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Contrato de seguro saúde.

Da abusividade na negativa de cobertura de procedimento cirúrgico

Contrato de seguro saúde. Da abusividade na negativa de cobertura de procedimento cirúrgico

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Este artigo apresenta um panorama analisando a possibilidade de incidência de danos morais ante a negativa de cobertura de procedimento cirúrgico em casos de alegação de doença preexistente.

De acordo com o art. 757[1] do Código Civil, o seguro é uma espécie de transferência de risco por meio do qual o segurador se obriga, através de um contrato, a garantir interesse legítimo do segurado – o que se dá através do pagamento de determinado valor, denominado prêmio - referente a determinada pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.

Tem por princípios norteadores, além das cláusulas legais, a sinceridade e a boa-fé do contratante, que está disposta na regra geral dos contratos, nos termos do art. 422 do Código Civil: “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.

Segundo Sérgio Cavalieri Filho, temos que:

“[...] Em apertada síntese, seguro é contrato pelo qual o segurador, mediante o recebimento de um prêmio, assume perante o segurado a obrigação de pagar-lhe uma determina indenização, prevista no contrato, caso o risco a que está sujeito se materialize em um sinistro. Segurador e segurado negociam as consequências econômicas do risco, mediante a obrigação do segurador de repará-las. Frise-se que em se tratando de contrato de seguro, o segurador só poderá se exonerar de sua obrigação se ficar comprovado o dolo ou a má-fé do segurado. Da mesma forma, o agravamento do risco pode servir de preceito ao não pagamento do sinistro, haja vista o desequilíbrio da relação contratual, onde o segurador receberá um prêmio inferior ao risco que estará cobrindo, em desconformidade com o avençado” (CAVALIERI FILHO, Sérgio. 2008, p. 419).

Vale ressaltar, também, as palavras de Maria Helena Diniz, que define o contrato de seguro desta forma:

“[...] é aquele pelo qual uma das partes (segurador) se obriga para com a outra (segurado), mediante o pagamento de um prêmio, a garantir-lhe interesse legítimo reativo a pessoa ou a coisa e a indenizá-la de prejuízo decorrente de riscos futuros, previstos no contrato” (CC, art. 757) (DINIZ, Maria Helena. 2002, p. 316).

Tais riscos podem ser relativos à vida, saúde ou ainda direitos e patrimônio do segurado, contra os quais eventuais fatos danosos podem acontecer. Além disso, não se pode falar somente em fatos danosos, visto que a atual amplitude do risco vai além dessa visão inicial, abrangendo inclusive situações de insucesso, infortúnios ou constrangimentos no âmbito das atividades da pessoa.

De acordo com os ensinamentos de Parizatto, o seguro é:

“[...] um contrato bilateral com obrigações para ambas as partes. O segurado para ter direito à indenização tem de pagar determinada quantia previamente ajustada, intitulada de prêmio, durante determinado período, no qual o seguro terá vigência. A seguradora, por sua vez, estando satisfeita acerca do pagamento do prêmio pelo segurado, tem a obrigação de ressarci-lo em caso de prejuízo previsto contratualmente.” (PARIZATTO, João Roberto. 2010, p.254)

Nesse âmbito, acrescenta Diniz que “a noção de seguro supõe a de risco, isto é, do fato de estar o sujeito exposto à eventualidade de um dano à sua pessoa, ou aos seus bens, motivado pelo acaso” (2002, p. 317).

Quanto à sua natureza jurídica, nas palavras de Flávio Tartuce, “o contrato de seguro é um contrato bilateral, pois apresenta direitos e deveres proporcionais, de modo a estar presente o sinalagma. Constitui um contrato oneroso pela presença de remuneração, denominada prêmio, a ser pago pelo segurado ao segurador. O contrato é consensual, pois tem aperfeiçoamento com a manifestação de vontade das partes. Constitui um típico contrato aleatório, pois o risco é fator determinante do negócio em decorrência da possibilidade de ocorrência do sinistro, evento futuro e incerto com o qual o contrato mantém relação.” (TARTUCE, Flávio)

Cavalieri Filho afirma que “três são os elementos essenciais do seguro - o risco, a mutualidade e a boa-fé -, elementos, estes, que formam o tripé do seguro, uma verdadeira, “trilogia”, uma espécie de santíssima trindade. Risco é perigo, é possibilidade de dano decorrente de acontecimento futuro e possível, mas que não depende da vontade das partes. Por ser o elemento material do seguro, a sua base fática, é possível afirmar que onde não houver risco não haverá seguro. As pessoas fazem seguro, em qualquer das suas modalidades - seguro de vida, seguro de saúde, seguro de automóveis etc. -, porque estão expostas a risco” (2008, p. 418).

