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Contratações públicas: princípio da isonomia versus privilégio das microempresas e empresas de pequeno porte

Contratações públicas: princípio da isonomia versus privilégio das microempresas e empresas de pequeno porte

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O Principio Constitucional da Isonomia é atendido nas contratações públicas, especificamente frente a Lei Complementar nº 123/06, quando do tratamento diferenciado e simplificado no certame licitatório.

RESUMO: O cerne do presente trabalho monográfico é dispor sobre o princípio da isonomia nas contratações públicas, especificamente frente a Lei Complementar nº 123/06. Nesse aspecto, foi analisado o tratamento diferenciado concedido às microempresas e empresas de pequeno porte no certame licitatório, visando uma igualdade de condições para uma futura contratação pública. A base edificante deste estudo tem como ideia central o disposto no artigo 170, inciso IX e no artigo 179 da Constituição Federal de 1988, que estrutura a ordem econômica do país e serve de alicerce para a incidência do tratamento especial dispensado às micro e pequenas empresas, representadas atualmente como eixos estruturantes da economia brasileira. Assim sendo, a garantia do princípio da igualdade foi examinado frente às aquisições públicas com relação à Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos e o Estatuto das Micro e Pequenas Empresas. Ainda foi retratada a ideia insculpida no artigo 3º da Lei nº 8.666/93, bem como no artigo 47 da Lei Complementar nº 123/06, acerca do desenvolvimento nacional sustentável. Desta maneira, às microempresas e empresas de pequeno porte necessitariam de benefícios capazes de, por si só, garantir uma concorrência isonômica em relação às empresas de grande porte, igualando-as em suas desigualdades. Portanto, este preceito constitucional edifica-se como fonte suprema para a aplicabilidade destas prerrogativas especiais, na medida em que a Carta Magna estabelece garantias viabilizadoras de um tratamento diferenciado aos licitantes que se encontrem em situação desfavorecida. Não seria diferente com às micro e pequenas empresas que se amparam desses benefícios legais para conseguirem disputar em nível de igualdade com empresas de porte elevado, ratificando o ideal previsto na Lei Complementar nº 123/06.

Palavras-Chave: Contratações Públicas. Desenvolvimento nacional Sustentável. Interesse Público. Isonomia.  Microempresa e Empresa de pequeno porte.

ABSTRACT: The main core of this monographic material is to discuss the principle of equality in public procurement, specifically in what concerns the Supplementary Law No 123/06. In this case, it will analyze the differential treatment granted to micro and small businesses in the bidding process, in order to achieve equal conditions for future public procurement. The edification  based on the Article 170, subsection IX, and Article 179 of the Brazilian Federal Constitution of 1988, which structure the country’s economic order and function as the foundation for the incidence of the special treatment given to micro and small enterprises, both represented, currently, as the basis of the Brazilian economy. Therefore, this is a study about the guarantee of the principle of equality before the public acquisitions regulated by the Supplementary Law No 123/06, providing further information about the social function of the General Procurement Law and the Statute of Micro and Small Enterprises, as well as the idea inscribed on the Article 3 of the Law No 8.666/93 and the Article 47 of the Supplementary Law No 123/06, on national sustainable development. This way, micro and small businesses would need benefits capable of, by itself, guarantee an isonomic competition with the big companies, giving them equal conditions, despite their economic inequalities. Thus, the Constitution consolidates as the supreme source of the applicability of these special prerogatives, as it guarantees an isonomic treatment to all those who find themselves in a disadvantageous condition, and these benefits spreads to micro and small businesses, which are supported by them in order to compete on equal terms with large-sized companies, fulfilling thereby the principle found on the Supplementary Law No 123/06.  

Keywords: Public Contracting. National Sustainable Development. Public Interest. Equality. Microenterprise and Small Business.

SUMÁRIO: 1.INTRODUÇÃO2.LEI DE LICITAÇÕES PÚBLICAS E SEUS FINS. 2.1.Aspecto Histórico. 2.2.Licitação: Conceito e Preceito Legal. 2.3.Finalidades do Procedimento Licitatório. 3.ASPECTOS ESTRUTURAIS DA LICITAÇÃO PÚBLICA. 3.1. Diferenças entre Princípios e Regras..3.2. Princípios da Administração Pública.3.3. Princípios Norteadores do Processo de Licitação.3.4. Modalidades de Licitação.3.4.1. Concorrência. 3.4.2. Tomada de Preços. 3.4.3. Convite. 3.4.4. Concurso.3.4.5. Consulta..3.4.6. Leilão..3.4.7. Pregão.3.5. Dispensa e Inexigibilidade. 3.6. Fases do Procedimento Licitatório.3.6.1. Edital.3.6.2. Habilitação.3.6.3. Classificação.3.6.4. Homologação.3.6.5. Adjudicação.4.  O TRATAMENTO PRIVILEGIADO ÀS MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE NAS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS.4.1. Contratações Públicas e a Lei Complementar nº 123/06.4.2. Função Social das Contratações Públicas na Lei Complementar nº 123/06.4.3. O Desenvolvimento Nacional Sustentável como fonte legal para as aquisições públicas.5. O PRINCÍPIO DA ISONOMIA FRENTE À LEI Nº 123/06.5.1. Breve análise sobre o Princípio Constitucional da Isonomia.5.2. Definição e Distinção entre Microempresa e Empresa de Pequeno Porte.5.3. Caráter Privilegiado concedido às Microempresas e Empresa de Pequeno Porte.5.4. Peculiaridades no andamento licitatório concedido às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte.5.5. O Princípio da Isonomia frente à Lei Complementar nº 123/06.6. CONCLUSÃO.REFERÊNCIAS.


1.   INTRODUÇÃO

O presente trabalho versa sobre o princípio constitucional da isonomia frente ao caráter privilegiado dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte nas contratações públicas, face ao que dispõe a Lei Complementar nº 123/06 (BRASIL, 2006), a Lei Geral das Licitações Públicas e Contratos Administrativos, Lei nº 8.666/93 (BRASIL, 1993), e o texto Constitucional de 1988 (BRASIL, 1988).

Dentro desta temática, busca-se esclarecer acerca da análise do princípio da isonomia frente à Lei Complementar nº 123/06 (BRASIL, 2006), especificamente com relação ao andamento licitatório diferenciado concedido às micro e pequenas empresas, para uma contratação pública eficaz.

Para essa abordagem, inicia-se esclarecendo o arcabouço histórico da licitação, de forma a apontar acerca do avanço significativo que alicerçou o procedimento licitatório ao longo dos anos. A seguir, apresenta-se o conceito e preceito legal estruturante do procedimento licitatório, bem como as finalidades precípuas que condicionam a sua aplicabilidade.

No Capítulo inaugural, enumeram-se os aspectos estruturais da licitação, a distinção entre os princípios e as regras. Observa-se ainda, o delineamento dos princípios estruturadores da administração pública, tanto os explícitos, dispostos no caput do art. 37 da  Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CRFB (BRASIL, 1988), quanto aqueles implícitos, que foram destrinchados como forma de apontar o embasamento do procedimento licitatório. Além disso, especificaram-se as modalidades procedimentais em conjunto com as hipóteses de dispensa e inexigibilidade, bem como as fases que compõe o procedimento previsto na Lei Geral das Licitações Públicas e Contratos Administrativos (BRASIL, 1993).

No Capítulo subsequente, procurou-se enfatizar o caráter privilegiado concedido às microempresas e as empresas de pequeno porte nas contratações públicas, de maneira a apontar o embasamento constitucional e infra legal que condiciona a incidência do tratamento diferenciado, inclusive ressalta a ideia da função social nas aquisições públicas com relação à Lei Geral das Licitações (BRASIL, 1993) e a Lei Complementar nº 123/06 (BRASIL, 2006), ao fim, retrata a ideia insculpida no artigo 3º da Lei nº 8.666/93 (BRASIL, 1993), bem como no artigo 47 da Lei Complementar nº 123/06 (BRASIL, 2006), acerca do desenvolvimento nacional sustentável como fonte legal para as aquisições públicas.

Em continuidade, o Capítulo 4 é introduzido apontando como enfoque principal o princípio constitucional da isonomia frente à Lei Complementar nº 123/06 (BRASIL, 2006), de início, faz-se uma breve análise do princípio ora em destaque, no que concerne ao tratamento privilegiado, especificamente nas licitações públicas. Discorre ainda, sobre a definição e distinção entre o que seria microempresa e empresa de pequeno porte. Em seguida, trata-se do caráter diferenciado concedido às MEs e EPPs (microempresas e empresas de pequeno porte), com ênfase no tratamento especial dispensado as mesmas. Em seguida, aponta as peculiaridades transcritas no texto legal no andamento licitatório dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte. Finalizando, expõe acerca do princípio da isonomia e a correta aplicação da Lei Complementar nº 123/06 (BRASIL, 2006) frente as aquisições públicas.

No presente material monográfico foram levantados os seguintes aspectos: a) O tratamento favorecido dispensado às microempresa e empresa de pequeno porte frente ao princípio constitucional da isonomia nas aquisições públicas; b) A observância do princípio da isonomia na Lei Complementar nº 123/06 (BRASIL, 2006).

Quanto ao aspecto metodológico, utilizou-se para a confecção deste trabalho o método de abordagem dedutivo, em que foram indexados objetivos, ou seja, deduções acerca do assunto, para, consequentemente, obter-se uma resposta. Seguindo uma sequência lógica e coerente, conjuntamente, também se empregou o método qualitativo, quanto aos objetivos, diante da possibilidade de oferecer um maior detalhamento do caráter privilegiado dispensado às micro e pequenas empresas nas contratações públicas, empregando-se, concomitantemente, análise de material doutrinário, legislação, constituição e jurisprudências, de modo a fundamentar a presente Monografia. Assim, acredita-se que o entendimento sistematizado referendado pelos doutrinadores, bem como das Cortes Superiores acerca do tema proporcionará uma melhor compreensão e validade ao estudo monográfico.


2.LEI DE LICITAÇÕES PÚBLICAS E SEUS FINS

2.1.  Aspecto Histórico da Licitação

 De início, será conveniente esclarecer qual a origem do termo “licitação”, de onde ele vem e qual o seu real significado. Tal palavra deriva do latim “lacitatione” e tem como significação “arrematar em leilão”.

Inúmeros relatos históricos apontam que a licitação teve origem na Europa Medieval. A base fomentadora vem da razão da necessidade de aquisição de material, obra, serviço, cuja administração pública não tinha tais elementos, e o fazia através de contratações privadas, com a divulgação de avisos que informavam acerca do serviço a ser adquirido.

A posteriori eram publicados avisos informando aos interessados que apresentassem suas propostas ao Estado que tinha determinadas regras a serem previamente estabelecidas, através do sistema denominado “vela e pregão”, que tinha início através do instrumento convocatório, na hora e local preestabelecido, identificando-se, desde a Idade Média, o princípio da publicidade.

Com relação ao tal sistema “vela e pregão”, assim preleciona Meirelles (2012, p. 27):

[...] nos estados medievais da Europa usou-se o sistema denominado “vela e pregão”, que consistia em apregoar-se a obra desejada, e, enquanto ardia uma vela os construtores interessados faziam sua oferta. Quando extinguia a chama adjudicava-se a obra a quem houvesse oferecido o melhor preço. Reminiscência desse sistema medieval é a modalidade de licitação italiana denominada “estinzione di candela vergine”, em que as ofertas são feitas verbalmente enquanto se acendem três velas, um após a outra. Extinta a última sem nenhum lance, a licitação é declarada deserta; caso contrário acende-se uma quarta vela e assim sucessivamente, pois, para que possa adjudicar o objeto do certame, é obrigatório que uma vela tenha ardido por inteiro sem nenhum lance superior precedente.

No Brasil, o sistema licitatório passou por inúmeras transformações, de modo a ocasionar uma desenvoltura da máquina pública. As licitações já eram utilizadas em larga escala para compras e alienações de bens e serviços, antes mesmo da promulgação da Constituição Federal de 1988, porém, foram com o surgimento de Leis, Decretos, Resoluções e com novas Constituições que houve o aprimoramento do instrumento procedimental em análise.

O seu primeiro registro se deu com o Decreto nº 2.926/1862 (BRASIL, 1862) que regulamentou as contratações de serviços do antigo Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, estruturando-se dentro do âmbito federal com o Decreto nº 4.532/1922 e sendo sistematizado pelo Decreto nº 200/1962 que disciplinou a reforma administrativa na seara federal, expandindo-se posteriormente às administrações estaduais e municipais. Ao longo dos anos, inúmeras foram as regulamentações existentes acerca do assunto, passando por um processo de estruturação, para que assim suprisse as inúmeras lacunas existentes, bem como a redução de interpretações diversas acerca do mesmo ponto, surgindo assim o Decreto-Lei nº 2.300/86 (BRASIL, 1986), reestruturado em 1987 pelos Decretos-Lei nº 2.348 (BRASIL, 1987) e 2.360 (BRASIL, 1987), criando o Estatuto das Licitações e Contratos Administrativos.

Com a promulgação da Constituição de 1988 (BRASIL, 1988) novos rumos foram dados a Administração Pública, atribuindo a Licitação um alicerce constitucional, ou seja, impondo a obrigatoriedade do Estado a utilizar o processo licitatório como única forma de contratação, em regra, tendo como base, todos os preceitos legais ali impostos, constituindo crime a sua inobservância tanto no âmbito da administração direta quanto da indireta.

Em 1993, com o surgimento da Lei 8.666/93 (BRASIL, 1993), é que houve a devida regulamentação do procedimento licitatório, apontando aspectos processuais e procedimentais a serem aplicados indistintamente em todas as esferas e entes da Administração Pública. Através desse entendimento, percebe-se que o sistema licitatório veio se aprimorando consideravelmente ao longo dos anos, de maneira a garantir um maior respeito aos gastos públicos porventura realizados.

