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Aplicação e execução de medidas socioeducativas e a Lei nº 12.594/2012

Aplicação e execução de medidas socioeducativas e a Lei nº 12.594/2012

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Revisam-se detalhadamente diversas questões problemáticas relativas à aplicação de medidas socioeducativas a adolescentes em conflito com a lei, atentando para as diversas circunstâncias relacionados ao ato infracional, à pessoa do adolescente e ao seu entorno psicossocial.

Resumo: O presente artigo aborda alguns institutos jurídicos e procedimentos relacionados à aplicação e execução de medidas socioeducativas, analisados sob o aspecto da aplicabilidade prática e sob a ótica das inovações com amplo reflexo sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), trazidas pela Lei nº 12.594/2012, conhecida como Lei do SINASE. Discorrendo sobre o assunto também à luz daquilo que foi objeto de regulamentação específica pelas Resoluções de números 165/2012 e 191/2014, ambas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), são analisados alguns fatores e elementos importantes que envolvem a escolha das medidas legais aplicadas ao adolescente a quem se atribui a prática de ato infracional. Destacam-se certas peculiaridades que envolvem a unificação de medidas socioeducativas, com especial enfoque para a medida de prestação de serviços à comunidade. Abordam-se aspectos relacionados à repercussão que a unificação traz para as medidas já em execução, ao mesmo tempo em que são apresentadas propostas alternativas para que se evite o acúmulo de procedimentos de apuração de ato infracional em relação a um mesmo adolescente, nos casos em que ele já se encontra imerso em medida socioeducativa de internação por prazo indeterminado. Expõem-se argumentos para sustentar a possibilidade da extinção da pretensão socioeducativa ou de medidas socioeducativas aplicadas, ainda que fora das hipóteses legais enumeradas expressamente pela Lei do SINASE. A discussão sobre a possibilidade da execução da medida socioeducativa antes do trânsito em julgado da sentença é tratada à luz da Lei do SINASE, da Resolução nº 165/2012-CNJ, de precedente jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do mais recente precedente do Supremo Tribunal Federal (STF). Abordam-se também aspectos práticos sobre a expedição de guias de execução de medidas e os desdobramentos para os juízos do processo de conhecimento e do processo de execução.

Palavras-chave: Aplicação e Execução de Medidas Socioeducativas. Estatuto da Criança e do Adolescente. Unificação. Guia de Execução.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. APLICAÇÃO DE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA A ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI. 2.1 Sentença de improcedência do pedido contido na representação ofertada pelo Ministério Público. 2.2 Aplicação de medida socioeducativa em sede de remissão. 2.3 Aplicação de medida socioeducativa por sentença de mérito. 3. CRITÉRIOS ORIENTADORES PARA A APLICAÇÃO DE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA. 3.1 Capacidade de cumprimento da medida socioeducativa. 3.2 Necessidades pedagógicas da medida. 3.3 Circunstâncias do ato infracional. 3.4 Gravidade da infração. 3.5 Objetivos e princípios que orientam as medidas socioeducativas. 3.5.1 Objetivos das medidas socioeducativas. 3.5.2 Princípios orientadores das medidas socioeducativas. 4. CUMULAÇÃO E UNIFICAÇÃO DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS. 4.1 Unificação de penas e de medidas socioeducativas. 4.2 Natureza jurídica da unificação de medida socioeducativa. 4.2.1 Ato infracional praticado antes do início do cumprimento de medida socioeducativa. 4.2.2 Ato infracional praticado durante o cumprimento de medida socioeducativa. 4.3 Unificação de medidas e unidade de procedimentos. 4.4 Situações hipotéticas de unificação de medidas socioeducativas. 4.4.1 Medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade aplicada antes do início da execução de medida anterior. 4.4.2. Medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade aplicada durante a execução de medida anterior. 4.4.3 Medidas socioeducativas de liberdade assistida, semiliberdade e internação, aplicadas durante a execução de medida anterior. 5. SUBSTITUIÇÃO, SUSPENSÃO E EXTINÇÃO DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS. 5.1 Causas de substituição e de suspensão de medida socioeducativa. 5.2 Substituição de medida socioeducativa em meio aberto ou em regime de semiliberdade por medida de socioeducativa de internação por prazo indeterminado. 5.3 Extinção de medidas socioeducativas. 6. A LEI Nº 12.594/2012 E A EXECUÇÃO DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS. 7. GUIAS DE INTERNAÇÃO PROVISÓRIA, DE INTERNAÇÃO-SANÇÃO, UNIFICADORA, DE EXECUÇÃO PROVISÓRIA E DE EXECUÇÃO DEFINITIVA DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS. 7.1 Execução de medida socioeducativa em programa de atendimento ou unidade sediada na mesma comarca do juízo do processo de conhecimento. 7.2 Execução de medida socioeducativa em programa de atendimento ou unidade de cumprimento sediada em outra comarca. 7.3 Cumprimento da medida socioeducativa nos casos de adolescente internado provisoriamente (internação cautelar). 7.4 Cumprimento da medida nos casos de aplicação de medida de internação por prazo determinado (internação-sanção). 7.5 Cumprimento da medida cautelar de internação provisória. 7.6 Execução de medida socioeducativa antes do trânsito em julgado da sentença. 7.7 Recurso contra a sentença e situação dos processos de conhecimento e de execução provisória de medida, quando o cumprimento da medida ocorre em programa ou unidade fiscalizada por outro juízo. 8. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.


1. INTRODUÇÃO

Com a regulamentação da execução das medidas socioeducativas feita pela Lei nº 12.594/2012, também chamada de Lei do SINASE, e o disciplinamento trazido ao procedimento de execução dessas medidas pela Resolução nº 165/2012 e alterações dadas pela Resolução nº 191/2014, ambas do CNJ, o cumprimento das medidas socioeducativas aplicadas ao adolescente a quem se atribui a prática de ato infracional ganhou feição própria, além de contornos específicos e legalmente definidos.

Não que antes das inovações preconizadas pelo novo disciplinamento jurídico voltado ao cumprimento das medidas socioeducativas não houvesse disposição normativa alguma versando sobre o tema, o que, todavia, ocorria apenas em nível local.

Em alguns Tribunais de Justiça já existiam atos normativos discorrendo sobre a questão no âmbito da justiça dos estados respectivos. Contudo, havia a necessidade de regulamentação do assunto em nível mais amplo, pois, apesar de o Estatuto da Criança e do Adolescente possuir mais de 20 anos e ter recebido diversos acréscimos ao seu texto inicial, até o advento da Lei do SINASE não havia um instrumento legislativo que regulamentasse, em âmbito nacional, o procedimento de execução das medidas socioeducativas.

Por algum tempo as medidas socioeducativas foram executadas nos próprios autos do processo de conhecimento. Foi uma prática comum, sobretudo em estados pequenos, porque inicialmente a justiça desses estados não possuía (alguns ainda não possuem) juizados da infância e da juventude com competência exclusiva para a execução de medidas socioeducativas.

Apesar disso, o cumprimento das medidas socioeducativas foi evoluindo, com a criação de juizados voltados exclusivamente para a sua execução, além do estabelecimento de procedimentos de execução próprios, tendo como base o que já acontecia em relação à execução de penas impostas a pessoas adultas.

Ocorre que por ter natureza específica e requerer tratamento diferenciado, pois envolve sujeitos em condição peculiar de desenvolvimento, na faixa etária entre 12 e 18 anos incompletos, o procedimento de execução de medidas socioeducativas não poderia simplesmente adotar modelos idealizados para o público adulto.

Apesar dos quase três anos de vigência da Lei do SINASE e da idade um pouco menor da Resolução nº 165/2012-CNJ, muito ainda precisa ser feito para que, efetiva e integralmente, sejam postas em prática as novas disposições que versam sobre a execução de medidas socioeducativas.

Além do desafio que consiste em adaptar para a execução de medidas socioeducativas modelos e institutos concebidos originalmente para a execução penal, como é o caso da unificação, agora prevista também na Lei do SINASE, há a necessidade da integração operacional, com a articulação e cooperação dos diversos atores do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente.

A atuação coordenada e articulada entre esses diversos órgãos, entidades e agentes, possibilitará não apenas que se dê efetividade à Lei nº 12.594/2012, mas que se mantenha assegurado ao adolescente, também no processo de execução, tratamento compatível com a sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, favorecendo a sua rápida evolução e o seu crescimento de forma saudável, durante e após o cumprimento da medida.

Sob esse enfoque, o presente artigo aborda alguns aspectos da aplicação e da execução das medidas socioeducativas, à luz das inovações com repercussão sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, trazidas pela Lei do SINASE, além do disciplinamento contido nas Resoluções de números 165/2012 e 191/2014, do CNJ.

Sem qualquer pretensão de esgotar o tema ou de propor soluções perfeitas e acabadas para as questões apresentadas, o presente trabalho tem como propósito auxiliar aqueles que lidam na área da infância e juventude, notadamente no âmbito da aplicação e da execução das medidas socioeducativas e protetivas. Além disso, procura encontrar respostas para questões que, apesar de ainda pouco abordadas pela doutrina e pela jurisprudência, envolvendo tratativas da seara infantojuvenil, requerem análise cuidadosa daqueles que operam nesse campo especial do Direito.


2. APLICAÇÃO DE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA A ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI

Guardadas as peculiaridades da remissão, que pode eventualmente ser cumulada com a aplicação de algumas medidas socioeducativas, em regra, para aplicar a medida legal ao adolescente o magistrado deve analisar, à luz do Direito e dos princípios de regência, os fatos a ele atribuídos, no devido processo legal, denominado comumente de ação socioeducativa, que é iniciado por representação do Ministério Público, titular exclusivo da ação.

No procedimento de apuração de ato infracional devem ser observadas as garantias processuais do adolescente, ainda que a medida seja aplicada mediante remissão, assegurando-lhe o exercício do contraditório e da ampla defesa, com os meios e recursos inerentes.

Conforme o que for ajustado entre as partes e homologado (ou decidido) pela autoridade judiciária, ou o que for apurado ao longo da instrução do procedimento de apuração de ato infracional, poderá ser considerada insubsistente a pretensão do Ministério Público contida na representação (peça inicial da ação socioeducativa), caso em que não será aplicada qualquer medida de cunho socioeducativo ao adolescente.

Concluindo-se, no entanto, que foi comprovada a materialidade do ato infracional e que o adolescente foi o seu autor, será proferida sentença de procedência da pretensão formulada pelo Ministério Público. Em consequência, será aplicada ao adolescente em conflito com a lei uma ou mais medidas socioeducativas, desde que cumuláveis, além de medidas de natureza eminentemente protetiva.

2.1 Sentença de improcedência do pedido contido na representação ofertada pelo Ministério Público

O julgamento será de improcedência dos termos da representação proposta pelo Ministério Público, com a impossibilidade da aplicação de qualquer medida socioeducativa, quando (art. 189 do ECA):

I – estar provada a inexistência do fato;

II – não houver prova da existência do fato;

III – não constituir o fato ato infracional;

IV – não existir prova de ter o adolescente concorrido para o ato infracional.

Não será aplicada também qualquer medida socioeducativa quando o representado já houver completado 21 anos, idade limite para a sujeição a medidas socioeducativas, conforme a leitura que se extrai do art. 121, § 5º, do ECA.

De igual modo, conforme a Súmula 338 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o adolescente não estará mais sujeito ao cumprimento de medida socioeducativa em caso de prescrição da medida.

Mesmo tendo sido julgada improcedente a representação proposta pelo Ministério Público, havendo necessidade, a autoridade judiciária poderá aplicar ao adolescente medidas unicamente protetivas (sem carga coercitiva), nos moldes dos arts. 98 e 101 do ECA.

Na verdade, mesmo que seja verificada a prática de ato infracional, constatando a autoridade judiciária que existe ameaça ou violação dos direitos do adolescente, poderá aplicar-lhe medidas de proteção, conforme permite o art. 112, inc. VII, do Estatuto, ou encaminhar o caso para atendimento pelo Conselho Tutelar, nas comarcas onde esse órgão for instalado, nos termos dos arts. 131, 136 e 262 do ECA.

2.2 Aplicação de medida socioeducativa em sede de remissão

A aplicação de medida socioeducativa a adolescente a quem se atribui a prática de ato infracional pode ocorrer em sede de remissão concedida pelo Ministério Público e homologada pela autoridade judiciária (juiz da infância e da juventude), na forma dos arts. 126, caput, c/c 127 e 181, §1º, do ECA. Pode também resultar da concessão de remissão pela própria autoridade judiciária, após ouvir o Ministério Público, consoante o disposto nos arts. 126, parágrafo único, c/c arts. 127 e 181, §1º, do ECA.

A remissão, como forma de extinção ou suspensão do processo, pode ser concedida em qualquer fase do procedimento, desde que antes da sentença, conforme estabelece o art. 188 do ECA. Sob essa ótica legal, uma vez encerrada a instrução processual e feita a conclusão dos autos ao juiz para sentença, a rigor, não cabe mais a concessão de remissão, devendo ser proferido o julgamento da demanda.

A remissão com aplicação de medida socioeducativa resulta então de um ajuste entre o Ministério Público, a autoridade judiciária, o adolescente, seus pais ou responsável e seu defensor, o que pressupõe a anuência do adolescente quanto à medida proposta. Não implica necessariamente o reconhecimento ou comprovação da responsabilidade do adolescente, nem prevalece para efeito de antecedentes (art. 127 do ECA).

A aplicação de medida socioeducativa em sede de remissão enseja a suspensão do procedimento de apuração de ato infracional, que assim permanecerá até o término do cumprimento da medida aplicada ou da extinção, por outro modo, do procedimento de execução. Pode, no entanto, ocorrer a retomada do procedimento de apuração de ato infracional (ação socioeducativa), em razão do descumprimento reiterado e injustificável da medida socioeducativa aplicada ao adolescente ou da impossibilidade de fazer a sua adequação para outra medida. É uma providência cuja adoção precisa ser cuidadosamente analisada pelo Ministério Público e pelo magistrado, conforme o caso concreto, avaliando-se se realmente haverá pertinência e utilidade na retomada do procedimento de apuração de ato infracional, para, ao final, aplicar uma nova medida socioeducativa que, não se tratando de ato infracional cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá ser no máximo liberdade assistida (art. 127, parte final, do ECA), medida aplicável também em sede de remissão suspensiva.

Além da liberdade assistida, poderão ser aplicadas em sede de remissão as medidas socioeducativas de prestação de serviços à comunidade, obrigação de reparar o dano e advertência, assim como medida de proteção específica.

As medidas de proteção, de advertência e de reparação do dano, quando aplicadas de forma isolada, serão executadas nos próprios autos do processo de conhecimento (art. 38 da Lei nº 12.594/2012).

Tratando-se das medidas socioeducativas de liberdade assistida, prestação de serviços à comunidade, semiliberdade ou internação (as duas últimas não cabíveis em sede de remissão), o cumprimento se fará em procedimento de execução próprio, um para cada adolescente (art. 39 da Lei nº 12.594/2012).

2.3 Aplicação de medida socioeducativa por sentença de mérito

Levado à instrução o procedimento de apuração de ato infracional e concluída a referida fase processual, apresentados os memoriais de alegações finais do Ministério Público e da Defesa, a aplicação de medida socioeducativa advirá de sentença que apreciará o mérito da pretensão formulada na representação do Ministério Público. Em tal hipótese, além das medidas em meio aberto, poderão ser aplicadas ao adolescente as medidas socioeducativas de inserção em regime de semiliberdade e internação em estabelecimento educacional.

É importante lembrar que, diferentemente das demais medidas socioeducativas, para cuja aplicação a lei exige provas suficientes de autoria e materialidade do ato infracional, tratando-se de medida socioeducativa de advertência, basta que haja a prova da materialidade e os indícios suficientes de autoria (art. 114, parágrafo único, do ECA).

Acolhendo o pedido feito pelo Ministério Público na representação para apuração de ato infracional, a autoridade judiciária aplicará a(s) medida(s) socioeducativa(s) e/ou protetiva(s) mais adequada(s), de acordo com a sua finalidade pedagógica, a capacidade de cumprimento pelo adolescente e a gravidade da infração, observando-se com especial atenção o disposto nos arts. 112, § 1º, e 113 c/c 99 e 100, todos do ECA, sem se descuidar dos objetivos e princípios orientadores das medidas socioeducativas.