Na grande maioria das vezes, o seguro constitui um contrato de adesão, pois o seu conteúdo é imposto por uma das partes, geralmente a seguradora. Assim sendo, prevê o Enunciado n. 370 CJF/STJ, aprovado na IV Jornada de Direito Civil, que, “nos contratos de seguro por adesão, os riscos predeterminados indicados no art. 757, parte final, devem ser interpretados de acordo com os arts. 421, 422, 424, 759 e 799 do Código Civil e 1.º, III, da Constituição Federal”. Em outras palavras, essa determinação dos riscos deve ser analisada à luz da função social dos contratos, da boa-fé objetiva e da proteção da dignidade humana, não podendo colocar o segurado aderente em situação de extrema desvantagem ou de onerosidade excessiva.

O seguro também constitui, via de regra, um contrato de consumo, eis que o art. 3.º, § 2.º, da Lei 8.078/1990 inclui entre os serviços por ela abrangidos os de natureza securitária. Isso inclui o seguro de dano e o seguro de vida, tratados pelo CC/2002. Também abrange o contrato de seguro-saúde, que tem como objeto a cobertura de serviços médico-hospitalares pela seguradora, mediante o pagamento de um prêmio pelo segurado (Súmula 469 do STJ). Em relação ao último, subsume-se ainda a Lei 9.656/1998, que é especial a respeito do tema.

O segurado tem como obrigações: a prestação de informações corretas para que seja formulado o valor do prêmio do seguro, o pagamento das parcelas e a comunicação à seguradora da eventual ocorrência de sinistro, que deve ser tempestiva.

Por outro lado, as obrigações do segurador vão mais além, sendo basicamente: a prestação de informações ao segurado sobre as condições do seguro, de forma completa e antes do contrato ser firmado, já na contratação o fornecimento de cópia de documento que demonstre os termos da apólice, e a correta, integral e célere indenização ou cobertura quando da ocorrência do sinistro.

A forma exigida para concretização do contrato em estudo é a escrita, conforme determina o artigo 758 do Código Civil ao prescrever que “o contrato de seguro prova-se com a exibição da apólice ou do bilhete do seguro, e, na falta deles, por documento comprobatório do pagamento do respectivo prêmio”.

Há a necessidade de prova de culpa grave do segurado, conforme leciona o art. 768[2] do Código Civil, para a hipótese de a seguradora se eximir da responsabilidade pelo pagamento de seguro contratado, havendo inclusive a menção na necessidade de prova da intenção em agravar o risco.

Ou seja, o segurado somente perderá o direito à garantia se de fato agravar intencionalmente o risco objeto do contrato. Assim, deve restar comprovado o dolo, não sendo suficientes negligência ou imprudência somente.

Em relação ao contrato de seguro de vida, a veracidade das informações prestadas pelo contratante no preenchimento da proposta adquire importância ímpar, considerando-se que essas declarações serão o fundamento para a aceitação – ou não – da proposta pelo segurador e, futuramente, em caso de requerimento de pagamento de indenização, constituirão também o fundamento para a aferição da boa-fé do contratante no momento da contratação do seguro.

A respeito, o artigo 766 do Código Civil estabelece que "(s)e o segurado, por si ou por seu representante, fizer declarações inexatas ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, perderá o direito à garantia, além de ficar obrigado ao prêmio vencido".

A doença pré-existente à data do preenchimento da proposta do contrato de seguro constitui um dos principais fundamentos para a negativa de pagamento de indenização pela seguradora.

Porque o princípio da boa-fé objetiva deve necessariamente reger a conduta do contratante do seguro, nos termos dos artigos 422 e 765, nada justifica que o segurador desconfie das declarações prestadas pelo interessado. Rememorada a regra de que a boa-fé é sempre presumida, uma vez prestadas as informações pelo proponente, é de se tê-las como verdadeiras, sob a presunção de sua estrita boa-fé, em obediência ao dever legal que lhe é imposto.