2.2. Licitação: Conceito e Preceito Legal

Saliente-se que cada doutrinador interpreta o conceito de licitação de maneira peculiar. Alguns apresentam de forma mais sucinta, outros preferem destrinchar mais palavras para definir o real conceito do que seria licitação e qual a sua finalidade, ao fim, observa-se que todos apenas buscam apresentar a real amplitude do que seria o procedimento licitatório. No posicionamento de Meirelles (2010, p. 54):

Licitação é o procedimento administrativo mediante o qual a Administração Pública seleciona a proposta mais vantajosa para o contrato de seu interesse, inclusive o da promoção do desenvolvimento econômico sustentável e fortalecimento de cadeias produtivas de bens e serviços domésticos. Como procedimento, desenvolve-se através de uma sucessão ordenada de atos vinculantes para a Administração e para os licitantes, o que propicia igual oportunidade a todos os interessados e atua como fator de eficiência e moralidade nos negócios administrativos. Tem como pressuposto a competição.

Diante do exposto, Meirelles (2010, p. 273) abarca a ideia de que o intuito do procedimento licitatório é selecionar a proposta mais benéfica a Administração Pública, para a aquisição de bens e serviços, através de uma sadia competição, sempre respeitando os ditames legais impostos.

Acompanhando os regramentos elencados pelo referido doutrinador, Gasparini (2011, p. 529) apresenta a presente ideia que a seleção das propostas segue os parâmetros objetivos dispostos no instrumento convocatório, uma vez que, o presente edital é rotulado como lei interna das licitações e contratações públicas.

Por sua vez, a conceituação abordada por Di Pietro (2012, p. 34) afirma que:

[...] licitação é o procedimento administrativo pelo qual um ente público, no exercício da função administrativa, abre todos os interessados, que se sujeitam as condições fixadas no instrumento convocatório, a possibilidade de formularem propostas dentre as quais selecionará e aceitará a mais conveniente para celebração de contrato.

Segundo Carvalho Filho (2011, p. 218), o conceito de licitação pode ser compreendido como o procedimento administrativo vinculado através do qual os entes da Administração Pública e aqueles outros por ela controlados efetivam a seleção da “melhor proposta entre as oferecidas pelos vários interessados, com dois objetivos – a celebração de contrato, ou a obtenção do melhor trabalho técnico, artístico ou científico”.

Por fim, ainda estatui sobre o tema Odete Medauar (2004, p. 213), ao esclarecer que a licitação, no ordenamento brasileiro, se caracteriza como o processo administrativo no qual a sucessão de fases e atos conduz “à indicação de quem vai celebrar contrato com a Administração”, além do que, objetiva escolher “quem vai contratar com a Administração, por oferecer proposta mais vantajosa ao interesse público. A decisão final do processo licitatório aponta o futuro contratado”.

Utilizando como escopo o referido entendimento, o termo “licitação” representa o processo formal e obrigatório a ser observado por todos os entes da Administração Pública Direta - União, Estados, Distrito Federal e Municípios -, bem como da Administração Pública Indireta - Autarquias, Fundações, Empresas Públicas e Sociedade de Economia Mista -, excetuando-se em determinados casos em que as Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista, não necessitariam realizar tal procedimento, por estarem desempenhando atividades eminentemente de direito privado, para aquisição de materiais, equipamentos, contratação de serviços, obras, alienações, concessões, permissões e locações firmadas com particulares, através de uma seleção de propostas, onde será escolhida a mais vantajosa para a Administração Pública, assegurando-se, desde o início, condições de igualdade a todos os concorrentes.

Tem-se que a obrigatoriedade do procedimento licitatório advém da impossibilidade do Poder Público escolher livremente qualquer fornecedor. Esse impedimento decorre de um conjunto de imperativos que norteiam a atividade jurídica administrativa do Estado, quais sejam a isonomia, a impessoalidade, a moralidade e a indisponibilidade do interesse público, preceituado no texto Constitucional (BRASIL, 1988) em seu art. 37, caput, “a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Munícipios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”.

Diante dos inúmeros conceitos aqui abordados acerca do procedimento licitatório, conclui-se que para o correto andamento, em todas as licitações de compras e serviços, necessário será seguir alguns critérios norteadores para um eficiente contrato administrativo, quais sejam: uma proposta vantajosa, um procedimento formal adequado, uma garantia aos princípios da ampla defesa e da isonomia, bem como da eficiência e da probidade administrativa, e por fim, o devido respeito e vinculação das partes ao instrumento convocatório e a ampla concorrência.

Respeitados esses elementos básicos norteadores, pode-se seguir com o andamento administrativo normal, uma vez que já foi garantido o devido respeito às normas estruturais, observando sempre a garantia constitucional da finalidade pública, para que assim, ocorra a consequente firmação do contrato administrativo. Tal contrato consiste basicamente em um acordo de vontade firmado entre a Administração Pública e o particular, o qual apresenta contextualização política, econômico e social, conforme preleciona Justen Filho (2010, pp. 11-12), no seguinte aspecto:

Relevância política: ‘em um Estado Democrático, os bens ou serviços dos particulares somente poderão ser obtidos mediante a observância de certos procedimentos e dentro de limites específicos’. O Estado e o particular celebram o acordo mediante consenso de ambas as partes.

Relevância econômica: o contrato com o particular representa a satisfação das necessidades do Estado – ‘revela-se como economicamente mais vantajoso que o Estado promova a contratação de particulares para o desempenho de atividades necessárias à satisfação das necessidades coletivas. Ao invés de adquirir a propriedade de bens e instrumentos necessários à execução de serviços e à satisfação de necessidades coletivas, o Estado recorre à iniciativa privada.

Relevância político econômica: “os gastos públicos são um fator essencial para a promoção do desenvolvimento econômico e social”, na consecução das políticas públicas.

Foi com a introdução da Lei ordinária nº 8.666 de Junho de 1993 (BRASIL, 1993) no ordenamento jurídico pátrio que surgiram as delineações mais eficazes acerca de todo o procedimento licitatório, uma vez que, a mesma foi edificada com o intuito de complementar o determinado pelo art. 37 da CF/88 (BRASIL, 1988). Ela surgiu para disciplinar e organizar toda a sistemática no campo da licitação pública para aquisição de bens, serviços e compras, prevendo, ainda casos em que não seria necessária a tramitação desse processo. Conforme preceitua Carvalho Filho (2011, p. 20) ao afirmar que o “Estatuto é, por assim dizer, a fonte legislativa primária disciplinadora das licitações”.

Em continuidade, oportuno será trazer à baila o conceito inaugural de licitação trazido por Silva (2010, p. 672) esclarece que “constitui um princípio instrumental de realização dos princípios da moralidade administrativa e do tratamento isonômico dos eventuais contratantes com o Poder Público”.

O intuito basilar da Lei nº 8.666/93 (BRASIL, 1993) é tornar o procedimento licitatório mais transparente e, consequentemente, escolher a proposta mais benéfica ao interesse público, propiciando, desde o nascedouro a eficácia da igualdade entre os participantes. As normas ali inseridas são gerais, via de regra, na medida em que, elencam pontos estruturais de todo e qualquer procedimento licitatório, não vindo a estabelecer diretrizes específicas para cada tipo, observa-se isso no art. 1º da 8.666/93 (BRASIL, 1993):

Art. 1o  Esta Lei estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Parágrafo único.  Subordinam-se ao regime desta Lei, além dos órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Oportuno será delinear a noção jurídica para as chamadas normas gerais. De início, a elocução “normas gerais” é dignificada da seguinte maneira no inciso XXVII do art. 22 da Constituição Federal (BRASIL, 1988):

Art. 22 Compete privativamente à União legislar sobre:

XXVII - normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as Administrações Públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1º, III (BRASIL, 1998).

Igualmente, o art. 175 da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) evidencia a necessidade prévia de licitação para os casos de concessões e permissões, dois nomes do direito Administrativo brasileiro, Mello e Di Pietro trazem conceitos desses institutos, conforme abaixo:

Concessão de serviço público é [...] o instituto através do qual o Estado atribui o exercício e o serviço público a alguém que aceita prestá-lo em nome próprio, por sua conta em risco, nas condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Poder Público, mas sob garantia contratual de um equilíbrio econômico-financeiro, remunerando-se pela própria exploração do serviço, em geral e basicamente mediante tarifas cobradas diretamente dos usuários do serviço. (MELLO, 2010, p. 701).

Permissão, [...] em sentido amplo, designa ato administrativo unilateral, discricionário e precário, gratuito ou oneroso, pela qual a Administração Pública faculta ao particular a execução de serviço público ou utilização privativa do bem público. (DI PIETRO, 2012, p.236).

Assim sendo, após os apontamentos acima delineados, observa-se que o procedimento licitatório busca uma correta concretização dos ideais insculpidos na Carta Magna de 1988 conjugados com as leis infraconstitucionais esparsas para a ocorrência de certame eficaz e isonômico.

2.3. Finalidades do Procedimento Licitatório

Usando como base o art. 3º, caput, da Lei 8.666/93 (BRASIL, 1993), a licitação pública apresenta três finalidades, quais sejam: a observância do princípio da isonomia; a busca pela melhor proposta, estimulando a competitividade entre os concorrentes e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável, dentro dos parâmetros da Moralidade e da Probidade Administrativa, conforme segue:

Art. 3o  A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos (BRASIL, 1993).

Em continuidade, incumbe afirmar que segundo o preceituado no artigo acima transcrito, a finalidade precípua para um correto andamento licitatório eficaz depende da conjugação desses três objetivos, de maneira a viabilizar uma competição com igualdade de condições, desde que respeitado a própria competitividade entre os licitantes, para consequente desenvolvimento nacional sustentável.

Acerca da alteração do artigo ora em comento, Gasparini (2011, p. 530) afirma ser “claro que a promoção do desenvolvimento nacional, objetivo fundamental da República, encontra-se albergada no princípio do interesse público”. Em contrapartida, Meirelles (2010, p. 275) estende-se mais, abordando os fundamentos que trouxeram a inserção dessa terceira finalidade às licitações, com a seguinte ideia que o intuito de se buscar um desenvolvimento econômico sadio e eficaz para o fortalecimento da conjuntura social, gera cada vez mais o crescimento do país, na medida em que tal finalidade serve como propulsor de um incentivo maior aos aspectos ligados a pesquisa e incentivos do setor público cada vez mais eficiente, fundamenta-se tal posicionamento no art. 3º, inciso II, da Carta Magna, que insere o desenvolvimento nacional como um dos objetivos da República Brasileira, o art. 170, incisos I e VIII, que trata da ordem econômica nacional, o art. 174, que delimita as funções do estado, como agente regulador da atividade econômica e o art. 219, que dispõe acerca dos incentivos ao mercado interno e o desenvolvimento cultural e socioeconômico do país.

Coadunado com a ideia trazida no caput do art. 3º da Lei 8.666/93 (BRASIL, 1993) tem-se o § 2º do referido artigo, ao mencionar os seguintes critérios de desempate, no julgamento das propostas:

[...]

§ 2o   Em igualdade de condições, como critério de desempate, será assegurada preferência, sucessivamente, aos bens e serviços:

II - produzidos no País;

III - produzidos ou prestados por empresas brasileiras.

IV - produzidos ou prestados por empresas que invistam em pesquisa e no desenvolvimento de tecnologia no País. 

Além da Lei 12.349/2010 (BRASIL, 2010) ter elencado em seu bojo o desenvolvimento nacional sustentável como finalidade da licitação pública, a mesma, inovou, ao apontar também medidas que seriam necessárias para a efetiva concretização de tal finalidade, dentre as quais se destaca a possibilidade de estabelecer margem de preferência até 25%, sobre os produtos manufaturados e serviços de origem estrangeira, nos processos de licitação para produtos manufaturados e para serviços nacionais que atendam as normas técnicas brasileiras.

Cabe mencionar, portanto o ensinamento de Mello (2010, p. 525) acerca das finalidades da licitação pública, entre as quais enumera três: a proteção a supremacia do interesse público e a boa aplicação dos recursos governamentais, quando tenta buscar a proposta mais benéfica, o devido respeito aos princípios da igualdade e da impessoalidade, ambos previstos no texto constitucional de 1988 (BRASIL, 2010), quando da abertura do certame, e, por fim, obediência a ideia da probidade administrativa, insculpida nos arts. 37 e 85, V, da Carta Constitucional 1988 (BRASIL, 1988).

Assim sendo, o gestor/agente público diante da necessidade de licitar deve, obrigatoriamente, respeitar as suas finalidades básicas. Ademais, as licitações são conduzidas por uma série de princípios basilares da Administração Pública e por princípios específicos, os quais passarão a ser analisados a seguir.


3. ASPECTOS ESTRUTURAIS DA LICITAÇÃO PÚBLICA

3.1. Diferenças entre Princípios e Regras

De acordo com os parâmetros atuais de interpretação, necessário será distinguir os princípios e regras, meio esse capaz de ensejar uma correta interpretação do arcabouço jurídico- processual.

Para Alexy (2008, pp. 87-88), inúmeros são os critérios que os diferenciam, porém aduz que os princípios são normas com grau de generalidade mais alto comparado as regras, estruturando-se como distinção primordial para as demais.

Em continuidade, inúmeros são os doutrinadores que abordam as diferenças existentes entre os dois institutos, detectando a importância para o ordenamento jurídico atual esclarecer pontos específicos de cada espécie normativa.

 No entendimento de Bonavides (2000, pp. 256-265) a doutrina jurídica contemporânea consagra tal diferença como “normatividade dos princípios e de importância das regras”, servindo-se de meio pacificador entre ambos e consagrando-as como espécies jurídicas, para a correta solução dos conflitos.

Ainda na mesma linha de raciocínio, Marinela (2012, p. 25) aduz que os princípios são normas que servem de fundamentação para a consequente solução de conflito porventura existente, importante ainda arguir que cada princípio tem sua carga valorativa, cabendo cada interprete avaliar da melhor forma possível, em contrapartida as regras caracterizam-se pela sua concretude, determinando situações jurídicas predeterminadas.

Através disso, observa-se a correta amplitude que cada instituto apresenta, bem como o real sentido e aplicação dentro do ordenamento jurídico brasileiro, não se vislumbrando mais embates acerca da insurgência de um ou de outro.

3.2. Princípios da Administração Pública

Antes de insculpir de maneira pormenorizada os princípios que alicerçam a Administração Pública como um todo, importante será delimitar o conceito da mesma no sentido objetivo e subjetivo. Por exemplo, para Di Pietro (2012, p. 55), a Administração Pública no sentido objetivo “abrange o fomento, a polícia administrativa e o serviço público”.