Além dos fatores citados, antes de escolher a medida ou medidas legais a aplicar ao adolescente a quem se atribui a prática de ato infracional, a autoridade judiciária deverá fazer uma análise criteriosa sobre a situação processual do destinatário da medida, atentando, inclusive, para a verificação quanto à possível existência de medidas socioeducativas em fase de execução envolvendo o adolescente.

É um cuidado que se faz necessário, para a definição da medida mais adequada à realidade jurídica e sociopedagógica do adolescente, assim como para verificar se a situação enquadra-se ou não nas hipóteses previstas no art. 45, §§ 1º e 2º, da Lei nº 12.594/2012 (SINASE).

Os dispositivos legais em questão vedam à autoridade judiciária aplicar nova medida socioeducativa de internação ou determinar o reinício de outras medidas socioeducativas, nas hipóteses em que o adolescente já houver iniciado ou concluído o cumprimento (de medida de mesma natureza), e o ato infracional sob julgamento tiver sido praticado antes do início do cumprimento dessas medidas.


3. CRITÉRIOS ORIENTADORES PARA A APLICAÇÃO DE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA

Observado o procedimento legal necessário e os direitos e garantias previstos na Constituição Federal e na legislação ordinária infantojuvenil, julgado procedente o pedido contido na representação formulada pelo Ministério Público ou concedida remissão, cumulada com a aplicação de medida socioeducativa, será feita a escolha da medida legal tida como adequada para suprir os déficits sociopedagógicos apresentados pelo adolescente.

A escolha da medida a ser aplicada ao adolescente deve observar alguns requisitos legais e critérios de orientação próprios, pois a medida socioeducativa possui objetivos e princípios que lhe são peculiares, alguns deles válidos tanto para a sua aplicação quanto para a execução.

Segundo Ferrandin (2009, p. 96) “[...] deverá o juiz, quando da aplicação da medida socioeducativa, observar nuances específicas, norteadas na situação peculiar dos adolescentes e que não se fazem presentes nos parâmetros de expiação de pena aos adultos [...]”

Conforme estabelece o art. 112, § 1º, do ECA, “A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração.”

De acordo com o art. 100, caput, do Estatuto, na aplicação das medidas deve-se observar ainda as necessidades pedagógicas da criança e do adolescente, dando-se preferência para aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. Além disso, é possível a cumulação de medidas, assim como a sua substituição, quando necessária ou recomendável (art. 99 c/c art. 113 do ECA; art. 43 da Lei do SINASE).

É importante salientar também que na interpretação do Estatuto da Criança e do Adolescente serão levados em consideração os fins sociais a que ele se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, além da condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento (art. 6º do ECA).

O levantamento de todos esses fatores será feito não apenas com a simples verificação da situação processual do adolescente, à vista da sua certidão de antecedentes, mas pela análise de todas as informações sobre os fatos e a sua pessoa, trazidas aos autos com a representação ministerial e por meio dos elementos colhidos ao longo da instrução processual.

Na audiência de apresentação as perguntas feitas ao adolescente não se prenderão unicamente ao ato infracional a ele atribuído, mas também a aspectos da sua vida pessoal, familiar, educacional e social. Além disso, conforme o art. 186, caput e § 4º, do ECA, tanto na audiência de apresentação quanto na audiência em continuação, o Estatuto permite à autoridade judiciária valer-se da contribuição que poderá ser trazida por estudo de profissional qualificado ou de equipe técnica interprofissional, a serviço do juizado da infância e juventude.

Tanto na fase do processo de conhecimento quanto no cumprimento das medidas socioeducativas é importante a contribuição proveniente do trabalho de equipe técnica interdisciplinar, que pode trazer subsídios preciosos para o magistrado decidir com maior segurança e fazer a escolha adequada da medida legal a ser aplicada, bem como para que proceda à reavaliação da medida, no momento oportuno.

Os Assistentes Sociais, Pedagogos, Psicólogos, profissionais de saúde, dentre outros, que podem integrar a equipe técnica interdisciplinar, são como uma espécie de longa manus do juiz da infância e da juventude, cujo trabalho não se limita a entrevistas em dependências dos fóruns. Envolve visitas domiciliares, contatos com vítimas ou com familiares e vizinhos do adolescente em conflito com a lei, articulações perante estabelecimentos de ensino, Conselhos Tutelares, entidades, programas e unidades de atendimento socioeducativo e protetivo etc.

Discorrendo sobre o tema, Digiácomo (2012, p. 5) ressalta que

[...] É preciso ter em mente que o conhecimento jurídico não é “hegemônico”, e se é verdade que a lei fornece alguns dos parâmetros a serem seguidos, é fundamental considerar e respeitar o trabalho dos profissionais de outras áreas do saber que, na forma da própria lei, são co-responsáveis não apenas pelo atendimento “formal” do caso (e/ou pela eventual elaboração de “laudos” e “estudos psicossociais”), mas também, como dito, por sua efetiva solução, para o que deverão observar os conhecimentos específicos inerentes à sua técnica, que não podem ter sua importância diminuída e/ou serem pura e simplesmente ignorados pela autoridade judiciária.

No processo de execução há a atuação obrigatória da equipe técnica interdisciplinar da entidade ou do programa de atendimento, com a necessidade da elaboração do Plano Individual de Atendimento do adolescente em cumprimento de medida (PIA) e da conjugação de esforços para cumprir a proposta de atendimento nele apresentada. Contudo, diante das conhecidas deficiências, como a falta ou insuficiência de profissionais qualificados e da estrutura material das referidas entidades e programas de atendimento socioeducativo e protetivo, principalmente em municípios onde os programas de atendimento ainda não foram adequadamente estruturados, faz-se necessária a atuação de equipe técnica do próprio juizado da infância e juventude também na fase do cumprimento das medidas socioeducativas.

3.1 Capacidade de cumprimento da medida socioeducativa

A capacidade de cumprimento da medida tem a ver com os fatores ou condições de natureza pessoal do adolescente, como sujeito de direitos em condição peculiar de desenvolvimento, capazes de influenciar no cumprimento e na eficácia da medida a ser escolhida.

Trata-se de análise feita à luz dos princípios e objetivos das medidas socioeducativas, tendo por escopo o alcance das finalidades de cunho retributivo e pedagógico preconizadas pelo ECA, em relação ao destinatário da medida.

A condição psicossocial, a formação e a necessidade de inserção ou reinserção educacional, as aptidões e talentos, a condição de saúde (inclusive sob o aspecto mental), a condição de usuário ou dependente químico, a idade, o possível envolvimento com a prática de crimes, já na condição de imputável, dentre outros fatores, precisam ser devidamente avaliados para que se escolha a medida ou medidas que melhor atendam ao requisito capacidade cumprimento.

Assim, por exemplo, para um adolescente dependente químico que pratica ato infracional equiparado a crime contra o patrimônio, impulsionado essencialmente pelo desejo incontrolável de alimentar o vício, não se mostra razoável pedagogicamente a aplicação da medida socioeducativa de internação, pois os transtornos resultantes do uso e abuso de substâncias psicoativas não são tratáveis por meio da medida extrema.

Sabe-se, no entanto, que na prática, para algumas situações excepcionais, em que o adolescente comete reiteradamente atos infracionais equiparados a infrações graves ou praticados com grave ameaça ou violência à pessoa, diante da sua resistência em se submeter a qualquer tipo de intervenção em sede de medida socioeducativa em meio aberto (cumuladas com medida protetiva), alguns juízes têm recorrido à internação, como estratégia para fazê-lo receber compulsoriamente atendimento perante os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), para onde são encaminhados periodicamente pelos núcleos de medida socioeducativa de internação, conforme o estabelecido na sentença. É uma situação verificada principalmente nos casos em que inexiste CAPS especializado para atender crianças e adolescentes na comarca do juízo sentenciante.

Há previsão na Lei do SINASE para o atendimento e tratamento em saúde do adolescente imerso em medida socioeducativa, com transtorno mental relacionado ao uso de álcool e outras substâncias psicoativas (arts. 60, inc. III e 64). Porém, a internação em estabelecimento educacional não é a forma pedagogicamente indicada para lidar com o adolescente autor de reiteradas infrações graves ou cometidas mediante grave ameaça ou violência à pessoa que também é usuário ou dependente químico, quando esta for a causa determinante da sua situação de conflito com a lei, pois o ideal é que ele receba a atenção em saúde sem necessariamente ter que ser internado em estabelecimento educacional, dada a excepcionalidade da medida de internação.

Essa pode ser inclusive a justificativa para a previsão legal da suspensão da execução da medida socioeducativa, a fim de que o adolescente que necessita de atenção integral à saúde mental possa ser atendido de forma condizente com a sua condição peculiar, conforme prescreve o art. 64, §§ 4º e seguintes, da Lei do SINASE.

Observa-se, no entanto, que é comum a ausência ou insuficiência de leitos em hospitais e nos CAPS, para fins de internação compulsória de dependentes químicos, desintoxicação e prosseguimento do tratamento medicamentoso e terapêutico, assim como é frequente a resistência do adolescente (somada à incapacidade dos pais para lidar com o problema) em se submeter a tratamento, enquanto inserido em medidas protetivas e socioeducativas de meio aberto.

Diante desse quadro, por vezes, nos casos de atos infracionais graves ou cometidos mediante grave ameaça ou violência à pessoa, a alternativa drástica encontrada tem sido a cumulação da medida socioeducativa de internação com a medida protetiva de inserção obrigatória em programa de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos, prevista no art. 101, inc. VI, do ECA.

Obviamente, a eficácia e o alcance pedagógico e protetivo dessas medidas sobre a pessoa do adolescente deverão ser avaliados pelo juiz da execução assim que for apresentada a proposta do plano individual de atendimento (PIA) e também por ocasião da análise dos primeiros relatórios de acompanhamento das medidas.

É importante também frisar que se a alternativa excepcional em questão for adotada, deverá ser dado ênfase ainda maior aos aspectos da brevidade e excepcionalidade da medida socioeducativa de internação preconizados na Constituição Federal, no ECA e na Lei do SINASE, podendo a medida socioeducativa vir a ser suspensa, a fim de ser priorizado o tratamento à saúde do adolescente, conforme exposto anteriormente.

Em situações de aplicação excepcional da medida socioeducativa de internação cumulada com medida protetiva, nos moldes já expostos, avaliadas as demais circunstâncias do caso concreto, inclusive da realidade local, pode-se chegar a uma conclusão diversa. Pode-se, conforme o caso, optar pela aplicação da medida socioeducativa de liberdade assistida, cumulada com a medida protetiva de inclusão em programa de auxílio, orientação e tratamento a toxicômanos, com a possibilidade, em certos casos excepcionais, de internação compulsória para tratamento.

Conforme o texto do artigo 9º da Lei nº 10.216/2001: “A internação compulsória é determinada, de acordo com a legislação vigente, pelo juiz competente, que levará em conta as condições de segurança do estabelecimento, quanto à salvaguarda do paciente, dos demais internados e funcionários.”

A realidade em nosso país tem mostrado que são enormes as dificuldades enfrentadas para a concretização de direitos e garantias sociais conferidos à criança e ao adolescente, não sendo poucos os casos de pessoas que recorrem ao Poder Judiciário para a obtenção de medicamentos ou de tratamento de saúde. Contudo, apesar da atuação da justiça e do direito para a efetivação do atendimento integral e prioritário à criança e ao adolescente, a questão tem se revelado complexa e de difícil solução quando se trata de adolescente em conflito com a lei que também é usuário ou dependente químico e apresenta resistência a qualquer tipo de atendimento e tratamento.

Apesar disso, é importante salientar que a internação compulsória para tratamento relacionado à dependência química deve ser utilizada como última alternativa, depois de esgotadas outras medidas e recursos extra-hospitalares visando suprir os déficits sociais e pedagógicos apresentados pelo adolescente em conflito com a lei, responsáveis pela sua exposição a situações de risco e vulnerabilidade.

Não se deve perder de vista também que a internação compulsória para tratamento de dependência química deve ser precedida de autorização dos pais ou responsável pelo adolescente, assim como de avaliação multidisciplinar e laudo médico que justifique a sua adoção.

Em todo caso, é importante que se faça opção por medida(s) que melhor atenda(m) ao requisito capacidade de cumprimento pelo adolescente, sem se descuidar que a (s) medida(s) deve(m) resultar em proveito de integração social e também de recuperação da saúde do socioeducando, caso ele apresente carências também nessa área.

3.2 Necessidades pedagógicas da medida

Além do caráter sancionatório-aflitivo, que remete à ideia de retribuição em razão do mal causado e responsabilização do adolescente quanto às consequências lesivas do ato infracional, as medidas socioeducativas justificam-se porque há a necessidade do suprimento de déficits pedagógicos apresentados pelo seu destinatário, o que requer a utilização de instrumental específico e apropriado na intervenção estatal.

Tal como foi observado em relação à capacidade de cumprimento, por ocasião da aplicação da medida socioeducativa deve ser averiguada também a sua necessidade pedagógica em relação ao adolescente que vier a recebê-la. Avalia-se, à luz dos princípios e objetivos da medida socioeducativa, se há algum fim pedagógico a ser alcançado com a sujeição do adolescente à medida legal, o que, inexistindo, pode ensejar até mesmo a extinção da pretensão socioeducativa ou da medida aplicada.

É o que pode acontecer, por exemplo, quando o adolescente já se encontra vinculado a uma medida socioeducativa com intervenção bastante ampla, como é o caso da internação por prazo indeterminado.

Tratando-se de medida socioeducativa já aplicada, a não ser que ocorra o juízo de retratação ou a reforma da sentença que a impôs, a avaliação sobre o cabimento da sua extinção, com base na ausência da necessidade pedagógica, será feita pelo juízo responsável pela execução, após ouvir o Ministério Público e o defensor do socioeducando, além da direção ou da equipe técnica interdisciplinar da entidade de atendimento socioeducativo, quando for o caso.

Verificada a ausência da necessidade pedagógica da medida após o recebimento da representação oferecida pelo Ministério Público, todavia, antes da sentença, pode ser o caso de extinção da pretensão socioeducativa, por falta de condição para o seu exercício pelo Ministério Público, na modalidade falta de interesse de agir (superveniente), com fundamento nos arts. 6º, 100, caput e parágrafo único, incs. II, IV, VI e VIII, c/c art. 113 do ECA, e no art. 395, inc. II, segunda parte, do Código de Processo Penal, aplicável subsidiariamente ao procedimento de apuração de ato infracional, conforme o art. 152 do ECA.

Pode também ser o caso de reunião de procedimentos de apuração de ato infracional ainda não instruídos ou sentenciados, para a concessão de remissão judicial, como forma de extinção do processo, nos termos dos arts. 126, parágrafo único, 186, § 1º, e 188 do ECA, para os atos infracionais praticados antes do ingresso do adolescente em medida socioeducativa de internação.

Cuidando-se de aplicação e execução de mais de uma medida socioeducativa, a forma de analisar e de buscar alternativas e soluções para as questões que costumam ser enfrentadas difere, sob variados aspectos, do raciocínio utilizado para a aplicação e execução de penas, pois, como já destacamos, as medidas legais aplicáveis a adolescente a quem se atribui a prática de ato infracional, embora possuam certo caráter aflitivo, precisam sempre estar voltadas para algum alcance sociopedagógico, ditado pelo déficit verificado no sujeito de direitos a quem é dirigida a medida. Avaliação dissociada desse contexto seguramente resultará no desvirtuamento da medida socioeducativa aplicada.

Conforme já salientado, no processo socioeducativo fatores relevantes não apenas para decidir sobre a aplicação de medidas legais, mas também para fazer a escolha da(s) medida(s) adequada(s) precisam ser avaliados criteriosamente pelo magistrado.