Entretanto, se não se exige do segurador que submeta o proponente a exames de saúde prévios ou que imponha ao proponente a condição de apresentação de laudos de exames realizados previamente, também não se proíbe ao segurador que os exija[3]. E, se este não os exige, assume o risco inerente ao contrato de seguro, à exceção da hipótese de comprovação da má-fé do segurado.

Para fins de diferenciação dos casos em que a indenização é devida daqueles em que não o é, a verdadeira discussão a respeito da doença pré-existente não se refere à sua existência, mas sim ao conhecimento de sua existência pelo segurado e à sua omissão quando do preenchimento da proposta de seguro.

Somente o fato de o segurado ser portador de uma doença à data do preenchimento da proposta de seguro, e não informá-la, não permite a conclusão de que tenha agido de má-fé, considerando-se que, se não tinha conhecimento da doença, não se lhe poderia exigir tal informação.

No ensinamento de J. M. Carvalho Santos, "o segurado, em se tratando de seguro de vida, deve, regra geral, esclarecer a idade, a profissão, o estado de saúde. Qualquer informação falsa ou errada, qualquer omissão ou reticência, da parte do segurado, dará motivo à nulidade do contrato, pelas razões já conhecidas. Mas, evidentemente, quando o segurador, por esse fundamento, recusa pagar o seguro, claro que lhe cabe provar: a) não só que o segurado, no momento da celebração do contrato, já sofria da moléstia de que veio a falecer; b) como ainda que ele a conhecia e que efetivamente a dissimulou".

A presunção de boa-fé opera sempre em benefício do segurado, o que equivale a dizer que, não comprovado pelo segurador que aquele, à data do preenchimento da proposta do contrato de seguro, tinha conhecimento da doença de que estava acometido e em razão da qual faleceu, e a omitiu quando das declarações a respeito de seu estado de saúde, é de se reconhecer ao beneficiário o direito ao recebimento da indenização[4].

Se por um lado a boa-fé do segurado é presumida e prevalece em caso de dúvida, por outro lado se permite ao segurador a comprovação da má-fé do segurado, mediante a prova de que este tinha conhecimento, à data do preenchimento da proposta do contrato de seguro, da doença que posteriormente causou a sua morte, e deliberadamente deixou de informá-la.

Assim, se o proponente omitir deliberadamente a doença de que se sabe acometido, comprova a sua intenção de burlar o seu dever de informação e retira do segurador a possibilidade de decidir se o aceita ou não no grupo nas suas reais condições da saúde, de forma que caracteriza a má-fé do proponente e permite a negativa de pagamento de indenização pelo segurador. Caso contrário, não.

Ou seja, caso haja doença pré-existente, mas não exista prova do seu conhecimento pelo proponente no momento do preenchimento da proposta de seguro, vale a presunção de sua boa-fé, o que impõe ao segurador o dever de pagamento da indenização.

No caso em tela, houve a contratação de um seguro saúde e ao consumidor foi negada cobertura do tratamento de saúde (cirurgia) em razão de doença preexistente quando da assinatura do contrato.

A noção de “doença preexistente” foi criada pelas empresas operadoras de planos e seguro saúde como uma forma de afastar a cobertura de doenças que o consumidor eventualmente já possuísse anteriormente à contratação do plano ou seguro saúde.

De fato, a legislação atual incorporou tal premissa conceituando a doença preexistente como "aquelas que o consumidor ou seu responsável saiba ser portador ou sofredor à época da contratação do plano" (Art. 1º, Resolução nº 2, CONSU).

Portanto, o fato de uma patologia vir a ser considerada preexistente ou não incide diretamente sobre os prazos de carências a serem observados.

O objetivo de tal normatização seria evitar que o indivíduo, sabedor do fato de sofrer de alguma patologia (que possivelmente demandaria tratamento de alto custo, internações, procedimentos cirúrgicos, etc), viesse a contratar o plano de saúde exclusivamente para garantir o tratamento.