Em contrapartida dispõe que a Administração Pública no sentido subjetivo é entendida como “o conjunto de órgãos e de pessoas jurídicas aos quais a lei atribui o exercício da função administrativa do Estado” (DI PIETRO, 2012, p. 58).

Nessa mesma linha de pensamento, Marinela (2012, p. 18) expõe que a administração engloba todo o aparelhamento estatal, de forma a realizar os serviços necessários e satisfazer as necessidades coletivas.

Porém, diferente da separação elencada no conceito atribuído a Administração Pública por Di Pietro, Marinela introduz o seu conceito sem qualquer tipo de divisão, mas sim algo em um contexto geral.

Ao fim, Meirelles (2010, p. 20) conceitua administração pública englobando o aspecto formal que delimita o conjunto da consecução dos objetivos governamentais, o material que estabelece um conjunto de funções indispensáveis para os serviços públicos, e o operacional que estatui desempenho técnico dos serviços próprios do Estado.

A Administração Pública é regida por uma série de princípios, tanto aqueles rotulados como expressos, como aqueles que são detectados da interpretação do aparato estatal e da inter-relação entre os princípios expressos correlatos. De início, será importante tratar dos princípios insculpidos no artigo 37, da Constituição Federativa do Brasil de 1988 (BRASIL, 1988), entendidos como princípios expressos no texto constitucional, conforme se observa:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte.

De plano, experimenta-se fazer uma análise pormenorizada do Princípio da Legalidade, que apresenta amparo legal tanto no artigo anteriormente mencionado, como também no próprio art. 5º, II, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (BRASIL, 1988), bem como no art. 3º da Lei 8.666/93 (BRASIL, 1993). Assim é delimitado o princípio da legalidade segundo Furtado (2012, p. 34) na medida em que ele argui a existência de dois princípios intrínsecos dentro da própria legalidade, o primeiro deles está insculpido no art. 5º, II, da CRFB/88 (BRASIL, 1988) rotulado como princípio da reserva legal, na medida em que os particulares não podem fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei, o segundo seria intitulado legalidade administrativa, previsto no caput do art. 37 do texto constitucional (BRASIL, 1988), apesar da distinção, ainda o autor afirma que esse estaria dentro daquele. De acordo com a linha de pensamento alicerçada pelo referido autor, o princípio insculpido acima teria duas vertentes, porém a linha voltada a legalidade administrativa estaria intrinsicamente interligada dentro da reserva lei, que consiste em algo mais restrito.

Para a doutrina administrativista o Princípio da Legalidade emergiu com o Estado de Direito, na medida em que trouxe uma garantia de respeito aos direito individuais. Contudo, a ideia central é o respeito maior a coletividade, de forma a viabilizar sempre benfeitorias gerais sem qualquer espécie de individualização.

 Assim apresenta como ideia, Di Pietro (2012, p. 65), que os atos pela administração praticados devem estar adstritos aos parâmetros legais previamente estipulados, diferentemente da concepção de legalidade nas relações entre particulares, onde vigora o princípio da autonomia da vontade.

 Importante salientar o enfoque abordado por Marinela (2012, p. 31) que apresenta a seguinte ideia: tem-se a legalidade na concepção do direito privado, onde se predomina a autonomia de vontade, podendo fazer tudo aquilo que a lei não impedir, em contrapartida tem a legalidade no âmbito público, na medida em que a administração só poderá fazer aquilo que estiver disposto na lei, ficando adstrito aos regramentos insculpidos em determinado sistema legal.

Retrata-se, a ideia de distinção entre a legalidade voltada ao direito privado, onde vem correlacionada a autonomia da vontade, e a legalidade do direito público, em que só poderá fazer algo se estiver previsto em lei. Através disso, avista-se o contaste entre a abordagem privada e pública.

Transcorrida a análise sobre o Princípio da Legalidade, passamos a considerar o Princípio da Impessoalidade ou também rotulado como Princípio da Finalidade Pública.

Segundo Mello (2010, p. 114), a impessoalidade esclarece a ideia de que os entes administrativos devem tratar todos os administrados sem distinção ou qualquer tipo de benefício. Preleciona que o respectivo princípio nada mais é que o da igualdade ou isonomia.

Observa-se que o intuito estrutural desse princípio é evitar que benefícios de ordem pessoal estejam presentes na Administração Pública como um todo, na medida em que se deve gerenciar o aparato estatal sem qualquer ingerência de cunho individual ou particular.

Em face das múltiplas maneiras de aplicação, Furtado (2012, p. 102) enumera três aspectos marcantes de tal princípio, quais sejam: “o dever de isonomia por parte da Administração Pública; o dever de conformidade ao interesse público; e a imputação dos atos praticados pelos agentes à pessoa jurídica que atua”.

 Percebe-se que tais aspectos visam o tratamento isonômico aos particulares que concorram para uma posterior contratação com a administração pública, de modo a inexistir uma discriminação entre os concorrentes, garantindo, consequentemente, uma adoção de procedimentos equilibrados para o correto desenrolar do certame, sendo plenamente perceptível que o princípio da impessoalidade é elevado à norma predominante, tornando-se fonte essencial para um justo tratamento isonômico.

Em reforço ao que fora preceituado acima, importante será apresentar os aspectos instrumentalizadores do princípio da impessoalidade no entendimento de Marinela (2012, p. 34), quais sejam: “o dever de atendimento ao interesse público, tendo o administrador a obrigação de agir de forma impessoal e que a atividade administrativa exercida pelo agente público seja imputada ao órgão”.

Através da interação desses dois prismas observar-se-á uma correta igualdade procedimental, já fora respeitado o tratamento isonômico desferido a todos, sem qualquer distinção.

Finalizado esse ponto, adentrará na análise do Princípio da Moralidade Administrativa, que segundo Marinela (2012, p. 32) “é aquele princípio onde exige que os agentes públicos exerçam suas atribuições respeitando os princípios éticos aceitáveis socialmente”.

Marinela (2012, p. 39) salienta a diferença entre a moralidade administrativa e a moralidade comum com a seguinte ideia, que a moralidade administrativa engloba além das próprias atitudes desenvolvidas pelos agentes públicos, a concepção de uma administração coletiva, que realmente zele pelo bem comum. Em contrapartida, a moralidade comum apenas preocupa-se com a diferença entre o que seria bem ou mal, não adentrando no mérito do bem estar da coletividade.

De acordo com grande parcela da doutrina administrativista brasileira a compreensão acerca da moralidade administrativa encontrou grande dificuldade por ser um conceito relativamente aberto, sabe-se distinguir essa moralidade da moralidade comum, como fora acima apontada, porém segundo Furtado (2012, pp. 89-90) “interliga esse princípio com a ideia de algo ético, deixa-o, ainda mais, abstrato quanto à ideia de apenas ser algo moral”.

Através disso, o ordenamento jurídico brasileiro criou mecanismos coibidores dos atos ditos imorais, como, por exemplo, o art. 37, §4º, da CRFB/88 (BRASIL, 1998) e a Lei 8.429/92 (BRASIL, 1992) abarcando ambos dispositivos os atos de improbidade administrativa, além desses, tem-se os remédios constitucionais, a Lei Complementar nº 101/00 (BRASIL, 2000), entre tantos outros instrumentos.

Em conformidade ao que fora explicitado anteriormente, Di Pietro (2012, pp. 78-79) apresenta a seguinte ideia que o conceito de moral administrativa, por ser algo vago e imprecisa, acaba sendo incorporado pela própria legalidade administrativa, na medida em que o ente administrativo fica condicionado e adstrito aos parâmetros impostos na lei, sem distinguir efetivamente a moral da legalidade, existindo uma incorporação do conceito daquele neste.

Sabe-se que o Princípio da Moralidade Administrativa é taxativamente mencionado no texto constitucional e elevado a uma garantia fundamental irrenunciável, ao está disposto em seu art. 37, caput, da CRFB/88 (BRASIL, 1988). Em decorrência disso, Furtado (2012, p. 89) estatui que quando a moralidade administrativa foi elevada a princípio constitucional, o legislador buscou diferenciar do próprio princípio da legalidade, através disso a moral administrativa deve ser entendida como o próprio controle que deve existir na administração pública, para evitar as condutas rotuladas como imorais, observando os padrões de boa-fé e honestidade, que devem ser inerentes aos agentes públicos como um todo.

Portanto, após os pontos enumerados, deve o administrador, respeitar os ditames legais impostos comungados com uma conduta moral administrativa, obtendo, ao fim, o que for benéfico e mais útil ao interesse público. É o rotulado como moral interna de cada instituição, capaz de condicionar a atividade dos poderes, para um correto e fiel andamento procedimental.

Em decorrência do próprio Estado Democrático de Direito surgiu o intitulado Princípio da Publicidade, na medida em que os atos praticados pelo ente administrativo devem ser gerais e públicos, respeitando o que se encontra insculpido no texto Constitucional.

Como preleciona Furtado (2012, p. 94), o princípio da publicidade pode ser traduzido como o dever da Administração de dar transparência aos seus atos. A divulgação dos atos e dos procedimentos administrativos realiza, ademais, a moralidade administrativa.

Além da previsão Constitucional, este princípio ainda encontra respaldo na Lei nº 8.666/93 (BRASIL, 1993), em seu art. 3º e segundo Marinela (2012, p. 40), “o princípio da publicidade nada mais é que a divulgação, tendo como finalidade o conhecimento público”.

Para alguns doutrinadores a publicidade é elevada à condição de eficácia do ato, ou seja, marca o início da produção de seus efeitos externos, uma vez que ninguém estará obrigado a cumpri-lo se desconhece a sua existência. Nessa linha de pensamento, o STJ já decidiu, observe: “o ato administrativo, como de resto todo ato jurídico, tem na sua publicação o início de sua existência no mundo jurídico, a partir de então, seus efeitos, produzindo, assim, direitos e deveres.” (AgRg no RMS 15350/DF, STJ – Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ: 08.09.2003, p. 367).

Em casos determinados, o Princípio da Publicidade poderá ser excepcionado, na situação em que o interesse público assim o estabelecer, como bem preleciona Sundfeld (2005, p. 54) com a ideia de que a administração jamais rotula interesses pessoais seus, “na medida em que deve agir com transparência, divulgando sempre os seus atos, excepcionando-se apenas nos casos em que for de estrita necessidade para a supremacia do interesse público”.

Ao fim, observa-se que o presente princípio em enfoque vem a estruturar todo o arcabouço jurídico, na medida em que traz uma correta fiscalização administrativa por parte dos detentores de poder, os cidadãos brasileiros. Como o próprio texto Constitucional salienta.

Carvalho Filho (2011, p. 25), assim dispõe “os atos da administração devem merecer a mais ampla divulgação possível entre os administrados, e isso porque constitui fundamento do princípio propiciar-lhes a possibilidade de controlar a legitimidade da conduta dos agentes administrativos”.

Para concluir acerca dos princípios basilares expressos da Administração Pública, indispensável será analisar sobre o Princípio da Eficiência. De início, sabe-se que ele foi inserido na Carta Magna de 88, com a Emenda Constitucional nº 19/1998 (BRASIL, 1998), denominada como reforma do Estado, ao qual acrescentou no texto do art. 37, o presente princípio, rotulado como qualificador do serviço público.

Gasparini (2012, p. 76) o qualifica como sendo aquele que propicia à administração pública ter meios eficazes para realizar as suas atividades de maneira ágil, perfeita e com rendimento, respeitando, desde sempre os ditames legais impostos.

Face ao disposto acima, percebe-se que o princípio em apreço ganhou considerável força constitucional, na medida em que pode singularizar e inserir a ideia de serviço público célere, antes não efetivamente disposto no texto Constitucional, condizente com os preceitos de qualquer Administração Pública.

De modo geral, como preleciona Furtado (2012, p. 96), a eficiência que foi levada a Constituição de 1988 (BRASIL, 1988) é aquela diretamente relacionada a ideia de economicidade, na medida em que engloba a eficiência, a eficácia e a efetividade em suas manifestações. Aponta ainda, que ao art. 70, da Constituição Federativa do Brasil (BRASIL, 1988), encontra-se intimamente relacionados aos seguintes princípios: a legalidade, a legitimidade e a economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receita. Através de tal procedimento, percebe-se que a Eficiência não é interpretada de forma isolada de todo o aparato Constitucional, mas sim de forma conglomerada com os demais princípios estruturadores do ordenamento jurídico pátrio.

Ainda aduz Furtado (2012, p. 97), que a eficiência busca um conglomerado de atos que condicionem a correta efetividade da atuação do poder público, na medida em que será necessário um planejamento condizente para o correto atendimento das necessidades públicas.

Como bem disposto anteriormente, incontestável é a ideia de que a Administração Pública deve agir de forma a buscar resultados positivos de produtividade, de economicidade, já que o interesse maior é garantir um bem estar comum, com a consequente redução de gastos desnecessários do dinheiro público, de forma a viabilizar benefícios maiores a toda a coletividade.

3.3. Princípios Norteadores do Processo de Licitação

Antes de destrinchar os princípios que alicerçam o procedimento licitatório, oportuno será mencionar que a licitação pública, por si só, constitui-se em princípio, conforme menção em tópicos anteriores, previsto nos art. 37, XXI e 175 do texto constitucional (BRASIL, 1988). Essa ideia advém do Princípio da Indisponibilidade do Interesse Público, conjugado com a ideia de Supremacia do Interesse Público, desemboca no artifício de limitação da seleção da proposta mais vantajosa, para assim, ser escolhida aquela que melhor atenda aos anseios do interesse público.

Como mencionado, a licitação consiste em um conjunto de atos administrativos com intuito basilar de contratar a proposta mais vantajosa para aquisição de bens e serviços, com o devido respeito aos princípios norteadores de todo o procedimento. É através desse devido respeito que se garante uma regular aplicação do dinheiro público, na medida em que eles possibilitam uma melhor interpretação das normas e preenchimento de lacunas porventura existentes.

Qualquer procedimento licitatório deve observar os princípios constitucionais expressos anteriormente, bem como os princípios específicos que estão dispostos no art. 3º da Lei Geral de Licitações (BRASIL, 1993) e os ainda apontados pelos doutrinadores.