O julgador precisa estar atento a circunstâncias como, por exemplo, a data do ato infracional atribuído ao adolescente (fator que poderá influenciar no reinício de uma nova medida socioeducativa – art. 45, §§ 1º e 2º da Lei do SINASE); o cumprimento de outras medidas socioeducativas e/ou protetivas pelo adolescente; a situação pessoal, social, psicológica, familiar e educacional do adolescente; as modalidades de ato infracional ou comportamentos em desajuste social, não tipificados como crime, que o adolescente costuma praticar; a avaliação do plano individual de atendimento (relativo à medida socioeducativa cujo cumprimento já se iniciou); a necessidade de adequação da medida à situação vivenciada pelo adolescente logo que a situação de perigo for conhecida (em observância ao princípio da intervenção precoce – art. 100, parágrafo único, inc. VI, do ECA); a proteção integral e com prioridade que deve ser conferida ao adolescente; o eventual proveito pedagógico que poderá ou não ser alcançado com a sujeição do adolescente a uma nova medida; a compatibilidade e a possibilidade de cumprimento concomitante das medidas aplicadas de forma cumulativa, umas em relação às outras ou entre elas e aquelas medidas já em fase de execução etc.

É preciso ter em mente que a aplicação de medida socioeducativa precisa ser avaliada conforme a sua necessidade, para o caso concreto individualmente analisado, não podendo ser uma mera escolha, dentre as alternativas legais, ou uma responsabilização a mais para o adolescente, mediante o seu novo e compulsório encaminhamento ao programa de atendimento socioeducativo. A medida não deve, portanto, ser imposta com a perspectiva meramente retributiva, ainda que se considere que a sua escolha deva ser proporcional à gravidade do ato infracional praticado e que o juízo da execução também poderá avaliar sobre a sua conveniência para o caso específico do adolescente a quem ela foi aplicada.

Apesar de a Lei do SINASE arrolar como um dos objetivos das medidas socioeducativas a responsabilização do adolescente quanto às consequências lesivas do ato infracional, ela apresenta também como objetivo daquelas medidas a integração social do adolescente e a garantia dos seus direitos individuais e sociais, mediante o cumprimento das diretrizes estabelecidas no PIA (art. 1º, § 2º, incs. I e II), o que conduz ao ideal de superação das adversidades pretéritas e progressivo desenvolvimento do adolescente, ao longo do cumprimento da medida e após o seu término.

Alinhado a esse pensamento, antes mesmo do advento da Lei do SINASE, Frassetto (s.d., p. 11), já sustentava que “[...] O objetivo da medida é inibir a reincidência e não responsabilizar o jovem por cada uma das infrações por ele cometidas.”

A Lei nº 12.594/2012 não prevê expressamente que se o adolescente for inserido em medida socioeducativa de internação, os procedimentos relativos aos atos infracionais praticados anteriormente deverão ser extintos.

No entanto, uma vez aplicada a medida socioeducativa de internação em um determinado procedimento de apuração de ato infracional, a rigor, não faz mais sentido o processamento, com a instrução e o julgamento dos feitos em tramitação, instaurados em relação ao mesmo adolescente, relativos a fatos anteriores. Mesmo que venham a ser aplicadas em tais procedimentos por fatos pretéritos novas medidas socioeducativas de internação, na prática elas não terão influência sobre a duração da medida socioeducativa privativa de liberdade já iniciada, que não poderá extrapolar o prazo máximo de três anos, previsto no art. 121, § 3º, do ECA. Na verdade, os atos infracionais que deram ensejo a tais medidas são absorvidos pela medida extrema já cumprida ou levada à progressão, conforme o regramento estabelecido na parte final do art. 45, § 2º, da Lei do SINASE. Além disso, a medida socioeducativa de internação é norteada pelos princípios da brevidade, da excepcionalidade, da intervenção precoce, da proporcionalidade e atualidade, conforme estabelecem o art. 227, § 3º, inciso V, da Constituição Federal, os arts. 100, parágrafo único, incs. VI e VIII, e 121, caput, do ECA, além do art. 35, incs. II e V da Lei nº 12.594/2012.

A medida socioeducativa de internação somente poderá ser mantida enquanto for comprovadamente necessária, o que permite concluir que uma vez iniciada a sua execução, havendo prognóstico favorável na reavaliação que é feita no máximo a cada seis meses (art. 42 da Lei do SINASE), o adolescente, a rigor, terá direito à progressão de medida.

Vê-se, portanto, que a medida socioeducativa de internação não poderá ser mantida a pretexto da aplicação de nova medida de idêntica natureza, por fato anterior ao cumprimento da primeira medida ou progressão desta para outra medida menos grave.

A verificação sobre a necessidade e a utilidade pedagógica ou mesmo retributiva da medida socioeducativa comumente está mais acessível ao juiz singular (do processo de conhecimento ou da execução), que se encontra mais perto da realidade vivenciada pelo adolescente e sua família. Tendo em vista que antes de aplicar a medida socioeducativa, o julgador precisa estar a par, no mínimo, da situação processual experimentada pelo adolescente, não se concebe que ele proceda à escolha da reprimenda sem fazer uma avaliação prévia quanto à sua real necessidade e utilidade.

Tratando-se do juízo da execução, a autoridade judiciária tem ainda o dever de acompanhar o desenvolvimento do adolescente ao longo do cumprimento da medida socioeducativa, para o que se valerá das informações contidas no plano individual de atendimento e nos relatórios periódicos de acompanhamento da medida, elaborados pelos técnicos da entidade de atendimento socioeducativo.

A sistemática instituída pelo ECA e pela Lei do SINASE para o atendimento do adolescente em conflito com a lei orienta-se pela intervenção imediata e adequada às suas necessidades pedagógicas específicas. Cabe ainda ao Estado, por meio dos seus diversos órgãos e agentes, adotar as medidas apropriadas e eficazes para prevenir práticas infracionais ou suprir os déficits pedagógicos apresentados pelos adolescentes imersos em medidas socioeducativas e/ou protetivas, evitando que eles ingressem, permaneçam ou retornem a situações de risco, vulnerabilidade e conflito com a lei.

Não se justifica, portanto, o acúmulo de procedimentos de apuração de ato infracional não sentenciados em relação ao mesmo adolescente, muito menos a aplicação de medidas fora do tempo devido, máxime quando elas não possuam mais a objetividade pedagógica que justifique a sua imposição.

Abordando o tema em foco, ao tratar da unificação de medidas socioeducativas, Digiácomo (2012, p. 22), adverte que

[...] como a aplicação e execução de medidas socioeducativas não está sujeita ao "princípio da obrigatoriedade", mas sim aos princípios da oportunidade, da intervenção mínima, da intervenção precoce e todos os demais relacionados no art. 100, caput e par. único, do ECA e art. 35, da Lei nº 12.594/2012 (além, é claro, do princípio constitucional da prioridade absoluta à criança e ao adolescente), a previsão legal da unificação de medidas visa evitar, dentre outras, que o adolescente acumule procedimentos sem solução e receba a destempo, e de forma cumulativa, medidas que, a rigor, já perderam seu objetivo pedagógico.

Conforme prescreve o art. 45, § 1º, primeira parte, da Lei nº 12.594/2012 (SINASE), se o ato infracional que ensejou a nova medida socioeducativa foi praticado antes do início da execução de idêntica medida, em curso ou já cumprida, veda-se que o juiz (responsável pela execução), de posse de uma nova sentença e nova guia de execução, determine o reinício do cumprimento da medida socioeducativa.

Embora o dispositivo legal supracitado não vede uma nova aplicação de medida socioeducativa semelhante àquela já em execução, proíbe que ela seja reiniciada, o que, em termos práticos, significa que mesmo que venha a ser aplicada, a nova medida não poderá ser cumprida.

A análise do dispositivo de lei em questão sugere que quando se tratar de ato infracional anterior, não faz sentido que a medida socioeducativa com a mesma natureza daquela já em execução seja novamente aplicada ou que se adotem as providências legais para isso, a não ser que com a unificação haja mudança no prazo de cumprimento da medida, notadamente quando se tratar de medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade, conforme será tratado nos subitens 4.2.1 e 4.4.1.

Sob essa ótica, caso a medida socioeducativa em execução seja internação, apesar de não se ignorar o princípio constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º, inc. XXXV, da Constituição Federal), pode eventualmente ser questionado o interesse de agir do Estado, representado pelo Ministério Público, titular exclusivo da ação, para a pretensão socioeducativa, desde que o ato infracional tenha sido praticado antes do cumprimento de prazo razoável da medida, da sua progressão para medida menos rigorosa ou da sua extinção.

Ainda que venha a ser aplicada uma nova medida socioeducativa de internação nas condições anteriormente descritas, o juízo da execução não poderá determinar que ela seja reiniciada, visto que há vedação legal neste sentido. Acresça-se que em tal hipótese o adolescente já se encontra inserido na medida socioeducativa mais grave e de maior amplitude aflitiva e sociopedagógica prevista no ECA, medida que está sujeita à progressão para as medidas socioeducativas de semiliberdade, liberdade assistida e/ou medida protetiva.

Há precedentes na jurisprudência sustentando o entendimento de que, por ausência de previsão legal, a justificativa de que o adolescente já se encontra inserido em medida socioeducativa de internação não é motivo suficiente para a extinção do procedimento de apuração de ato infracional, no seu início, na fase de instrução ou na de julgamento. Conforme alguns desses julgados, a execução de medida socioeducativa de internação não deve impedir a apuração da prática de ato infracional por fato anterior.

Observa-se, no entanto, que esses precedentes, sobretudo do Superior Tribunal de Justiça, são anteriores à Lei do SINASE. Além disso, disso, quando eles foram elaborados, parte da doutrina já se inclinava no sentido de que mesmo sendo levado adiante o procedimento de apuração de ato infracional nas condições anteriormente mencionadas, em caso de reconhecimento de responsabilidade, não deveria ser aplicada nova medida ao adolescente.

Apesar das considerações apresentadas e das inovações trazidas pela Lei do SINASE, a questão sobre a vedação da aplicação de nova medida de internação por atos praticados anteriormente ainda suscita controvérsias no meio jurídico, com questionamentos, inclusive, sobre a constitucionalidade do art. 45, § 2º, da Lei nº 12.594/2012.

Debruçando-se sobre decisões antagônicas de turmas julgadoras a respeito do tema no âmbito da própria corte, no dia 11 de outubro de 2013, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, por maioria de votos do seu órgão especial (4º Grupo Cível), proferiu um acórdão de uniformização de jurisprudência sob o nº 70056517204, nos autos do proc. CNJ nº 0376347-40.2013.8.21.7000 (disponível no DJ nº 5191, de 24.10.2013, Capital, 2º grau, p. 70), que ensejou a edição da Súmula nº 43 por aquela corte de justiça, com o seguinte teor:

Os atos infracionais cometidos anteriormente ao cumprimento de medida socioeducativa de internação ou à progressão desta para uma menos gravosa são absorvidos por aquele ao qual se cominou a medida extrema, carecendo o Estado de interesse de agir, o que conduz à extinção do processo, com base no art. 45, § 2º, da Lei nº 12.594/2012.

Um dos argumentos determinantes para a conclusão exposta no acórdão de uniformização de jurisprudência do Tribunal de Justiça Rio Grandense foi extraído da interpretação sistemática da própria redação do art. 45, 2º, da Lei do SINASE.

Segundo o acórdão em questão

[...] Em outras palavras, embora o § 2º do art. 45 da Lei n.º 12.594/2012, num primeiro momento, disponha ser vedado à autoridade judiciária aplicar nova medida de internação, por atos infracionais praticados anteriormente, a adolescente que já tenha concluído cumprimento de medida socioeducativa dessa natureza, ou que tenha sido transferido para cumprimento de medida menos rigorosa – sugerindo, assim, a possibilidade de aplicação de qualquer medida diversa (semiliberdade, liberdade assistida ou prestação de serviços à comunidade, por exemplo) –, adiante, e ao mesmo tempo, estabelece que os atos infracionais anteriores são considerados como absorvidos por aqueles aos quais se impôs a medida socioeducativa extrema, deixando evidenciada a inexistência de motivos a determinar ou justificar a aplicação de qualquer outra medida. Daí o paradoxo (grifos do autor).

É importante então perquirir qual seria o interesse jurídico da mobilização da estrutura do Poder Judiciário, além dos demais órgãos e agentes atuantes no procedimento de apuração de ato infracional, para prosseguir com o feito, se o provimento final não terá efeito jurídico e utilidade prática quando se tratar de ato infracional anterior e o adolescente já estiver inserido há tempo razoável em medida socioeducativa de internação por prazo indeterminado.

Percebe-se que boa parte dos julgados que sustentam a impossibilidade da extinção da medida ou da pretensão socioeducativa fora das hipóteses previstas expressamente em lei, têm suas argumentações alicerçadas, até certo ponto, em uma perspectiva da medida socioeducativa como instrumento de satisfação de anseios manifestados por parcela da sociedade e pela mídia. Anseios esses para os quais a adoção de algumas estratégias pedagógicas próprias das medidas socioeducativas, como é o caso da regra introduzida pelo art. 45, § 2º, da Lei do SINASE, conduzem à sensação de impunidade, quando analisados os atos equiparados a crime ou contravenção penal, praticados por adolescente. Outro aspecto observado é o forte apelo retributivo-punitivo em alguns desses julgados, na medida em que enfatizam sobremaneira a gravidade (em alguns casos presente apenas de forma abstrata) da infração atribuída ao adolescente, desprezando a avaliação criteriosa sobre a natureza e a verificação da real necessidade pedagógica, assim como da finalidade protetiva da medida socioeducativa.

Tais premissas de interpretação impregnadas de apelo sancionatório-aflitivo, ditadas, em alguns casos, pelo reclame midiático ou de uma parcela da sociedade, envolvendo a aplicação de medida jurídica ao adolescente a quem se atribui a prática de ato infracional, não condizem com a lógica da tratativa socioeducativa, que não é orientada pelo princípio da obrigatoriedade, mas, como já foi frisado, pelos princípios da oportunidade, da brevidade, da excepcionalidade, da intervenção precoce, da proporcionalidade e atualidade, dentre outros princípios próprios.

O interesse de agir do Estado, representado pelo Ministério Público, para a apuração de atos infracionais, fundamenta-se na necessidade de cumprir os direitos fundamentais dos adolescentes, assim como trazer segurança e paz à sociedade. Por isso, uma vez superada a necessidade dessa intervenção e do seguimento da mobilização estatal (Estado-juiz, Ministério Público, Defesa e programas de atendimento ao adolescente que esteve em conflito com a lei), não haverá justificativa para continuar caminhando com o procedimento judicial de apuração de ato infracional, avaliadas as questões anteriormente mencionadas e as circunstâncias que envolvam o caso concreto individualmente analisado.

Não se trata de apregoar a extinção em perspectiva da pretensão socioeducativa, com base no provável resultado ineficaz da aplicação de medida socioeducativa ou da sujeição do adolescente ao seu cumprimento. Trata-se de avaliação prévia, sim, todavia, à vista de elementos concretos e da aplicação das próprias disposições legais e dos objetivos e princípios orientadores das medidas socioeducativas e protetivas.

Não custa lembrar que o interesse processual (ou interesse de agir) decorre da necessidade ou utilidade que o provimento jurisdicional acarreta à parte, ou seja, do proveito que o processo deve propiciar ao demandante. Esse almejado proveito deve existir na data do ajuizamento da demanda e persistir até o seu julgamento, caso contrário, o processo deverá ser extinto por falta de interesse processual, que poderá ocorrer já na propositura do pedido inicial ou vir a ser verificado em momento superveniente, no curso do processo.

Ainda que se pondere que a eventual aplicação de uma nova medida socioeducativa ao adolescente já em cumprimento de medida de internação possa ter repercussão sobre as avaliações para fins de manutenção, suspensão ou substituição da medida em fase de execução, avalia-se que não se justifica a imposição de nova medida socioeducativa por ato anterior, pois não se vislumbra qualquer fim útil ou proveito pedagógico a ser perseguido com a sua aplicação.

Na prática, a avaliação multidisciplinar do adolescente e da medida extrema que ele estiver cumprindo ou terminado de cumprir, feita pelos técnicos da entidade ou do programa de atendimento socioeducativo, leva em consideração primordialmente os eventos ou situações posteriores ao início do cumprimento da medida, que concretamente possam ser interpretados como elementos de evolução ou de retrocesso no desenvolvimento da medida. São os casos, por exemplo, de fugas reiteradas, participação em rebeliões, inadaptação ao programa e reiterado descumprimento das atividades do plano individual, prática de novo ato infracional ou de crime (já na condição de imputável), apuração e condenação em processo criminal envolvendo o jovem socioeducando etc.

