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A capacidade jurídica no direito romano

A capacidade jurídica no direito romano

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O texto que segue faz um estudo sobre a capacidade jurídica no direito romano, trazendo o contexto histórico e social para o esclarecimento de seus principais aspectos.

Ensinou Ebert Chamoun(Instituições de direito romano, 1968, pág. 47) que a capacidade de ser sujeito de direito é um estado potencial. A atualização da capacidade denomina-se titularidade. A capacidade transforma-se em titularidade através da aquisição de um direito, a qual se podia processar de duas maneiras: imediatamente ou sem a manifestação de vontade do sujeito de direito e mediatamente ou com a manifestação do titular caso em que se verifica apenas uma geral aquisição de direito, mas um ato de aquisição do direito.

Deve-se entender que há uma noção abstrata de capacidade e a noção concreta e positiva de titularidade mediata. Realizava-se esta última através da manifestação de uma vontade, que seria formada depois de adquirida uma certa maturidade. À primeira dá-se o nome de capacidade de direito e à outra, capacidade de fato.

Mas o direito romano não entendia que todo homem pudesse ser investido de personalidade. Assim três  seriam, no direito romano, os requisitos da personalidade: a liberdade, a cidadania e a família, status libertatis, status civitatis e status familiae. A perda de um desses estados significava uma capitis diminutio, situação em que se excluía ou se restringia a capacidade do direito. Não o possuem os escravos, no direito romano.

Havia pessoas que não tinham capacidade de fato. Essa incapacidade era absoluta ou relativa. A primeira referia-se a todos os atos da vida civil; a segunda atingia apenas os atos de administração do patrimônio, salvo quanto a mulher.

No direito romano, eram absolutamente incapazes: os loucos, os infantes (isto é, no direito antigo e no direito clássico, quem não podia falar e, no direito pós clássico, os menores de sete anos; no direito antigo, os infantiae proximi, isto é, os impúberes já ausentes da infância, mas ainda próximo deles). Eram relativamente incapazes, no direito clássico e pós-clássico: os infantiae proximi; os pubertati proximi, isto é, os que já se achavam muito próximos da puberdade, os púberes menores de 25 anos no direito pós-clássico; as mulheres quanto a certos atos que exigiam a intervenção do pretor; os debiles, os que não poderiam administrar seus bens por causa de surdo-murdez ou moléstia crônica e os pródigos ou quem esbanjava os seus bens por não ter por eles o apreço normal. Os relativamente incapazes, com exceção dos infantiae proximi, eram responsáveis por seus delitos, porquanto se dizia que podiam discernir o bem do mal.

Os infantes eram crianças que ainda não eram capazes de pronunciar as palavras dos atos formais, sendo totalmente incapazes de agir, estando excluídos de todos os negócios jurídicos e da responsabilidade por delito.

Os impúberes eram adolescentes antes da puberdade, cujo início, nos meninos, segundo ensinou Max Kaser(Direito privado romano, 1992, pág. 103), é determinado caso a caso e reconhecido pelo ato de revestir solenemente a toga viril, segundo os Sabinianos; os Proculeianos, seguidos pelos juristas posteriores, consideravam a pubertas sempre ao completarem os 14 anos. As meninas desde sempre se consideravam púberes em sentido jurídico ao completarem os 12 anos(G, I, 196; Inst. 1, 22 e pr.).

Os impúberes infantia maiores podem(desde que não sejam infanti proximi, G.3,109) celebrar negócios jurídicos. Necessitavam, porém, da auctoritas tutoris quando são sui iuris e o negócio não só é vantajoso para eles(como em geral a aceitação de um presente), mas ainda lhes impõe obrigações. Isso aplica-se a todos os negócios nos quais se contraem obrigações(compra e venda, empréstimos, promessa estipulatória) ou se renuncia a direitos(como alienações ou manumissões) ou se oneram direitos, como o penhor. O tutor tem de estar presente na celebração e autorização do negócio.

