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Má-fé no processo civil brasileiro

Má-fé no processo civil brasileiro

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O presente artigo visa observar através da evolução social, o conceito da boa-fé como um dever-ser do homem médio, requisito este basilar para aquele que se socorre do judiciário na busca da solução de um conflito.

Da Boa-Fé No Processo

Antes de conceituarmos o tema, imperioso se faz, entendermos a noção de boa-fé e da lealdade processual nos dizeres de Humberto Theodoro Júnior:

Enquanto que cada parte na relação processual busca com a lide a defesa e solução de um conflito privado, o Estado como detentor da tutela jurisdicional busca um objetivo maior, qual seja, a pacificação social, com a justa composição do litígio e a prevalência do império da Ordem jurídica Humberto Theodoro Júnior.[1]

 

Nos dizeres do autor em comento, que explica que tanto estado quanto sociedade são empenhados na busca de um processo eficaz, reto, prestigiado, útil ao seu elevado desígnio dessa necessidade, o legislador pátrio se preocupou em criar leis processuais que assentasse os princípios relativos a boa-fé bem como a lealdade das partes e do juiz.

A nosso sentir, de nada adiantaria para o Estado, na busca da pacificação social, uma lide que não fosse isonômica, que não fosse pautada pela boa-fé entre as partes interessadas.

Assim, diz Humberto Theodoro Júnior que “a lei não tolera a má-fé e arma o magistrado de poderes para atuar de ofício contra a a fraude processual”. De modo que a lealdade processual nada mais é do que a consequência da boa-fé no processo e com isso exclui a fraude processual, os recursos torcidos, a prova deformada, as imoralidades de toda ordem.

Entendemos que por ser o juiz, o representante do Estado, é dever do mesmo buscar sempre o que é justo nos fatos apresentados pelas partes, o que é isonômico, sem detrimento deste ou de qualquer interesse escuso.

O nobre autor citado, diz ainda que “de forma a coibir a má-fé e velar pela lealdade processual, o juiz deve agir com poderes inquisitórios, deixando de lado o caráter dispositivo do processo civil”.

Já Américo Plá Rodriguez [2] faz a distinção entre a boa-fé crença e a boa-fé lealdade:

“a boa-fé-crença é a posição de quem ignora determinados fatos e pensa, portanto, que sua conduta é perfeitamente legítima e não causa prejuízos a ninguém. É o sentido que se empresta quando se fala do possuidor de boa-fé (que ignora o vício ou o obstáculo que lhe impede a aquisição da coisa ou do direito possuído) ou do cônjuge que contrai um matrimônio putativo (pois ignora o impedimento ou o erro essencial e, em consequência, os efeitos jurídicos se produzem como se o ato fosse válido) A boa-fé lealdade se refere a conduta da pessoa que considera cumprir realmente com o seu dever. Pressupõe uma posição de honestidade e honradez no comércio jurídico, porquanto contém implícita a plena consciência de não enganar, não prejudicar, nem causar danos. Mais ainda: implica a convicção de que as transações são cumpridas normalmente, sem trapaças, sem abusos, nem desvirtuamentos.”

Assim, no primeiro conceito, o agente que cometer o ato de má-fé deverá segundo o autor, colocar a diligência necessária, ou seja, deverá reunir todos os esforços para o cumprimento do ato lesivo da boa-fé. Já no segundo conceito deve-se recorrer segundo o autor a consciência objetiva, que se exterioriza, sai portanto do campo das idéias.