Ocorre que, embora a princípio legítima a premissa, podemos dizer que é muito difícil determinar quando uma doença não congênita passa a se manifestar.

Lamentavelmente as empresas de planos e seguro saúde passaram a considerar indiscriminadamente várias doenças como preexistentes, utilizando esse argumento para negar – em muitos casos indevidamente -, a cobertura de tratamentos e procedimentos médicos para pacientes com AIDS, câncer, obesidade, entre outras patologias não congênitas.

Tem predominado em nossos tribunais o entendimento de que cabe aos planos de saúde - inclusive por possuírem melhores condições técnicas -, exigirem, se for o caso, a realização de perícia médica após a entrevista qualificada que precede a contratação.

Se não o fazem, não podem, posteriormente, alegar a negativa de cobertura por tratar-se de doença preexistente.

Nesse sentido, a jurisprudência atual:

"AGRAVO REGIMENTAL. PLANO DE SAÚDE. COBERTURA. DOENÇA PREEXISTENTE. BOA FÉ E AUSÊNCIA DE EXAME PRÉVIO. RECUSA. ILÍCITA. DECISÃO UNIPESOAL ART. 557, CPC. - E ilícito ao relator negar seguimento a recurso que esteja em descompasso com a jurisprudência do STJ. É ilícita a recusa dacobertura securitária, sob a alegação de doença preexistente à contratação do seguro-saúde, se a Seguradora não submeteu a segurada a prévio exame de saúde e não comprovou a má-fé. Precedentes. (AgRg no Ag 973.265/SP, Rei. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ17.3.08)."

"Não é possível presumir-se a má-fé da segurada sobre a pré-existência da doença sem respaldo em prova técnica e, ainda, neste caso, sem que sequer tenha sido alegada e demonstrada pela seguradora" (Resp 617239/MG, Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, j . 14/09/2004).

Assim, de acordo com Luciano Correia Bueno Brandão:

 “o ônus da prova acerca da eventual preexistência de doenças e da má-fé do consumidor em ocultá-las ou omiti-las recai sobre as operadoras de planos e de seguro saúde que devem se cercar das cautelas necessárias no momento da contratação, se for o caso. Se no momento da contratação a mera entrevista qualificada é tida por suficiente e nenhuma ressalva se faz quanto às restrições decorrentes de eventual doença preexistente, não podem as operadoras, posteriormente, se furtarem à cobertura dos procedimentos e tratamentos a que o consumidor venha eventualmente a necessitar, observados os prazos ordinários de carência, sob pena de ser passível a questão de ser apreciada pelo Poder Judiciário.” (BRANDÃO, Luciano Correia Bueno).

De acordo com o Professor Flávio Tartuce, tanto doutrina como jurisprudência sinalizam para o fato de que os danos morais suportados por alguém não se confundem com os meros transtornos ou aborrecimentos que a pessoa sofre no dia a dia. Isso sob pena de colocar em descrédito a própria concepção da responsabilidade civil e do dano moral. Cabe ao juiz, analisando o caso concreto e diante da sua experiência, apontar se a reparação imaterial é cabível ou não. Nesse sentido, foi aprovado, na III Jornada de Direito Civil, o Enunciado n. 159 do Conselho da Justiça Federal, pelo qual o dano moral não se confunde com os meros aborrecimentos decorrentes de prejuízo material.

Para concretizar tal dedução, o Superior Tribunal de Justiça tem entendido de forma reiterada que a mera quebra de um contrato ou o mero descumprimento contratual não gera dano moral. (TARTUCE, Flávio. 2014.)

Dentro do mesmo raciocínio, de acordo com a ideia do caráter pedagógico da indenização por danos morais, o STJ tem entendido que a recusa de custeio das despesas por parte de empresa de plano de saúde não é mero aborrecimento, mas constitui dano moral presumido (STJ, REsp 880.035/PR, Rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 21.11.2006).

