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Do caos do sistema prisional brasileiro

Do caos do sistema prisional brasileiro

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Este artigo procura expõe a atual situação do sistema prisional brasileiro, podendo servir de base para inúmeras críticas e estudos de sua melhoria.

1. Da estrutura dos presídios

Quase diariamente é possível vermos a imprensa noticiar o estado precário dos presídios brasileiros decorrente da falta de vagas e da superlotação, principalmente. É também sabido que o alto custo para a criação e a manutenção dos estabelecimentos carcerários determina um terrível desgaste da responsabilidade do Governo pela questão. Tudo isso deteriora a expectativa de recuperação do condenado, que, em tese, é o grande objetivo das prisões.

Antigamente havia os navios negreiros que traziam os negros da África, batizavam de escravos e os colocavam nas senzalas. Os presídios podem ser considerados como continuações das senzalas, uma vez que somente a classe pobre e miserável é que realmente fica presa.

Em 2003, o estudante mineiro Marcelo Ribeiro foi preso após uma manifestação do Movimento Estudantil Popular Revolucionário no Rio de Janeiro. Ao ser liberado, escreveu para o Jornal Estudantes do Povo uma matéria na qual relata os quatro dias em que esteve detido na Polinter. Seu texto é uma grande denúncia sobre o massacre que ocorre nas prisões no Brasil:

Mais de 80% dos detentos foram presos sob alegação de pequenos delitos como furto, porte de arma e uso de drogas. Porém o que mais me chamou a atenção foi que quase todos que entram nas celas possuem marcas visíveis de tortura. Um exemplo é Waldemir Jesus dos Santos: preso com a acusação de tráfico de drogas. Tinha 25 marcas de queimaduras provocadas por ponta de cigarro no pescoço, o que é uma prática muito comum dos policiais para obrigar os detentos a assinarem confissões. No caso de Waldemir, chegaram a cobrar R$ 500,00 para soltá-lo, o que também é muito comum. (...)

A situação dos detentos dentro da Polinter, conhecida no Rio de Janeiro como "Massacre", é um espelho de todo o sistema carcerário brasileiro. Quase todas as tarefas de organização, como limpeza e distribuição de pertences das visitas, é realizada por detentos. Mas isto não garante que a situação deles melhore, pois o que mais se ouve é que as condições têm piorado sensivelmente dentro dos cárceres. O problema principal que todos levantam refere- se à alimentação, acompanhada da superlotação. (...)

E continua:

Dentro da cela tínhamos quatro tuberculosos e um portador de HIV, o que exigia cuidados especiais. Estes cuidados eram dados pelos próprios detentos, pois a solicitação de médicos sempre era negada pela diretoria. Os tuberculosos ficavam sempre, por medida de segurança, próximos da porta da carceragem e o soropositivo sempre deitado. Havia uma comissão responsável pelo banho dessas pessoas caso elas não conseguissem lavar- se sozinhas. No que se refere à alimentação, tinham preferência em comer mais (...).

Ao meio-dia chegou o almoço: arroz azedo, já quase podre, macarrão azedo e uma salsicha já preta. De acordo com os relatos, todos estavam dispostos a não comer aquela comida estragada e queriam fazer alguma coisa a respeito. Imediatamente após distribuírem as marmitas se iniciou uma reunião tendo como pauta a alimentação. Surgiu a proposta de greve de fome por 72 horas, e se não surtisse efeito, rebelião. Palavra esta mais que temida pela diretoria do presídio e pelo estado (...).

Essa revolta que dá origem às rebeliões pode ser comparada à vontade de vingança dos escravos negros, na qual o poeta Castro Alves expressa em seu poema Bandido Negro.

Cai, orvalho de sangue do escravo,

Cai, orvalho, na face do algoz.

Cresce, cresce, seara vermelha,

Cresce, cresce vingança feroz.

Neste sentido, resta claro o incitamento do escritor à revanche dos oprimidos. A mesma revolta que sentimos por saber que os escravos foram tão maltratados e expostos às situações indignas, devemos sentir por grande maioria de nossos presidiários. A realidade dos presídios está longe do aceitável e mais longe ainda de alcançar a finalidade que lhe é atribuída.