Para os delitos, os impuberes infantia maiores são plenamente responsáveis. Os clássicos tardios responsabilizam os púberes e os impúberes já próximos da puberdade que possam entender a ilicitude do ato.

Segundo o direito antigo, a pubertas conferia a plena capacidade negocial e delitual. A Lex Laetoria de cerca de 200 a.C estabeleceu uma idade diferente. Protege os que ainda têm 25 anos ou simplesmente minores. Com base nessa Lei, o pretor concedia ao minor uma ação contra o autor, uma exceptio letis Lactorae contra a ação derivada do negócio que prejudicou o minor, assim como uma in integrum restituo para restituir as prestações efetuadas e a outras medidas que prejudicaram o minor. As instâncias do menor, o pretor nomeia-lhe um curator como conselheiro, a princípio, como ensina a doutrina, para cada negócio, a partir do imperador Marco Aurélio(segunda metade do século II) para todos os negócios. Se o minor não tiver obtido o consensus(consentimento não formal) do curador que lhe foi atribuído, os seus negócios são válidos, mas, no caso de ser prejudicado, o pretor protege-o com a in integrum restitutio e a exceptio legis Laetoriae.

Na época pós-classica, as condições jurídicas dos impúberes infantia maioris e dos minores vão se aproximando, mas não se equipararam completamente.

A partir de Constantino e por favor imperial foi concedida uma declaração de maioridade aos homens que tivessem completado 20 anos e às mulheres que tivessem completado 18 anos. Ficaram, porém, excluídos certos atos dispositivos sobre imóveis.

Entre os romanos, como ocorreu entre os gregos, germanos e outros povos da Antiguidade, as mulheres não tinham os mesmos direitos que os homens. Assim como na vida pública, a mulher era excluída das funções estatais, também lhe era negado o poder familiar correspondente à estrutura patriarcal da família romana; só o homem podia ser paterfamilias. A mulher livre quando era sui iuris(não era submetida à patria potestas nem à minus, mesmo sendo maior) era sujeita ao tutor de sexo(tutor mulieris). Necessitava de auctoritas tutoris para atos de disposição de res mancipi e para contrair dívidas(G.I, 192, UE 11,27). Essa tutela de sexo foi diminuida ao longo da época clássica e desapareceu com o termo desta. A capacidade delitual da mulher adulta não estava limitada. 

Por sua vez, a doença mental fazia com que a pessoa viesse a carecer totalmente de capacidade negocial e delitual(G, 2, 106). Só se tomaram em consideração casos graves e evidentes. O furiosus estava desde sempre sujeito a um curator. Observe-se que os negócios jurídicos que eram celebrados nos intervalos lúcidos eram apreciados, caso a caso, na época clássica e mais tarde em geral. 

O pródigo(prodigus) tem capacidade negocial e delitual, mas a sua capacidade negocial, já segundo a Lei das XII Tábuas(5,7c), podia ser limitada por interdição. Ficou então, de forma semelhante ao menor, excluído de todos os negócios obrigacionais e dispositivos e, apenas, podia fazer negócios que o enriquecessem. Era submetido a um curator. A interdição se baseava na dissipação do patrimônio por maldade e no perigo de empobrecimento para os filhos.Anote-se que a proibição inicialmente afetou os atos dispositivos librais sobre bens herdados ab intestato, mas, ensinou Max Kaser(obra citada, pág. 106), estendeu-se a todos os negócios em prejuízo do patrimônio global. 

Os escravos, no direito romano, eram ao mesmo tempo res e personae. Não tinham capacidade juridica e faziam parte da propriedade do seu dono como res mancipi. Participavam das relações familiares de fato. Mas durante a República os abusos que lhe eram cometidos pelo poder senhorial eram castigados pelo censor. A escravidão surgia por descendência ou por cativeiro. Anote-se que a perda da liberdade era prevista em certos delitos graves. 

