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A inconstitucionalidade do art. 51 do Decreto nº 1.090-R de 25 de outubro de 2002

A inconstitucionalidade do art. 51 do Decreto nº 1.090-R de 25 de outubro de 2002

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Limites do poder punitivo do Estado ao contribuinte. Pode ocorrer a suspensão por inadimplemento de três meses? Inconstitucionalidade do Art. 51 Decreto 090-R/2002.

RESUMO: Diante da administração das secretarias e orgãos responsáveis pelos tributos que são inerentes aos governos federal, estadual ou municipal, faz-se necessário que o administrador, no momento da imposição de restrições que tenham como destino compelir o contribuinte a afastar-se da inadimplência resultante do não pagamento de tributo, deve estar sempre atento ao estabelecimento de limites cabíveis ao ordenamento jurídico para que se evite ilegalidades que venham a ferir a eficácia constitucional que o próprio Estado deve garantir – bem esclarecida nos termos do artigo 150, caput, CF/88. E dentro do universo tributário não poderia ser diferente.

 

Palavras-chave: Tributos; inadimplência e ilegalidade.

ABSTRACT

Before the administration of the departments and bodies responsible for the taxes that are inherent to federal, state or local governments, it is necessary that the administrator at the time of imposition of restrictions that are destined to compel the taxpayer to move away from default resulting from non-payment of tax, must always focus on the establishment of the appropriate legal framework limits in order to avoid illegalities that may hurt the constitutional effectiveness that the state itself should ensure - well established in accordance with Article 150, caput, CF / 88. And within the tax universe could not be different.

Keywords: Taxes; delinquency and lawlessness.

1 - INTRODUÇÃO

Disposto no artigo 5º, incisos LIV, LV, somados ao conteúdo do artigo 170, parágrafo único, ambos dispositivos Constitucionais, está o amparo legal onde consta que os direitos e garantias do contribuinte devem ser protegidos e garantidos de forma que se viabilize o direito ao livre exercício laboral juntamente com a livre atividade econômica.

Logo, olhando-se por esse ponto de vista, nada mais lógico que, qualquer ato da Administração Pública que possa abalar tais preceitos constitucionais - especificamente aqui a liberdade de atividade econômica - caracterize evidente flagrante de inconstitucionalidade, seguido de abuso de poder.

Nesse sentido Carrazza (2012) defende que “a Constituição Brasileira, ao tratar dos direitos fundamentais, garantiu igualdade de todos perante a lei”. Essas garantias, segundo Carrazza (2012) “apresentam-se como proibições ao Estado de lesar, por meio de leis, atos administrativos ou decisões judiciais, estes valores prestigiados por nossa Carta Magna”.

E mais, defende o autor, “as leis, atos administrativos e decisões judiciais que, eventualmente, contrariem estes valores supremos podem, observados os procedimentos cabíveis, ser anulados, pelo apelo inconstitucional”.

2 - MÉTODOS

 

A metodologia qualitativa aqui utilizada dedica-se a reconstrução de teorias, conceitos, ideias, ideologias, polêmicas, tendo em vista aprimorar fundamentos teóricos no sentido de reconstruir teorias, quadros de referência, condições explicativas da realidade, polêmicas e discussões pertinentes ao assunto abordado.

A pesquisa qualitativa não implica uma imediata intervenção na realidade, embora nem por isso deixe de ser importante por seu papel decisivo na criação de condições para a intervenção.

Realizou-se ainda neste estudo uma revisão integrativa da literatura, ou seja, aquela em que as pesquisas já publicadas são sintetizadas e geram conclusões sobre o tema em estudo, cuja elaboração compreende as etapas de seleção das hipóteses ou questões, definição dos critérios para seleção da amostra, definição das características da pesquisa original, análise de dados, interpretação dos resultados e apresentação da referência.  

