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Patrocínio de eventos particulares com recursos públicos

Patrocínio de eventos particulares com recursos públicos

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A legalidade da utilização de recursos públicos para o patrocínio de ações promovidas por instituições privadas.

PROTOCOLO: XXX/2011
             INTERESSADO: Secretaria do Governo Municipal.
             ASSUNTO: Patrocínio de eventos particulares com recursos públicos.


Parecer nº XXX/2011 – Procuradoria–Geral do Município/Consultoria Jurídica
Sra. Consultora Jurídica,

Ementa: Constitucional. Administrativo. Patrocínio de ações privadas por recursos públicos. Pedidos formulados por instituições  e entidades afins.  Emendas Parlamentares. Utilização destes recursos direcionados às Instituições. Princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade, indisponibilidade do interesse público. Impossibilidade.

I – Relatório
             

Trata-se de parecer a respeito da possibilidade do atendimento, por parte do Município de XXX, de pedidos de patrocínio para eventos realizados por igrejas, associações de bairros e entidades afins consubstanciado em locação de sonorização e iluminação, impressão de cartazes e filipetas, empréstimo de barracas, entre outros.
             Além disso, questiona-se a possibilidade de atendimento de solicitações dessa natureza quando oriundas do Poder Legislativo, por meio de emendas parlamentares.
             De acordo com o Ofício nº XXX/2011-SGM-2 (fls. 01), em que pese o patrocínio recebido, em determinados eventos, há a cobrança de ingressos e a locação de barracas para comércio de alimentos de bebidas, com cuja renda seria possível custear o evento não existindo necessidade, portanto, de patrocínio por parte do Município.
             É o breve relatório.

II – Fundamentação

O patrocínio trata-se de um apoio concedido a projetos de iniciativa de terceiros, com o objetivo de vincular diretamente uma marca ou uma empresa a um acontecimento para um público de interesse do patrocinador.                                
              Nesse sentido, complementa Alexandre Libório Dias Pereira:

(...)
patrocínios são os contratos pelos quais uma pessoa, chamada patrocinado, se obriga a garantir, pela sua participação num evento, a presença neste da marca ou demais sinais distintivos de uma outra pessoa, chamada patrocinador, com vista à sua difusão junto do público, imediato e mediato, deste acontecimento, mediante assistência financeira e/ou material fornecida pelo patrocinador.”
(Disponívelemhttp://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/DPereira98.pdf).

Sabe-se que a atuação estatal fundamenta-se, precipuamente, nos axiomas da supremacia do interesse público sobre o privado e na indisponibilidade dos interesses públicos, ou seja, conforme explica o ilustre doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello, o Poder Público se encontra em situação de autoridade, de comando perante aos particulares, por isso, “a Administração assim como as pessoas administrativas não têm disponibilidade sobre os interesses públicos, mas apenas o dever de curá-los nos termos das finalidades predeterminadas legalmente.”  
Em razão desses pressupostos, a Administração Pública, nos ditames da constitucionalidade, submete-se aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, finalidade e publicidade. Para o caso em análise, cabe destacar a impessoalidade e a moralidade, inerentes ao Estado de Direito Democrático, que exigem, respectivamente, que a Administração trate a todos os administrados sem discriminações benéficas ou detrimentosas e que atue na conformidade de princípios éticos.
No que tange ao patrocínio fornecido pela Administração Pública para a realização de ações privadas - eventos promovidos por igrejas ou associações de moradores - constata-se que, via de regra, o fundamento legal para sua realização é a inviabilidade de competição prevista no caput do art. 25 da Lei 8.666/1993, visto que não há, a rigor, como o ente público municipal comparar objetivamente um projeto de pedido de patrocínio com outro projeto, assim como seu interesse em vincular sua marca a determinado projeto.
Contudo, cumpre destacar as características e os limites para a celebração dessa espécie de contrato de patrocínio.
Consoante restou demonstrado, em princípio, não há competitividade nessa forma de contratação, uma vez que o Município deve buscar aliar-se a projetos que se coadunem com os objetivos institucionais, bem como com as suas finalidades precípuas.
A esse respeito, é imperioso ressaltar o entendimento do Tribunal de Contas da União:

“7. No entanto, verifico que a jurisprudência desta Corte (Acórdãos 2.277/2006-Plenário e 2.224/2005-Segunda Câmara) é firme no sentido de que retorno obtido pela empresa deve ser mensurado por meio da avaliação global de sua política de patrocínio, o que pode ser possível mediante pesquisas quantitativas que ponderem o retorno e a aceitação do público em relação aos patrocínios concedidos. Como forma de minimizar as falhas apontadas pela unidade técnica em seu relatório e, por conseqüência, de aprimorar o controle dos gastos com patrocínio, faz-se necessário as determinações à Caixa propostas pela 2ª Secex, com as necessárias adaptações à jurisprudência apontada ....  adote medidas com vista a estabelecer metodologia de análise das proposta de patrocínio, com base em critérios claros e objetivos para a seleção das ações de marketing mercadológico, ponderando qualitativamente e quantitativamente, a cada concessão e no conjunto de segmentos, mesmo que por métodos estimativos, seguintes aspectos: relação custo/benefício da ação; viabilidade técnica, econômica e financeira da ação; justificativa para o interesse da Caixa no segmento patrocinado; retornos a serem obtidos, em termos mercadológicos e financeiro/negociais; e avaliação de eficiência, eficácia e efetividade dos resultados a serem alcançados;” (grifou-se) (Acórdão 304/2007 – Plenário).
“1. As concessões de patrocínios por órgãos e entidades da Administração Pública Federal devem ser precedidas das devidas justificativas, especialmente os ganhos de mídia que poderão advir com esse tipo de repasse de recursos públicos a terceiros.
2. Na prestação de contas a ser apresentada pelo patrocinado devem constar os documentos comprobatórios que evidenciem o destino dado ao montante recebido às custas do erário, em consonância com a avaliação sistemática dos resultados obtidos, na forma do art. 3º, inciso VI, do Decreto nº 4.799/2003.
3. Cabe ao órgão ou entidade da Administração Pública Federal que avaliar globalmente os resultados de sua política de patrocínio, por meio de pesquisas que ponderem o retorno e a aceitação do público em relação aos patrocínios concedidos. .... verifique os resultados obtidos pela Empresa por meio da avaliação global de sua política de patrocínio, mediante pesquisas que ponderem o retorno e a aceitação do público em relação aos patrocínios concedidos;” (grifou-se)(Acórdão 2277/2006 – Plenário).