Por isso, caso haja a aplicação de nova medida socioeducativa na condição anteriormente analisada, ainda que se trate de internação, não restará ao juiz responsável pela execução outra alternativa a não ser ouvir o Ministério Público e a Defesa e extinguir o procedimento de execução, assim como a medida aplicada, visto que é vedado o reinício da medida de internação e as demais medidas em meio aberto são também absorvidas pelo ato que ensejou a medida extrema. Quando muito, o juiz da execução, determinará a comunicação sobre a nova sentença ao programa de atendimento socioeducativo que acompanha o adolescente e/ou jovem, todavia, apenas para que os registros sobre o procedimento de apuração do ato infracional sejam anotados no plano individual de atendimento, dado o direito de acesso a essas informações pelos referidos programas, conforme estabelece o art. 57 da Lei do SINASE.

Avalia-se que somente haverá justificativa para a instrução e julgamento do mérito no procedimento relacionado a ato infracional praticado anteriormente à internação, nos casos em que possa ter lugar a improcedência dos termos da representação oferecida pelo Ministério Público, quando houver, por exemplo, a negativa ou a dúvida sobre a autoria do ato infracional e, consequentemente, o adolescente deva ser absolvido das imputações feitas pelo Órgão Ministerial. Ou, ainda, na hipótese em que se vislumbre a possibilidade de aplicação da medida socioeducativa de obrigação de reparar o dano, caso o ato infracional praticado anteriormente à execução da medida de internação tenha reflexos patrimoniais (o que é possível ser verificado já no momento em que é recebida a representação oferecida pelo Ministério Público), justificando-se, neste caso, o processamento da ação socioeducativa até a sentença de mérito e a eventual imposição da medida legal.

Tratam-se, portanto, de exceções às situações anteriormente indicadas, prevalecendo os casos para os quais não se vislumbra haver pertinência em levar à instrução e ao julgamento do mérito o procedimento de apuração de ato infracional por ato anterior à execução da medida socioeducativa de internação.

O argumento de que os julgamentos de procedência dos pedidos feitos nas representações do Ministério Público (quanto aos fatos anteriores à execução da medida socioeducativa de internação) podem servir eventualmente para aferição futura acerca da reincidência do adolescente, no contexto dos atos infracionais, ou de maus antecedentes, no âmbito penal, também não se sustenta, segundo a nossa opinião. É que a medida socioeducativa de internação, cumprida como medida única ou levada à progressão para medidas em meio semiaberto e aberto, tomará praticamente toda a adolescência do socioeducando, não se justificando o esforço em novas instruções processuais para torná-lo “reincidente” na prática de atos infracionais, mesmo porque todas as medidas socioeducativas em meio aberto podem ser aplicadas em sede de remissão, caso em que não prevalecem para efeito de antecedentes, conforme os termos do art. 127 do ECA.

Quanto aos maus antecedentes para fins de aplicação da pena base e dosimetria de penas aplicadas pelos juízos criminais, já foi pacificado na jurisprudência que a sentença que reconhece a autoria e a materialidade de ato infracional e aplica medida socioeducativa ao adolescente não configura maus antecedentes para o propósito em questão.

Apenas para fins de decretação de prisão preventiva do maior de 18 anos é que o STJ vem admitindo a utilização da circunstância relativa ao cometimento reiterado de atos infracionais, quando o indiciado ou acusado ainda era adolescente (STJ HC 43350 MS. J. 04/12/2013); (STJ HC 281882 MG. J. 05/06/2014).

Ainda assim, é preciso que se ressalte que a instauração, o processamento e o julgamento do procedimento de apuração de ato infracional não deve trabalhar com a perspectiva de que o adolescente continuará praticando condutas típicas e antijurídicas na fase adulta de sua vida. Pelo contrário, todos os órgãos e agentes envolvidos no Sistema de Atendimento Socioeducativo devem direcionar suas ações e somar esforços para que as medidas socioeducativas aplicadas alcancem os objetivos e ideais traçados pela Constituição Federal, pelo ECA e pela Lei do SINASE, de sorte que o socioeducando seja afastado da situação de conflito com a lei e reintegrado socialmente.

Cabe ainda destacar que as medidas socioeducativas e protetivas regem-se pelos princípios da intervenção precoce e da proteção integral e prioritária, o que requer a atenção especial do Estado quanto a sua adequada execução, para que as metas e objetivos traçados no plano de atendimento individual sejam atendidos. Não necessariamente com a imposição de várias medidas socioeducativas ao adolescente, mas, caso seja necessário, pelo seu acompanhamento e de sua família, ainda que posteriormente ao cumprimento da medida socioeducativa, consoante estabelece o art. 11, inc. V, da Lei do SINASE, que prevê os requisitos mínimos para o funcionamento da entidade de atendimento socioeducativo.

Por fim, não se deve perder de vista que a aplicação e a execução da medida socioeducativa orientam-se também pelo princípio da excepcionalidade da intervenção judicial e da imposição de medida sociocioeducativa (art. 35, inc. II, da Lei do SINASE), o que equivale dizer que somente quando for realmente necessário, deverão ser adotadas as providências necessárias (dentre as quais a instrução do procedimento judicial) para a aplicação de medida socioeducativa ao adolescente.

Como foi pontuado, apesar da discussão doutrinária e jurisprudencial a respeito do tema, tratando-se de ato infracional praticado antes do cumprimento de medida socioeducativa de internação, há vedação legal até mesmo para uma nova aplicação dessa medida ao adolescente, desde que ele tenha pelo menos concluído o cumprimento da medida extrema, sendo os atos praticados anteriormente absorvidos por aqueles que deram ensejo à medida socioeducativa de internação, conforme o regramento estabelecido pelo art. 45, § 2º, da Lei do SINASE.

Caso o adolescente tenha cumprido prazo razoável da medida socioeducativa de internação e o seu desempenho adequado, demonstrado no plano de atendimento individual, justifique a reavaliação da medida, ainda que antes do prazo da reavaliação obrigatória (art. 43, § 1º, da Lei do SINASE), há também incidência da vedação quanto à determinação de nova internação, por ato praticado anteriormente.

Para Ramidoff (2012, p. 100)

Incorpora-se ao patrimônio subjetivo do adolescente o direito de não ser socioeducativamente responsabilizado por fatos pretéritos quando no cumprimento de medida socioeducativa for enaltecido (alínea c do inciso III do art. 11 da Lei n. 12.594/2012) pelo seu esforço realizado na consecução dos objetivos do plano individual.

Ainda que se entenda não ser cabível a extinção da pretensão socioeducativa nos casos de ato infracional anterior à sujeição do adolescente à medida de internação por prazo indeterminado, sob o argumento de que não está configurada a falta de interesse de agir do Estado ou de que inexiste expressa previsão legal, há, como frisamos anteriormente, uma segunda alternativa para dar solução ao acúmulo desnecessário de procedimentos de apuração de ato infracional, relativos a atos infracionais anteriormente praticados, envolvendo o mesmo adolescente.

Trata-se da possibilidade da concessão de remissão, pelo Ministério Público ou pela autoridade judiciária, em relação aos procedimentos remanescentes, que poderão ser reunidos para decisão conjunta, inclusive em audiência, com a presença do adolescente, seu defensor e seus pais ou responsável, assim como dos técnicos da entidade de atendimento socioeducativo.

A seguir são apresentados alguns exemplos, meramente ilustrativos, de situações em que se pode eventualmente deixar de aplicar medida socioeducativa, de dar início ao seu cumprimento ou de prosseguir com ele, com base na verificação da real necessidade pedagógica da medida, analisando-se sempre, no caso concreto, a condição peculiar e a situação jurídica do adolescente, sua capacidade de cumprimento da medida e a gravidade da infração, assim como os objetivos e os princípios orientadores das medidas socioeducativas:

a) o adolescente e/ou jovem já está inserido em uma medida socioeducativa em meio aberto, pelo prazo máximo, e vem a ser sentenciado novamente à mesma medida, todavia, por ato infracional praticado antes do início da execução em andamento ou já encerrada. Neste caso, há vedação legal para o reinício de cumprimento da medida socioeducativa (art. 45, § 1º, da Lei do SINASE). Em tal hipótese, somente será possível a sujeição do adolescente a uma nova medida socioeducativa se ela puder ser cumprida cumulativamente com a medida já em andamento;

b) o adolescente e/ou jovem já cumpriu medida socioeducativa de internação, está imerso em medida socioeducativa resultante da sua progressão (semiliberdade, liberdade assistida e/ou medida protetiva), ou já concluiu o cumprimento dessas medidas. O ato infracional em apuração ou já apurado (que poderia ensejar nova medida de internação) foi praticado antes do cumprimento da medida socioeducativa extrema. Nesta hipótese há vedação legal expressa para a aplicação de nova medida socioeducativa de internação, pois há a presunção legal de que o ato infracional praticado foi absorvido por aquele que ensejou a medida de internação (art. 45, § 2º, da Lei do SINASE). Vedada a aplicação da medida socioeducativa de internação, caberia então perquirir sobre a possibilidade da aplicação das medidas de semiliberdade, liberdade assistida ou prestação de serviços à comunidade. Para as duas primeiras a resposta parece ser também negativa, pois, conforme o art. 45, § 1º, da Lei do SINASE, tratando-se de ato infracional praticado antes do início da execução de determinada medida socioeducativa, é vedado à autoridade judiciária determinar o seu reinício (considera-se a hipótese de o adolescente ter passado por essas duas medidas, em sede de progressão da medida socioeducativa de internação). Quanto à medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade, fica afastada a sua aplicação por não ser possível o seu cumprimento concomitante com a medida socioeducativa de internação. Progredida a medida de internação para semiliberdade ou liberdade assistida, não se vislumbra mais qualquer objetividade pedagógica com a sujeição do adolescente à medida de prestação de serviço à comunidade por ato anterior ao início da internação. Restam, então, as medidas socioeducativas de obrigação de reparar o dano e advertência, cuja aplicação fica condicionada à verificação das condições do adolescente e sua família, além da viabilidade e da necessidade das medidas, conforme a situação concreta individualmente analisada, avaliados os fatores legais e principiológicos já mencionados;

c) o jovem, maior de 18 anos, em cumprimento de medida socioeducativa, responde a processo-crime. Nesta situação, caberá à autoridade judiciária (juízo responsável pela execução da medida) decidir sobre a eventual extinção da execução, cientificando da decisão o juízo criminal competente (art. 2º, parágrafo único, c/c arts. 6º, 100, 112, § 1º e 113 do ECA, além do art. 46, § 1º, da Lei do SINASE);

d) o adolescente e/ou jovem maior de 18 anos já cumpre, por prazo razoável, medida socioeducativa de internação, medida legal que possui vasto alcance aflitivo, social e pedagógico, e que está sujeita à progressão para medidas em meio semiaberto e aberto, onde o socioeducando deve ser atendido nos aspectos gerais de sua vida pessoal, familiar, educacional, promoção e integração social. O ato infracional foi praticado antes do início da execução da internação, não foi cometido mediante violência ou grave ameaça à pessoa, não justificando, portanto, a aplicação de nova medida de internação. Neste caso, a aplicação de eventual medida socioeducativa em meio aberto não teria nenhuma finalidade prática ou proveito pedagógico (art. 2º, parágrafo único, c/c arts. 6º, 100 e 113 do ECA). Insistir na apuração, com a instrução e o julgamento do ato infracional anteriormente praticado representaria unicamente dispêndio de tempo e trabalho desnecessários, pelos atores envolvidos no processo socioeducativo;

e) o jovem, maior de 18 anos, estuda e trabalha, ajuda no sustento dos pais, da esposa ou companheira e filhos, além de estar integrado socialmente, conforme aferição feita por equipe técnica multidisciplinar, no plano de atendimento individual, não se vislumbrando a existência de déficit social e pedagógico a ser suprido (art. 2º, parágrafo único, c/c arts. 6º, 100 e 113 do ECA).

É importante frisar que antes de decidir sobre a não inserção do adolescente (ou jovem) em medida socioeducativa, por considerar que não subsiste a necessidade ou finalidade pedagógica da medida, a autoridade judiciária colha a manifestação do Ministério Público e do defensor do adolescente. Igualmente importante é que a decisão a ser tomada pelo magistrado não tenha como base unicamente as declarações prestadas pelo adolescente e seus pais ou responsável, mas que busque subsídios em outros elementos para a formação do convencimento, como estudos feitos por equipe técnica interprofissional a serviço do Juizado da Infância e da Juventude (art. 186, § 4º, do ECA) ou pertencente a entidades de atendimento socioeducativo e protetivo, conforme o caso.

Outro ponto relevante que deve ser observado diante de cada caso concreto, é a possibilidade de composição do conflito estabelecido entre o adolescente e a vítima (que pode também envolver a família de ambos), dada a excepcionalidade da intervenção judicial e da imposição de medidas, conforme o princípio enumerado no art. 35, inc. II, da Lei do SINASE.

A adoção dessa nova estratégia de abordagem no contexto da busca por soluções alternativas para os problemas relacionados à prática de ato infracional, embora seja alvo de crítica, por desviar, de certo modo, o foco da pessoa do adolescente, também pode ensejar a não aplicação de medida socioeducativa nos moldes convencionais que até então vinham sendo adotados.

3.3 Circunstâncias do ato infracional

Um fator que também precisa ser analisado e sopesado pela autoridade judiciária quando da aplicação e também por ocasião da reavaliação da medida socioeducativa é a circunstância (ou circunstâncias) em que o ato infracional foi praticado. Deve-se avaliar até que ponto os fatores que circundaram a prática do ato infracional podem influenciar na escolha desta ou daquela medida socioeducativa ou protetiva, assim como quais as possíveis correlações entre tais circunstâncias e a personalidade do adolescente, além dos desdobramentos que o ato infracional pode ter gerado no seu relacionamento com a vítima, com familiares daquela e com a comunidade.

Verificam-se, então, quais as causas, motivos, estado, condição, dentre outros fatores circunstanciais, que envolveram a prática do ato infracional. Se houve a colaboração da vítima; a participação de pessoa maior de 18 anos, inclusive induzindo o adolescente à prática do ato infracional; se o adolescente agiu por ciúme, vingança, com crueldade ou desprezo pela pessoa da vítima; se foi ou não por ela provocado; se, diante da gravidade do ato infracional, da utilização de meios ou instrumentos para a sua prática, ele ganhou repercussão e reprovação tamanha que pôs em risco a segurança pessoal do adolescente ou a manutenção da ordem pública; se o adolescente já vinha sofrendo ameaças por parte da vítima e tentava evitar o confronto direto; se ele agiu sob o efeito de álcool ou drogas ilícitas; se o ato infracional foi praticado para fomentar o uso ou a dependência de substâncias psicoativas etc.

As estratégias de abordagem e de atendimento ao adolescente adotadas por equipe técnica interdisciplinar, quer em sede de internação cautelar, internação por prazo indeterminado ou medida em meio aberto ou de semiliberdade, também podem sofrer influência e direcionamento, sob certos aspectos, das circunstâncias que nortearam a prática do ato infracional.

3.4 Gravidade da infração

Diversamente do que ocorre com as medidas socioeducativas, para as quais a Lei do SINASE estabelece a ordem de gravidade, conforme o regime de cumprimento ou a sua natureza (art. 42, § 3º), para a gravidade do ato infracional nem ela nem o ECA traz uma conceituação específica.

Em alguns dos seus dispositivos o ECA faz referência às expressões infrações graves, gravidade do ato infracional, gravidade da infração e fato grave, como se observa pelas redações dos artigos 112, § 1º, 122, inc. II, 174 e 186, § 2º. No entanto, em nenhuma dessas disposições é indicado o real significado das expressões apresentadas, o que, em princípio, remete o aplicador da Norma Estatutária aos conceitos e orientações aplicáveis às condutas típicas previstas nas legislações penal e contravencional pertinentes, pois o ato infracional é conceituado legalmente como a conduta descrita como crime ou contravenção penal (art. 103 do ECA).