Para avaliar as condições dos presídios do País, em 2008, a Câmara dos Deputados criou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), com base em levantamento do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) do Ministério da Justiça. O relatório final revelou que 80% dos presos não estudam ou trabalham e, pior, que 30% da população carcerária cumpre pena indevidamente. A informação foi divulgada pelo relator da CPI, deputado federal Domingos Dutra[1] (PT-MA). Segundo ele, a melhor definição que qualifica o sistema carcerário brasileiro é a de um “verdadeiro inferno”, uma vez que a situação encontrada reflete um “caos absoluto”.

De acordo com o parlamentar:

Uma pessoa que é presa, às vezes, porque roubou um rádio de pilha ou duas latas de leite, é colocada na cadeia e quando sai dali - barbarizada, torturada e vivendo como animal - já sai como soldado do crime organizado. Porque o Estado faliu na sua missão de recuperar aquele que ele puniu.

A investigação constatou que os estados da Bahia, Rio Grande do Sul, Rondônia e Mato Grosso do Sul, são os que registraram os casos mais graves. Em uma colônia agrícola em Mato Grosso do Sul projetada para abrigar cerca de 80 presos havia 680, sendo que 60 deles dormiam junto com os porcos. Em Contagem, Minas Gerais, foi encontrada uma cela construída para 12 presos, mas que abriga um total de 70. Os detentos, de acordo com o deputado, se revezam para dormir a noite e usam um sanitário impróprio. No Rio de Janeiro, os presos são separados de acordo com a facção criminosa que pertencem: Terceiro Comando, Comando Vermelho, Amigo dos Amigos (ADA) ou Inimigo dos Inimigos (IDI).

Além disso, o deputado afirmou que o gasto mensal com cada detento no País gira em torno de R$1,3 mil e que o valor retirado dos cofres públicos para custear o abrigo em presídios de pessoas presas indevidamente representa uma "fábula de dinheiro".

Ainda segundo Dutra, outra realidade encontrada foi o fato de somente os pobres estarem presos. Relatou que por onde passou só encontrou “gente pobre” e nenhum “colarinho branco”. Ele lembra que, de 2003 a 2008, a Polícia Federal deflagrou mais de 230 operações que resultaram na prisão de mais de quatro mil pessoas entre prefeitos, advogados, vereadores, contadores e secretários. "Mas o pessoal não fica preso, porque eles têm recurso, bons advogados e são influentes", critica.

Esta mesma crítica também é feita pelo professor e Promotor de Justiça, Marcelo Cunha de Araújo. Em seu livro “Só é preso quem quer! Impunidade e ineficiência do sistema criminal brasileiro”, o professor traz de forma clara e precisa as “mazelas do direito penal”, tentando explicar por que a Justiça trata de forma tão diferente os ricos e os pobres. A conclusão que se chega, segundo as palavras do Promotor:

É praticamente impossível a prisão provisória e a sua manutenção aos mais abastados. Sem responder ao processo preso, e tendo acesso a excelentes advogados é de se esperar que todos os artifícios sejam realizados para prolongá-lo, visando à manutenção da liberdade e à prescrição. Fica evidente que vários anos se passarão entre o fato (que normalmente é de difícil apuração) e uma (improvável condenação). Todos esses anos o réu rico permanecerá solto, escudado em um princípio da preservação do estado de inocência que nunca cede, ainda quando existam várias manifestações intermediárias de autoridades públicas isentas no sentido de sua culpabilidade (ARAÚJO, 2009, p.24).

Além disso, o próprio sistema privilegia os mais ricos, quando, por exemplo, na aplicação do regime semi-aberto, deixa a cargo de cada condenado comprovar proposta de emprego e curso para que seja possível o benefício de trabalhar e estudar fora da prisão. Os ricos facilmente conseguem motivação para se recolherem às penitenciárias apenas à noite, para dormir. Os pobres não, tendo que ficar presos o dia todo.

O Papa João Paulo II, em sua mensagem para o “Jubileu nos Cárceres”, diz que “para tornar mais humana a vida na prisão, é muito importante prever iniciativas concretas que permitam aos reclusos realizar, na medida do possível, atividades laborativas capazes de retirá-los do envilecimento do ócio”. Recorda, ainda, a necessidade de acompanhamento psicológicos para os problemáticos da personalidade. “O cárcere não deve ser um lugar de deseducação, de ócio e talvez de vício, mas de redenção”. (PAULO II, 2000).