Como preleciona Di Pietro (2012, p. 372), “não existe uniformidade entre os doutrinadores na indicação dos princípios informativos da licitação”. Com isso, não se pode taxativamente enumerar uma lista, já que para alguns doutrinadores o rol é mais amplo, enquanto para outros é mais restrito, limitado. Porém, independentemente da quantidade de princípios abordados, o objetivo de todos é garantir um correto andamento procedimental para a aquisição mais vantajosa e benéfica para a Administração Pública. Após isso, indispensável será apontar alguns princípios que serão a seguir analisados, seguindo o parâmetro disposto no art. 3º da Lei 8.666/93 (BRASIL, 1988):

Art. 3o  A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. (grifo nosso)

De início, o princípio da igualdade entre os participantes ou também insculpido como isonomia, deve ser entendido como aquele que exige o tratamento igualitário entre os concorrentes, como se encontra disposto no §1º, do art. 3º da Lei Geral de Licitações (BRASIL, 1993) e no art. 37, XXI, da Constituição Federativa Brasileira (BRASIL, 1988).

Como preleciona Carvalho Filho (2011, p. 342), a igualdade no procedimento licitatório consiste na “possibilidade de todos os concorrentes competirem em uma situação de isonômica, sem benefício de ordem pessoal, ou seja, o ente administrativo deve agir de maneira impessoal”.

Marinela (2012, p. 47), estruturadamente, dispõe da seguinte forma, “isonomia significa tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual, na medida de suas desigualdades”. De maneira a solidificar tal raciocínio, importante ilustrar o posicionamento do STF acerca do referido assunto:

[...] 2. A Constituição do Brasil proíbe a distinção entre brasileiros. A concessão de vantagem ao licitante que suporta maior carga tributária no âmbito estadual é incoerente com o preceito constitucional desse inciso III do art. 19. 3. A licitação é um procedimento que visa à satisfação do interesse público, pautando-se pelo princípio da isonomia. Está voltada a um duplo objetivo: o de proporcionar à Administração a possibilidade de realizar negócio mais vantajoso – o melhor negócio – e o de assegurar aos administrados a oportunidade de concorrerem, em igualdade de condições, à contratação pretendida pela Administração. Imposição do interesse público, seu pressuposto é a competição. Procedimento que visa à satisfação do interesse público, pautando-se pelo princípio da isonomia, a função da licitação é a de viabilizar, através da mais ampla disputa, envolvendo o maior número possível de agentes econômicos capacitados, a satisfação do interesse público. A competição visada pela licitação, a instrumentar a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração, impõe-se seja desenrolada de modo que reste assegurada a igualdade (isonomia) de todos quantos pretendem acesso às contratações da Administração. 4. A lei pode, sem violação do princípio da igualdade, distinguir situações, a fim de conferir a um tratamento diverso do que atribui a outra. Para que possa fazê-lo, contudo, sem que tal violação se manifeste, é necessário que a discriminação guarde compatibilidade com o conteúdo do princípio. 5. A Constituição do Brasil exclui quaisquer exigências de qualificação técnica e econômica que não sejam indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. A discriminação, no julgamento da concorrência, que exceda essa limitação é inadmissível. (...) (Partes da Ementa proferida na ADI 3.070/RN, STF – Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, julgamento 29.11.2007, DJ: 19.12.2007, p.13, grifos no original). 

Portanto, quando não houver o devido resguardo do princípio em apreço, ocorrerá a desproporção entre os possíveis licitantes, fato esse ensejador de anulação perante o Poder Judiciário, na medida em que procedimentos licitatórios que não estabelecem regras principiológicas isonômicas deverão ser automaticamente anulados.

Por fim, Di Pietro (2012, p. 374) apresenta a ideia de que esse princípio é tido como estrutura primordial das licitações, já que essa não visa apenas permitir que a Administração Pública escolha a proposta mais adequada, mas, também, que assegure a igualdade de direitos a todos aqueles envolvidos na contratação.

Portanto, o princípio da igualdade pode, outrossim, apresentar-se como diferenciador e estruturador de toda a atividade administrativa, como apresenta Gasparini (2012, p. 75) que tal princípio norteia todo o ordenamento jurídico contra os atos ilegais, de maneira a viabilizar proteção àqueles que se encontram em situações desfavorecidas, concedendo-os condições iguais perante aos demais.

De forma a sintetizar todos os apontamentos elencados sobre o referido princípio, indispensável dispor acerca do objetivo do princípio da Isonomia na linha de pensamento de Gasparini (2012, p. 75), com a seguinte ideia, o intuito estrutural do princípio da igualdade é evitar tratamentos favorecidos para com aqueles que não necessitam, os desiguais deverão ser favorecidos sim, para assim existir uma correta eficiência e aplicabilidade do princípio ora em análise.

Transcorrido esse ponto, necessário será analisar acerca do Princípio do Procedimento Formal, que submete os atos e comportamentos administrativos a um andamento procedimental formal, baseado no correto andamento estruturado pela legislação que regula as licitações, tendo amparo no próprio art. 4º da lei em comento.

Não obstante tal princípio sabe-se que o entendimento doutrinário não disponibiliza que a Administração Pública possa se valer de formalismos desnecessários a uma correta execução da contrato administrativo a ser firmado. Com sabedoria, assim dispõe Meirelles (2012, p. 27), o procedimento formal, não significa que a administração deva ser “formalista”, a ponto de fazer exigências inúteis à licitação, ou inabilitar licitantes, ou desclassificar propostas [...]”.

Através disso, a Administração Pública licitante em acordo com o presente princípio, encontra-se vinculada a cumprir às regras que regem os atos, fases do procedimento da licitação, sob pena direta de ser invalidado. Não só o ente administrativo é obrigado a seguir esses ditames, mas também os proponentes que integram tal procedimento.

O procedimento licitatório também deve obedecer ao princípio da Vinculação ao Instrumento Convocatório, na medida em que devem ser respeitados os preceitos insculpidos no edital ou na carta-convite, sendo insculpido no art. 3º da Lei 8.666/93 (BRASIL, 1993), bem como no artigo 41, da seguinte forma: “a administração não pode descumprir as normas e condições do edital, ao que se achem vinculados”.

De início, Gasparini (2012, p. 539) apresenta a ideia que o edital e a carta-convite são leis internas. Com isso descreverá como será o andamento procedimental para o licitante participar da licitação, da realização do julgamento, bem como dos demais procedimentos, sendo defeso a qualquer ente administrativo não seguir os regramentos introduzidos no instrumento convocatório.

Assim preleciona Marinela (2012, p. 356) que o presente instrumento é o edital ou a carta-convite, ambos rotulados como lei interna da licitação, de forma a esclarecer os requisitos essenciais de todo o certame licitatório, ficando adstrito ao seu regramento.

Como bem explanado anteriormente, o instrumento convocatório serve como meio eficaz de conduzir um procedimento licitatório compatível com os regramentos legais impostos, evitando assim, descompasso entre os possíveis licitantes.

Transcorrida a análise do presente princípio, observa-se que também devemos esclarecer o real sentido do Princípio do Julgamento Objetivo, que se enquadra diretamente a ideia de que o licitante seja julgado respeitando-se os critérios objetivos dispostos no edital ou na carta-convite.

Como preleciona Marinela (2012, p. 356), “[...] o procedimento deve obedecer ao princípio do julgamento objetivo, devendo o edital estabelecer de forma clara e precisa qual será o conceito para a seleção da proposta vencedora, denominado ‘tipo de licitação”.

No mesmo liame abordado no trecho acima, assim complementa Gasparini (2011, p. 24) “o julgamento das propostas se faça com base no critério indicado no ato convocatório e nos termos específicos das propostas”.

Assim predispõe os artigos 44 e 45 da Lei de Licitações e Contratos Administrativos (BRASIL, 1993):

Art. 44 – No julgamento das propostas, a Comissão levará em consideração os critérios objetivos definidos no edital ou convite, os quais não devem contraria as normas e princípios estabelecidos por esta Lei.

Art. 45 – O julgamento das propostas será objetivo, devendo a comissão de licitação ou o responsável pelo convite realizá-lo em conformidade com os tipos de licitação, os critérios previamente estabelecidos no ato convocatório e de acordo com os fatores exclusivamente nele referidos, de maneira a possibilitar sua aferição pelos licitantes e pelos órgãos de controle.

Nesse diapasão, Mello (2010, p. 536) assim esclarece que a objetividade absoluta só será previsível nos certames que sejam decididos apenas pelo preço. Quando se tem outros requisitos, tais como, qualidade, técnica, nem sempre será possível atender rigorosamente de maneira extrema a objetividade, na medida em que nesses casos dependem de análises e opiniões pessoais para posterior concretização.

Delineado acerca do princípio acima exposto, analisaremos o princípio da publicidade, que se encontra consagrado no art. 37 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (BRASIL, 1988), bem como no próprio art. 3º da Lei de Licitações e Contratos Administrativos (BRASIL, 1993). Em decorrência desse princípio, sabe-se que os atos e termos praticados no desenrolar do procedimento licitatório deverão ser publicados, como fruto da própria transparência administrativa.

Justen Filho (2002, p. 69) enumera duas funções do princípio da publicidade: “o acesso dos interessados ao certame e a moral em decorrência da possibilidade de fiscalização de sua conduta”.

De forma sucinta, sabe-se que a publicidade dos atos engloba desde avisos de sua abertura, transcorrendo todo o edital, como também a análise dos documentos indispensáveis e demais informações relacionadas ao mesmo. Como dispõe Meirelles (2007, pp. 274-275), “esse princípio é o responsável pela abertura dos envelopes de documentação e proposta em público, bem como sua publicação oficial”.

Também se reconhece como princípio interligado ao procedimento licitatório o sigilo das propostas, na medida em que estas deverão ser apresentadas em envelopes lacrados e mantidas em sigilo até a sua abertura em sessão pública. Para complementar essa ideia Elias Rosa (2007, p. 125) diz “o princípio do sigilo das propostas propõe-se a assegurar a competitividade do certame e a observância entre os licitantes”. Com isso, a ideia geral interligada a esse princípio é a de que as propostas só estarão abertas ao público, quando dá sua abertura em sessão pública, caso contrário afetaria diretamente a igualdade no pleito.

O princípio da Probidade Administrativa ou também intitulado como moralidade administrativa não é específico de matéria acerca da licitação pública, na medida em que se aplica a todos os atos da administração pública, pois exige não apenas desta um comportamento ético, moral, honesto, mas sim, de todos os licitantes que estejam concorrendo no certame.

Nessa linha de raciocínio, Di Pietro (2012, p. 380) distingue a moralidade administrativa da probidade, na medida em que a primeira apresenta um conceito mais vago e impreciso, enquanto que a probidade, ou rotulada como improbidade administrativa, na medida em que a Constituição e Lei nº 8.429/92 (BRASIL, 1992) estabelecem sanções para os agentes públicos que assim incidam no ato proibitivo.

O referido princípio implica no procedimento licitatório da seguinte forma, segundo o preceituado por Justen Filho (2010, p. 56), qualquer conduta imoral acarretará a nulidade do procedimento ou ato, na medida em que a conduta do agente administrativo deve, obrigatoriamente, ser compatível com os regramentos contidos no instrumento convocatório.

Segundo o que fora preceituado anteriormente, apesar de as expressões não apresentarem significações precisas, a probidade seria abarcada pela moralidade, entendida como expressões correlatas.

Ao fim, analisaremos o Princípio da Adjudicação Compulsória, o qual delimita-se como uma obrigatoriedade, no caso de contratação, de realizá-lo com o licitante vencedor do certame licitatório.

Assim esclarece Meirelles (2012, p. 278) acerca do presente princípio que a adjudicação ao vencedor do certame é obrigatória, salvo por expressa manifestação do concorrente ou pelo transcurso do prazo fixado em lei, vedado também que se abra um novo procedimento licitatório quando ainda da vigência da adjudicação anterior.

Com relação ao termo “adjudicação”, Medauar (2004, p. 47) que o referido termo não significa necessariamente que o ente administrativo seja obrigado a firmar o determinado contrato, na medida em que existe a revogação motivada, em qualquer momento do certame licitatório. O que se deve entender é que caso a administração finalize o procedimento licitatório, a adjudicação só poderá ser feita ao vencedor.

Após isso, percebe-se que não existe um direito subjetivo a adjudicação com o licitante vencedor do certame quando a administração resolva revogar o procedimento licitatório, só podendo configurar-se quando o próprio ente administrativo ponha fim no certame, nesse caso deve adjudicar com o vencedor.

Os princípios gerais da licitação pública não se esgotam aqui, inúmeros outros poderão ser estatuídos para o correto andamento do procedimento ora em questão, de maneira a viabilizar um desenrolar procedimental licitatório eficaz.

3.4. Modalidades de Licitação

Como já havíamos debatido, a licitação constitui um procedimento administrativo formal, que tem como escopo a escolha da proposta mais vantajosa para a administração pública, para posterior efetivação da contratação.

A própria Lei 8.666/93 (BRASIL, 1993) que disciplina as licitações e contratos administrativos em âmbito nacional, também estatui acerca de algumas modalidades em seu art. 22, quais sejam: concorrência, tomada de preços, convite, concurso e leilão, em contrapartida o pregão é estipulado pela Lei nº 10.520/2002 (BRASIL, 2002) e a consulta na Lei nº 9.986/2000 (BRASIL, 2000).

No posicionamento de Justen Filho (2002, p. 199), as modalidades licitatórias são subdividas em comuns, que abarca as hipóteses dos incisos I a III do artigo ora em análise e as especiais, dos incisos IV e V, na medida em que essas têm fins específicos, diferenciando-se das demais contratações usuais ou comuns. Portanto, abordaremos as modalidades de licitações elencadas no art. 22, bem como a modalidade disciplinada pela Lei nº 10.520/2002 (BRASIL, 2002) e a consulta, instituída pela Lei nº 9.986/2000 (BRASIL, 2000).