A questão condutora desta pesquisa foi se discutir a inconstitucionalidade do art. 51 do Decreto nº 1.090-R de 25 de outubro de 2002, onde, para a realização da pesquisa bibliográfica, foi feita uma retrospectiva utilizando-se como base de dados os índices de literatura disponíveis além da consulta on line na internet, dando preferência às fontes bibliográficas primárias, onde as informações foram vinculadas originalmente pelos autores.

Consultas adicionais também foram realizadas em instituições de pesquisas e bibliografias no sentido de contemplar outros dados e garantir o maior acervo de informações possíveis.

No momento de seleção dos artigos e referências bibliográficas foram escolheu-se, obviamente, todos os títulos que tinham relação com o objetivo do estudo para, em seguida, em seguida, olhar-se os resumos e escolher na íntegra os que estavam relacionados com a temática em estudo.

3 - IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES RELATIVAS À CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE INTERESTADUAL E INTERMUNICIPAL E DE COMUNICAÇÕES (ICMS)

 

3.1 COMPETÊNCIA

 

A Constituição Federal prevê que, é de competência dos Estados e Distrito Federal instruir e cobrar o ICMS, mediante lei ordinária, obedecendo o que dispor a lei complementar, que em matéria tributária é a Lei nº 5.172/1966 – Código Tributário Nacional.

Art.155 – Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir imposto sobre: I – [...]

II – Operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e prestações se iniciem no exterior.

A partir da Constituição Federal de 1988 foi ampliada a hipótese de incidência do ICM para ICMS, que passou abranger a prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicações. Também incide ICMS sobre operações com energia elétrica, combustíveis líquidos e gasosos, lubrificantes e minerais, que estavam sujeitos apenas ao Imposto Único Federal, antes da Constituição Federal de 1988.

A Emenda Constitucional nº3 de 1993, incluiu ainda a incidência de ICMS sobre os serviços de telecomunicações.

Art. 155: [...] § 3.º À exceção dos impostos de que tratam o inciso II do caput deste artigo e o art. 153, I e II, nenhum outro tributo poderá incidir sobre operações relativas à energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do país.

Nas palavras de Ataliba (2008; p.22) “o conteúdo das normas tributárias é uma ordem ou comando para que se entregue ao estado (ou pessoa por ele, em lei, designada) certa soma de dinheiro”. Em outras palavras: a norma que está no centro do direito tributário é aquela que contém o comendo: “entregue dinheiro ao estado”.

Para Silva (2013) a norma deixa claro que “a obrigação do contribuinte é levar recursos aos cofres do Estado sempre que realizar uma das atividades descritas anteriormente”. Porém é importante também destacar que o ICMS tem especificidades em relação a I) não-cumulatividade; II) incidência; não-incidência; III) contribuinte; IV) base de calculo; e V) alíquotas.

A não-cumulatividade, na realidade, dá ao ICMS a característica de um tributo, de fato, nos moldes do Imposto sobre Valor Adicionado (IVA). Assim, o tributo pago no elo anterior do processo produtivo ou do serviço prestado pode ser aproveitado como crédito no momento subsequente, sempre que a operação envolver contribuinte, até chegar ao consumidor final que – este sim – não se credita.

Fabretti (2007) no que diz respeito à incidência do ICMS traz parte da essência da Lei Complementar n° 87/96, também chamada de Lei Kandir, e que versa sobre a incidência do ICMS:

I – operações relativas à circulação de mercadorias, inclusive o fornecimento de alimentação e bebidas em bares, restaurantes e estabelecimentos similares;

II – prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, por qualquer via, de pessoas, bens, mercadorias ou valores;

III – prestação onerosa de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza;

IV – fornecimento de mercadorias com prestação de serviços sujeitos ao imposto sobre serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios;

V – fornecimento de mercadorias com prestação de serviços sujeitos ao imposto sobre serviços, de competência dos Municípios, quando a lei complementar aplicável expressamente o sujeitar à incidência do imposto estadual.