O resultado dessa situação indigna vivida pelos presidiários, de acordo com o relator da CPI, o deputado federal Domingos Dutra recém reeleito em outubro de 2010, é que o detento pobre cumpre a pena prevista e, quando recebe liberdade, volta a cometer novos delitos. "Sai mais velho, analfabeto, sem qualificação e ainda com o atestado de preso." Ou seja, como muito bem observado pela advogada Joseane A. S. de Jesus em seu artigo, os presidiários enfrentam tripla punição: “São punidos pelo juiz, posteriormente punidos dentro dos presídios, ao sofrerem agressões físicas e morais e, finalmente, quando deixam a prisão, são punidos pelo preconceito da sociedade.” (JESUS, 2010, p. 2). Mais uma vez a dignidade prevista expressamente na Constituição é esquecida.


2. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e os Direitos dos Presos

“A autonomia da vontade, entendida como a faculdade de determinar a si mesmo e agir em conformidade com a representação de certas Leis, é um atributo apenas encontrado nos seres racionais, constituindo assim, o alicerce da dignidade humana”. Immanuel Kant

Das palavras do filósofo iluminista Immanuel Kant percebe-se que a dignidade da pessoa humana sempre foi almejada, idealizada. Mas ao contrário de Hegel, para o qual a dignidade é uma qualidade a ser buscada, para Kant todo ser humano é digno por natureza, não podendo ser tratado, nem por ele mesmo, como um objeto.

Somente após a 2ª Guerra Mundial, período em que o mundo vivenciou grandes atrocidades, é que o princípio da dignidade da pessoa humana foi incorporado às Constituições dos Estados. No Brasil, tal princípio é garantido aos brasileiros no art. 1º, inciso III, da Carta Magna:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(...)

III - a dignidade da pessoa humana.(BRASIL, 2009).

Diante da situação “frágil” do preso, o referido princípio é invocado pelo direito processual penal na busca de garantir ao condenado uma reintegração social de forma digna e respeitosa.

No entanto, o sistema penitenciário brasileiro, em suas atuais circunstâncias, não é capaz de garantir ao preso condições dignas e muito menos sua reintegração na sociedade. Isto porque há quatro vezes mais presos que o País comporta, segundo dados divulgados em 2008 pelo Departamento Penitenciário Nacional - Depen, órgão do Ministério da Justiça.

O que assusta, porém, é que, apesar da previsão legal das penas alternativas, grande parte dos presos sequer foi condenada. Além disso, a maioria está presa por ter cometido crime contra o patrimônio, conforme o seguinte gráfico[2]:

Importante ressaltar que o preso não só tem deveres a cumprir, mas também é sujeito de direitos, que devem ser reconhecidos e amparados pelo Estado. Apesar dos direitos perdidos e limitados pela condenação, o detento possui condição jurídica igual à das pessoas não condenadas. (ALBERGARIA, 1993, p.147-148).

O preso encontra-se numa relação jurídica penitenciária em face do Estado com direitos e deveres recíprocos derivados da sentença para o condenado e para a administração penitenciária. (ALBERGARIA, 1993, p. 148).

Ficou para trás o tempo em que o condenado à pena privativa de liberdade era desprendido de todos os direitos. Atualmente sabe-se que as idéias de correção e educação não estão relacionadas com degradantes regimes prisionais e sim com o respeito e a proteção da dignidade humana. (RODRIGUES, 2001, p. 65-66).

O movimento geral de defesa dos direitos da pessoa humana refletiu de certa forma no interesse atual pelos direitos do preso. Sabe-se que os presos sempre foram alvos de excessos e discriminações quando submetidos aos cuidados de guardas ou carcereiros, sendo nessas ocasiões violados seus direitos humanos. Os referidos direitos são os que naturalmente cada pessoa tem, simplesmente pelo fato de serem seres humanos. (MIRABETE, 2004, p.118).

Devido ao fato de ser privado de liberdade o preso possui uma situação especial que impõe uma limitação dos direitos previstos na Constituição Federal e nas leis, o que não quer dizer que o mesmo perde além da liberdade, sua condição de pessoa humana e a titularidade dos direitos não atingidos pela sentença condenatória. É inútil lutar contra os prejuízos da prisão se não garantir juridicamente os direitos do condenado, o que é uma exigência fundamental na execução penal. (MIRABETE, 2004, p. 118).

Além da dignidade garantida aos presos prevista na Constituição da República, a Lei de Execução Penal também especifica os direitos do preso em seus artigos 3º, 40 e 41, senão vejamos:

Art. 3º. Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei.