                                   Por esses motivos, conclui-se que o pedido de patrocínio ao ente público municipal deve ser submetido a um procedimento formal, onde se justifique a existência de efetiva divulgação dos objetivos institucionais do Município, a relação custo-benefício do patrocínio a ser concedido; a viabilidade técnica, econômica e financeira do acordo; o interesse da entidade patrocinadora no ramo ou segmento patrocinado; os retornos mercadológicos ou financeiros a serem obtidos e a avaliação da eficácia dos resultados a serem obtidos com o patrocínio.
                                  Além disso, sugere-se ao ente público patrocinador que verifique se aquele que pretende receber o patrocínio possui uma qualificação jurídica, econômica, técnica e fiscal mínimas para formalizar o ajuste, exigindo do interessado, no mínimo os seguintes documentos: o seu estatuto social ou documento equivalente devidamente registrado, cópia da ata de eleição e posse da diretoria em exercício, cópia da cédula de identidade e CPF do representante legal e do tesoureiro da entidade, certidões comprobatórias de regularidade fiscal nos âmbitos federal, estadual e municipal, certidão comprobatória de regularidade perante o INSS e certificado de regularidade perante o FGTS.                      
 E, a fim de assegurar que o interesse público seja resguardado na formalização destes ajustes, conforme recomenda o Tribunal de Contas da União, é fundamental que a entidade patrocinadora imponha a prestação de contas pelo ente patrocinado, requerendo a apresentação de todos os documentos capazes de comprovar a forma de aplicação dos bens ou serviços repassados:

“Nos contratos de patrocínio em andamento e naqueles que vierem a ser concedidos pela Empresa, desenvolva procedimentos minuciosos de forma a obter os documentos comprobatórios acerca do emprego dos recursos públicos pelo patrocinado (notas fiscais, recibos, relatório das ações desenvolvidas pelo patrocinado, comprovantes das contrapartidas avençadas, entre outros elementos)...” (Acórdão 2277/2006).

                                   Tratando-se de patrocínios solicitados por igrejas, há que se mencionar que a Constituição Federal, em seu artigo 19, inciso I, prevê a separação do Estado e da Igreja, sendo o Brasil um país laico ou não confessional, ou seja, a República Federativa do Brasil não adotou qualquer religião oficial:

“Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;”
 
                                  Desta forma, patrocinar eventos promovidos por igreja de determinada religião em detrimento de outros eventos vem de encontro ao pressuposto do Estado Laico, bem como ao princípio da isonomia, posto que a Constituição Federal apenas excepciona que os entes públicos prestem às igrejas colaboração de interesse público previstas em lei, o que não ocorre no caso em análise.
                                 Em suma, ainda que, teoricamente, seja possível o Município patrocinar eventos promovidos por particulares submetendo o pedido ao procedimento retromencionado; entende-se que esses patrocínios podem acarretar riscos para o ente público, inclusive com a responsabilização de seus agentes, uma vez que nem sempre resta caracterizado o interesse público que motivou o ato e tampouco o tratamento isonômico que se espera da Administração Pública.                                        
No que se refere ao pedido de patrocínio formulados pelo Poder Legislativo Municipal através de emendas parlamentares, há que se ressaltar o Parecer Normativo PGCJ nº XXX/2010, cuja cópia se anexa ao presente opinativo.
                                   O referido parecer da lavra da E. Procuradora XXX, ao tratar acerca de assunto análogo, concluiu as verbas decorrentes de emendas parlamentares apenas podem ser utilizadas, desde que seja realizado prévio procedimento de chamamento público das instituições interessadas em celebrar convênios e outros ajustes com o Município, em cumprimento aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade publicidade e isonomia e ao disposto na Lei nº 8.666/1993 e Decretos Municipais nº 704/2007 e 1.644/2009.                               
Ou seja, se é vedado entregar recursos decorrentes de emendas parlamentares diretamente a instituições interessadas em firmar convênios com o Município, entende-se que também não é possível direcionar esse tipo de recursos a essas instituições a título de patrocínio, sob pena de violação ainda mais grave aos princípios constitucionais da impessoalidade, isonomia e moralidade.

III – Conclusão


                                          Isto posto, diante das razões expendidas, opina-se pela impossibilidade de patrocínio através de emendas parlamentares. E no que concerne aos pedidos de patrocínio formulados diretamente pelas instituições, recomenda-se que haja uma avaliação cautelosa por parte da autoridade competente a fim de que sejam concedidos apenas nos casos em que seja notório o interesse público, sob pena de responsabilização da Administração Pública e de seus agentes por violação aos princípios constitucionais.
                         
É o parecer, s.m.j. À superior apreciação.



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