O imposto incide também (§ 1°):

I – sobre a entrada de mercadoria ou bem importados do exterior, por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade;

II – sobre o serviço prestado no exterior ou cuja prestação de tenha iniciado no exterior;

III – sobre a entrada, no território do estado destinatário, de petróleo, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e de energia elétrica, quando não destinadas à comercialização ou à industrialização, decorrentes de operações interestaduais, cabendo o imposto ao estado onde estiver localizado o adquirente.

§ 2° A caracterização do fato gerador independe da natureza jurídica da operação que o constitua.

Quanto a não-incidência, Fabretti (2007) destaca:

O imposto não incide sobre (art. 3°):

 I - operações com livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão;

II - operações e prestações que destinem ao exterior mercadorias, inclusive produtos primários e produtos industrializados semi-elaborados, ou serviços;

III - operações interestaduais relativas a energia elétrica e petróleo, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, quando destinados à industrialização ou à comercialização;

 IV - operações com ouro, quando definido em lei como ativo financeiro ou instrumento cambial;

 V - operações relativas a mercadorias que tenham sido ou que se destinem a ser utilizadas na prestação, pelo próprio autor da saída, de serviço de qualquer natureza definido em lei complementar como sujeito ao imposto sobre serviços, de competência dos Municípios, ressalvadas as hipóteses previstas na mesma lei complementar;

VI – operações de qualquer natureza de que decorra a transferência de bens móveis salvados de sinistro para companhia seguradora.

Parágrafo único. Equipara-se às operações de que trata o inciso II a saída de mercadorias realizada com o fim específico de exportação para o exterior, destinado a:

1 – empresa comercial exportadora, inclusive trandings ou outro estabelecimento da mesma empresa;

2 – armazém alfandegário ou entreposto aduaneiro.

Quanto à definição de contribuinte, a LCP 114 de dezembro de 2002 descreve ser "qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior”.

Parágrafo único. É também contribuinte a pessoa física ou jurídica que, mesmo sem habitualidade ou intuito comercial: (Redação dada pela LCP 114, de 16.12.2002).

I – importe mercadorias ou bens do exterior, qualquer que seja a sua finalidade; (Redação dada pela LCP 114, de 16.12.2002)

II - seja destinatária de serviço prestado no exterior ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior;

III – adquira em licitação mercadorias ou bens apreendidos ou abandonados; (Redação dada pela LCP 114, de 16.12.2002)

IV – adquira lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos derivados de petróleo e energia elétrica oriundos de outro Estado, quando não destinados à comercialização ou à industrialização. (redação dada pela LCP nº 102, de 11.7.2000)

Na visão de Ataliba (2008) resta evidente, portanto, a preocupação do texto constitucional em “limitar e definir muito precisamente todos os aspectos que envolvem o ICMS”. A hipótese da incidência tributária foi um dos elementos mais detalhadamente exposto pelo legislador, destaca Ataliba (2008), “com a nítida certeza da importância do tributo em tela e da “criatividade sem limite” dos governos estaduais, principais interessados”.

4 - RESULTADOS E DISCUSSÃO: AS FACES DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 51 DO DECRETO Nº 1.090-R DE 25 DE OUTUBRO DE 2002

É sabido que além dos inúmeros recursos e postulados constitucionais asseguradores da prática de atividades econômicas lícitas da liberdade profissional, deve-se constar que o Poder Público possui ainda, nas palavras de Dines & Farias (2012, p.02) “meios legítimos que lhe tornam legalmente detentor de créditos tributários”.

Dessa forma, não se entende necessário, muito menos cabível, a imposição de quaisquer restrições de índoles punitivas pela Autoridade Coatora, motivadas, no caso em questão referente ao art. 51 da Lei de ICMS/ES, pelo simples inadimplência da parte do Impetrante, o que, a teor do enunciado sumular de nº 430, emanado do STJ, nem sequer, por si só, constitui ato ilícito. Disserta a esse respeito Lopes:

Recentemente ao tratar do tema e pacificando o posicionamento sobre assuntos de relevância em matéria tributária, o STJ passou de forma expressa a reconhecer que o mero descumprimento de obrigação tributária não pode implicar na afetação do patrimônio do sócio administrador, o que fez com a edição da súmula n° 430, de teor abaixo transcrito:

“Súmula 430: O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente” (LOPES, 2011; p.01).

