Zeca Pagodinho, após ter aparecido em um outro comercial sugerindo aos consumidores que experimentassem a cerveja da marca "Schincariol", surge numa roda de amigos cantando uma música dizendo de que experimentar outro produto tinha sido apenas uma experiência, um “amor de verão” e que seu verdadeiro amor era de fato a bebida “Brahma” da empresa Ambev, concorrente direta da Schincariol.

É certo que a mensagem transmitida pela Ambev teve o claro propósito de depreciar a  imagem de sua concorrente perante os consumidores, pois sugeriu de forma jocosa e ofensiva que a cerveja Brahma era melhor que a produzida pelo concorrente, mas sem ter para tanto qualquer base objetiva, sólida, para comparação.[21]

Diferente foi o caso do “teste cego das cervejas”, divulgado em novembro de 2009, em que uma peça publicitária apresentava o resultado de pesquisas feitas entre consumidores que, com os olhos vendados, experimentavam bebidas de cinco marcas diferentes (Kaiser, patrocinadora da oferta, Brahma, Antarctica, Nova Schin e Skol), e emitiam seu parecer no sentido de ser a Kaiser sua preferida.

Numa tentativa de impedir a divulgação da peça, a Ambev (detentora da marca Brahma) recorreu ao Poder Judiciário alegando tratar-se de publicidade comparativa desleal e denegridora da imagem dos concorrentes.

Não obstante ter obtido inicialmente em primeira instância uma liminar vedando a divulgação, posteriormente, foi assegurado à Femsa (fabricante da cerveja Kaiser) o direito de exibir o teste, pois a mensagem publicitária observava os limites mínimos atinentes à publicidade comparativa, tais como o esclarecimento de informações ao consumidor e a objetividade da comparação, sem denegrir a imagem dos concorrentes.[22]

Em suma, é possível concluir que, embora não existam critérios legais para regular a divulgação da publicidade comparativa, os parâmetros mencionados acima são capazes de proteger o consumidor contra mensagens enganosas e simultaneamente proteger o direito à concorrência leal e ética entre os participantes do mercado.

Porém, deve-se buscar no caso concreto uma maior preocupação com os direitos do consumidor violados ou passíveis de serem infringidos. Isso porque, quase sempre as questões concernentes aos direitos de lealdade publicitária e vedação à concorrência desleal acabam se sobrepondo à efetiva tutela consumerista.


Demonstrações simuladas

As demonstrações simuladas também constituem uma espécie de publicidade enganosa por omissão, na medida em que não se informa ao consumidor que as informações que lhe estão sendo apresentadas trata-se na realidade de imitações de testes realizados em laboratórios, sob determinadas condições especiais, capazes de proporcionar os resultados verificados.

São comumente utilizadas nas peças publicitárias transmitidas pela televisão, nas quais o consumidor não consegue identificar que se trata de um teste meramente fictício e não de um teste verdadeiro.

Um caso bastante divulgado nos Estados Unidos acerca do tema foi o processo FTC V. Colgate-Palmolive Co., 380 U.S. 374 (1965), em que litigaram a Federal Trade Comission, órgão norte-americano de proteção aos direitos do consumidor e a multinacional Colgate-Palmolive.

Anunciava-se que o creme de barbear do anunciante era tão potente, que capaz de amolecer uma lixa. Para reforçar visualmente a alegação, a peça veiculada na televisão apresentava o produto dissolvendo-se um material, que se dizia ser uma lixa.

Ocorre que a superfície sobre a qual estava sendo aplicado o produto era na realidade uma base de acrílico com aplicações de areia, logo, enganava-se o consumidor por fazê-lo crer que se tratava de uma lixa, material bem mais resistente do que o utilizado.

A Suprema Corte norte-americana entendeu tratar-se de uma prática materialmente enganosa por transmitir aos telespectadores a falsa impressão de que estes estão assistindo a um verdadeiro teste experimental, uma demonstração, quando ocultamente está sendo utilizado um mock-up, ou seja, uma maquete, não correspondente ao produto verdadeiro.[23]

Ainda, por ocasião de referido julgamento, consolidou entendimento no sentido de que, caso não seja possível transmitir aos espectadores todas as informações que indiquem claramente tratar-se de uma simulação, referida técnica não estará apta a ser utilizada como meio publicitário de divulgação.[24]


Ambiguidade na veiculação de mensagens publicitárias

Se a interpretação de uma peça publicitária permite que se lhe atribua mais de um significado, sendo um deles enganoso, a mensagem será considerada integralmente enganosa. Havendo a utilização da ambiguidade com a intenção de confundir e induzir o consumidor ao erro, a publicidade será considerada enganosa.

Nesse sentido são os dizeres de Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin: “Se um anúncio tem mais de um sentido, basta que um deles seja enganoso (mesmo que os outros não o sejam) para que a mensagem, como um todo, passe a ser considerada enganosa”.[25]


Utilização da língua portuguesa

O art. 31 do Código de Defesa do Consumidor, por fim, dispõe expressamente que a oferta e apresentação de produtos e serviços devem ser feitas, dentre outros requisitos, em língua portuguesa.