Conclui-se do exposto que a boa-fé lealdade deverá vigorar como princípio de direito do trabalho pois se exterioriza como um comportamento objetivo, e não uma mera convicção. Neste sentido, o entendimento de nossos tribunais superiores:

MULTA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. Um dos princípios que norteiam todas as relações contratuais, dentre as quais as trabalhistas é o princípio da boa-fé. Constitui uma das chaves-mestras do novo Código Civil, sinalizando para o modo como devem ser interpretados os negócios jurídicos (artigo 113 do CCB). A boa-fé consiste na intenção moralmente reta no agir, que se supõe na conduta normal da pessoa. Assim, a conduta, quer processual, quer negocial, das partes no Direito e no Processo do Trabalho deve ser interpretada como um agir de boa-fé, até que se demonstre, por provas ou indícios concretos que se agiu de má-fé.(TRT-1 - RO: 2088620125010041 RJ , Relator: Jose Antonio Piton, Data de Julgamento: 04/09/2013, Segunda Turma, Data de Publicação: 17-09-2013)

Dos deveres das partes

Temos no título II do livro I do código de processo civil[3], os deveres que as partes deverão ter a fim de se alcançar a tutela jurisdicional. São deveres que não são apenas processuais, mas acima de tudo, éticos, morais, como expressões máximas de um estado democrático de direito.

No que tange os deveres, temos no artigo 14, um rol de obrigações, as quais as partes deverão se filiar.

Diz Humberto Theodoro Júnior [4] que:

“... As partes são livres para escolher os meios mais idôneos à consecução de seus objetivos.” Tal liberdade, deverá, porém respeitar os fins superiores que inspiram o processo.

Neste passo, conclui-se que as partes deverão se conduzir pelos princípios da lealdade, da probidade que segundo o autor são “Figuras que resumem os itens do artigo 14, em sua acepção mais larga”.

O citado doutrinador conclui seu entendimento citando ANDRIOLI, doutrinador Italiano que diz:

“As noções de lealdade e probidade não são jurídicas, mas sim da expressão social”. E ainda conclui dizendo “A lealdade é o hábito de quem é sincero e, naturalmente abomina a má-fé e a traição, enquanto que a probidade é própria de quem atua com retidão”.

 

Em nosso sentir, entendemos que lealdade, probidade, ética, moral, são portanto conceitos sociais e fruto da evolução humana.

Do conceito de ser ético, as conclusões de Fábio Konder Comparato [5].., que ao citar o filósofo Aristóteles diz:

 

“Na concepção ética de Aristóteles, não há propriamente uma relação bipolar entre o bem o mal, mas a contraposição entre o bem e dois extremos de mal. O extremo do excesso e da escassez. A virtude, segundo Aristóteles é uma posição mediana entre esses dois extremos.

Há segundo o autor, um dualismo entre o bem e o mau, que é da própria essência da vida ética. “... Inscreve-se na consciência do ser humano”.

E por fim, ao falar da justiça, entendemos ser salutar, o entendimento do autor acima citado quanto á noção de justiça, valendo-se de Platão, grande filósofo da antiguidade.

“...Platão chega a uma primeira definição da essência da justiça. ‘’Não devemos fazer aos outros o que não queremos que eles nos façam...”

De modo que o ser probo, justo, ético, desde a antiguidade já era um conceito implícito no convívio social. Neste passo, interessante ressaltar que o autor conclui em suas análises que

“...A procura da vantagem pessoal é mesmo o oposto de toda manifestação da justiça...” p.525.

Acerca do dever de lealdade, Humberto Theodoro Júnior[6] diz:

Ocorre, outrossim, violação do dever de lealdade em todo e qualquer ato inspirado na málicia ou na má-fé e principalmente naqueles que procuram desviar o processo da observância do contraditório.”

 

Isto ocorre, segundo o autor, quando a parte procura maliciosamente abreviar o processo de seu objetivo principal e assim criar uma relação unilateral onde só os interesses de uma das partes deverá prevalecer perante o juiz.

Como exemplos, o autor cita a conduta maliciosa da parte que retarda a execução da sentença ou da medida antecipatória, objetivando se beneficiar com uma multa judicial exorbitante que com efeito se tornará a ruína do devedor e enriquecimento indevido do credor.