O conteúdo da Súmula 430 do STJ vem jogar luz sobre a inconstitucionalidade do art. 51 do Decreto nº 1.090-R de 25 de outubro de 2002 que versa sobre a possibilidade de suspensão da inscrição estadual do contribuinte pelo não pagamento de impostos ao Fisco e ainda mais, a responsabilidade solidária de sócios pela sua inadimplência. Súmulas tem sido fundamentadas com pareceres amplamente favoráveis ao contribuinte – não no sentido de se promover o não pagamento dos tributos devidos por lei ao Estado – mas na defesa que a sua inadimplência, por si só, não deve configurar motivo o suficiente para o cancelamento das atividades licitas do comércio.

Dessa mesma forma se posiciona o Supremo Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

Ementa: TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO. SÓCIO. SÚMULA430/STJ. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. "O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente" (Súmula 430/STJ). 2. Rever o entendimento do Tribunal de origem, que afastou a pretensão de redirecionamento da execução fiscal em virtude da ausência de descumprimento ao disposto no art. 135 , III , do CTN pelo sócio-gerente e de dissolução irregular, demandaria o reexame de provas, vedado pelo óbice da Súmula 7/STJ. 3. Agravo regimental não provido.

Encontrado em: AREsp 181871 MG 2012/0107314-1 (STJ) Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA

De fato, numa análise mais detalhada do Código Tributário Nacional, é possível se observar que a própria jurisprudência já vinha dando sinais de que este seria o sentido a ser trilhado pela legislação tributária vigente neste país.

No conteúdo do seu art. 135, por exemplo, pode-se ver a possibilidade de se afetar o patrimônio dos sócios, ou mesmo de administradores, embora para isso seja necessário uma flagrante a violação de contrato social ou estatutos, a ser comprovado, obviamente, pela Fazenda Pública no momento em que se for requerer a desconsideração da personalidade jurídica.

No caso se comprovar a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica é perfeitamente aceitável e legal, já que não se pode privilegiar com tal benefício um empresário que utiliza-se de meios ardilosos para a consecução de fins ilícitos - estes sempre contrários ao pretendido pela sociedade (LOPES, 2011; .01).

Entretanto, apesar disto, lembra Lopes (2011) o que via ocorrer em muitos julgados era “a imediata aplicação da desconsideração da personalidade jurídica ao perceber-se o simples descumprimento de obrigação tributária”, um flagrante direto de afetação do patrimônio dos sócios administradores. No entanto, esse flagrante absurdo legal se dava sem que se restasse nos autos do processo o mínimo requisito que pudesse comprovar a ocorrência da necessária fraude.

Tal atitude implica em claro desrespeito ao que afirmava a legislação, contrariando princípios inclusive constitucionais, como o do Devido Processo Legal, ou mesmo o da Legalidade, sob o corriqueiro argumento da maior importância do interesse público do que o privado. Passa-se a enxergar o empresário como um ente essencialmente ilícito, que teria contribuído de forma dolosa e ardilosa para a destruição de seu próprio empreendimento, com o intuito exclusivo de prejudicar o fisco e os demais credores, o que na grande maioria dos casos não reflete a realidade (LOPES, 2011; p.02).

Assim sendo, celebra Carrazza (2012; p.94), o poder de tributação que compete ao Estado deve encontrar limitações essenciais no próprio texto e contexto da estrutura do sistema constitucional tributário, “destinado a tutelar o sujeito passivo, parte inferiorizada nesta relação jurídica, da famigerada ânsia arrecadatória do Estado”. A doutrina é clara a respeito, como bem assevera o ilustre professor:

A pessoa política, ao levar a cabo a tributação, deve observar os limites que a ordem jurídica lhe impôs, inclusive no que atina aos direitos subjetivos públicos dos contribuintes. Com estes preceitos, a Constituição determinou de modo negativo, isto é, por meio de proibições, o conteúdo possível das leis tributárias e, indiretamente, dos regulamentos, das portarias, dos atos administrativos tributários etc. Noutros termos, a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal ao exercitarem suas competências tributárias, devem respeitar os direitos individuais e suas garantias. O contribuinte, de seu turno, tem a faculdade de, mesmo sendo tributado pela pessoa política competente, ver respeitados seus direitos públicos subjetivos, constitucionalmente garantidos (CARRAZZA, 2012; p.247).