Sob essa ótica, conforme maior ou menor for o grau de reprovabilidade social da conduta praticada ou a importância do bem jurídico lesado, maior ou menor será a gravidade da infração praticada pelo adolescente.

A regra em questão funciona perfeitamente para o Direito Penal, onde a natureza e a duração da pena indicam o grau de repulsa à conduta que a enseja. No entanto, tratando-se de adolescente em conflito com a lei, para algumas situações específicas a regra mencionada não poderá ser aplicada, pois nem sempre haverá correspondência entre a gravidade da infração sob a ótica da legislação penal e a sua aplicação em sede de ato infracional.

A título de exemplo, cita-se o crime de tráfico ilícito de drogas, que apesar de ser tratado no art. 2º da Lei nº 8.072/90 (que dispõe sobre crimes hediondos) como crime de natureza hedionda, para o ECA sequer pode ensejar a medida de internação, cuja característica peculiar é a privação da liberdade.

Segundo o enunciado da Súmula 492 do STJ, por não ser praticado mediante violência ou grave ameaça à pessoa, o ato infracional análogo ao tráfico de drogas, por si só, não enseja a aplicação de medida socioeducativa de internação ao adolescente. Idêntico raciocínio pode ser feito em relação a outros atos infracionais análogos a crimes que não são praticados mediante grave ameaça ou violência à pessoa, como são os casos do dano simples, do porte de arma, do furto, da receptação, do estelionato, do descaminho, dentre outros crimes.

Como exemplos de infrações graves, podem ser citados, dentre outros, os atos infracionais equiparados aos crimes de roubo, lesão corporal grave, homicídio doloso, estupro e latrocínio.

Observa-se, segundo o que se expôs, que apesar de não ter sido trazida no ECA, tampouco na Lei do SINASE, uma conceituação específica para a expressão gravidade da infração e expressões correlatas, citadas Estatuto, guardadas as observações feitas há pouco sobre situações específicas, a gravidade do ato infracional pode ser verificada pela análise do seu correspondente em matéria penal ou contravencional, notadamente, pelos aspectos de natureza e duração da pena aplicada ao imputável que comete a conduta descrita como crime ou contravenção.

3.5 Objetivos e princípios que orientam as medidas socioeducativas

Além de objetivos específicos, as medidas socioeducativas são orientadas por uma gama de princípios, que norteiam todo o seu processo de elaboração, aplicação e execução.

Observar os objetivos e princípios orientadores das medidas socioeducativas, princípios que em parte orientam também as medidas protetivas, é dever de todos aqueles que, de algum modo, atuam no sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente. Além disso, quanto aos procedimentos de investigação e de apuração de condutas típicas atribuídas à criança ou ao adolescente, assim como ao de execução das medidas legais aplicadas, essa atenção constante aos princípios de regência das medidas socioeducativas e protetivas precisa estar sempre presente.

Adiante serão apresentados os objetivos e princípios orientadores das medidas socioeducativas, trazidos pela Lei do SINASE e extraídos de normas internacionais, da Constituição Federal e do próprio ECA.

3.5.1 Objetivos das medidas socioeducativas

No art. 1º, § 2º, incs. I a III, a Lei n. 12.594/2012 apresenta os objetivos das medidas socioeducativas, a saber:

a) a responsabilização do adolescente quanto às consequências lesivas do ato infracional, sempre que possível incentivando a sua reparação;

b) a integração social do adolescente e a garantia dos seus direitos individuais e sociais, por meio do cumprimento de seu plano individual de atendimento; e

c) a desaprovação da conduta infracional, efetivando as disposições da sentença como parâmetro máximo de privação de liberdade ou restrição de direitos, observados os limites previstos em lei.

O objetivo contido na alínea “a”, que orienta para o incentivo à reparação quanto às consequências lesivas do ato infracional, é alvo de crítica por alguns doutrinadores, como Rossato, Lépore e Cunha (2014, p. 632), e Ramidoff (2012, p. 14-15), sob o argumento de que se está alinhando o ato infracional ao ideologismo repressivo-punitivo, característico do Direito Penal.

Com efeito, tais premissas distanciam-se, de certa forma, do que preconiza o ECA no seu art. 100, combinado com o art. 113, que trazem a orientação para que as medidas socioeducativas contemplem as necessidades pedagógicas do adolescente, sobretudo as que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.

Não que se ignore o disposto no art. 112, § 1º, do ECA, que orienta para que o julgador (responsável pela escolha da medida), observe quando da sua aplicação as circunstâncias e a gravidade da infração, além da capacidade do adolescente de cumpri-la. Ou que se esqueça que dentre as medidas socioeducativas contempladas pelo ECA está a que prevê a obrigação de reparar o dano causado à vítima, com a possível restituição da coisa, promoção do ressarcimento ou compensação, por outra forma, do prejuízo a ela causado com a conduta infracional do adolescente (art. 112, inc. II, c/c art. 116, caput, do ECA).

Conforme já foi observado, existe um forte apelo, que vem encontrando ressonância até mesmo em bases legais, no sentido de realçar o caráter sancionatório-aflitivo da medida socioeducativa.

A questão passa a inspirar certa preocupação, como bem salientaram os autores citados, a partir do momento em que se verifica um desvirtuamento da medida legal imposta ao adolescente autor de ato infracional, colocando-se em segundo plano a natureza primordialmente pedagógica e a finalidade protetiva da medida socioeducativa.

Como não se deve perder de vista que a medida socioeducativa possui natureza diversa da pena criminal, a solução para esse aparente conflito ideológico-normativo, ao que tudo indica, deve ser mesmo dada pela adequada aplicação dos objetivos, princípios e normas de regência da Lei Infantojuvenil, analisadas as peculiaridades de cada situação específica.

3.5.2 Princípios orientadores das medidas socioeducativas

a) respeito aos direitos humanos;

b) responsabilidade solidária e dever jurídico da família, da sociedade e do Estado, pela promoção e defesa dos direitos humanos de crianças e adolescentes;

c) adolescente como sujeito de direitos e pessoa em condição peculiar de desenvolvimento;

d) proteção integral;

e) prioridade absoluta no atendimento ao adolescente;

f) respeito ao devido processo legal;

g) legalidade, não podendo o adolescente receber tratamento mais gravoso do que o conferido ao adulto;

Sobre o tratamento não mais gravoso ao adolescente, cita-se o seguinte exemplo: embora o ECA preveja para o cumprimento da medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade jornada máxima de oito horas semanais (art. 117, parágrafo único), devido à redução dessa jornada máxima para uma hora por dia (sete horas semanais) para o adulto que cumpre pena restritiva de direitos em condições assemelhadas (art. 46, § 3º, do Código Penal, acrescentado pela Lei nº 9.714/1998), alguns magistrados vêm aplicando ao adolescente o limite semanal de horas menor.

h) excepcionalidade da intervenção judicial e da imposição de medidas, favorecendo-se meios de autocomposição de conflitos;

i) proporcionalidade em relação à ofensa cometida;

j) brevidade da medida em resposta ao ato cometido;

k) individualização, considerando-se a idade, capacidades e circunstâncias pessoais do adolescente;

l) mínima intervenção, restrita ao necessário para a realização dos objetivos da medida;

m) não discriminação do adolescente, notadamente em razão de etnia, gênero, nacionalidade, classe social, orientação religiosa, política ou sexual, ou associação ou pertencimento a qualquer minoria ou status;

n) fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários no processo socioeducativo;

o) incolumidade, integridade física e segurança;

p) respeito à capacidade de cumprimento da medida, às circunstâncias, à gravidade do ato infracional e às necessidades pedagógicas;

q) incompletude institucional;

r) garantia de atendimento especializado para adolescentes com deficiência;

s) municipalização do atendimento;

t) descentralização político-administrativa;

u) gestão democrática e participativa na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis;

v) co-responsabilidade no financiamento do atendimento às medidas socioeducativas;

w) mobilização da opinião pública no sentido de promover a participação dos seguimentos da sociedade.

Conforme o art. 1º da Lei nº 12.594/2012, a lei em questão institui o SINASE e regulamenta a execução das medidas destinadas a adolescente que pratique ato infracional, o que sugere que as suas disposições não tenham aplicação ao processo de apuração do ato infracional.

No entanto, conforme advertem Lépore, Cunha e Sanches (2014, p. 630-631), como a definição do SINASE dada inicialmente pelo art. 3º da Resolução nº 119/2006 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), contemplou desde o processo de apuração de ato infracional até a execução de medidas socioeducativas, “[...] não é possível aceitar que o legislador tenha diminuído esse campo de abrangência unicamente para a execução das medidas socioeducativas, como fez no § 1º da Lei 12.594/2012 […].”

Por isso, para os autores citados, a diminuição da extensão do SINASE deve-se ao fato de a execução das medidas socioeducativas também ser o foco da Lei nº 12.594/2012, mantendo-se, no entanto, o rol das medidas, assim como o procedimento de sua aplicação com as regras previstas no ECA.

Com esses argumentos, concluem os autores em questão que “[...] o Sistema foca-se no atendimento ao adolescente em conflito com a lei, englobando a apuração, a aplicação e a execução das medidas socioeducativas, muito embora tenha a Lei 12.594/2012 se direcionado ao aspecto executório das medidas.”

Já para Ramidoff (2012, p. 73-74), apesar de a Lei nº 12.594/2012 destinar-se apenas ao cumprimento de medidas legais, especialmente as socioeducativas, e não a sua aplicação, o cumprimento das medidas socioeducativas deverá atender não apenas aos parâmetros estabelecidos pela citada lei, mas, principalmente, ao que determinam as Leis de Regência, a saber, a Constituição Federal de 1988 e o ECA.

Sob esse enfoque, ilustra o autor derradeiramente citado:

[...] não se ouvida que essas medidas legais possam ser modificadas, suspensas e extintas a qualquer tempo não só em razão das novas figuras legislativas estabelecidas pela Lei n. 12.594/2012 (SINASE), senão, mesmo, em virtude do que já se encontrava previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (arts. 99, 100 e 113, todos da Lei n. 8.069/90).

Apesar de não existir unanimidade a respeito do tema, não se pode negar que algumas disposições e até mesmo princípios relacionados no ECA e na Lei nº 12.594/2012 incidem igualmente sobre o procedimento de apuração de ato infracional e aplicação de medida socioeducativa e sobre a execução da medida, conforme se observa pelos exemplos adiante citados: a) expedição de mandado de busca e apreensão do adolescente (art. 184, § 3º do ECA e art. 47 da Lei 12.594/2012); b) substituição de medidas - considerada a possibilidade de retomada do procedimento de apuração de ato infracional, em caso de descumprimento da medida aplicada em sede de remissão, como forma de suspensão do processo - (art. 99 c/c art. 113 do ECA e art. 43 da Lei 12.594/2012); c) brevidade e excepcionalidade das medidas socioeducativas (art. 121, caput, do ECA e art. 35, incs. II e V, da Lei 12.594/2012); d) fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários (art. 100 c/c art. 113 do ECA e art. 35, inc. IX, da Lei 12.594/2012); e) atendimento a adolescentes portadores de doença ou deficiência mental (art. 112, § 3º do ECA e art. 64 da Lei 12.594/2012); f) reavaliação das medidas socioeducativas, considerada a observação feita na letra “b” (arts. 118, § 2º, 120, § 2º e 121, § 2º, do ECA e art. 42 da Lei 12.594/2012).

Até mesmo os princípios elencados no parágrafo único, incs. I a XII, do art. 100 do ECA, cuja aplicação é extensiva às medidas socioeducativas (art. 113 do Estatuto), não podem deixar de ser considerados na fase de execução dessas medidas, mesmo porque o cumprimento das prescrições contidas no art. 100 do ECA é um dos fatores a serem observados por ocasião da avaliação dos programas de atendimento socioeducativo, consoante estabelece o art. 24 da Lei do SINASE.

Algumas das diretrizes contidas nesses princípios, a exemplo do princípio da responsabilidade parental, segundo o qual a intervenção deve ser efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o adolescente (art. 100, parágrafo único, inc. IX, do ECA), podem inclusive ser encontradas, embora em outras palavras, no texto da Lei nº 12.594/2012. Assim, observa-se que o art. 52, parágrafo único, da lei mencionada, ao tratar das atividades desenvolvidas com o adolescente por meio do plano individual de atendimento (PIA), destaca que o referido plano deverá contemplar a participação dos pais ou responsáveis, os quais têm o dever de contribuir com o processo ressocializador do adolescente, estando passíveis de responsabilização administrativa (art. 249 do ECA), civil e criminal, caso não observem o preceito legal.

O princípio da proteção integral e prioritária (art. 100, parágrafo único, inc. II, do ECA), de igual modo, é inarredável na interpretação e aplicação de toda e qualquer norma contida no Estatuto e, por extensão, na Lei que regulamenta a execução das medidas socioeducativas.

Avalia-se ainda não ser concebível que o princípio da excepcionalidade da intervenção judicial e da imposição de medidas, favorecendo-se meios de autocomposição de conflitos (art. 35, inc. II, SINASE), assim como o princípio da prioridade a práticas ou medidas de índole restaurativa, com o atendimento, sempre que possível, às necessidades das vítimas (art. 35, inc. III, SINASE), sejam aplicáveis unicamente à fase de execução de medidas socioeducativas, mesmo porque o exemplo que já se tem no ECA quanto à prática semelhante é a remissão, ministerial ou judicial, verificada na fase de investigação ou na fase do processo de conhecimento.

Ishida (2014, p. 482) adverte que “a menção autocomposição melhor se adequaria à fase do conhecimento.” Sobre a justiça restaurativa, de acordo com o citado autor, é uma estratégia que “procura substituir a punição do adolescente pela restauração da paz entre as partes”. O acordo restaurativo, na avaliação do autor em questão, dá-se na fase “anterior à aplicação da medida socioeducativa, tratando-se de verdadeira substituição em relação à mesma.”

É importante frisar também que apesar de não ser vedada ao juízo do processo de execução a imposição de medidas, dado o que ocorre, por exemplo, na substituição de medidas socioeducativas, que é feita perante aquele juízo, sabe-se que a aplicação de tais medidas tem lugar originalmente perante o juízo do processo de conhecimento, não havendo, portanto, impedimento a que as chamadas práticas ou medidas restaurativas, assim como os possíveis meios de autocomposição dos conflitos ocorram perante o último juízo citado.

São situações que uma vez verificadas, poderão até mesmo obstar a instauração do procedimento de apuração de ato infracional, que terá lugar apenas quando restarem frustradas aquelas intervenções e abordagens alternativas preconizadas pela Lei do SINASE.

A estratégia de intervenção em exame poderá contar com o importante trabalho dos profissionais integrantes das equipes técnicas multidisciplinares a serviço do Juizado da Infância e da Juventude e do Ministério Público. Além disso, diante do princípio da excepcionalidade da intervenção judicial e da imposição de medidas, mesmo após o ajuizamento e o recebimento da representação oferecida pelo Ministério Público, a adoção de tal estratégia poderá ter o condão de afastar a aplicação, pelos métodos convencionais, de medida socioeducativa ao adolescente, optando-se por intervenção diferenciada.

Cuida-se, na verdade, de metodologia semelhante à prática que utiliza mecanismos de autocomposição (mediação e conciliação) de conflitos, em que se dá a composição dos danos civis e a aplicação imediata de pena não privativa de liberdade a pessoas adultas, nas infrações penais de menor potencial ofensivo, nos moldes estabelecidos pela Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais (Lei nº 9.099/1995).

Em comentário acerca dos princípios trazidos pela Lei do SINASE, Frassetto et al (2012, p. 48-49) destacam que

Alguns princípios inscritos na nova lei, em seu Art. 35, são uma boa novidade que sinaliza uma intenção de diminuir a ação judicial formal prescrevendo que se favoreça “meios de autocomposição de conflitos” (II), priorizando práticas ou medidas que sejam restaurativas (III), reduzindo mesmo a intervenção ao necessário para a realização dos objetivos da medida (VII). Ora, a diminuição da ação judicial é a senha para a ampliação das ações de caráter educativo, não apenas durante a execução da medida, mas também depois dela (ou antes) com ênfase em metodologias de resolução de conflitos em que se exercite a justiça como valor (grifo nosso).