3.4.1. Concorrência

Como bem preleciona Gasparini (2012, p. 617) é a modalidade licitatória que apresenta ampla divulgação, onde permite a participação de quaisquer interessados, desde que comprovem os requisitos mínimos indispensáveis exigidos no instrumento convocatório, para a fiel execução do seu objeto.

A Lei 8.666/93 (BRASIL, 1993) em seu art. 22, §1º, assim disciplina:

Art. 22 – [...]

§1º. Concorrência é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados que, na fase inicial de habilitação preliminar, comprovem possuir os requisitos mínimos de qualificação exigidos no edital para execução de seu projeto.

No posicionamento de Furtado (2012, p. 474) a concorrência apresenta algumas características, entre elas se destacam a universalidade e a publicidade. Esta se mostra eficaz quando da necessidade de divulgação do aviso do procedimento licitatório, conforme preceitua o artigo 21 da Lei Geral das Licitações e Contratos Administrativos (BRASIL, 1993), enquanto aquela é percebida na fase inicial do procedimento licitatório, rotulada como habilitação, onde quaisquer interessados que preencham os requisitos necessários sejam habilitados para apresentarem as propostas. Portanto, observa-se que a efetividade dos princípios licitatórios está a todo instante relacionado intimamente com a licitação, na medida em que servem de alicerce para um correto desempenhar do certame.

 Assim dispõe sobre a obrigatoriedade da modalidade em apreço, Meirelles (2007, p. 314):

A concorrência é obrigatória nas contratações de obras, serviços e compras, dentro dos limites de valor fixados pelo ato competente, que são diversos para obras e serviços de Engenharia e para outros serviços e compras. É também obrigatória a concorrência, independentemente do valor do contrato, na compra ou alienação de bens imóveis e na concessão de direito real de uso, justificando-se tal exigência pelo interesse em convocar o maior número possível de interessados. O mesmo ocorre nas licitações internacionais, quando se procura atrair interessados de outros países.                                                                                               

Após tal posicionamento, percebe-se especificamente qual a amplitude da respectiva modalidade licitatória, na medida em que estatui os aspectos obrigatórios para ser inserido na espécie ora em apreço.

Por fim, ainda preleciona Friede (1996, p. 111), “A concorrência é, em princípio, dirigida às licitações de maior vulto, é a modalidade mais formal e que mais tem publicidade”.

3.4.2. Tomada de preços

Essa modalidade é encontrada insculpida no art. 22, §2º da Lei 8.666/93 (BRASIL, 1993):

Art. 22. [...]                                                                        

§2º. Tomada de Preços é a modalidade de licitação entre interessados devidamente cadastrados ou que atenderem a todas as condições exigidas para cadastramento até o terceiro dia anterior à data do recebimento das propostas, observada a necessária qualificação.

Assim estatui Marinela (2012, p. 377) que a modalidade ora em análise, restringe-se àquelas pessoas que estejam previamente cadastradas, dentro do ramo de atividade por ela abarcada, bem como aquelas pessoas que atendam a todos os requisitos necessários para o devido cadastramento até o terceiro dia da abertura das propostas, na medida em que o concorrente terá que apresentar o cadastramento com a respectiva documentação.

Algumas características são apontadas por Gasparini (2012, p. 623) acerca da modalidade licitatória tomada de preços, são elas: a incidência em contratos de médio vulto, a permissão dos que estejam previamente cadastrados ou habilitados, em seguida a sua publicação e, por fim, a prévia qualificação dos interessados.

 Nesse contexto, Mello (2010, p. 561) ratifica a ideia acima exposta, de modo a efetivar que tal modalidade abraça “as pessoas escritas previamente no cadastro administrado, organizado em função dos ramos de atividades e os que atendam todos os requisitos legais e requeiram sua qualificação”.

Em continuidade, ainda dispõe Mello (2010, p. 562) que incidirá em crime quem “obstar, impedir ou dificultar, injustamente, a inscrição de qualquer interessado nos registros cadastrais ou promover indevidamente a alteração, suspensão ou cancelamento do registro do inscrito” – Lei 8.666/93 (BRASIL, 1993), art. 98.

3.4.3. Convite

O convite é a modalidade licitatória mais simples e encontra-se insculpida no art. 22, §3º da Lei nº 8.666/93 (BRASIL, 1993).

Art. 22. [...]

§3º. Convite é a modalidade de licitação entre interessados do ramo pertinente ao seu objeto, cadastrados ou não, escolhidos e convidados em número mínimo de 3 (três) pela unidade administrativa, a qual afixará, em local apropriado, cópia do instrumento convocatório e o estenderá aos demais cadastrados na correspondente especialidade que manifestarem seu interesse com antecedência de até 24 (vinte e quadro) horas da apresentação das propostas.

Di Pietro aponta (2012, p. 411) a ideia de que quando a presente modalidade licitatório for dirigida sempre a determinados licitantes, indo de encontra aos princípios licitatórios, com eixo no do tratamento isonômico, pode-se, existindo o número acima de três interessados, a cada novo certame, seja a carta-convite acrescida de pelo menos mais um interessado, caso existam cadastradas não convidados nos últimos certames.

Assim, Mello (2010, p. 561) dispõe “que mesmos os não cadastrados, da mesma forma que a tomada de preços, terão direito a disputar o convite, desde que requeiram cadastramento no prazo estabelecido naquela modalidade”.

 A presente modalidade diferencia-se das demais, quais sejam à tomada de preços, ao concurso e ao leilão, segundo Furtado (2012, p. 435) na publicação dos avisos, já que os avisos nessas precisam ser divulgados em órgão oficial e em jornal de circulação, já com relação à modalidade em apreço, a lei só faz menção que afixe o convite no local de avisos da repartição pública.

Por se enquadrar em uma modalidade mais simplificada, o convite limita os valores máximos estabelecidos para uma possível contratação, são elas: obras e serviços de engenharia até R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) e compras e serviços até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais).

3.4.4. Concurso

A presente modalidade está inserida na Lei 8.666/93 (BRASIL, 1993), especificamente no art. 22, §4º:

Art. 22. [...]

§4º Concurso é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados para escolha de trabalho técnico, científico ou artístico, mediante a instituição de prêmios ou remuneração aos vencedores, conforme critérios constantes de edital publicado na imprensa oficial com antecedência mínima de 45 (quarenta e cinco) dias.

Assim dispõe, Justen Filho (2002, p. 206), acerca das diferenças existentes entre as modalidades ditas comuns, tais quais: concorrência, tomada de preços e convite, e o concurso. Naquelas, a execução dos serviços por terceiros verifica-se após o certame licitatório, na medida em que os interessados apresentam suas propostas e posteriormente o licitante vencedor seja contratado, já no concurso o interessado apresentará o trabalho artístico já feito, não existe seleção entre as propostas em apreço.

Ainda acerca da referida modalidade concurso, Mello (2010, p. 562), ressalta, “que está terá regulamento próprio, acessível aos interessados no local indicado no edital, e que no regulamento devem constar os requisitos de qualificação exigidos dos participantes, tal qual o estabelecido no art. 52 da Lei nº 8.666/93”.

3.4.5. Consulta

A consulta é a modalidade licitatória utilizada pelas agências reguladoras e executivas e vem instituída pela Lei nº 9.986/2000 (BRASIL, 2000), adequada a contratações de bens ou serviços não comuns e que não sejam ligados a engenharia civil.

  Segundo Gasparini (2012, p. 629) é a modalidade que ao menos cinco pessoas, tanto físicas quanto jurídicas, de elevada qualificação técnica, poderão participar para o fornecimento de bens e serviços não-comuns.

3.4.6. Leilão

Essa modalidade, diferentemente das demais, é responsável pelas alienações de bens móveis e semoventes, insculpida no art. 22, §5º da Lei 8.666/93 (BRASIL, 1993).

Art. 22. [...]

§5º. Leilão é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados para a venda de bens móveis inservíveis para a Administração ou de produtos legalmente apreendidos ou penhorados, ou para a alienação de bens móveis prevista no art. 19, a quem oferecer o maior lance, igual ou superior ao da avaliação.

Tal modalidade é assim definida por Gasparini (2012, p. 630) como a modalidade licitatória indicada para a alienação de bens móveis inservíveis, produtos apreendidos, bens penhorados, e aqueles adquiridos judicialmente. Tem como características a venda de tais bens, a permissão da participação de quaisquer interessados, a ampla publicidade e a dispensa da fase de habilitação.

Em continuidade, em reforço ao acima exposto, preleciona Justen Filho (2002, p. 199), “Já o leilão se destina a selecionar a melhor proposta para alienação de bens ou direitos, nas hipóteses previstas em lei”.

Ao fim, Furtado (2012, p. 524) atesta que “os bens passíveis de alienação por meio dessa modalidade serão, em regra, bens móveis e excepcionalmente, imóveis”.

Logo, percebe-se que o intuito primordial dessa modalidade licitatória é a alienação de bens inutilizados pela própria administração pública, através de seleção de proposta mais benéfica para o ente administrativo.

3.4.7. Pregão

Esta modalidade licitatória que foi instituída pela primeira vez no âmbito Federal pela Medida Provisória nº 2.026/2000 (BRASIL, 2000) e nos Estados, Distrito Federal e Municípios pela Lei nº 10.520/2002 (BRASIL, 2002).

O pregão é adequado para aquisição de bens e serviços comuns, independentemente do valor estimado, como bem dispõe o art. 1º, da Lei 10.520/02 (BRASIL, 2002), da seguinte maneira:

Art. 1º. Art. 1º  Para aquisição de bens e serviços comuns, poderá ser adotada a licitação na modalidade de pregão, que será regida por esta Lei.

Parágrafo único.  Consideram-se bens e serviços comuns, para os fins e efeitos deste artigo, aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado.

Marinela (2012, pp. 381-382) apresenta a ideia que tal modalidade licitatória emergiu com intuito de aprimorar o regime das licitações, ampliando as oportunidades de participação nos certames licitatórios, de modo a desburocratizar o procedimento quanto a habilitação e as demais sequências que norteiam o procedimento, viabilizando uma maior redução de despesas e garantindo uma maior celeridade nas aquisições públicas.

Enfim, essencial será reiterar que os princípios norteadores das modalidades licitatórias abordadas aqui, também se aplicam ao pregão, conforme expressa previsão no art. 4º do Decreto nº 3.555/2000 (BRASIL, 2000).

Em seu turno, ainda é observada algumas características ligadas a essa modalidade licitatória segundo Carvalho Filho (2011, p. 281), quais sejam: a inexistência de limite de valor, restringe-se às aquisições de bens e serviços comuns dá possibilidade de a própria administração negociar diretamente com o licitante, nos termos da lei, da celeridade no seu processamento, na medida em que existe a inversão de fases e a decisão final é proferida por um único agente público, com o auxílio de uma equipe de apoio.

3.5. Dispensa e Inexigibilidade

A Lei 8.666/93 (BRASIL, 1993), em seu art. 17, incisos I e II, bem como no art. 24, estabelece os casos de dispensa e no art. 25, os de inexigibilidade.

Nesse diapasão, segundo a ideia de Marinela (2012, p. 357-358) acerca das espécies de contratação direta pelos entes públicos existem três hipóteses: a vedação (licitação proibida), a inexigibilidade e a dispensa. Com a proclamação da Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos (BRASIL, 1993), restringiu-se para dispensa e inexigibilidade. A dispensa fica a critério do legislador para a possível ocorrência, desde que não incidente nenhuma causa de inexigibilidade, essa que não tem discricionariedade quando da sua incidência.

Ainda será importante, acerca da dispensa de licitação, mencionar os casos de licitação dispensável e licitação dispensada, que assim são esclarecidas por Meirelles (2007, p. 280):

Licitação Dispensada: é aquela que a própria lei declarou-a como tal (art. 17, I e II, com as alterações pela MP 335, de 23.12.2006, e art. 2º, §1º, III, da Lei dos Consórcios Públicos – Lei nº 11.107/2005).

[...]

Licitação Dispensável: é toda aquela que a Administração pode dispensar se assim lhe convier.

Ainda elenca Meirelles (2007, p. 285) acerca da inexigibilidade, “Ocorre a inexigibilidade de licitação quando há impossibilidade jurídica de competição entre contratantes, quer pela natureza específica do negócio, quer pelos objetivos sociais visados pela Administração”.

Para que tal procedimento seja confirmado, sem a necessidade de transcorrer por um certame licitatório, será indispensável seguir os preceitos dispostos no art. 26, parágrafo único, da Lei Geral de Licitações e Contratos (BRASIL, 1993), quais sejam:

[...]

I - caracterização da situação emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa, quando for o caso;

II - razão da escolha do fornecedor ou executante;

III - justificativa do preço.

IV - documento de aprovação dos projetos de pesquisa aos quais os bens serão alocados.  

Ao fim, ainda dispõe Di Pietro (2012, pp. 388-389), que diferentemente dos casos de dispensa, que estão taxativamente prescritos na legislação em análise, por constituírem espécie de exceção à regra geral licitatória, a inexigibilidade poderá ser ampliada, em decorrência de manifestação implícita do art. 25, da Lei nº 8.666/93 (BRASIL, 1993).

3.6. Fases do Procedimento Licitatório

Segundo Gasparini (2012, p. 653) o procedimento licitatório visa selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração Pública, através de um processo administrativo formal, regido por uma série de atos, tanto da parte do licitante, quando do próprio ente administrativo. Assim são esquematizadas as fases do procedimento licitatório por Mello (2010, p. 577):

[...] considerando-se a licitação desde o ato de abertura até o encerramento, pode-se decompô-lo nas seguintes fases, explicadas simultaneamente:

  1. Edital – ato pelo qual são convocados os interessados e estabelecidas as condições que irão reger o certame;
  2. Habilitação – ato pelo qual são admitidos os proponentes aptos;
  3. Julgamento com classificação – ato pelo qual são ordenadas as propostas admitidas;
  4. Homologação – ato pelo qual se examina a regularidade do desenvolvimento do procedimento anterior;
  5. Adjudicação – ato pelo qual é selecionado o proponente que haja apresentado proposta havida como satisfatória.             

3.6.1. Edital

Assim preceitua Carvalho Filho (2011, p. 259) é o ato onde a administração pública divulga os regramentos necessários a serem aplicados em cada procedimento licitatório, traduzindo-se como “lei interna do certame licitatório”.