Dessa forma, diante de tamanha clareza doutrinária, entende-se que o artigo 51, inciso I do RICMS/ES, foco desta controvérsia acerca da sua fundamentação inconstitucional, aprovado pelo Decreto nº 1.090-R, dá, ao Subsecretário de Estado da Receita, autoridade para suspensão da inscrição estadual do contribuinte em caso de falta de recolhimento do imposto, declarado ou escriturado, por um período de três meses consecutivos ou cinco alternados, num veemente flagrante de afronta constitucional, coforme conteúdo abaixo:

Art. 51. Dar-se-á a suspensão da inscrição do estabelecimento, por ato do Subsecretário de Estado da Receita, quando: I - deixar de recolher, durante três meses consecutivos ou cinco alternados, o imposto devido, declarado ou escriturado (BRASIL, 2002).

Para Dines & Farias (2012, p.03) clara é a utilização pelo Poder Publico de meios coercitivos para compelir o sujeito passivo ao pagamento de tributos “sem que se utilize, entretanto, da via adequada, qual seja a de cobrança administrativa e/ou judicial – execução fiscal”. Dessa forma, disserta Dines & Farias (2012, p.03), “extirpa-se Os preceitos constitucionais, bem como a segurança jurídica do contribuinte, numa flagrante sanção política”.  

O questionamento que resta diante de tamanho autoritarismo do legislador num processo claro de uso das sanções políticas em afronta ao livre exercício da atividade econômica, é: como a liberdade de exercício profissional pode ser exercida diante de tamanho abuso do poder de tributar?  

Essa postura de revolta diante desses conteúdos arbitrários tem galgado posições dentro da esfera judicial e chegou até o Supremo Tribunal Federal descrito com repúdio nas palavras do Ministro Celso de Mello:

[...] as sanções indiretas afrontam, de maneira autônoma, cada um dos subprincípios da proporcionalidade, sendo inconstitucionais em um Estado de Direito, por violarem não somente este, mais ainda o "due process of Law”. Aduz embargante a existência de vício de obscuridade na decisão ora objurgada, tendo em vista que a matéria fática, in casu, refere-se a descumprimento de obrigação acessória pela empresa embargante, daí a legalidade do ato praticado pela Fazenda Estadual ao suspender sua inscrição estadual, tal como preconiza os arts. 96 e 113 do CTN, bem como o art. 51,II do RICMS. Pois bem, realmente, revendo a questão, vejo que o objeto do mandamus é a reativação da inscrição estadual, suspensa em razão de descumprimento de obrigação acessória tal como se verifica da OS nº 37/2005 e demais documentos trazidos à colação (fls.31/40). E não, como sustentei, em virtude da agravante não haver procedido o pagamento do imposto que foi devidamente declarado pela contribuinte. Entretanto, em que pese o douto posicionamento esposado na fundamentação deste recurso, a matéria está sedimentada neste Egrégio Tribunal tal como se verifica no recentíssmo julgamento do Mandado de Segurança nº. 100050035060, em caso similar ao que ora analisamos, por unanimidade, definiu-se pela ilegalidade da suspensão da inscrição estadual perpetrada pelo Fisco (EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 24059010116).

A clareza de como deve se posicionar o ordenamento jurídico brasileiro é visível nas palavras do Ministro do Supremo Celso de Mello no momento em que repudia o processo a gritante ilegalidade do processo de suspensão da inscrição estadual perpetrada pelo Fisco, baseada tão somente no não pagamento do imposto devido. Apesar da fundamentação legal que o Estado alega (devido aos arts. 96 e 113 do CTN, bem como o art. 51,II do RICMS), a afronta ao due process of Law, que tem como finalidade reprimir os abusos do Estado, que até hoje se fazem reluzentes em praticamente todas as constituições liberais do mundo.