A manumissão era o processo regular da concessão de liberdade por negócio jurídico privado do dono, na maioria das vezes sendo concedida por recompensa por serviços legais. O direito romano antigo e o ius civile clássico conheciam três formas de manumissão, duas inter vivos e uma mortis causa. Na época pós-clássica acresce uma forma eclesiástica. Enquanto esses atos conduzem à aquisição da cidadania romana, as manumissões pretórias têm uma eficácia menor. 

Havia a manumissão vindicta, um caso de in iure cessio, uma imitação da vindicatio in libertatem. Perante o pretor, compareciam o dono, o escravo e um cidadão que, na qualidade de adversor in libertatem, assumia o papel de autor. O último tocava no escravo com uma varinha(vindicata) e fazia a afirmação formal de que o escravo era livre. Na mannumissio censu, o escravo a ser libertado, inscrevia-se com a autorização de seu dono, no censo realizado, de cinco em cinco anos, na lista dos cidadãos como cidadão livre(essa forma desapareceu com o census na época do principado -  é a fase convencionada pelos historiadores para designar o Império Romano desde 27 a.C., quando o senado investiu Otaviano — o futuro Augusto — no poder supremo com a denominação de príncipe (princeps) (primeiro em latim), até 285 d.C., quando iniciou-se o dominato por Diocleciano. Ainda havia a manumissio testamento que realizava-se quando o dono declarava no testamento mancipatório a sua vontade na manumissão com palavras prescritas. Anote-se que desenvolveu-se, na época do principado, a forma fideicomissária, quando o testador onerava o herdeiro(ou a pessoa a quem atribuiu este escravo no testamento com o fideicomisso de libertar o escravo).

A partir de Constantino, o dono podia declarar a manumissão perante o bispo e a comunidade de cristãos. Na República tardia, surgiram manumissões pretórias em que bastavam formas privadas para a celebração inter vivos, como a declaração perante testemunhas, a entrega de uma carta de alforria, a admissão à mesa.  

Os libertos têm capacidade jurídica, mas, quando se tormavam cidadãos romanos, não eram completamente equiparados aos ingênuos(que nasceram livres - ingenui). Estavam em grande parte privados de competências políticas. 

O patronato era chamado por lei ao exercício da tutela sobre os filhos menores do liberto e sobre as libertas feminas e à sucessão intestada, se o llibertus falecer sem herdeiros próprios. Se o patrão morrer, os seus direitos, em geral, são transferidos aos seus descendentes. 

Menciona-se a liberdade diminuída do filho-família in mancipatio. Se o paterfamilias mancipa a alguém (para a prestação de serviços), um filho seu, este continua a ser pessoalmente livre, pode viver em matrimônio válido e ter filhos legítimos, mas encontra-se em relação ao adquirente, em submissão análoga a de um escravo, da qual, como escravo, só podia  ser libertado por manumissão. 

A evolução pós-clássica, como ensinou Max Kaser, conheceu variados graus intermediários entre a liberdade e dependência, de espécie totalmente diversa, enre os quais se destacava o colonato. Os coloni, cuja origem histórica era discutida, são arrendatários rurais dependentes, que eram vinculados à gleba; não podiam abandonar a terra, mas o proprietário também não os podia afastar dele e, sobretudo, não podia vender o terreno sem o colono, nem este sem o terreno. 

O pressuposto da capacidade é a existência da pessoa. Essa existência começa com o nascimento e termina com a morte.

O nascimento é a expulsão ou extração do feto maduro do ventre materno. Para os Proculianos, a vida apurava-se pelo vagido e para os Sabinianos e Justinianos, por qualquer sinal de vida.

O aborto, no direito romano, era considerado o recém-nascido que não tivesse possibilidade de vida, a qual se abria com o sexto mês de gestação; a possibilidade de vida era verificada quando o recém-nascido não morresse imediatamente após o parto.

O direito clássico antecipava o começo da existência para a data da concepção.