Portanto, mesmo após a instauração do procedimento de apuração de ato infracional, com o recebimento da representação ofertada pelo Ministério Público, não está descartada a possibilidade da aplicação dos meios de autocomposição dos conflitos, de práticas ou medidas restaurativas, pois, a exemplo do que ocorre com a remissão (art. 126, parágrafo único, do ECA), tais práticas ou medidas alternativas podem ser buscadas também após a instauração do procedimento.

Vale ainda frisar que na adoção de práticas ou medidas restaurativas, a Lei do SINASE enfatiza que se deve, sempre que possível, procurar atender às necessidades das vítimas (art. 35, inc. III, segunda parte).

Dentre as medidas socioeducativas previstas na Lei nº 8.069/90, aquela que mais se aproxima da ideia de restituição em relação aos prejuízos causados à vítima com a prática do ato infracional é a obrigação de reparar o dano, prevista no art. 112, inc. II e disciplinada no art. 116 do ECA. Sobre ela (e também sobre a medida socioeducativa de advertência), a Lei do SINASE pontuou que quando for aplicada de forma isolada, será executada nos próprios autos do processo de conhecimento, ou seja, pelo juízo do conhecimento, o que constitui um motivo a mais para sustentar que as medidas ou práticas restaurativas, bem assim os meios de autocomposição dos conflitos podem ter lugar na fase do conhecimento e perante o juízo do conhecimento.

Por isso, respeitando as opiniões em sentido contrário, avalia-se que apesar de constar no art. 35 da Lei do SINASE que é a execução das medidas socioeducativas que são regidas pelos princípios arrolados nos incisos I a IX daquele artigo (indicados neste trabalho nas letras “g” a “n”), tais princípios, em maior ou menor intensidade, podem incidir também sobre o processo de apuração de ato infracional e aplicação de medidas socioeducativas, e até mesmo em momento pré-processual.

Superada a discussão relativa a disposições gerais e princípios, no que se refere às garantias processuais previstas no ECA, destinadas a adolescente autor de ato infracional, a Lei nº 12.594/2012 estabelece de forma expressa e categórica que elas são integralmente aplicáveis também na execução das medidas socioeducativas, inclusive no âmbito administrativo (art. 49, § 1º, SINASE), o que não poderia ser diferente, pois a execução envolve o cumprimento da medida socioeducativa e também os seus incidentes.


4. CUMULAÇÃO E UNIFICAÇÃO DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS

As medidas socioeducativas podem ser aplicadas de forma isolada ou podem ser cumuladas com outras medidas (inclusive com medidas de proteção), em uma mesma ação socioeducativa ou em várias dessas ações, conforme se extrai da conjugação do art. 99 com o art. 113 do ECA.

Para que se admita a cumulação é necessário que as medidas possam ser cumpridas de forma concomitante, como ocorre, por exemplo, no cumprimento das medidas socioeducativas de prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida e medida protetiva consistente em obrigação de matrícula e frequência escolar.

Observa-se pelo exemplo apresentado que a cumulação diz respeito ao cumprimento simultâneo de mais de uma medida socioeducativa e/ou protetiva, quando isto for possível, sendo elas, todavia, de naturezas diferentes. Tratando-se de medidas de mesma natureza, pode ser o caso de unificação de medidas, instituto que será tratado mais adiante.

Quando as medidas legais forem aplicadas de forma cumulada na mesma sentença, como resultado da mesma conduta infracional, o cumprimento de ambas ocorrerá também em um único procedimento de execução, embora cada medida deva ser executada e acompanhada de acordo com a sua natureza, prazo e demais especificidades, visto que cada medida legal dirige-se a propósitos de cunho social, pedagógico e retributivo próprios.

Pode ocorrer, no entanto, que as medidas tenham sido aplicadas em processos distintos, situação em que o adolescente já cumpre ou está em vias de cumprir uma medida socioeducativa e é sentenciado a outra medida, de natureza diferente, mas que admite cumprimento concomitante.

Ainda assim, de acordo com a nova sistemática implementada pela Lei do SINASE e as orientações trazidas pela Resolução nº 165/2012-CNJ, as medidas socioeducativas serão reunidas, para execução e acompanhamento em um único procedimento judicial, expedindo-se guia unificadora e trasladando-se para os autos onde serão praticados os atos de execução os documentos necessários, atentando-se, em todo caso, para a natureza e as peculiaridades próprias de cada uma das medidas aplicadas.

Ao invés de apensar os autos de execução das medidas, como antes vinha sendo feito, com a unificação, a orientação trazida pela Resolução nº 165/2012-CNJ é mesmo no sentido de levar o cumprimento e acompanhamento das medidas socioeducativas, ainda que distintas, mas compatíveis entre si, para um único procedimento de execução, expedindo-se guia unificadora e arquivando-se os demais autos de execução de medida.

O que se observa concretamente em tal situação, que envolve medidas diferentes, mas passíveis de cumprimento concomitante, é a unificação dos procedimentos de execução, que são reduzidos a um único procedimento, visto que as medidas, por serem distintas, deverão ser cumpridas individualmente, ainda que de forma concomitante.

Diante da necessidade de se analisar melhor alguns pontos sobre a questão, o tema ora abordado será retomado no próximo subitem.

O acompanhamento das medidas aplicadas de forma cumulada será feito pelo juízo da execução, mas poderá sê-lo também pelo juízo do processo de conhecimento, quando neste estiver sediada a unidade de cumprimento da medida socioeducativa e não houver na comarca juizado da infância e da juventude com competência específica ou exclusiva para a execução de medidas socioeducativas.

Não custa relembrar que as medidas de proteção, de advertência e de reparação do dano, quando aplicadas de forma isolada, serão executadas nos próprios autos do processo de conhecimento, conforme estabelece o art. 38 da Lei nº 12.594/2012.

Ainda que se verifique a cumulação entre uma das duas medidas socioeducativas supracitadas e uma ou mais medidas de proteção, caso a medida socioeducativa seja implementada de plano, em audiência (o que comumente ocorre quando se trata de medida socioeducativa de advertência), afigura-se razoável que o cumprimento da medida protetiva aplicada cumulativamente opere-se também nos próprios autos do processo de conhecimento, pois não haverá qualquer dilação ou nova formalidade para o cumprimento da medida socioeducativa aplicada. Além disso, desde que não sejam cumuladas com outras medidas socioeducativas, as medidas de advertência e reparação do dano serão executadas nos próprios autos do processo de conhecimento e perante o juízo do conhecimento. É possível, no entanto, que o juízo responsável opte por autuar procedimento específico para o acompanhamento da medida protetiva, visto que ela não possui natureza socioeducativa.

4.1 Unificação de penas e de medidas socioeducativas

Embora apresentando feições próprias e recebendo tratamento diferenciado daquele conferido às sanções previstas na legislação penal, com o advento da Lei do SINASE, a unificação passou a ser legalmente admitida para as medidas socioeducativas.

Instituto previsto no Código Penal - CP (art. 75, §§ 1º e 2º) e na Lei nº 7.210/1984 – Lei de Execução Penal – LEP (art. 111), a unificação foi introduzida expressamente no contexto das medidas socioeducativas pela Lei nº 12.594/2012 (art. 45, caput e §§ 1º e 2º). Contudo, a Lei do SINASE não tratou com profundidade sobre a aplicação do instituto em questão, se considerarmos as peculiaridades de cada uma das medidas socioeducativas previstas no ECA.

É certo, todavia, que o regramento estabelecido para a unificação de medidas socioeducativas não se confunde com aquele já concebido legalmente para a unificação de penas criminais, dadas as peculiaridades próprias do Direito Infantojuvenil, embora haja alguns pontos de tangenciamento entre a aplicação do instituto em questão nos âmbitos penal e socioeducativo.

Na esfera penal unificação significa a reunião das penas aplicadas ao réu, no mesmo processo ou em processos distintos, para fins de sua adequação ao limite legal máximo de 30 anos, previsto no art. 75, caput, do Código Penal, bem assim para a concessão de benefícios legais ao condenado (arts. 75, § 1º, do CP e 111, da LEP).

Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena (no curso da execução), faz-se nova unificação. Isto significa que se, somado ao restante da pena que já foi cumprida pelo agente o quantum de pena relativa à condenação mais recente, for obtido como resultado uma pena superior a 30 anos, terá lugar a unificação, para que haja a adequação da reprimenda ao prazo legal máximo, desprezando-se o período de pena já cumprido. De acordo com o texto legal, a nova pena (obtida com a soma ou com a unificação), será levada em conta também para determinação do regime de cumprimento (art. 75, § 2º, do CP e art. 111, parágrafo único, da LEP).

A posição jurisprudencial predominante no país (que tem amparo inclusive na Súmula 715 do Supremo Tribunal Federal), é no sentido de que a pena unificada, para atender ao limite legal de 30 anos de cumprimento, não deve servir de base para o cálculo de benefícios legais em favor do condenado, como progressão de regime, livramento condicional, remição, detração etc.

Esse posicionamento é compartilhado por farta doutrina, apesar de também não ser pequena a corrente doutrinária em sentido contrário, para a qual a unificação de penas no limite legal serve de base para todos os cálculos de execução da pena, ou seja, é levada em conta também para a concessão de benefícios legais.

A unificação de pena pode resultar também do reconhecimento da ocorrência do concurso formal próprio ou perfeito (art. 70, caput, primeira parte, do Código Penal) e do crime continuado (art. 71 do Código Penal), situações nas quais há a aplicação da pena de um só dos dois ou mais crimes praticados, aumentada (exasperada), em qualquer caso, até os limites legais estabelecidos nos dois artigos do Código Penal mencionados. Tratam-se, no entanto, de unificações diversas daquelas relacionadas com a duração da execução das penas, previstas no art. 75, § 1º, do Código Penal.

Dispõe o art. 75, § 1º, do Código Penal que: “Quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja superior a 30 anos, devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo deste artigo” (grifo nosso).

Já o art. 111, caput, da LEP (Lei nº 7.210/1984) traz a seguinte redação:

Quando houver condenação por mais de um crime, no mesmo processo ou em processos distintos, a determinação do regime de cumprimento será feita pelo resultado da soma ou da unificação das penas, observada, quando for o caso, a detração ou remição (grifo nosso).

Observa-se pelos textos dos dois artigos destacados que houve o cuidado pelo legislador ao separar soma de unificação de penas, embora a soma também resulte em unidade, no que se refere ao quantum final de pena obtido. Todavia, esse tempo de pena pode ser superior a 30 anos, hipótese em que não será o montante final obtido com as adições das penas que valerá para efeito de cumprimento e determinação do seu regime, mas o resultado da unificação, que reduzirá a pena para o limite legal de 30 anos.

Em termos penais, de acordo com o que foi exposto, a unificação é adotada para as hipóteses em que o resultado da soma das penas, aplicadas em um mesmo processo ou em processos distintos, for superior a 30 anos (prazo legal máximo) e precise ser reduzida a esse patamar máximo. Já a simples soma a que se refere o texto da lei, na reunião das penas aplicadas a um mesmo condenado, refere-se às adições feitas à pena, que podem ou não levá-la a ultrapassar o limite máximo de 30 anos, previsto no art. 75, caput, do Código Penal, sendo certo que, ultrapassado esse limite, deverá ser feita a unificação.

Portanto, pela leitura que se faz do texto legal, em sede de pena, pode haver tanto soma quanto unificação, o que, em termos práticos, significa que a obtenção da unidade de pena (para efeito de cumprimento e determinação do seu regime), pode ser obtida tanto por meio da adição das penas aplicadas, quanto mediante a redução do montante de pena superior a 30 anos. Além disso, como já frisamos, a unificação pode resultar da aplicação da pena de um dos dois ou mais crimes praticados, aumentada, em qualquer caso, situação verificada no concurso formal perfeito e no crime continuado.

Relativamente à unificação de medida socioeducativa, não há, exatamente como ocorre no âmbito da legislação penal, um cálculo matemático consistente no somatório ou na redução das penas impostas, para definição do regime de cumprimento ou para adequação da pena final ao prazo máximo legal.

Apesar das poucas informações que a Lei do SINASE trouxe sobre a unificação de medidas socioeducativas, não há dúvida que o instituto em questão deve ser analisado de forma sistemática com as demais disposições legais contidas no ECA, no texto constitucional e na própria Lei nº 12.594/2102, assim como à luz dos objetivos e princípios orientadores das medidas socioeducativas.

A Lei do SINASE não discorre sobre situações peculiares (todavia, recorrentes nos juizados da infância e da juventude), como o tratamento a ser conferido em caso de unificação envolvendo medidas socioeducativas de naturezas diferentes.

É verdade que no âmbito penal o legislador ordinário também não chamou para si a responsabilidade de explicitar de que forma a unificação da pena (considerada em suas modalidades de pena privativa de liberdade, pena restritiva de direitos, além do sursis) deve ser implementada. O que se observa é a conversão, nos casos em que isto é possível, da pena restritiva de direitos em privativa de liberdade, a fim de que se possa concretamente fazer a soma ou a unificação.

Como na seara infracional a questão não se apresenta de maneira tão simplista, a solução prática, em muitos casos, dependerá do exame individualizado de cada situação que vier a ser enfrentada, na vivência do direito aplicado aos adolescentes em conflito com a lei, mediante a análise sistemática e principiológica das disposições correlatas, com a contribuição importante da doutrina e da jurisprudência que vem sendo formada sobre o assunto.

Ao tratar da unificação de medidas, o art. 45, caput, da Lei do SINASE não se reporta especificamente a medidas socioeducativas idênticas ou de mesma natureza. O texto do artigo prescreve: “Se, no transcurso da execução, sobrevier sentença de aplicação de nova medida, a autoridade judiciária procederá à unificação [...]” (grifo nosso), o que leva a presumir que mesmo que se trate de medidas socioeducativas com regime de cumprimento e natureza distintos, como Liberdade Assistida (medida em meio aberto) e Internação (medida em regime de privação de liberdade), será cabível a unificação. Percebe-se também que, diferentemente do que ocorre com a legislação penal, a Lei do SINASE não fez referência à soma, mas apenas à unificação.

É preciso, então, que se analise o conceito de unificação, que não é dado pela lei e sim pela doutrina, além de ter sido concebido originalmente para a unificação de penas.

Segundo Mirabete (1997) unificar “quer dizer transformar várias penas em uma só.”

Seguindo a mesma linha de raciocínio, Nucci (2013, p. 554) afirma que “unificar significa transformar várias coisas em uma. Portanto, unificar penas produz a consequência de converter inúmeras penas em uma única.”

Vê-se que a conceituação doutrinária anteriormente exposta não se preocupou em distinguir a obtenção da unidade de pena a ser cumprida pela soma de penas ou por sua redução ao limite legal máximo, contentando-se em apresentar um conceito para unificação, instituto que denominou de transformação de várias penas em uma só.

No âmbito das medidas socioeducativas, que podem ser cumuladas com medidas protetivas, encontramos também alguns conceitos para unificação.

De acordo com Ramidoff (2012, p. 98) a unificação deve ser entendida como a “reunião de procedimentos judiciais destinados ao acompanhamento jurisdicional do cumprimento das medidas legais – protetivas e/ou socioeducativas – judicialmente propostas ao adolescente a quem se atribui a autoria de ação conflitante com a lei.”

Sem adentrar profundamente no tema, ao tratar da unificação de medidas socioeducativas, Nucci (2014, p. 813) sustenta que se trata “de providência similar à execução penal, quando se unificam penas, para que o condenado cumpra um único montante – e não várias penas esparsas, o que somente dificultaria a progressão de regime e a percepção de outros benefícios”. Assim, de acordo com o citado autor, tratando-se de unificação de medida socioeducativa, “o sentido jurídico é o mesmo.”

Ainda para o autor em questão, a unificação independe da natureza das medidas socioeducativas, de sorte que “Durante a execução de qualquer medida socioeducativa, é possível que outro juízo aplique medida diversa, em processo relativo a outro ato infracional.”

Ferreira e Doi (s.d., p. 4), utilizando como parâmetro a conceituação trazida pela doutrina penal, segundo a qual pela unificação “se reduz a duração das penas aplicadas nas várias sentenças”, sustentam que “Isso, mutatis mutandis, é que deve ser considerado para as medidas socioeducativas.” Saliente-se que Ferreira e Doi não admitem a unificação de medidas de naturezas diferentes, para as quais sustentam ser cabível a cumulação, e não a unificação.