Vejamos o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão também neste sentido:

Ementa: CIVIL. PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. SEGURO SAÚDE. NECESSIDADE MÉDICA EMERGENCIAL. NEGATIVA DE COBERTURA. ALEGAÇÃO NÃO COMPROVADA DE DOENÇA PREEXISTENTE AO CONTRATO. DANOS MORAIS. OCORRÊNCIA. IMPROVIMENTO. I - Firmado contrato de seguro saúde e não havendo inadimplência, espera-se, legítima e logicamente, que a seguradora assuma o risco de arcar com despesas médicas se e quando necessário; II - o colendo STJ firmou entendimento de que "a recusa indevida à cobertura pleiteada pelo segurado é causa de danos morais, já que agrava a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito do segurado, pois este, ao pedir a autorização à seguradora, já se encontra em condição de dor, de abalo psicológico e com a saúde debilitada" (STJ, REsp. 657.717/RJ, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, DJ 12.12.2005); III - apelação improvida (TJ-MA - APELAÇÃO CÍVEL AC 126812007 MA, publicado em 14.01.2008).

Em sentido contrário, se manifestou o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Senão vejamos:

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. SEGURO DE VIDA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. MORTE DA SEGURADA. ALEGAÇÃO DE DOENÇA PREEXISTENTE. VIOLAÇÃO DO DIREITO DE INFORMAR. NÃO COMPROVADA A MA-FÉ NA CONTRATAÇÃO. DEVER DE PAGAMENTO DO SEGURO NOS TERMOS DO CONTRATO. Não restou demonstrado que a segurada recebeu esclarecimentos sobre a necessidade de exatidão das informações prestadas e a inviabilidade do pagamento da cobertura no caso de morte decorrente da doença que estava tratando, tendo a apelada violado o direito de informação que é assegurado ao contratante, conforme previsto no artigo 6º , inciso III , do Código de Defesa do Consumidor , norma esta que deriva do princípio da transparência expresso no artigo 4º do mesmo diploma legal, como dever de lealdade e respeito nas relações entre fornecedor e consumidor, inclusive na fase pré-contratual. Não há evidência nos autos da má-fé da segurada ao contratar o seguro supostamente omitindo informações relevantes a respeito do seu estado de saúde. No formulário de adesão, inexistem instruções por parte da seguradora a respeito da forma de preenchimento da proposta, tampouco acerca da necessidade de eventual comprovação do estado de saúde da interessada na contratação. DANO MORAL. INOCORRÊNCIA. Eventuais atos praticados pela demandada, em desacordo com a expectativa da contratante, são considerados pequenos dissabores e contrariedades normais da vida em sociedade que não geram o direito à indenização por dano moral. Ônus da sucumbência redimensionados. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO, POR MAIORIA, VENCIDA A RELATORA. (Apelação Cível Nº 70056023948, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sergio Luiz Grassi Beck, Julgado em 30/10/2013)

Assim, temos o entendimento de que eventuais atos praticados pela seguradora em desconformidade com a expectativa da contratante se trata de mero aborrecimento, não sendo capaz de gerar dano moral.

No entanto, pela jurisprudência do STJ se percebe que o entendimento é de que “o descumprimento do contrato que envolva valores fundamentais protegidos pela CF/1988 pode gerar dano moral presumido ou in re ipsa.” (TARTUCE, Flávio. 2014.). Ou seja, independe de comprovação.


Notas

[1] Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.

[2] Art. 768. O segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato.

[3] "Uma exigência própria do seguro de vida, embora dispensável pelo segurador, é o exame médico do candidato" (Orlando Gomes. Contratos. 21 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2000, p. 421).

[4] Nesse sentido: "Se não demonstrado convincentemente ter o segurado agido de má-fé ou que a omissão, ao prestar informações, foi intencional, o contrato é válido, devendo a seguradora efetuar o pagamento do benefício. Dispensando a seguradora, no contrato, exame médico, há que se crer na palavra do segurado, cabendo àquelas provar a má-fé deste. Em caso de dúvida, resolve-se em favor do segurado" (TJSC – Apelação Cível n.º 97.015052-0 – Origem: Blumenau – Relator: Des. Anselmo Cerello).



Informações sobre o texto

O presente artigo visa apresentar um panorama analisando a possibilidade de incidência de danos morais ante a negativa de cobertura de procedimento cirúrgico em casos de alegação de doença preexistente.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REINA, Mariana de Oliveira Garrido. Contrato de seguro saúde. Da abusividade na negativa de cobertura de procedimento cirúrgico . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4457, 14 set. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/33855. Acesso em: 29 mar. 2024.