Soma-se a essas palavras a também esclarecedora dissertação da desembargadora Catharina Maria Novaes Barcellos:

De outro lado, alegam as autoridades impetradas que a legislação estadual permite a suspensão da inscrição estadual do contribuinte, no caso de descumprimento das obrigações tributárias principais e acessórias, com o propósito de evitar a sonegação fiscal. Todavia, consoante a jurisprudência dominante, a Fazenda Pública não pode utilizar-se da suspensão da inscrição do contribuinte nem tampouco da apreensão de mercadorias, como meio de coagi-lo a pagar tributos ou cumprir obrigações acessórias, inviabilizando o exercício de sua atividade econômica, em afronta ao disposto no artigo 170, parágrafo único, da Constituição Federal. Eis o teor das Súmulas do Supremo Tribunal Federal:

"É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributos" (Súmula nº 70).

"É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos" (Súmula nº 323).

"Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais" (Súmula nº 547) (RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 413782/SC de 2005).

Os esclarecimentos da Exmª Desembargadora acima citada defendem que, ainda que o Estado alegue estar devidamente fundamentado em sua legislação - e por ela amparado no sentido de poder exigir a suspensão da inscrição estadual do contribuinte (pelo não cumprimento no devido pagamento de tributos) - para assim coagi-lo ao pagamento dos impostos, trata-se de uma afronta direta ao principio constitucional (Carta Magna deste País) em seu art. 170, parágrafo único, cujo teor protege veemente a atividade econômica lícita em todo território nacional.

Ainda segundo a visão esclarecedora e contrária do Ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello frente à possibilidade de abuso do poder de legislar pelo do Estado tem-se:

O Estado não pode legislar abusivamente. A atividade legislativa está necessariamente sujeita à rígida observância de diretriz fundamental, que, encontrando suporte teórico no princípio da proporcionalidade, veda os excessos normativos e as prescrições irrazoáveis do Poder Público. O princípio da proporcionalidade - que extrai a sua justificação dogmática de diversas cláusulas constitucionais, notadamente daquela que veicula a garantia do substantive due process of law - acha-se vocacionado a inibir e a neutralizar os abusos do Poder Público no exercício de suas funções, qualificando-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais. A norma estatal, que não veicula qualquer conteúdo de irrazoabilidade, presta obséquio ao postulado da proporcionalidade, ajustando-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do substantive due process of law (CF, art. 5º, LIV). Essa cláusula tutelar, ao inibir os efeitos prejudiciais decorrentes do abuso de poder legislativo, enfatiza a noção de que a prerrogativa de legislar outorgada ao Estado constitui atribuição jurídica essencialmente limitada, ainda que o momento de abstrata instauração normativa possa repousar em juízo meramente político ou discricionário do legislador (RTJ 176/578-580, REL. MIN. CELSO DE MELLO).

O conteúdo do parecer do Ministro do Supremo Celso de Mello reitera a necessidade e a imparcialidade que deve ter a legislação brasileira no sentido de não permitir os excessos e as imposições coercitivas do Estado sobre o cidadão, especialmente em sua forma de contribuinte, como no momento em que exerce o comercio lícito. As ações que derivam do exercício coercitivo, ainda que calcadas numa base lógica de buscar o recolhimento de tributos que lhe e devido, não justificam, por si só, tamanho exercício arbitrário de poder.

Dessa forma fica claro, segundo Dines & Farias (2012) que qualquer medida que vise coagir o contribuinte ao cumprimento da obrigação tributária, sem que tenha havido decisão definitiva em processo administrativo ou judicial, torna-se inconstitucional e, dessa forma, inadmissível no atual ordenamento jurídico nacional.