Por fim, para Digiácomo (2012, p. 22), unificação

Significa que todas as medidas socioeducativas eventualmente aplicadas ao mesmo adolescente, em procedimentos diversos, deverão ser reunidas num único processo de execução, ficando cada modalidade de medida sujeita aos prazos máximos de duração previstos em lei (cf. art. 45, §1º, da Lei nº 12.594/2012).

Eis as disposições da Lei do SINASE que tratam da unificação de medidas socioeducativas:

Art. 45. Se, no transcurso da execução, sobrevier sentença de aplicação de nova medida, a autoridade judiciária procederá à unificação, ouvidos, previamente, o Ministério Público e o defensor, no prazo de 3 (três) dias sucessivos, decidindo-se em igual prazo.

§ 1º É vedado à autoridade judiciária determinar reinício de cumprimento de medida socioeducativa, ou deixar de considerar os prazos máximos, e de liberação compulsória previstos na Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), excetuada a hipótese de medida aplicada por ato infracional praticado durante a execução.

§ 2º É vedado à autoridade judiciária aplicar nova medida de internação, por atos infracionais praticados anteriormente, a adolescente que já tenha concluído cumprimento de medida socioeducativa dessa natureza, ou que tenha sido transferido para cumprimento de medida menos rigorosa, sendo tais atos absorvidos por aqueles aos quais se impôs a medida socioeducativa extrema.

Apesar das considerações já feitas sobre a conceituação de unificação, ao que nos parece, a unidade, no tocante à medida socioeducativa, que a Lei do SINASE apregoa no art. 45, caput, e que deve ser buscada na prática do processo socioeducativo, nem sempre será naturalmente obtida. Para algumas situações, ela é artificial, a exemplo do que se dá no caso de medidas de natureza e regime diferentes, hipótese em que não é possível transformar a medida já em execução na nova medida aplicada, ou mesmo cumular esta com aquela medida, salvo nas hipóteses em que for possível o cumprimento concomitante, como ocorre, por exemplo, na cumulação da medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade com a medida socioeducativa de liberdade assistida.

Cuidando-se de medidas socioeducativas distintas e não cumuláveis entre si, a rigor, não haverá unificação de medidas, dada a impossibilidade do cumprimento concomitante. Apesar de ser feita a reunião de procedimentos de execução, como isto não equivalerá, na prática, à inclusão do adolescente em nova medida socioeducativa ou em modificação da medida já em cumprimento, ocorrendo a reunião mais por questão de política socioeducativa, ou, nas palavras de Nucci (2014, p. 815), “de política estatal no campo infantojuvenil”, não será o caso de unificação de medida, mas de unificação de procedimentos judiciais de execução.

No exemplo citado, que apresenta a hipótese de cumprimento simultâneo das medidas de prestação de serviços à comunidade e liberdade assistida, observa-se que com a reunião dos procedimentos de execução não há sequer o estabelecimento de uma unidade na medida socioeducativa a ser efetivamente cumprida (pois isto não é possível quando as medidas aplicadas são de naturezas diferentes), mas apenas uma unidade de procedimentos de execução.

Por isso, chamamos novamente a atenção do leitor para as observações feitas no subitem 3.2, que trata das necessidades pedagógicas da medida, especialmente sobre a importância de uma avaliação criteriosa da situação geral do adolescente, inclusive sobre as medidas legais que ele já está a cumprir, antes de levar à instrução o procedimento de apuração de ato infracional anterior ao início de cumprimento de medida (s), assim como no momento de decidir sobre a aplicação da medida socioeducativa, cumulada ou não com outra medida dessa natureza ou de natureza protetiva.

Essa análise cuidadosa pode, inclusive, evitar problemas ou dificuldades para a boa operacionalidade e gerenciamento dos procedimentos em curso no juízo da execução das medidas socioeducativas, que, em alguns casos, pode ser o mesmo juízo do processo de conhecimento.

Diante da complexidade do tema, surgem então argumentos como: se for aplicada nova medida socioeducativa (em meio aberto) ao adolescente que já está a cumprir medida socioeducativa privativa de liberdade, os autos da execução da medida em meio aberto ficarão suspensos, aguardando o desenrolar da medida de segregação da liberdade.

Em termos práticos, por não ser possível o cumprimento concomitante das medidas socioeducativas em meio aberto e daquelas em regime de privação da liberdade, além de não se vislumbrar o alcance de qualquer utilidade pedagógica com a sujeição tardia do adolescente à medida socioeducativa em meio aberto, conforme já foi explanado neste estudo, o bom senso indica que a suspensão processual apontada contraria os fins pedagógicos da medida, além de afrontar o princípio da intervenção precoce, previsto no art. 100, parágrafo único, inc. VI, do ECA, que se aplica às medidas socioeducativas, conforme o art. 113 do Estatuto. Segundo o princípio em questão, “a intervenção das autoridades competentes deve ser efetuada logo que a situação de perigo seja conhecida.”

Referindo-se especificamente à medida socioeducativa de internação, o legislador afirma que quando já houver ocorrido a conclusão do cumprimento dessa medida, ou o adolescente nela inserido tiver sido transferido para cumprimento de medida menos rigorosa, os atos infracionais praticados anteriormente ficam absorvidos por aqueles que ensejaram a medida extrema (art. 45, § 2º, da Lei do SINASE). Em tal situação, não será cabível sequer a aplicação de nova medida socioeducativa de internação, por ato infracional praticado anteriormente, ainda que se trate de vários atos infracionais.

Tratando-se de medida socioeducativa de semiliberdade, o raciocínio a ser feito pouco difere do que foi pontuado sobre a medida socioeducativa de internação, devendo, todavia, ser buscada fundamentação nos arts. 120, § 2º, do ECA e 45, § 1º, da Lei do SINASE.

O propósito da norma é impedir que a medida socioeducativa de internação (ou a de semiliberdade) tenha aspecto meramente retributivo e em descompasso com a evolução alcançada pelo adolescente ao longo do cumprimento de medida socioeducativa que importe em privação da liberdade.

Caso uma nova medida socioeducativa de internação tenha sido aplicada em tais circunstâncias, ou seja, sem observar o comando legal trazido pelo art. 45, § 2º, da Lei do SINASE, caberá ao juízo da execução (ou ao tribunal, em sede recursal) adotar as providências necessárias para que não haja prejuízo processual ou violação dos direitos e garantias legais do adolescente, inclusive extinguindo a nova medida socioeducativa aplicada, dada a vedação legal quanto à sua aplicação e, consequentemente, quanto à efetiva implementação.

No entanto, se o adolescente estiver imerso em medida socioeducativa de meio aberto e for verificada a necessidade de sua inserção em nova medida socioeducativa (de natureza diversa), que contemple outras estratégias de intervenção sociopedagógica, é possível a aplicação de nova medida socioeducativa, ainda que em decorrência de ato infracional anterior ao início da execução da medida já em andamento. Neste caso, a nova medida poderá vir a ser cumprida cumulativamente com a medida já em execução, como, por exemplo, prestação de serviços à comunidade e liberdade assistida. Poderá ainda a nova medida socioeducativa substituir (diante da impossibilidade de cumprimento concomitante) a medida em meio aberto ou de semiliberdade que se mostraram pedagogicamente ineficazes.

Exemplos da situação derradeiramente apresentada são as hipóteses de aplicação da medida socioeducativa de semiliberdade, quando o adolescente já está a cumprir a medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade ou a liberdade assistida, ou da aplicação da medida socioeducativa de internação, quando ele já se encontra vinculado à medida de semiliberdade, aplicada como medida inicial.

Para Nucci (2014, p. 814), se o jovem cumpre medida de semiliberdade, por prazo indeterminado, e recebe a medida de internação (também por prazo indeterminado), com a unificação das medidas para internação, deve ser respeitado o período já cumprido quanto à medida de semiliberdade, pois, de acordo com o citado autor, “medida cumprida deve ser respeitada; medida mais grave absorve a mais leve com ela incompatível; medidas mais leves, em meio aberto, coexistem.”

Pelo que se extrai da redação do art. 45, § 1º, da Lei do SINASE, se o adolescente está a cumprir ou já cumpriu a medida socioeducativa de semiliberdade, ele não poderá ser novamente imerso nessa medida, por ato infracional praticado anteriormente. No entanto, o anteriormente aqui mencionado refere-se a ato infracional anterior ao início da execução da medida de semiliberdade, e não ao seu término, como ocorre com a medida socioeducativa de internação, na situação apontada no art. 45, § 2º, da Lei do SINASE.

Diante disso, apesar de não haver vedação legal expressa para a aplicação de nova medida socioeducativa de semiliberdade, por ato infracional anterior, a adolescente que já houver concluído o cumprimento dessa medida, há vedação para o reinício do cumprimento da medida em questão, ressalvada a hipótese de ato infracional praticado durante a execução.

A omissão legislativa na Lei do SINASE, apontada no parágrafo anterior, pode trazer um problema de ordem prática, que é a aplicação da medida socioeducativa de semiliberdade, por ato infracional anterior, a adolescente que já se encontra imerso em tal medida, situação que, no caso concreto, precisará ser resolvida pelo juízo da execução.

Diante da situação apontada, o juízo da execução, à vista da guia de execução da nova medida de semiliberdade, amparado pelo art. 45, § 1º, da Lei do SINASE, que veda o reinício de cumprimento de medida socioeducativa, aplicada em decorrência de ato infracional anterior, não dará reinício à medida, mas extinguirá o novo procedimento de execução. Mesmo que faça a unificação das medidas, na prática, manterá incólume a medida já em andamento. O mesmo procedimento ele adotará no caso da aplicação de nova medida socioeducativa de liberdade assistida, em condições semelhantes.

Uma alternativa para que se evite esse trabalho aparentemente prescindível por mais de um juízo (respeitado o entendimento em sentido contrário), está ao alcance do próprio juízo do processo de conhecimento, que, para poupar de transtornos desnecessários o juízo da execução, deve estar atento à situação processual do adolescente no momento de decidir sobre a aplicação da medida, abstendo-se de aplicar nova medida socioeducativa de semiliberdade ou de liberdade assistida, em razão de ato anterior, optando, se for o caso, pela aplicação de outras medidas legais.

Portanto, caso o ato infracional sob julgamento for anterior ao início da execução da medida socioeducativa já em andamento, deve ser observado pelo juízo do processo de conhecimento o que estabelece o art. 45, § 1º, da Lei do SINASE, a fim de evitar uma nova aplicação de medida socioeducativa de liberdade assistida ou de semiliberdade, quando não for cabível o seu reinício.

Para Nucci (2014, p. 815), “todos os atos infracionais cometidos pelo menor, antes do início do cumprimento de medida socioeducativa, precisam ser visualizados como um conjunto único – e não como fatos isolados, gerando punições igualmente isoladas.”

Digiácomo (2012, p. 22) adverte que

[...] a previsão legal da unificação de medidas visa evitar, dentre outras, que o adolescente acumule procedimentos sem solução e receba a destempo, e de forma cumulativa, medidas que, a rigor, já perderam seu objetivo pedagógico. Apenas fatos posteriores ao início do cumprimento da medida original/unificada poderão resultar na aplicação de novas medidas, retomando a partir daí a contagem do prazo máximo de sua duração.

Cabe pontuar que apesar de o artigo 45, § 2º, da Lei do SINASE tratar apenas da medida socioeducativa de internação, não se deve perder de vista que em relação à medida socioeducativa de semiliberdade são aplicáveis, no que couber, as disposições relativas à medida de internação, conforme estabelece o art. 120, § 2º, do ECA.

No que se refere à medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade, que pode ser aplicada para cumprimento por prazo determinado, embora variável, não superior a seis meses, também há vedação quanto ao reinício, em caso de ato infracional anterior à implementação da medida já em execução. No entanto, há algumas peculiaridades que precisam ser pontuadas a respeito da unificação dessa medida socioeducativa, o que será objeto de análise nos subitens seguintes.

Diante do que até agora foi exposto sobre unificação de medidas socioeducativas, extrai-se que de acordo com a Lei do SINASE, a unificação vai além da simples reunião de medidas de mesma natureza, dado o teor da redação trazida pelo art. 45, caput, da referida Lei, que ordena a unificação quando, no curso da execução, sobrevier sentença de aplicação de nova medida, sem especificar a sua modalidade.

Por isso, em sede de medida socioeducativa, o conceito de unificação talvez necessite ser mais elástico, conforme suscitou Ramidoff (2012, p. 98), ao defini-la como a “reunião de procedimentos judiciais destinados ao acompanhamento jurisdicional do cumprimento das medidas legais.”

Como já destacamos, quando a reunião de procedimentos nos quais houve a aplicação de medidas socioeducativas diferentes não resultar em alteração efetiva na medida socioeducativa já em execução ou em vias de ser iniciada, nem em unidade de medida, em razão da impossibilidade de tornar una as medidas distintas, o que na prática haverá em decorrência da reunião será a cumulação de medidas, quando cabível, e a unificação de procedimentos judiciais, mas não a unificação de medidas socioeducativas.

A unificação dos procedimentos pode ser justificada como política estatal para facilitar a individualização, além do melhor acompanhamento e controle das medidas socioeducativas aplicadas a um mesmo adolescente, mesmo que elas provenham de processos diferentes. No entanto, tratando-se de medidas distintas e que não admitem cumprimento simultâneo, a reunião de procedimentos enseja uma unificação de medidas apenas artificial, situação que preferimos chamar de unificação de procedimentos judiciais.

Conforme foi destacado, adotamos como argumento para o raciocínio apresentado no parágrafo anterior o fato de que, na hipótese de medidas diferentes e não cumuláveis, não ocorre concretamente a transformação das diversas medidas aplicadas em uma só, tampouco alteração efetiva na medida socioeducativa já em fase ou em vias de execução (embora seja expedida uma guia unificadora, pelo juízo da execução, e ocorra o arquivamento dos processos unificados – art. 2º, inc. VII e art. 11, § 3º, da Res. nº 165/2012-CNJ, com redação dada pela Res. nº 191/2014-CNJ).

As questões levantadas, ao lado de outras que ainda serão pontuadas sobre o tema, realçam a necessidade de se direcionar o pensamento dos atores envolvidos no processo socioeducativo para os vários desdobramentos que a unificação de medidas socioeducativas pode trazer, tanto para a aplicação quanto para a execução dessas medidas.

4.2 Natureza jurídica da unificação de medida socioeducativa

De acordo com Ramidoff (2012, p. 98), no âmbito socioeducativo a unificação constitui um “incidente processual no procedimento especial designado ao acompanhamento jurisdicional do cumprimento de medida socioeducativa por adolescente.”

Considerada um incidente da execução, a unificação pode ser analisada como um direito do socioeducando, na medida em que, por ela, tratando-se de ato infracional anterior ao início de uma medida em andamento, não poderá haver reinício de cumprimento da mesma medida, assim como, na hipótese de medida socioeducativa de internação, é vedado aplicar novamente a medida, em decorrência de ato infracional anterior ao cumprimento da primeira reprimenda.

A unificação pode também ser encarada como um poder-dever do magistrado, que a implementará quando estiverem presentes os requisitos para a sua efetivação, após ouvir o Ministério Público e o defensor do socioeducando (art. 45, caput, da Lei do SINASE).

A unificação visa ajustar, em um único procedimento de execução, as medidas socioeducativas (cumuladas ou não com medidas protetivas), aplicadas a um mesmo adolescente, em mais de um procedimento judicial, aos seus prazos máximos de cumprimento e condições legais para liberação do socioeducando. Visa ainda impedir que as medidas sejam reiniciadas em descompasso com as suas finalidades sociopedagógica e retributiva. É feita pelo juízo responsável pela execução da medida socioeducativa, que pode, eventualmente, ser o mesmo do processo de conhecimento, nos casos em que a medida deva ser cumprida em programa de atendimento ou unidade localizada na mesma comarca e fiscalizada pelo juízo que a aplicou.