Ainda ensina Di Pietro (2012, p. 416) que é “a lei da licitação, pois o que nele contiver deve ser rigorosamente cumprido, sob pena de nulidade, trata-se de aplicação do princípio da vinculação ao instrumento convocatório”.

O art. 40 da Lei Geral das Licitações e Contratos Administrativos (BRASIL, 1993) delimita todos os pontos a serem respeitados para um prosseguimento licitatório apto.

Mello (2010, p. 583) apresenta a ideia que o edital concede publicidade ao certame licitatório, aponta o objeto licitado, restringe as propostas, aponta os critérios definidores para analisar e avaliar as propostas apresentadas, fiscaliza os atos do procedimento e consolida as cláusulas contratuais.

3.6.2. Habilitação

A habilitação é a segunda fase que compõe o processo de licitação, a qual é especificada pelo art. 43, I da Lei 8.666/93 (BRASIL, 1993), da seguinte forma:

Art. 43. [...]

I - abertura dos envelopes contendo a documentação relativa à habilitação dos concorrentes, e sua apreciação.

[...]

Assim preceitua Carvalho Filho (2011, p. 261) acerca dessa fase diz que é o procedimento em que o ente administrativo analisa os aspectos do concorrente para uma futura contratação, ainda preceitua que a sua inabilitação gera a exclusão nas fases subsequentes.

Elias Rosa (2007, p. 40) aponta que o licitante deverá comprovar “sua habilitação jurídica; regularidade fiscal, qualificação técnica e econômico-financeira, além de demostrar o correto cumprimento do disposto no art. 7º, XXXIII, da CRFB/88”.

Assim sendo, a presente fase busca verificar se o concorrente licitante está apto ou não para o correto prosseguimento no feito, na forma que vem a analisar todos os aspectos procedimentais indispensáveis.

3.6.3. Classificação

Nessa terceira etapa, segundo Di Pietro (2012, p. 422), a Administração faz o seguinte julgamento das propostas, de acordo com os critérios dispostos no edital, subdividindo-se na abertura das propostas dos licitantes habilitados, desde que os envelopes tenham sido abertos em ato público, e consequentemente, no seu julgamento, aonde deve ser obedecido os regramentos para o tipo de licitação adequada e os critérios do ato convocatório.

Ainda estabelece, para tal finalidade, os tipos de licitações, os quais estão previamente inseridos no §1º do art. 45 da Lei 8.666/93 (BRASIL, 1993), assim dispostos:

Art. 45. [...]

§1º Para os efeitos deste artigo, constituem tipos de licitação, exceto na modalidade concurso:

  • a de menor preço – quando o critério de seleção da proposta mais vantajosa para a Administração determinar que será vencedor o licitante que apresentar a proposta de acordo com as especificações do edital e ofertar o menor preço;
  • a melhor técnica;
  • a de técnica e preço;
  • a de maior lance ou oferta – nos casos de alienação de bens ou concessão de direito real de uso.

Nessa linha de raciocínio, necessário será apontar o que vem descrito no rol do art. 48, da respectiva lei, que enumera os casos em que a proposta será desclassificada:

Art. 48. Serão desclassificadas:

I - as propostas que não atendam às exigências do ato convocatório da licitação;

II - propostas com valor global superior ao limite estabelecido ou com preços manifestamente inexequíveis, assim considerados aqueles que não venham a ter demonstrada sua viabilidade através de documentação que comprove que os custos dos insumos são coerentes com os de mercado e que os coeficientes de produtividade são compatíveis com a execução do objeto do contrato, condições estas necessariamente especificadas no ato convocatório da licitação.

[...]

Como visto acima, vislumbra-se que aquelas propostas que não estejam de acordo com regramentos dispostos no edital, bem como aquelas que tenham o valor global acima do que fora estabelecido serão automaticamente desclassificadas do certame licitatório.

3.6.4. Homologação

O artigo 43, inciso VI, da Lei 8.666/93 (BRASIL, 1993), estabelece, “como ato final do procedimento, a deliberação da autoridade competente quanto à homologação e adjudicação do objeto da licitação”.

Segundo estatuído por Di Pietro (2012, p. 426):

essa fase juntamente com a adjudicação forma o ato final do procedimento, na medida em que as fases de adjudicação e homologação ficam fora do da atuação da comissão e passam a ser de competência da autoridade superior.

De maneira a complementar tal ideia acima exposta, Furtado (2012, p. 431) ainda afirma que a homologação nada mais é do que a concordância da autoridade competente acerca dos atos já praticados, referindo-se a própria legalidade dos atos processuais dispensados pela comissão e o interesse da administração pública em manter a licitação.

Elias Rosa (2007, p. 143) estatui o que o agente público poderá optar nessa fase por: “homologar o resultado, procedendo, posteriormente, à sua adjudicação; anular o certame, se irregular; revogar, se presente causa para isso e/ou sanar os vícios e irregularidades preexistentes”.

Assim, o servidor público poderá, depois de analisar todo o arcabouço licitatório, tomar algumas das decisões acima delineadas, de modo a concretizar ou não a respectiva aquisição pública.

3.6.5. Adjudicação

Di Pietro (2012, p. 426) assim preleciona, “a adjudicação é o ato pela qual a Administração, pela mesma autoridade competente para homologar, atribui ao vencedor o objeto da licitação”.

Ainda argui Di Pietro (2012, p. 426) a adjudicação constitui-se em ato vinculado, na forma que a administração pública apenas poderá deixar de efetivar tal certame se houver sua anulação ou revogação, conforme o disposto no art. 49 da Lei Geral das Licitações e Contratos Administrativos (BRASIL, 1993), ainda delimita que os casos de anulação:

Trata-se de ato vinculado, já que as únicas hipóteses em que a Administração pode deixar de efetuar a adjudicação são as de anulação ou revogação do procedimento, conforme previsto no art. 49 da Lei nº 8.666/93. A anulação ocorrerá em caso de ilegalidade, e a revogação, em caso de interesse público decorrente de fato superveniente devidamente comprovado.  (DI PIETRO, 2012, p. 426)

São inúmeros os efeitos produzidos na fase de adjudicação, como enumera Elias Rosa:

A adjudicação produz os seguintes efeitos jurídicos:

  1. confere do vencedor o direito à contratação futura (trata-se de mera expectativa de direito já que é incerta a formalização do contrato ou direito se a contratação efetivamente se realizar);
  2. impede a Administração de proceder à abertura de outra licitação com idêntico objeto;
  3. libera todos os demais participantes, inclusive as garantias por eles oferecidas;
  4. vincula o vencedor nos termos do edital e da proposta consagrada;
  5. sujeita o vencedor (dito adjudicatário) às penalidades previstas no edital se não assinar o contrato no prazo estabelecido (ROSA, 2007, p. 143).

Assim, a adjudicação, como fase concludente do procedimento licitatório, apresenta como efeitos jurídicos os acima delineados, de modo a concretizar, de forma efetiva, a relação direta existente entre os princípios que alicerçam o procedimento licitatório e suas fases procedimentais, de modo a garantir um andamento licitatório eficaz, isonômico e impessoal.


4.O TRATAMENTO PRIVILEGIADO ÀS MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE NAS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS

4.1. Contratações Públicas e a Lei Complementar nº 123/06

Antes de adentrar na questão base do presente debate, necessário esclarecer segundo o entendimento de Gasparini (2012, p. 757) que o sistema das contratações públicas tem como arcabouço estrutural a Lei nº 8.666/93 (BRASIL, 1993), que apresenta como objetivo viabilizar uma maior facilitação no desempenho das tarefas realizadas pelas Comissões licitatórias dos órgãos para a consequente seleção da proposta mais benéfica ao ente administrativo.

Assim, segundo a ideia de Justen Filho (2007, p. 92) o determinado tratamento privilegiado dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte não ficou adstrito apenas ao texto constitucional, sendo confirmado pela Lei Complementar nº 123/06 (BRASIL, 2006), especificamente em seu capítulo V, para disciplinar acerca das regras que regulamenta a ampliação do acesso às licitações e contratações de compras, obras e serviços pelos entes federativos, tratamento esse sintetizado pelos artigos 1º e 42 a 49 da mesma lei, que trata das aquisições públicas. Os artigos 42 e 43 estatuem normas sobre a regularidade fiscal das microempresas e empresa de pequeno porte. Em seguida, os artigos 44 e 45 delimitam sobre o direito de preferência, o artigo 46 possibilita a autorização da emissão de cédula de crédito microempresarial. Já os artigos 47, 48 e 49 dispõem sobre tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte.

Aduzem Pereira Junior e Dotti (2012, p. 73) que as inovações trazidas no bojo do respectivo Estatuto almejam implementar o tratamento diferenciado que o próprio texto constitucional assegura às microempresas e empresas de pequeno porte.

Referendam Pereira Junior e Dotti (2012, p. 73) que existem quatro elementos que oportunizam um amplo acesso de oportunidades aos contratos administrativos, quais sejam: um prazo especial para a comprovação da regularidade fiscal da pequena e microempresa, na fase de habilitação da licitação – art. 43, §§ 1º e 2º da LC nº 123/06 (BRASIL, 2006); empate ficto com a empresa de grande porte, caso o valor da proposta da pequena ou microempresa for até 10% superior ao daquela, ou no valor de 5% na espécie pregão (arts. 44 e 45); emissão de cédula de crédito microempresarial pela microempresa ou empresa de pequeno porte (art. 46); a concessão de tratamento diferenciado e simplificado disferido as micro e pequenas empresas com intuito primordial de promover o desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional, para a correta concretização das políticas públicas.

No âmbito federal, o decreto nº 6.204/2007 (BRASIL, 2007) surgiu para ratificar a correta aplicabilidade do tratamento diferenciado, favorecido e simplificado voltados às microempresas e as empresas de pequeno porte nas contratações públicas de bens e serviços. Nessa linha de pensamento, estatui Justen Filho (2007, p. 25) que o respectivo decreto somente será aplicado na esfera federal, os demais entes poderão instituir regulamento próprio, caso contrário aplicar-se-á a respectiva Lei Complementar nº 123/06 (BRASIL, 2006).

Outro ponto a ser mencionado, segundo Justen Filho (2007, p. 25) é que o artigo 1º do decreto supramencionado diz que se coadunam com tal tratamento favorecido os “órgãos da administração pública federal direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas e as sociedades de economia mista”, não ensejando a aplicação aos Poderes Judiciário e Legislativo, ao Tribunal de Contas e ao Ministério Público. Tal posicionamento vai de encontro ao que se encontra arquitetado na própria LC nº 123/06 (BRASIL, 2006), na medida em que seus benefícios são autoaplicáveis e gerais, ou seja, não depende de norma para a sua correta eficácia.

4.2. Função Social das Contratações Públicas na Lei Complementar nº 123/06

De início, sabe-se que, com a inserção da Lei Complementar nº 123/06 (BRASIL, 2006) no ordenamento jurídico brasileiro, inúmeros foram os questionamentos abordados, entre um deles, destaca-se um maior respeito aos parâmetros sociais para a correta efetivação de uma contratação pública.

Segundo a ideia de Ferreira (2012, p. 39) a “função social” da contratação administrativa passou por uma modificação bastante significativa, de forma a transcender a concepção tradicional arguida acerca da socialização das aquisições públicas e, nos dias atuais, inserir cada vez mais a visão macroeconômica das contratações públicas.

De maneira a esclarecer o que fora supramencionado, assim aponta Justen Filho (2010, p. 746):

Segundo a concepção tradicional, as contratações públicas seriam destinadas exclusivamente a prover os entes estatais dos bens, serviços e obras necessários ou dar um destino aos bens de que os entes administrativos não necessitassem. Sob esse enfoque, as contratações públicas era destinadas a promover a satisfação direta e imediata das necessidades estatais. Na dimensão macroeconômica, é inquestionável que a contratação pública apresenta uma relação socioeconômica. A atividade contratual do Estado não pode ser concebida como um simples instrumento para atender necessidades administrativas. A afirmação de um estado intervencionista acarretou uma função promocional de satisfação de direitos. O Estado assumiu o dever de satisfazer uma ampla gama de necessidades coletivas e individuais. Isso significa que o Estado necessita realizar contratações frequentes, que envolvem valores muito elevados. O estado, individualmente considerado, torna-se o maior contratante na economia. Isso significa que o setor privado acaba sendo modelado para atender às necessidades estatais. Se o estado cessasse repentinamente de promover contratações, o resultado seria o caos – não apenas colapso dos serviços estatais, mas também pela ociosidade do setor produtivo.

Assim, percebe-se que a amplitude dispensada quando da inter-relação das contratações públicas com a concepção tradicional da função social dos contratos administrativos é estritamente voltada apenas para prover os entes administrativos, sem promover qualquer interação socioeconômica com o conjunto de atividades econômicas administrativas, mas sim, voltar-se exclusivamente a satisfação imediata da atividade estatal.

Percebe-se isso, quando se traduz a ideia trazida por Ferreira (2012, p. 43), qual seja, a de que o descumprimento da função social da licitação, ou seja da promoção do desenvolvimento nacional sustentável, nos dias atuais, desagua no desrespeito da seleção da proposta mais benéfica, na medida em que só vislumbra como sendo juridicamente relevante apenas o papel econômico para a Administração, excluindo o aspecto social também interligado.

Como mesmo preceitua Ferreira (2012, p. 44) a função social nas contratações públicas é tida como finalidade material extraordinária, na medida em que a “socialidade” não se restringe apenas em satisfazer o interesse da administração, mas sim o interesse geral, coletivo e social, de modo a gerar efeitos amplos e indistintos para toda a coletividade.

Em suma, segundo o disposto por Ferreira (2012, p. 44), o intuito estrutural da concepção de “função social” abarcada na Lei Geral de Licitações e Contratações Administrativas, bem como na Lei Complementar nº 123/06 (BRASIL, 2006) é romper com o caráter neutro da administração pública para a fixação e seu objeto, o rol de licitantes e os ganhos para posterior contratação administrativa, através disso irá ser concretizado o exercício da sua função administrativa efetiva, não se restringindo apenas a ordem econômico-financeira que condiciona uma aquisição pública.