No direito de Justiniano dominava a regra geral de que o nascituro se considerava nascido quando se tratasse de proteger seus interesses.

A personalidade termina com a morte. O direito romano não conheceu presunções de morte nem na hipótese de ausência. Mas falava-se em comoriência quando não era possível provar quem morreu primeiro, eram considerados mortos simultaneamente, salvo se se tratasse de genitor e filho, caso em que se reputava pré-morto o genitor, quando o filho fosse púbere, e pré-morto o filho, quando fosse impúbere.

No código civil de 1916 era considerado capaz a pessoa que completasse 21 anos e não tivesse uma deficiência que o levasse à incapacidade.

 Há a emancipação que é uma antecipação da capacidade plena.

No direito romano, era a emancipação o ato jurídico pelo qual o pater families exclui de sua patri potestas o filho ou filha. É o momento em que a pessoa passava de “alieni iuiris” para “sui iuris”. É um ato exclusivo do pater, independentemente da vontade do emancipado.

Tais pessoas exercem por si mesmos os seus direitos, representam a unidade da família e, por isso, podem ter outras pessoas sob seu poder. São donos de sua pessoa física e de seu patrimônio. Não estão sujeitos a ninguém. Entretanto, são desvinculados da família.

No direito brasileiro, pode ser: voluntária,  judicial ou legal.

A emancipação voluntária é a mais comum. É a que decorre da concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro. Percebe-se aqui a real vontade e concordância dos pais em realizar o ato da emancipação do filho, isto é, não poderá haver discordância de vontade parental.

No caso um dos pais não concordar com a emancipação, o juiz poderá autorizá-la caso o motivo da recusa não tenha justificativa. Esse ato é chamado de suprimento judicial.

Porém, existe um requisito legal objetivo do futuro emancipado ter no mínimo 16 anos completos.

Todo procedimento é feito em cartório, através de uma escritura pública, não havendo necessidade de homologação judicial para tanto.

A emancipação legal se dá de forma automática, quando as situações previstas na lei civil (Art. 5º, p. U., incisos I a V do Código Civil) são alcançadas. São 4 as formas de emancipação legal:

I) Pelo casamentoComo já tratamos no artigo sobre o casamento civil, toda pessoa poderá contrair casamento a partir dos 16 anos, desde que autorizados pelos pais ou tutores. A partir do momento que o pai autoriza seu filho menor a se casar, tacitamente está autorizando a sua emancipação, para que tenha capacidade plena para iniciar uma nova família. Ilógico seria o contrário, permanecendo o vínculo parental mesmo após o matrimônio.

Tal ainda se aplica à união estável dentro de um parâmetro constitucional de igualdade.

II) Pelo exercício de emprego público efetivo

III) Pela colação de grau em curso de ensino superior

IV) Pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria.Neste caso, adquire a emancipação o menor de 16 anos que se estabelecer como comerciante ou que tenha relação empregatícia nos moldes da CLT, desde que, para esses dois casos, adquira economia própria, isto é, tenha meios financeiros próprios para se sustentar, não precisando dos pais.

Emancipação é ato irrevogável.

No direito brasileiro, pelo código civil de 2002,  é dotado de plena capacidade civil todo o indivíduo com 18 anos ou mais, que não seja pessoa com deficiência intelectual, e não adote regularmente práticas que o impeçam de tomar escolhas de forma totalmente baseada em suas capacidades de decisão (como é o caso de viciados – seja em tóxicos ou em hábitos, de forma muito extremada).

A incapacidade civil ocorre quando um indivíduo não cumpre estes requisitos mínimos para poder responder de forma plena sobre suas ações e responsabilidades na esfera civil.

Nestes casos, sua incapacidade pode ser plena, limitada, ou estar condicionada a algo transitório, como a idade do indivíduo, ou alguma doença que o afete de maneira grave, mas com possibilidade de recuperação futura.


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