Quanto aos deveres de lealdade e probidade dos artigos 14 e 15 do código de processo civil, estes tocam a ambas as partes (autor e réu) bem como terceiros intervenientes e advogados que os representam no processo.

Se antes a lei acerca do tema conferia a litigância de má-fé apenas as partes e seus procuradores, com a inovação da Lei 10.358/2001[7], este conceito foi ampliado para a expressão “...Todos aqueles que de qualquer forma participam do processo” (artigo 14 caput, em sua nova redação). Desta forma, conclui o autor que... Assim, o funcionário público, ou o empregado de empresa privada, no exemplo, uma vez convocado a informar, fornecer dados, exibir registros, ou coisas, estará sujeito aos deveres de veracidade, lealdade e boa-fé.”

Conclui-se que todo ato judicial, deverá ser cumprido, na forma e prazo determinados.

Uma vez identificado que determinado agente do ilícito praticado se negar a cumprir a ordem judicial, o determinado órgão estará autorizado, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis aplicar ao responsável, a multa de até vinte por cento do valor da causa.

Tal pena, segundo o autor, será arbitrada nos próprios autos em que ocorreu a infração e assinará prazo para seu pagamento. O montante será fixado com base na gravidade da conduta do infrator.

Uma vez não sendo efetuado o pagamento que será contado do trânsito em julgado da decisão final da causa, a multa será inscrita na dívida ativa da União ou do Estado, conforme se trate de processo da justiça federal ou estadual.

Neste passo, temos no artigo 16 do código de processo civil que da má-fé do litigante, resulta o dever legal de indenizar as perdas e danos causados à parte prejudicada.

Tal responsabilidade segundo Júnior (2011)[8]

“... pressupõe o elemento objetivo dano e o subjetivo culpa, mas esta não se confunde necessariamente com o dolo e pelo casuísmo legal, pode às vezes limitar-se à culpa em sentido estrito, mas de natureza grave ( artigo 17, I e VI).

 

Assim, temos nos artigos 17 e 18 do referido diploma legal, respectivamente o rol daquele que é considerado litigante de má-fé bem como no artigo seguinte, o conteúdo relativo a indenização a favor daquele que foi lesado em seu direito.

Neste sentido, o referido autor ainda faz uma ressalva ao fato de que independente do litigante de má-fé vier a ganhar a causa, a punição a qual se refere os referidos artigos será devida.

Consoante o ressarcimento dos prejuízos, cita o autor a aplicação de multa de até um por cento sobre o valor da causa (inteligência do artigo 18, com a redação da Lei nº 9.668, de 23.06.98[9]), verba essa que será revertida em favor da parte prejudicada- Júnior[10]. Há que se ressaltar a grande dificuldade que ora antes se mostrava na parte provar a litigância de má-fé da parte contrária que com o avanço do diploma acima citado veio a trazer autonomia ao magistrado que agora poderá de ofício ou ainda a requerimento da parte determinar punição aquele que a cometeu., tomando-se por base o valor da causa, que não poderá ultrapassar o limite de 20% do valor da causa, ou alternativamente, que se determine a liquidação por arbitramento.


[1] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento.53. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 39.

[2] RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. 3ªed. São Paulo: LTR, 2000. p. 425

[3] NEGRÃO, Theotonio. Código de Processo Civil: Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor. 44ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p 129.

[4] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 52ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 2011. p 100.

[5] COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras. 2013. p 525.

[6] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 52ª ed. Rio de Janeiro. Forense. 2011. p 100.

[7] BRASIL. Lei n° 10.358 de 27 de dezembro de 2001. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10358.htm >. Acesso em: 18 out. 2014.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 52ª ed. Rio de Janeiro. Forense. 2011. p 102[8]

[9] BRASIL. Lei n° 9.668 de 23 de junho de 1998. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9668.htm>. Acesso em: 18 out. 2014.

[10] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 52ª ed. Rio de Janeiro. Forense. 2011. p 103


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