4.3. O Desenvolvimento Nacional Sustentável como fonte legal para as aquisições públicas

Em decorrência direta do caráter privilegiado concedido às micro e pequenas empresas emerge a ideia disciplinada no próprio texto do artigo 47 da Lei Complementar nº 123/06 (BRASIL, 2006), que tem como objetivo imediato o desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional, de modo a ampliar a eficácia das políticas públicas e o incentivo direto a tecnologia.

Nessa linha de raciocínio, indispensável será dispor acerca da alteração realizada no artigo 3º da Lei nº 8.666/93 (BRASIL, 1993), quando da inserção na Lei nº 12.349/2010 (BRASIL, 2010) da terceira finalidade mediata das licitações públicas, qual seja a promoção do desenvolvimento nacional sustentável conjugada diretamente com o caráter isonômico dispensado às MEs e EPPs e a consequente seleção da proposta mais vantajosa para a Administração.

Tal ampliação, como bem preleciona Justen Filho (2007, p. 92) foi planejada para reestruturar e transformar as licitações públicas em instrumento de contensão do exercício abusivo de poder pelos agentes públicos desprovidos de boa-fé.

Nos dias atuais, segundo ideia de Ferreira (2012, p. 45) as escolhas administrativas dependem, diretamente, de uma análise conjunta do interesse público, de forma a atender todas as finalidades essenciais constitucionalmente previstas aos indivíduos e aquelas decorrentes da lei.

Nessa linha de pensamento, ainda preleciona Ferreira (2012, p. 44) que incentivar o microempreendedorismo pela via das licitações é potencializar a criação de oportunidades de crescimento econômico sustentável e aumentar, gradativamente, as chances de realização da dignidade da pessoa humana pela facilitação de ingresso no mercado formal de trabalho e, pois, no rumo do pleno emprego.

O desenvolvimento, como argumenta Ferreira (2012, p. 65), para ser enquadrado como sustentável deve respeitar três viés, quais sejam: o econômico, o social e o ambiental, para que, através da conjugação deles, confira um avanço significativo do juízo central de sustentabilidade.

De modo a esclarecer tal linha de pensamento, Ferreira (2012, p. 68) aponta que a sustentabilidade econômica tem como escopo o crescimento econômico e as estruturas produtivas, de modo a gerar uma eficiência mínima dos sistemas econômicos. Em contrapartida e inter-relacionado com a sustentabilidade econômica, tem-se a social, como sendo uma junção dos valores de democracia e do caráter social, ao fim, tem-se a sustentabilidade ambiental que apresenta como escopo principal a própria atividade humana que desrespeita os fatores ambientais.

Em suma, como estatuído anteriormente e segundo entendimento de Justen Filho (2007, p. 93) as contratações públicas frente à lei complementar nº 123/06 (BRASIL, 2006) deve garantir um efetivo respeito aos parâmetros acima expostos, como consequência direta desse caráter diferenciado e simplificado dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte, como forma de incentivar o efetivo respeito ao desenvolvimento nacional sustentável.


5.O PRINCÍPIO DA ISONOMIA FRENTE À LEI 123/06

5.1. Breve análise sobre o Princípio Constitucional da Isonomia

D’Oliveira (2011) apresenta que o princípio da isonomia estrutura-se como um pilar de sustentação do Estado Democrático de Direito, na medida em que a sociedade busca o tratamento justo aos que ainda não tiveram a correta viabilização e implementação de tais direitos mais básicos e fundamentais, ainda nesse raciocínio o reconhecimento da igualdade apenas em seu aspecto formal, naquela restrita a análise fria do texto da lei, esquecendo-se da aplicabilidade para a concretização dos direitos conferidos nos ordenamentos jurídicos pátrios. (D’OLIVEIRA, 2011)

Nesse interim, sabe-se que a igualdade não se resume apenas naquela rotulada como formal, ou seja, aquela disposta no texto legal, mas, também, naquela que confere meios eficazes de concretização de todos os direitos em lei estabelecidos.

Nesse seara, de forma a ratificar tal posicionamento, para Pinto Ferreira (1983, p. 770) esta igualdade perante a lei:

[...] deve ser entendida como igualdade diante da lei vigente e da lei a ser feita, deve ser interpretada como um impedimento à legislação de privilégios de classe, deve ser entendida como igualdade diante dos administrados e juízes.

Para um efetivo entendimento, de maneira brilhante, estatui Bulos (2009, p. 420), “que a regra que rege a igualdade não consiste senão em tratar os desiguais na medida em que se desigualem”, nesse entendimento é que se forma a verdadeira lei da igualdade, ou seja, tratar com desigualdade os iguais ou com igualdade os desiguais, seria desigualmente flagrante, e não a igualdade real previamente estabelecida.

5.2. Definição e distinção entre Microempresa e Empresa de Pequeno Porte

O art. 3º da LC 123/06 (BRASIL, 2006) estatui acerca da definição, a saber:

Art. 3º  Para os efeitos desta Lei Complementar, consideram-se microempresas ou empresas de pequeno porte a sociedade empresária, a sociedade simples, a empresa individual de responsabilidade limitada e o empresário a que se refere o art. 966 da Lei n º 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, desde que:

I - no caso da microempresa, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais);

II - no caso da empresa de pequeno porte, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais).

Conforme se extrai da própria definição dada pela lei às micro e pequenas empresas e segundo posicionamento de Spinola (2008, p. 108), sabe-se que a principal diferença existente entre ambas, resume-se ao faturamento, tal distinção leva-se em conta apenas o porte da empresa pelo seu faturamento bruto anual.

De maneira a complementar tal ideia, Montãno (1999, p. 15) estatui que o critério diferenciador entre ambas privilegia apenas os aspectos quantitativos, não as considerando em seu aspecto qualitativo, visto que a receita bruta anual é tópico medidor do padrão de produção da pequena empresa.

 Transcorrido esses apontamentos, Santana e Guimarães (2014, p. 28) afirmam que tanto as pessoas físicas quanto jurídicas, uma vez preenchidos os requisitos mínimos legais, poderão recebem o status jurídico de microempresa e empresa de pequeno porte, sendo detentoras de todos os benefícios em lei estipulados.

Indispensável ainda será arguir que a referida LC nº 123/06 (BRASIL, 2006) apresenta blocos normativos dissociados, ou seja, tem-se a criação do Estatuto da Microempresa, a criação do Simples Nacional, alterações na Consolidação das Leis Trabalhistas, alterações previdenciárias e licitatórias condensadas em apenas uma estrutura normativa. Apesar disso, os benefícios na lei assegurados, de diferentes áreas, são interpretados de forma individual, de modo a não desfigurar o que se encontra delineado no texto legal.

Como posto por Santana e Guimarães (2014, p. 32) deve o instrumento convocatório dispor, de forma direta e objetiva, acerca da documentação necessária para que o licitante receba a intitulação do status jurídico de microempresa e/ou empresa de pequeno porte, e, por conseguinte, sejam amparados com todos os benefícios, dispondo ainda o momento da sua apresentação e a espécie de recurso cabível após decisão proferida pela comissão licitatória.

5.3. Caráter Privilegiado Concedido às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte

A proclamação da Lei Complementar nº 123/06 (BRASIL, 2006) emergiu para ser um novo Estatuto Nacional da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte, em substituição direta à Lei nº 9.317/96 (BRASIL, 1996), que instituiu o Simples Nacional, e à Lei nº 9.841/99, o Estatuto da microempresa e empresa de pequeno porte, onde retrata o tratamento jurídico diferenciado.

Sabe-se que o referido estatuto foi insculpido através de Lei Complementar, como bem dispõe o art. 59, parágrafo único, do texto constitucional (BRASIL, 1988):

O tratamento diferenciado concedido às micro e pequenas empresas tem embasamento constitucional, como se observa:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

[...]

IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituída sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. 

Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.

Tendo a Carta Magna como arcabouço estrutural, observa-se a plena efetividade da lei complementar que hoje regulamenta às microempresas e as empresas de pequeno porte, de modo que seu favorecimento é fonte da igualdade também presente no aparato normativo brasileiro.

Além da base constitucional previamente estabelecida, o art. 1º da LC nº 123/06 (BRASIL, 2006), assim estabelece:

Art. 1º. Esta lei complementar estabelece normas gerais relativas ao tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, especialmente no que se refere:

I – à apuração e recolhimento de impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mediante regime único de arrecadação, inclusive obrigações acessórias;

II - ao cumprimento de obrigações trabalhistas e previdenciárias, inclusive obrigações acessórias;

III - ao acesso a crédito e ao mercado, inclusive quanto à preferência nas aquisições de bens e serviços pelos Poderes Públicos, à tecnologia, ao associativismo e às regras de inclusão.

IV - ao cadastro nacional único de contribuintes a que se refere o inciso IV do parágrafo único do art. 146, in fine, da Constituição Federal.

§ 1º Cabe ao Comitê Gestor do Simples Nacional (CGSN) apreciar a necessidade de revisão, a partir de 1º de janeiro de 2015, dos valores expressos em moeda nesta Lei Complementar.

Para o correto andamento privilegiado concedido às micro e pequenas empresas, exige-se, de plano, a sua comprovação jurídica, seja qual for a modalidade licitatória que participe. Nesse entendimento, Gasparini (2010, pp. 692-693) preleciona que a comprovação jurídica, dar-se-á mediante a apresentação da documentação prevista no art. 27, I combinado com o art. 28 da Lei nº 8.666/93 (BRASIL, 1993), bem como também a declaração de enquadramento como ME ou EPP.

Como bem disciplinado anteriormente, o enquadramento legal para distinguir a microempresa da empresa de pequeno porte é justamente o faturamento bruto, visa-se apenas o lado quantitativo em detrimento do qualitativo. Para ratificar esse entendimento, necessário será transcrever o que vem insculpido no art. 11 do Decreto nº 6.204/07 (BRASIL, 2007) que:

Art. 11.  Para fins do disposto neste Decreto, o enquadramento como microempresa ou empresa de pequeno porte dar-se-á nas condições do Estatuto Nacional da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte, instituído pela Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, em especial quanto ao seu art. 3º, devendo ser exigido dessas empresas a declaração, sob as penas da lei, de que cumprem os requisitos legais para a qualificação como microempresa ou empresa de pequeno porte, estando aptas a usufruir do tratamento favorecido estabelecido nos arts. 42 a 49 daquela Lei Complementar. [...]

Sobre esse tratamento diferenciado, Mamede (2007, p. 57) tem a seguinte ideia o fato de criar benefícios que iguale desníveis presente na sociedade, serve como forme de viabilizar um maior condicionamento de políticas distributivas, sendo plenamente compatível com os regramentos impostos na lei. Assim sendo, o incentivo de privilégios dispensados a tais empresas, por si só, já servem de estimulo para uma competitividade maior entre os concorrentes, na medida em que cria situações de igualdade e condiciona um maior respeito aos ditames em norma estabelecidos.

5.4.Peculiaridades no andamento licitatório concedido às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte

Com relação as licitações, a Lei Complementar nº 123/06 (BRASIL, 2006), reserva um capítulo rotulado como “Do Acesso aos Mercados”, o qual estabelece todo o tratamento aplicável aos casos de aquisições públicas, abarcando do art. 42 ao 49 do respectivo estatuto legal.

 Nohara (2007, p. 78) apresenta como ideia que inúmeros são os fatores que condicionam o desaparecimento das microempresas e empresas de pequeno porte em decorrência direta da impossibilidade de competição com as empresas de porte elevado. Assim sendo, são edificadas garantias especiais concedidas às MEs e EPPs para um procedimento licitatório isonômico, na medida em que possibilita a criação de situações igualitárias entre os participantes para uma correta consecução da atividade pública.

Preleciona Nohara (2007, p. 79), que apesar do capítulo em comento, restringir-se a analisar o acesso aos mercados, é visível que esse “mercado” seria rotulado como Poder Público, na medida em que muitas empresas utilizam como meio propulsor de seu crescimento as contratações administrativas com os entes federativos, de maneira a viabilizar o seu progresso.

Nesse passo, Justen Filho (2007, p. 92) comenta os benefícios elencados nos artigos 42 a 45 aplicáveis, em qualquer procedimento licitatório, às microempresas e as empresas de pequeno porte, apontando que são dois: a regularização fiscal e o lance suplementar no caso de empate ficto. Evidencia-se ainda que tais benefícios são de ordem geral e indistinta para as entidades administrativas que estiverem promovendo certames licitatórios, derivada, essa obrigatoriedade, justamente do que fora insculpido no texto constitucional de 88.

Justen Filho (2007, p. 54) alude que os referidos benefícios são aplicáveis as modalidades licitatórias: concorrência, tomada de preços, convite e pregão, não abraçando ao leilão e o concurso, pela inexistência de vínculo de pertinência entre o caráter de ME ou EPP e o objeto do certame.

Especificamente com relação ao art. 43 do respectivo estatuto, Nohara (2007, p. 81) aponta que a referida norma legal deve ser interpretada em conjunto com o art. 42 da Lei Complementar nº 123/06 (BRASIL, 2006), uma vez que esse explicita que a comprovação de ME ou EPP só é exigida para efeito de assinatura de contrato, induzindo ao entendimento que seria desnecessário a apresentação da documentação que comprova essa situação jurídica, fato esse ausente depois da análise do próprio art. 43 aqui abalizado que não exime as microempresas e as empresas de pequeno porte que às microempresas e empresas de pequeno porte de apresentarem a documentação fiscal quando da ocasião da participação no certame licitatório.

Ainda com relação ao artigo supramencionado, indispensável será mencionar o que se encontra insculpido em seu §2º, a menção da convocação dos licitantes remanescentes, assim aponta Pereira Junior (2007, p. 96) que por inexistência no regramento geral, ou seja, na Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos, acerca do seu tratamento remanescente, incidirá o art. 64, §2º da Lei 8.666/93 (BRASIL, 1993) no respectivo caso tendo como modalidades licitatórias a concorrência, tomada de preços e convite existindo a igualdade de condições, inclusive com relação aos preços.

