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Equidade sucessória: colação

Equidade sucessória: colação

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Há duas formas de sucessão no Direito Brasileiro: a Testamentária e a Legítima. A primeira é considerada a principal, entretanto, a segunda, é a mais utilizada. Sendo ela originária do Direito Germânico, tem suas regras sucessórias e seus sucessores disciplinados pela lei. Aberta a sucessão, os herdeiros legítimos recebem, pelo princípio da Saisine, sua quota parte na divisão do patrimônio indisponível do “de cujus”.

Em tese, seria impossível no direito sucessório sem testamento, um herdeiro necessário receber mais do que outro, parte da legítima do ascendente comum, pois este direito rege-se pelo princípio da igualdade dos quinhões. Porém, este sistema pode ser burlado através instituto da doação. Com ela, um descendente pode receber mais do patrimônio do ascendente comum do que outros descendentes. Para corrigir tal lacuna, o direito sucessório criou a figura jurídica da COLAÇÃO, que tem por finalidade igualar a herança legítima de todos os descendentes e evitar a desigualdade patrimonial.

Presume-se que a liberalidade seria uma antecipação da quota do beneficiário, salvo expressa declaração em contrário do ascendente. Para tanto, ele deverá declarar na própria doação que o beneficiário está desobrigado de fazer a colação. Do contrário, este deverá trazer à partilha as liberalidades recebidas do “de cujos” ainda em vida, para fazer a conferência destas com os bens da herança, promovendo neste ato a colação, sob pena de serem sonegados.

Os herdeiros necessários obrigados à colacionar são os descendentes sucessíveis de qualquer grau e por ventura estiverem sob representação e, conforme o Projeto de Lei n. 699/2011, o cônjuge sobrevivente, quando concorrer com o descendente. É importante dizer que, devem colacionar os descendentes sucessíveis de qualquer grau, desde que estes importem na mesma linha de grau. Assim, o neto que recebe liberalidade direta do avô só terá que colacionar os bens ganhos se concorrer com outros netos por direito próprio ou se estiver concorrendo por direito de representação em nome de seu pai (arts. 2002 e 2009 C.C.). Devem colacionar também os indignos e os renunciantes, pois se entende que o dever de colacionar é indeclinável e seus atos não podem prejudicar os demais descendentes que concorrem à herança.

Já aquele neto que recebeu a doação de seu avô, estando seu pai vivo, não precisará colacionar se for chamado à sucessão do avô, pois no momento da liberalidade, o herdeiro necessário era seu pai, conforme ensina Zeno Veloso e, desde que não ultrapasse a parte disponível. Assim reza também o art. 2005, parágrafo único, C.C.:

“São dispensadas da colação as doações que o doador determinar saiam da parte disponível, contanto que não a excedam, computado o seu valor ao tempo da doação. – Parágrafo único: Presume-se imputada  na parte disponível a liberalidade feita a descendente que, ao tempo do ato, não seria chamado á sucessão na qualidade de herdeiro necessário.” Como no exemplo do neto, citado acima.

Porém, no que dispõe o parágrafo único, sua presunção é juris tantum, atribuindo-lhe eficácia se for realizada a dispensa em testamento ou no título da liberalidade, o qual equipara-se ao testamento. Logo, se feita em outro documento ou oralmente, não terá validade a dispensa. Nada impede, todavia, que a dispensa seja parcial ou condicional.

Dos bens sujeitos à colação, Maria Helena Diniz elenca:

  “ 1º) – Doações constituídas pelo ascendente;

    2º) – Doação dos avós aos netos, quando eles concorrerem à herança com tios, primos;

    3º) – Doações recebidas pelos pais, quando estes falecerem antes do doador e forem representados pelo sucessor;

   4º) - Doações verbais de coisa de pequeno valor, embora não seja de uso tal colação;

   5º) - Venda de bens ou doação feita por interposta pessoa, com o intuito de prejudicar a legítima dos herdeiros do autor da herança;

   6º) – Recursos fornecidos pelo ascendente, para que o descendente pudesse adquirir bens (RT 169:801);

   7º) – Dinheiro colocado a juros pelo ascendente em nome do descendente;

   8º) – Quantias desembolsadas pelo pai para pagar débitos do filho;

   9º) – Valor da dívida do descendente, remitida pelo pai;

  10º) – Gastos de sustento feitos com filhos anteriores;

  11º) – Montante de empréstimos feitos pelo ascendente ao descendente, sem jamais exigir reembolso (RF, 140:329);

  12º) – Doação feita por ambos os cônjuges deverá ser conferida por metade no inventário de cada um, (C.C. art. 2012; RT, 697:154, 552:175) ante a presunção de cada um dos doadores efetuou  a liberalidade meio a meio. Da parte do sucessível é preciso lembrar que, sendo casado, só o herdeiro está sujeito à colação, não o consorte que recebeu a liberalidade, a não ser que tenha sido feita a ambos, sendo então conferível o bem pela metade do herdeiro. Logo, se a doação se efetuar a um casal, a colação abrangerá toda a liberalidade e não apenas a metade, sob a alegação de que o cônjuge do herdeiro, não sendo descendente, não estaria adstrito á conferência (RF, 69:537).”