Parágrafo único. Não haverá qualquer distinção de natureza racial, social, religiosa ou política.

Art. 40. Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios.

Art. 41. Constituem direitos do preso:

I- alimentação suficiente e vestuário;

II - atribuição de trabalho e sua remuneração;

III - previdência social;

IV - constituição de pecúlio;

V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação;

VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena;

VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa;

VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo;

IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado;

X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados;

XI - chamamento nominal;

XII - igualdade de tratamento, salvo quanto às exigências da individualização da pena;

XIII - audiência especial com o diretor do estabelecimento;

XIV - representação e petição a qualquer autoridade em defesa de direito;

XV - contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes;

XVI - atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente.

Parágrafo único. Os direitos previstos nos incisos V, X e XV poderão ser suspensos ou restringidos mediante ato motivado do diretor do estabelecimento.

As regras referidas acima não são meramente programáticas, são direitos do prisioneiro. Direitos esses positivados através de preceitos e sanções, indicados de forma clara e precisa, vislumbrando evitar o abrandamento e as incertezas resultantes de textos vagos, ambíguos ou até mesmo omissos. Assim como qualquer dos direitos humanos, os direitos do preso são invioláveis, imprescritíveis e irrenunciáveis. (MIRABETE, 2004, p. 118).

A Lei de Execução Penal apesar de enumerar os direitos dos presos em seu art. 41, prevê outros direitos que estão subordinados, que dependem do preenchimento de determinados requisitos. Exemplos desses outros direitos:

  • Recompensas (art. 56);

  • Autorizações de saída (arts. 120 e seguintes);

  • Livramento Condicional (art. 131 e seguintes), entre outros.

Segundo MIRABETE (2004) é importante salientar que a proteção de todos os direitos do preso é garantida pela possibilidade de ser interposto procedimento judicial de excesso ou desvio e que a lesão ao direito subjetivo do preso pode consistir em crime de abuso de autoridade.


3.  A Situação das Mulheres Presidiárias

A situação das mulheres presidiárias brasileiras pode ser considerada ainda pior que a enfrentada pelos homens. Isto porque, além dos problemas já explicitados, tais como higiene e alimentação, as presas não recebem tratamento de forma adequado às suas especificidades, que vão muito além da menstruação e gravidez.

A população prisional feminina tem crescido de forma alarmante em todo o mundo. Os governos foram surpreendidos e concluíram que não estavam preparados para lidar com a situação das presas. No México, a população prisional feminina aumentou 235% e no mesmo período a masculina aumentou 134%. (BASTICK, 2008). Nos Estados Unidos, o número de mulheres presas aumentou 159% em duas décadas. Uma análise desses dados indica que este crescimento não é resultado de um aumento na quantidade nem na gravidade dos crimes cometidos por elas, mas nas mudanças de políticas penais e agravamento de penas. (O´CONNOR, 2004)

No Brasil, segundo o Ministério de Justiça, entre 2003 e 2007 houve um crescimento de 24,87% na população prisional masculina, enquanto o aumento feminino foi 37,47% no mesmo período. Atualmente temos mais de 28.000 mil mulheres detidas no País. (BRASIL, 2008).

Um estudo realizado pela Mestra em Teologia Pastoral pela Loyola University (Chicago), Rheidi Ann Cerneka (2009), mostra que o grande problema enfrentado pelas presidiárias é que estas não são tratadas como mulheres, pois o sistema prisional não sabe o que fazer com elas, dando o mesmo tratamento de um homem, o que não é certo e nem justo, principalmente quando a doutrina se posiciona no sentido de defender a máxima de Aristóteles, para o qual igualdade significa “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam.”

Nas palavras de Rheidi:

Responder às necessidades das mulheres encarceradas significa muito mais do que fornecer absorventes higiênicos e garantir pré-natal para as gestantes e seus bebês. O que, na realidade, seria um bom começo. No Estado de São Paulo, as pessoas presas sob responsabilidade da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) recebem uniformes quando adentram a unidade. Certa vez, houve a desativação de uma unidade feminina que seria reaberta como masculina. A SAP pediu que a diretora da unidade em referência recolhesse os uniformes das presas, pois poderia redistribuí-los aos homens assim que estes chegassem à unidade. Isto porque o uniforme era feito para os homens e distribuído para as mulheres. Aconteceu que as mulheres customizaram as roupas com bordados e apliques numa tentativa de se sentirem femininas em roupas masculinas. A Secretaria desistiu da idéia. (CERNEKA, 2009, p. 2)

De acordo com informações obtidas por agentes da Pastoral Carcerária, no Rio Grande do Sul, em 2008, na lista dos pertences pessoais que podiam entrar para os presos através de suas famílias constavam somente cuecas, nada de calcinhas ou soutiens, além de não constarem absorventes e outros itens pessoais voltados às necessidades femininas.