Transcorrida essa ideia, passa-se para a análise dos arts. 44 e 45 da Lei Complementar nº 123/06 (BRASIL, 2006), que é assim delineada por Justen Filho (2007, p. 92):

O art. 44 cria uma solução de ‘empate ficto’. O dispositivo estabelece, no caput, que as pequenas empresas gozarão de preferência de contratação em caso de empate. Em outras palavras, o “empate” configurar-se-á quando houver mais de uma proposta com idêntico valor. Mas também serão consideradas como empate as situações em que a diferença entre as propostas se enquadre num determinado limite porcentual. Produz-se desse modo, uma ficção de empate, na medida em que, sob o prisma aritmético, não existe igualdade de valores.

De forma a exemplificar o que fora explicitado anteriormente, usaremos dois exemplos:

Exemplo 01: Hipótese do Pregão

Empresa X

Empresa Y

Empate “ficto”

Empresa Grande

ME ou EPP

-

Valor da Oferta:R$100,00

Valor da Oferta: R$105,00

Intervalo de até 5%

Exemplo 02: Qualquer outra modalidade de licitação

Empresa X

Empresa Y

Empate “ficto”

Empresa Grande

ME ou EPP

-

Valor da Oferta: R$100,00

Valor da Oferta: R$110,00

Intervalo de até 10%

Depreende-se, dos exemplos ora expostos, que a Empresa Y (micro e pequena empresa) encontra-se empatada com a Empresa X, em decorrência direta do disposto nos §§ 1º e 2º do art. 44 do respectivo Estatuto, assim percebe-se claramente a incidência da figura do empate ficto como estruturado em linhas anteriores. Observa-se ainda, que não existe empate ficto quando a melhor proposta já tenha sido selecionada uma ME/EPP, como bem aduz Jair Eduardo Santana e Edgar Guimarães (2014, pp. 52-53), ou seja, quando já tiver ocorrido um procedimento licitatório e a escolha já tenha sido uma microempresa ou empresa de pequeno porte, não se fala, nesse caso, em empate aparente ou suposto.

O art. 46 da Lei Complementar em comento, assim aborda:

Art. 46.   A microempresa e a empresa de pequeno porte titular de direitos creditórios decorrentes de empenhos liquidados por órgãos e entidades da União, Estados, Distrito Federal e Município não pagos em até 30 (trinta) dias contados da data de liquidação poderão emitir cédula de crédito microempresarial. 

Tal qual como abordado nesse artigo, Nohara (2007, p. 84) de modo a esclarecer a presente norma legal estrutura a seguinte ideia que como o capital de giro das microempresas e empresas de pequeno porte é reduzido, muitas não conseguem arcar com os riscos de produção porventura existente quando do atraso do seu pagamento pelo ente federativo, inviabilizando o consequente desenrolar do contrato administrativo. Assim, diante do que fora previsto, às micro e pequenas empresas poderiam conceder liquidez ao empenho, por conta do atraso para quitação. Porém, tal concessão ainda depende de regulamentação, como disposto no § único do artigo 46, de forma a subsumir-se à regra geral insculpida na Lei nº 8.666/93 (BRASIL, 1993).

Após apresentado o ponto acima, deve-se a analisar os arts. 47 e 48, assim dispostos:

Art. 47. Nas contratações públicas da administração direta e indireta, autárquica e fundacional, federal, estadual e municipal, deverá ser concedido tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte objetivando a promoção do desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional, a ampliação da eficiência das políticas públicas e o incentivo à inovação tecnológica.

Parágrafo único. No que diz respeito às compras públicas, enquanto não sobrevier legislação estadual, municipal ou regulamento específico de cada órgão mais favorável à microempresa e empresa de pequeno porte, aplica-se a legislação federal.

Utilizando como parâmetro os artigos supramencionados, há de destacar os objetivos dispostos por Justen Filho (2007, p. 108) especificamente quanto ao artigo 47, da seguinte forma: “a promoção do desenvolvimento nacional econômico e social no âmbito municipal e regional; a ampliação das políticas públicas e o incentivo a inovação tecnológica”.

Assim, como já foram esclarecidos tais apontamentos em capítulo anterior, apenas será necessário ratificar que tais objetivos tem como escopo o progresso econômico conjugado com o desenvolvimento nacional sustentável, de forma a viabilizar uma maior efetivação das políticas públicas existentes.

Nessa linha de pensamento, para a correta aplicabilidade disposta no art. 47, indissociável será seguir os regramentos elencados no art. 48, como se observa:

Art. 48. Para o cumprimento do disposto no art. 47 desta Lei Complementar, a administração pública:

I - deverá realizar processo licitatório destinado exclusivamente à participação de microempresas e empresas de pequeno porte nos itens de contratação cujo valor seja de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais);

II - poderá, em relação aos processos licitatórios destinados à aquisição de obras e serviços, exigir dos licitantes a subcontratação de microempresa ou empresa de pequeno porte;

III - deverá estabelecer, em certames para aquisição de bens de natureza divisível, cota de até 25% (vinte e cinco por cento) do objeto para a contratação de microempresas e empresas de pequeno porte

[...]

Assim, vislumbra-se a necessidade de qualquer ente administrativo respeitar os preceitos insculpidos anteriormente, de modo a ensejar um andamento licitatório eficaz. Com relação ao disciplinado no artigo 49 da lei complementar ora em estudo, a lei estabeleceu limites ao incentivo nele abordado, na medida em que o legislador apontou critérios que devem ser observados, quando o administrador implementar tais regramentos privilegiados às microempresas e empresas de pequeno porte.

De maneira concisa, Ferreira (2012, p. 65) tem como encaixe o próprio princípio da ordem econômica regulado na Constituição Federativa do Brasil de 1988 quando do tratamento favorecido dispensado às MEs e EPPs, sabendo que esse benefício se enquadra apenas como um dos tantos outros que abarcam determinadas empresas.

Daí, o trabalho em si tem como estrutura o respeito aos ditames simplificados e privilegiados de modo a efetivar o princípio constitucional da isonomia, tanto no aspecto material quanto no formal, garantindo a possibilidade de participação das microempresas e empresas de pequeno porte nos certames públicos.

5.5 O Princípio da Isonomia frente à Lei Complementar nº 123/06

Como já preceituado, inúmeras vezes, o procedimento licitatório é arquitetado como:

O procedimento administrativo consubstanciado num conjunto de atos praticados de forma ordenada e sucessiva pelo Poder Público, visando à seleção da melhor oferta, em razão de determinado negócio jurídico que pretende celebrar por meio de um contrato (SANTANA; GUIMARÃES, 2014, p. 29)

Nessa linha de raciocínio e em decorrência direta do que se encontra insculpido no art. 3º da Lei nº 8.666/93 (BRASIL, 1993), Santana e Guimarães (2014, p. 29) preceituam que o procedimento licitatório abarca duas finalidades, quais sejam: garantir a isonomia na atuação administrativa e obter a proposta mais vantajosa para o Poder Público.

Observa-se ainda, que uma das finalidades precípuas da licitação é a correta observância do princípio constitucional da isonomia. O tratamento diferenciado concedido às MEs e EPPs tem embasamento constitucional como já delineado em tópico pretérito, especificamente nos arts. 170, inciso IX, e art. 179 da Constituição da Repúblicas Federativa do Brasil de 1988 (BRASIL, 1988), constituindo-se como princípio estruturador da ordem econômica.

De maneira direta, Santos (2007, p. 35) assim leciona que as discriminações são legítimas, desde que tenham como suporte o aparato constitucional, no caso em espécie tal embasamento é estruturado pelo art. 170, IX combinado com art. 179, ambos da CRFB/88 (BRASIL, 1988), edificado como princípio o próprio tratamento diferenciado concedido às MEs e EPPs, de modo a haver um sistema jurídico harmônico conjuntamente com o conjunto de regras impostas para a correta solução do caso em concreto.

Em continuidade ainda elenca Justen Filho (2007, p. 32) acrescentando que tal tratamento limita-se até a posterior neutralização das diferenças existentes entre às MEs e EPPs e as empresas de grande porte, restringindo-se ao estritamente necessário para a eliminação de possíveis diferenças capazes de afrontar o princípio da isonomia.

Ao fim, o Plenário do Tribunal de Contas da União, quando da prolação do Acórdão nº 1.231/2008 (BRASIL, 2008), manifestou-se sobre a Constitucionalidade do tratamento diferenciado concedido na Lei nº 123/06, pelo Ministro Guilherme Palmeira, da seguinte forma:

[...] Nada obstante a existência do preceito constitucional da realização de licitação para as contratações públicas com o objetivo de melhor atendimento ao interesse público, assegurado o tratamento isonômico entre os participantes, não há que se olvidar que é também princípio constitucional o tratamento favorecido às empresas de pequeno porte (CF/88, arts. 170, IX e 179), com o justo intuito de alçar à condição de iguais sujeitos desiguais. Creio que esses princípios não se antagonizam, ao contrário. Formam um todo harmônico em busca, justamente, da almejada isonomia, da igualdade. Penso, ainda, não ter sido outro o espírito com que o legislador ordinário promulgou a LC 123/2006, estabelecendo as normas gerais relativas ao tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e o Executivo baixou o Decreto 6204/2007, regulamentando o tratamento favorecido, diferenciado e simplificado a ser aplicado aos entes em questão nas contratações públicas no âmbito da Administração Federal. Além do mais, como bem assentou o representante do parquet, o atendimento ao interesse público visado pelo instituto da licitação, lato sensu, compreende não só a melhor proposta financeira, mas também fomentar a ampliação da oferta de bens e serviços, inibindo a formação de estruturas anômalas de mercado. Dessa forma, não vejo como prosperar a tese de inconstitucionalidade aventada [...] (ACÓRDÃO Nº 1.231/2008, Min. Rel. Guilherme Palmeira).

A tudo o que já foi dito, pode-se inferir que os benefícios existentes no ordenamento jurídico pátrio em favor das microempresas e das empresas de pequeno porte servem como forma de concretização dos efeitos reais que abarcam o princípio constitucional da isonomia, de modo a condicionar um procedimento licitatório condigno.


6.   CONCLUSÃO

O presente estudo monográfico teve como objetivo principal analisar, através de legislação e doutrina específica, a real aplicabilidade do princípio constitucional da isonomia nas aquisições públicas, especificamente frente ao caráter privilegiado dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte previsto na Lei Complementar nº 123/06.

Destaca-se toda a base histórica sobre o procedimento licitatório, na medida em que aduz que a licitação compreende um conjunto de atos que visam selecionar a proposta mais vantajosa ao interesse da coletividade, quando da aquisição de materiais, serviços ou obras para a Administração Pública.

Os princípios que regem a Administração Pública, tanto os explícitos quando os implícitos, foram abordados de maneira ampla, bem como aqueles que regem os ditames da seara licitatória, as modalidades licitatórias e as fases que compõem o certame, de maneira a viabilizar uma melhor compreensão do procedimento. Para que o correto andamento licitatório seja fielmente alcançado, faz-se necessário obedecer aos regramentos dispostos em lei que, obrigatoriamente, devem ser indexados aos ideais principiológicos e aos aspectos procedimentais.

O princípio constitucional da Isonomia é o arcabouço principal do respectivo estudo, insculpido na Constituição da República Federativa do Brasil, como também no art. 3° da Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos e a fonte primordial para o caráter privilegiado dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte. Sabe-se, ainda, que este princípio apresenta uma amplitude maior com relação aos outros no texto constitucional, uma vez que é tratado como pilar de sustentação de todo o ordenamento jurídico brasileiro.

No entendimento dos doutrinadores aqui abordados, a igualdade é elevada a tópico primordial no correto andamento licitatório, na medida em que, preza-se por um efetivo respeito aos ditames legais, viabilizando meios condizentes para a efetividade do presente princípio.

Quando do transcorrer da pesquisa, percebe-se que a Lei Complementar nº 123/06 surgiu, justamente, para regulamentar esse tratamento favorecido e diferenciado dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte, evidenciando o aspecto social voltado para as contratações públicas frente à lei complementar ora em análise e o desenvolvimento nacional sustentável como fonte legal para tais aquisições especiais, de modo a concretizar o que vem disposto nos artigos 170, IX e 179 da Constituição Federativa do Brasil de 1988.

De forma compacta, ainda trouxe à baila o entendimento jurisprudencial do Tribunal de Contas da União acerca da constitucionalidade da Lei Complementar nº 123/06, de forma a explicitar que o tratamento diferenciado concedido às micro e pequenas empresas é princípio abalizado no ordenamento jurídico dominante, uma vez que comporta meios eficazes para contratações públicas, obtendo-se um nível de competição igualitária com as demais empresas.

O tratamento diferenciado dispensado às micro e pequenas empresas surgiu como uma efetiva garantia do princípio constitucional da isonomia, no intuito de dirimir as desigualdades preexistentes, de forma a equacionar o princípio da igualdade que é essencial para a satisfação do interesse público.

Nesse sentido, é plenamente aceitável que a Administração Pública conceda tratamento desigual aos desiguais quando da contratação pública, desde que haja o devido amparo aos padrões mínimos exigidos e que tal tratamento não seja aplicado de maneira a prejudicar as aquisições públicas.

Quanto às aquisições públicas, onde se aplicam imediatamente tais benefícios, contidos nos artigos 42 a 49 da Lei Complementar nº 123/06, rotulado como “Do Acesso aos Mercados”, tem sido muito utilizadas como forma de promover a eliminação das desigualdades preexistentes, além de incentivar o desenvolvimento nacional dessas micro e pequenas empresas de forma social e sustentável.

Em conclusão, diante de todo o exposto, verifica-se que o Texto Constitucional, preocupou-se em estabelecer garantias viabilizadoras de um tratamento isonômico a todos aqueles que se encontrem em situação desfavorecida.

Logo, infere-se que a Carta Magna de 1988 garante a possibilidade de participação, de forma simplificada e privilegiada, das microempresas e empresas de pequeno porte nos certames públicos, de modo a não ferir o princípio constitucional da isonomia, com vistas a preservar e incentivar o desenvolvimento nacional sustentável em atendimento ao interesse público.


REFERÊNCIAS

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BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

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Autor

  • Savio Verdiano

    Graduando em Direito, estagiário do Tribunal Regional Eleitoral - TRE/SE, dedicado a publicar trabalhos que sirvam como meio estruturador para um maior conhecimento jurídico.

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