Os ascendentes, os colaterais e os estranhos não estão obrigados a colacionar, portanto, não podem reclamar a colação. Quando os ascendentes sentirem prejuízo à seus quinhões, verificando-se excesso ao que o doador poderia dispor, podem apenas assistir à redução, que abordaremos logo mais em linhas gerais. Também não estão obrigados a colacionar os herdeiros testamentários e legatários, pois trata-se de instituto peculiar à sucessão legítima; as benfeitorias, construções, acréscimos, assim como perdas e prejuízos; doações remuneratórias, já que tem sentido de retribuição e doação feita por ambos os cônjuges, no inventário de cada um se conferirá a metade, pois entende-se que cada cônjuge era proprietário da coisa doada, portanto não se confere a metade do cônjuge sobrevivente. O nosso Código Civil dispõe ainda, em seu art. 2010:

“Os gastos ordinários do ascendente com o descendente, enquanto menor, na sua educação, estudos, sustento, vestuário, tratamento nas enfermidades, enxoval, assim como as despesas de casamento, ou as feitas no interesse de sua defesa em processo-crime”.

As liberalidades feitas pelo autor da herança são atos jurídicos perfeitos, portanto não serão invalidadas. Elas serão usadas para diminuir o direito hereditário do herdeiro que a tenha recebido. Desta forma, será levado a partilha, o valor do bem doado ou a estimativa deste ao tempo da liberalidade, para que seja realizado o cálculo da legítima. Não serão considerados rendimentos ou lucros da coisa, nem perdas e danos, sendo estes, posteriores ao negócio da doação.

De modo ilustrativo, temos: Três herdeiros necessários, filhos. Um deles, recebeu como doação do pai uma casa. Falecido este, à época da partilha dos bens, deverá o filho donatário levar ao processo o valor da casa no momento da liberalidade, para a contagem da massa hereditária. A partir daí, haverá uma divisão “abstrata” do valor da herança legítima para os filhos, porque ao invés dividir o valor da herança, é descontado do donatário a parte dos demais herdeiros e ele não recebe porque na verdade já está com sua parte advinda da doação.

O momento da colação deve ser realizado dentro do prazo para manifestação para as primeiras declarações.

A redução aplicar-se à nos casos de excesso quanto ao que o doador poderia dispor. O excesso será apurado pelo montante do acervo no momento da liberalidade e quanto poderia ser disposto pelo doador na época. As partes devem apresentar um plano de redução (existirá uma ação de redução à parte da partilha, que pode ser incitada por qualquer herdeiro necessário), se não o fizerem, dar-se à por determinação do juiz.  A redução de doação inoficiosa tem por finalidade defender a porção legítima do herdeiro necessário e só se possibilita quando um desses atos atinge essa porção. A respeito deste tema, regra o art. 2007, C.C.:

“São sujeitas à redução as doações em que se apurar excesso quanto ao que o doador poderia dispor, no momento da liberalidade.

§ 1º O excesso será apurado com base no valor que os bens doados tinham, no momento da liberalidade.

§ 2º A redução da liberalidade far-se-á pela restituição ao monte do excesso assim apurado; a restituição será em espécie, ou, se não mais existir o bem em poder do donatário, em dinheiro, segundo o seu valor ao tempo da abertura da sucessão, observadas, no que forem aplicáveis, as regras deste Código sobre a redução das disposições testamentárias.

§ 3º Sujeita-se a redução, nos termos do parágrafo antecedente, a parte da doação feita a herdeiros necessários que exceder a legítima e mais a quota disponível.

§ 4º Sendo várias as doações a herdeiros necessários, feitas em diferentes datas, serão elas reduzidas a partir da última, até a eliminação do excesso.”


Conclusão

A colação tem por fim garantir a equidade da legítima dos herdeiros necessários regida pelo princípio da igualdade dos quinhões. Os bens conferidos não aumentam a metade disponível. Pelas palavras de Washington de Barros Monteiro e Ana Cristina de Barros Monteiro França Pinto “vem ser a restituição ao acervo hereditário dos valores recebidos pelos herdeiros, a título de doação, para subsequente inclusão na partilha, a fim de esta se realize com igualdade”.


Bibliografia

VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito Civil: direito das sucessões, volume 7 – 12.ed. - São Paulo, Editora Altas S.A., 2012;

DINIZ, Maria Helena, Curso de Direito Civil Brasileiro, volume 6: direito das sucessões – 27.ed. – São Paulo, Saraiva, 2013;

MONTEIRO, Washington de Barros, Curso de Direito Civil, volume 6: direito das sucessões – 38.ed. – São Paulo, Saraiva, 2011;

PEREIRA, Caio Mário da Silva, Instituições de direito civil, volume 6: direito das sucessões – 17.ed. – Rio de Janeiro, Editora Forense, 2009. 



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