Logo, o fato do Estado ser possuidor da competência de instituírem tributo lhe concedida pela própria Constituição Federal, não lhe assegura o poder de suprimir, ou inviabilizar, direitos de caráter fundamentais, constitucionalmente assegurados ao contribuinte.

5 - CONCLUSÃO  

O caso em questão neste artigo, e já explicado sob a visão pessoal e da doutrina brasileira acerca do art. 51 do RICMS/ES, pode ser visto sem sombra de duvida como uma sanção política e inconstitucional, diga-se de passagem, por não constituir o meio adequado para a cobrança de débitos tributários, além de cercear a liberdade de exercer atividades lícitas, inviabilizando a atividade empresarial da parte impetrante.

As resoluções RTJ 160/140-141; RTJ 173/807-808 e RTJ 178/22-24 são mais do que claras no momento em que seu conteúdo disserta repudiando tal autoritarismo estatal declarando que as restrições estatais “não podem ser fundadas em exigências que transgridem os postulados da razoabilidade e da proporcionalidade em sentido estrito e culminar na inviabilização, sem justo fundamento, o exercício, pelo sujeito passivo da obrigação tributária, de atividade econômica ou profissional lícita”.

Essas limitações arbitrárias, esclarece a jurisprudência, não podem ser impostas pelo estado ao contribuinte em débito, sob pena de ofensa ao "substantive due process of law" consistindo numa calara impossibilidade constitucional de o estado legislar de modo abusivo ou imoderado.

A delegação do poder de tributar dada ao Estado pela própria Constituição Federal deve encontrar limitações essenciais em favor do contribuinte de forma que não se chegue ao descabimento de se exercer o poder destrutivo do cerceamento de uma atividade lícita como a do exercício do comércio legal por motivo de não pagamento de tributos, por mais que essa também seja uma atitude ilegal.

Trata-se de uma medida por demais abusiva no momento em que compromete a liberdade de trabalho e do exercício de comércio e de indústria do contribuinte com a ameaça da suspensão da inscrição da empresa perante a Administração Pública afetando sua atividade econômica e desrespeitando os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e do devido processo legal.

Assim ferem-se os direitos fundamentais da pessoa, dentre os quais o da livre iniciativa assemelhando-se à autotutela como meio de solução de conflitos de interesses, especialmente porque havia meio menos gravoso de resolução: a execução fiscal. Flagra-se aqui uma ilegal utilização desse mecanismo como meio de constrição do devedor.

Dessa forma fica evidente que o art. 51, inciso I, do R ICMS/ES é completamente inconstitucional por não encontrar respaldo no ordenamento tributário e Constitucional e ademais violar o direito do livre exercício da atividade econômica da Impetrante no momento em que suspende a inscrição estadual, quando deveria, tão somente, lançar mão da cobrança judicial, cujo amparo da lei que lhe favorável, para alcançar sua pretensão.

6 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ATALIBA, G. Hipótese de incidência tributária. São Paulo: Malheiros: 2008;

CARRAZZA, R. A. Curso de Direito Constitucional Tributário. Editora Malheiros: São Paulo, 2012.

DECRETO Nº 1.090-R - RICMS/ES DE 25 DE OUTUBRO DE 2002.

DINES, M; FARIAS, A. L. A inconstitucionalidade do Art. 51, inciso I do RICMS/ES - Suspensão Inscrição Estadual. 2012. Disponível em http://www.belottiedines.com.br/site/index.php?link=artigo&i. Acesso em 2014

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 24059010116

FABRETTI, L. C. Código Tributário Nacional Comentado. São Paulo: Atlas: 2007;

LOPES, F. C. T. Reflexões sobre a Súmula 430 do STJ. 2011. Disponível em http://www.juridicobelem.com.br/blog/?page_id=90. Acesso em 2014

RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 413782/SC de 2005.

RTJ 176/578-580, REL. MIN. CELSO DE MELLO.  

SILVA, H. ICMS e a guerra fiscal: O tributo como instrumento de atração de investimento. 2013. Disponível em http://www.jurisway.org.br/. Acesso em 2014.



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