Esse pressuposto tem como fundamento precípuo assegurar ao consumidor o direito à informação útil e relevante para o exercício de escolhas conscientes no momento da contratação.

Fazendo uso do raciocínio de Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin temos que a utilização da língua estrangeira na oferta não se encontra vedada pelo ordenamento jurídico. Todavia, para que seja empregada deverá ser-lhe dado semelhante destaque ao conferido às informações transmitidas em português.

O art. 37 do Código de Defesa do Consumidor, ao tratar da publicidade enganosa, não faz menção ao uso da língua portuguesa. Contudo, tal como no caso da oferta, ela é igualmente obrigatória, mesmo que não seja prevista expressamente.

Isso porque, se as informações forem transmitidas em uma língua que as pessoas não possam compreender, haverá o risco potencial de serem induzidas ao erro, na medida em que não terão pleno conhecimento do conteúdo que é divulgado acerca daquele produto ou serviço.

Assim, nota-se que a principal razão para se fazer uso da língua portuguesa não é motivada especificamente para proporcionar o conhecimento de todas as informações essenciais do produto (função esta dispensada à oferta ou à embalagem conforme o caso), mas sim para que o consumidor possa entender o que está sendo dito a respeito dele.


Notas

[1]       JACOBINA, Paulo Vasconcelos. A publicidade no direito do consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 32.

[2]       NUNES, Rizzato. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 459.

[3]       NUNES, Rizzato, op. cit., p. 460.

[4]       BITTAR, Carlos Alberto. Direito do consumidor. 5. ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002, p. 51.

[5]       MORALES, Mirta. Un estudo comparativo de la protección legislativa deles Consumidor en el Ámbito Interno de los Países del Mercosur. São Paulo: Renovar, 2006, p. 170-171.

[6]       É proibida a realização de qualquer tipo de oferta, publicidade ou propaganda que, mediante inexatidões ou omissões possa induzir o consumidor a erro, engano ou confusão acerca das características, propriedades, natureza, origem, qualidade, pureza, composição, quantidade, uso, preço, condições de comercialização, técnicas de produção de bens móveis, imóveis ou serviços.

[7]       MORALES, Mirta, op. cit. p. 171.

[8]       Entende-se por publicidade enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação, contida em mensagens publicitárias, que seja inteira ou parcialmente falsa, inclusive a que omita dados essenciais, e portanto, capaz de induzir o consumidor a erro quanto a natureza, quantidade, origem ou preço de produtos e serviços.

[9]       BERNITZ, Ulf; DRAPER, John. Consumer protection in Sweeden. legislation, institution and practice. Stockholm: The Institute for Intelectual Property and Market Law at the Stockholm University, apud BENJAMIN, Antônio Herman V. et alii. Manual de direito do consumidor. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais: 2008, p. 203.

[10]      CAMPOS, Maria Luiza de S. Publicidade: responsabilidade civil perante o consumidor. São Paulo: Cultural Paulista, 1996, p. 225.

[11]      MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 350.

[12] ALMEIDA, João Batista de, op. cit., p. 123.

[13] BENJAMIN, Antônio Herman de V. et alii, op. cit., p. 203.

[14] BENJAMIN, Antônio Herman de V. et alii, op. cit. p. 341.

[15]      NUNES, Rizzato, op. cit., p. 284.

[16]    NUNES, Luiz Antonio. A empresa e o Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Artpress, 1991, p. 89.

[17]    NUNES, Luiz Antonio, op. cit., p. 90.

[18]      NERY JR., Nelson. Os princípios gerais do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. 3, 1992, p. 67, apud NUNES, Rizzato. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 464.

[19]      FEDERIGHI, Suzana Maria Pimenta C.P. et alii, op. cit., p. 234.

[20]      Disponível em  http://europa.eu/legislation_summaries/consumers/consumer_information/l32010_pt.htm.

Acesso em 12.11.2010, às 15h10.

[21]      TJSP – Ap 7155293-9, disponível em http://www.flaviotartuce.adv.br/secoes/jurisprudencias/ZECA_ACORDAO1.pdf . Acesso em 19.11.2010, às 22h40.

[22]      Disponível em http://epocanegocios.globo.com/Revista/Common/0,,EMI106927-16355,00-JUSTICA+AUTORIZA+FEMSA+A+EXIBIR+TESTE+CEGO+DA+KAISER.html. Acesso em 18.11.2010, às 12h40.

[23]      Disponível em http://supreme.justia.com/us/380/374/. Acesso realizado em 12.11.2010, às 15h50.

[24]      BENJAMIN, Antônio Herman de V. et alii, op. cit., p. 349.

[25]      BENJAMIN, Antônio Herman de V. et alii, op. cit. p. 346.


Autor

  • Jorge Arbex Bueno

    Advogado, especialista em Direito Público pela Escola Paulista de Direito e pós-graduado em Direito Coletivo pela Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo. Autor do livro Teoria da ação de improbidade administrativa, pela Editora Lumen Juris.

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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BUENO, Jorge Arbex. Publicidade enganosa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4150, 11 nov. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/33697. Acesso em: 10 maio 2024.