A grande questão é saber quem são essas mulheres merecedoras de respeito e dignidade, independentemente de sua condição de presa. Em um trabalho realizado pela Pastoral Carcerária e pelo Instituto Terra, Trabalho e Cidadania - ITTC -, em preparação para a celebração de 08 de março, Dia Internacional da Mulher, as presas responderam a esta questão dizendo, entre outras coisas, que são “mães, donas de casa, possuem nome e não querem o desprezo da sociedade”. (CERNEKA, 2009, p. 3)

Conforme o Censo Penitenciário do Estado de São Paulo realizado em 2002, 86% das mulheres encarceradas são mães. Por este motivo, o peso das penas impostas é maior, pois, diariamente, elas ficam na angústia por não poderem estar ao lado dos filhos e de não saberem como eles estão. Além disso, o censo também mostrou que enquanto os homens presos gastam consigo mesmo o dinheiro que ganham trabalhando dentro do presídio, a maioria das mulheres acaba utilizando o dinheiro para ajudar a sustentar suas famílias (SÃO PAULO, 2002).

Novamente é válido citar os dizeres de Rheidi Ann Cerneka:

Não se pode considerar isoladamente a mulher infratora no momento da sentença ou no momento de manter a prisão preventiva, pois ela é parte de um sistema familiar e as consequências desta decisão judicial recaem duramente sobre seus filhos e suas famílias. Os efeitos colaterais são tão significativos que têm de ser considerados na sentença - na individualização da pena que está garantida por lei. Tanto na prisão quanto na comunidade, a mulher precisa de programas de apoio psicossocial, programas terapêuticos e grupos de auto-ajuda, consultas para lidar com dependência química, saúde mental, abuso sexual, violência doméstica, e programas para ser mãe.

Ainda de acordo com o estudo da Pastoral Carcerária Nacional, o relatório do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime “aponta também que uma alta porcentagem das mulheres encarceradas já foi vítima de abuso sexual e/ou violência doméstica em algum momento de sua vida antes da prisão.” Este fato deve ser levado em consideração para que essas mulheres sejam tratadas de forma adequada, com o devido acompanhamento, afim de que possa contribuir para um resultado positivo da política prisional.

A americana Meda Chesney-Lide, advogada criminalista feminina, declarou que:

Com referência às meninas e mulheres no crime, encaramos uma escolha óbvia: podemos continuar gastando dinheiro de nossos impostos no encarceramento caro de mulheres culpadas de crimes de menor potencial ofensivo, ou podemos buscar soluções dos problemas destas mulheres muitas vezes marginalizadas economicamente, abusadas e/ou dependentes químicas. É claro que o desencarceramento de um grande número destas mulheres não colocaria em risco a segurança pública da sociedade. (Chesney-Lind, 2003, p. 79-94). (Tradução)

Portanto, deve haver uma urgente mudança no sistema prisional feminino, de forma que o Estado garanta às presas um tratamento, no mínimo, digno, haja vista serem seres humanos em primeiro lugar, independentemente de serem presas, e o sofrimento duplamente enfrentado devido ao preconceito de serem “mulheres criminosas”.


Notas

[1] Disponível em: http://www.forumplp.org.br/index.php?view=article&catid=78%3Aseguranca&id=217%3Arelator-da-cpi-do-sistema-carcerario-qualifica-presidios-como-qverdadeiro-infernoq&format=pdf&option=com_content&Itemid=178, Acesso em: 27 de agosto de 2010.

[2] Disponível em  <https://www.conjur.com.br/2009-fev-21/numero-presos-diminuiria-estado-reconhecesse-parte-culpa/>. Acesso em 27 de agosto de 2010.



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REINA, Mariana de Oliveira Garrido. Do caos do sistema prisional brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4470, 27 set. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/33962. Acesso em: 29 mar. 2024.