Para que se compreenda melhor o que ocorre no processo de unificação de medidas socioeducativas, à luz das diretrizes preconizadas pela Lei do SINASE, é necessário que se estabeleçam dois parâmetros de orientação baseados no tempo (momento) da prática do ato infracional, considerados em relação a uma medida socioeducativa em andamento: o ato infracional praticado antes e o ato infracional praticado durante o cumprimento de medida socioeducativa.

4.2.1 Ato infracional praticado antes do início do cumprimento de medida socioeducativa

Tanto no que se refere às medidas socioeducativas que demandam cumprimento em meio aberto, quanto em relação àquelas que são cumpridas em regime de privação da liberdade, há vedação legal para o reinício do cumprimento de medida socioeducativa da mesma natureza, quando o adolescente houver praticado o ato infracional antes do início da execução de medida socioeducativa que contempla a mesma estratégia sociopedagógica. A regra é aplicável ainda que a medida socioeducativa já iniciada tenha sido encerrada (em razão do seu cumprimento pelo prazo máximo legal, por exemplo) por ocasião da aplicação da nova medida de mesma natureza.

Tratando-se, portanto, de medida aplicada em decorrência de ato infracional anterior ao início da execução de determinada medida socioeducativa, com a unificação, a autoridade judiciária (juízo responsável pela execução, ou tribunal, em sede recursal) não poderá determinar o reinício do cumprimento da medida socioeducativa de mesma natureza, vale dizer, a nova medida socioeducativa não será implementada na prática (apesar da expedição de guia unificadora), pois há uma presunção legal de que a abordagem e o alcance sociopedagógicos que ela traria para o adolescente vêm sendo, serão ou foram alcançados por meio da medida já iniciada, substituída ou cumprida.

Quando se tratar de medidas de naturezas distintas, mas conciliáveis, como, por exemplo, estando o adolescente a cumprir uma das medidas em meio aberto ou medida em regime de privação de sua liberdade, vem a ocorrer a aplicação da medida socioeducativa de obrigação de reparar o dano ou de advertência, a situação é diferente. Em tais hipóteses, não há vedação para a efetivação da nova medida aplicada, avaliadas as peculiaridades do caso concreto. O mesmo raciocínio pode ser feito quando se tratar de uma medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade e outra de liberdade assistida, pois o cumprimento delas pode ocorrer de forma concomitante.

Como salientamos no subitem anterior, a unificação da medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade apresenta algumas peculiaridades que lhe são próprias, visto que é uma medida legal que pode ser aplicada por prazos diferenciados e determinados, embora sujeitos ao limite legal de seis meses, conforme estabelece o art. 117, caput, do ECA.

Pela leitura que se faz do texto do art. 45, § 1º, da Lei do SINASE, extrai-se que mesmo na hipótese de a medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade ter sido aplicada por prazo inferior ao máximo legal, há vedação a que a medida de mesma natureza em andamento seja reiniciada, quando a nova aplicação dessa medida decorrer de ato infracional praticado anteriormente ao início do cumprimento da prestação de serviços à comunidade já em fase de implementação ou mesmo já cumprida.

Na avaliação de Ferreira e Doi (s.d., p. 6), quando a medida não diz respeito a ato infracional praticado durante a execução, mas a fato anterior, “[...] não há o reinício do cumprimento. Deve-se considerar o prazo da medida que está sendo executada, que também terá pertinência em relação a esta nova medida aplicada.”

Apresentando ligeira variação em relação ao posicionamento dos dois autores supracitados, Nucci (2014, p. 813), sustenta que

[...] o juiz deve respeitar o tempo de cumprimento da medida socioeducativa em andamento, quando recebe outra para unificar. Logo, é vedado determinar o reinício do cumprimento, como se a anterior não existisse. A segunda medida incorpora-se à primeira, respeitando o tempo já cumprido.

Ao tratar da unificação da medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade, Digiácomo (2012, p. 22), pontua que

[...] um adolescente sentenciado à medida de prestação de serviços à comunidade em diversos procedimentos, deverá ter todas as decisões reunidas num único processo de execução, sendo que, somadas, as medidas aplicadas não poderão ter uma duração superior a 06 (seis) meses previstos como prazo máximo de duração para esta modalidade de medida, ex vi do disposto no art. 117, caput, do ECA. [...] Pela lógica do Sistema Socioeducativo, no exemplo supra, cumpridos 06 (seis) meses de serviço comunitário, o adolescente não poderá ser vinculado a esta modalidade de medida em outros processos relativos a atos infracionais anteriormente praticados que porventura estejam em trâmite (grifo nosso).

Apesar da ligeira impressão de que com a unificação é possível agregar (adicionar) à medida socioeducativa em andamento a nova medida aplicada ao adolescente, esta última, decorrente de ato infracional praticado anteriormente à medida já em execução, na prática isso não ocorre.

Para que tenhamos uma compreensão melhor sobre o instituto da unificação na seara das medidas socioeducativas, notadamente da prestação de serviços à comunidade, que, como salientamos, possui certas peculiaridades, faz-se necessário pontuar algumas questões importantes.

Diferentemente do que ocorreu com a legislação penal, a Lei do SINASE não previu a soma, mas apenas a unificação de medidas socioeducativas.

Analisando a literalidade do texto do art. 45, caput, da Lei nº 12.595/2012, vemos que ele não faz referência à soma, mas apenas à unificação, quando, no transcurso da execução, sobrevier sentença de aplicação de nova medida. Situação diversa daquela verificada nos arts. 75, §§ 1º e 2º, do Código Penal e 111, caput, da Lei nº 7.2010/1984 (Lei de Execução Penal), que fazem alusão, respectivamente, à unificação e à soma de penas.

Portanto, com a unificação não há a soma dos prazos estipulados nas sentenças para o cumprimento das medidas socioeducativas aplicadas, ou dos prazos ainda restantes, estes relativos às medidas já em andamento, que foram cumpridas parcialmente.

Tratando-se da mesma medida socioeducativa, estando o adolescente a cumprir a medida aplicada e, sobrevindo nova medida, por fato anterior, com a unificação, deverá ser levado em consideração o período de medida já cumprido, ou seja, a medida em andamento não será retomada do seu termo inicial, pois há vedação legal quanto ao reinício de cumprimento de medida (art. 45, § 1º, primeira parte, da Lei do SINASE), embora seja expedida uma guia unificadora, que conterá informações sobre as medidas aplicadas e unificadas.

Porém, trazendo a discussão em exame para a medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade, a vedação legal quanto ao reinício de cumprimento da medida em execução não significa que, feita a unificação, o adolescente terá necessariamente que cumprir a medida já em andamento, pelo seu prazo remanescente.

Quando a Lei do SINASE reporta-se à impossibilidade de reinício de cumprimento de medida, está se referindo à medida já em execução, pois, havendo esse reinício (admissível somente em caso de medida socioeducativa por ato infracional praticado durante a execução), no final das contas o adolescente poderá ficar vinculado à medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade por até seis meses (prazo legal máximo), independentemente de ter cumprido, parcial ou integralmente, a medida anterior de mesma natureza, conforme veremos mais adiante.

Cuidando-se da medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade, uma questão que se revela importante e de análise obrigatória é a técnica a ser utilizada para estabelecer o prazo de medida a ser cumprido pelo adolescente, em caso de unificação de medidas.

Como anotamos, tratando-se de medida socioeducativa oriunda de ato infracional anterior à execução de medida já em andamento, não cabe reinício de cumprimento de medida.

Porém, como a lei não esclarece a respeito, surge então a indagação sobre qual seria o prazo a ser observado para o cumprimento da medida, após ser feita a unificação. O da medida já em andamento ou o da nova medida aplicada?

Como não há soma de prazos na unificação de medidas socioeducativas, tratando-se de medida de prestação de serviços à comunidade decorrente de ato infracional anterior à medida em execução, a rigor, o prazo a ser observado para o cumprimento das medidas unificadas será o da nova medida aplicada, respeitando-se (não desprezando) o período de medida já cumprido e observando-se o limite legal de seis meses.

Contudo, pode ocorrer que o período a cumprir da medida em andamento, original ou já unificada anteriormente, seja superior ao prazo estabelecido para a nova medida de prestação de serviços à comunidade que será objeto de unificação. Nesse caso, mesmo com a nova unificação, mostra-se razoável o cumprimento da medida socioeducativa pelo prazo mais extenso, a saber, o da medida em execução. Apesar de se tratar de prazo remanescente da medida já em andamento, a opção por esse prazo não constituirá reinício de cumprimento de medida socioeducativa; respeitará o período de medida já cumprido, além de não levar o cumprimento da medida para um prazo superior ao máximo legal de seis meses.

4.2.2 Ato infracional praticado durante o cumprimento de medida socioeducativa

Cuidando-se de medida socioeducativa aplicada em decorrência de ato infracional praticado durante o cumprimento de outra medida de mesma natureza, o adolescente poderá ser submetido novamente a essa medida socioeducativa, ainda que já tenha cumprido, parcial ou integralmente medida semelhante, resultante de prática infracional anterior (art. 45, § 1º, parte final, da Lei do SINASE).

Sob essa visão, tratando-se, por exemplo, de medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade, sobrevindo aplicação de nova medida de mesma natureza, por fato praticado durante a execução da medida já em andamento, com a unificação, poderá haver reinício de cumprimento de medida (art. 45, § 1º, parte final, da Lei do SINASE).

Quanto ao prazo para o cumprimento da medida unificada, não haverá soma, devendo ser aplicado o prazo da medida que for mais extenso, seja ele o da medida em andamento ou já unificada, seja o da nova medida aplicada.

Caso os prazos para cumprimento das medidas sejam iguais, a probabilidade maior é que o prazo a ser adotado seja o da medida mais recente, pois ele poderá ser cumprido integralmente, desprezando-se o período já cumprido da medida anterior.

Ainda que a medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade em andamento já tenha sido cumprida parcialmente, caso a nova medida seja aplicada pelo prazo legal máximo (seis meses), com a unificação, o adolescente passará a cumpri-la integralmente, ou seja, por seis meses, desprezando-se o período já cumprido, da primeira medida ou das medidas já unificadas.

Na hipótese em que a medida anterior, de mesma natureza, já tiver sido integralmente cumprida, não haverá unificação, pois a nova medida será cumprida de forma independente, pelo prazo estipulado na sentença, que não poderá ser superior a seis meses.

Em resumo, caso a nova medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade tenha sido aplicada por prazo inferior a seis meses, com a unificação, o cumprimento observará o maior prazo (da medida em andamento ou da nova medida aplicada), pois não há soma de prazos.

Porém, se for utilizado o prazo da nova medida, não haverá decréscimo por conta do período de medida já cumprido (despreza-se esse período), de sorte que o adolescente cumprirá a medida pelo prazo integral estabelecido na nova sentença, visto que se trata de medida decorrente de ato infracional praticado durante a execução de medida anterior.

Por outro lado, se a nova medida de mesma natureza foi aplicada pelo prazo de seis meses, ela e o seu prazo serão a nova referência para a medida a ser cumprida, desprezando-se o período já cumprido ou o prazo estipulado na medida anterior, o que, na prática, significa que o adolescente poderá ficar vinculado à medida por mais de seis meses.

Obviamente, as metas estabelecidas no plano individual que já foram alcançadas antes da unificação (a exemplo da inserção ou reinserção educacional do adolescente) serão levadas em consideração para efeito de cumprimento da medida unificada, pois, mesmo com a unificação de medida e readequação do plano individual de atendimento, a intervenção estatal deverá ter como foco os déficits sociais e pedagógicos apresentados pelo adolescente que ainda não foram supridos.

Tratando-se de medidas socioeducativas de liberdade assistida, semiliberdade e internação, adota-se raciocínio não muito diferente. Para elas, em caso de aplicação de nova medida socioeducativa de mesma natureza, por ato infracional praticado durante o cumprimento da medida em execução, com a unificação, o reinício do cumprimento da medida também não enseja soma de restante de período relativo à medida anterior (despreza-se o período da medida anterior já cumprido).

O que ocorre é o reinício de cumprimento da medida, que fica sujeita ao prazo máximo de três anos, a não ser que, no caso específico da liberdade assistida, a medida tenha sido aplicada por prazo máximo menor, ou, tratando-se de quaisquer das três medidas, sobrevenha condição que importe em liberação do socioeducando antes do prazo máximo previsto para a medida socioeducativa, como, por exemplo, o desempenho adequado do adolescente, com base no seu plano de atendimento individual, ou o alcance dos 21 anos de idade pelo jovem, condição que enseja a sua liberação compulsória.

O cabimento do reinício de cumprimento de medida, na hipótese de nova medida aplicada durante a execução, em breves palavras, significa que se despreza o período de medida socioeducativa de mesma natureza já cumprido, encarando-se a nova medida aplicada sob a perspectiva de que o período já implementado da medida anterior não existiu, o que, como frisamos, em termos práticos, pode levar o adolescente a ficar vinculado a uma mesma medida socioeducativa por prazo superior ao máximo legal. Não porque houve soma de prazos das medidas unificadas, mas porque a medida foi reiniciada.

Apresentando um exemplo que ilustra a situação derradeiramente apontada, envolvendo ato infracional praticado durante a execução, Nucci (2014, p. 814), assevera que

[...] se o jovem está internado e vem a matar alguém, recebendo, por isso, outra medida socioeducativa de internação, faz-se a unificação, mas desprezando-se o tempo já cumprido. Ilustrando: o menor cumpre medida socioeducativa por prazo indeterminado, já tendo atingido um ano, faltando-lhe dois para a liberação; comete ato infracional equivalente a homicídio durante a execução; recebe outra medida de internação; o juiz despreza o tempo já cumprido (um ano) e ele principia novo período indeterminado, condicionado a três anos à frente.

É importante deixar claro que o fato de o socioeducando reiniciar o cumprimento da medida socioeducativa não significa que ele necessariamente irá cumpri-la pelo seu prazo máximo, sobretudo quando se tratar de medida socioeducativa por prazo indeterminado, pois a reavaliação da manutenção, da substituição ou da suspensão das medidas pode ser solicitada a qualquer tempo, conforme estabelece o art. 43 da Lei do SINASE.

4.3 Unificação de medidas e unidade de procedimentos

A Lei do SINASE informa que haverá unificação quando, no transcurso da execução, sobrevier sentença de aplicação de nova medida (art. 45, caput), o que pressupõe a existência de pelos menos duas medidas aplicadas a um mesmo adolescente.

Como já frisamos, em alguns casos, quando as medidas são de naturezas distintas e não admitem cumprimento concomitante, a unificação de medida é meramente artificial, ocorrendo, na verdade, a unidade apenas do procedimento judicial de execução, pois as medidas não se incorporam efetivamente, apesar de serem registradas em uma única guia (unificadora), que será levada para um só procedimento de execução, onde será feito o acompanhamento.

Embora a Lei do SINASE refira-se à unificação de medidas socioeducativas (e não de procedimentos), percebe-se que em termos práticos ocorre também a unificação (transformação de dois ou mais em apenas um) em relação aos procedimentos de execução, na medida em que, com a unificação, as diversas medidas aplicadas a um mesmo adolescente são reunidas e os seus prazos adequados aos limites legais, levando-se o cumprimento para um só procedimento de execução, que pode ser o mais antigo ou o mais recente, conforme a avaliação feita pelo juízo da execução, arquivando-se os processos unificados.

Conforme o Enunciado 17 do Fórum Nacional da Justiça Juvenil:

Deve haver pronunciamento judicial específico sobre a unificação de medida socioeducativa, definindo em qual das execuções serão praticados os atos, se na execução mais antiga ou na medida mais gravosa, extinguindo-se as demais, trasladando-se tal decisão e expedindo-se guia de execução unificada.

Dispõe a Resolução nº 165/2012-CNJ, com alteração dada pela Resolução nº 191/2014-CNJ:

Art. 11. A execução da medida socioeducativa deverá ser processada em autos próprios, formados pela guia de execução e documentos que a acompanham, obrigatoriamente, ainda que o juízo da execução seja o mesmo do processo de conhecimento.

[...]

§ 2º Cada adolescente, independentemente do número e do tipo das medidas a serem executadas, deverá ter reunidas as guias de execução definitivas, em autos únicos, observado o disposto no art. 45 da Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012.

§ 3º Unificados os processos de execução pelo juiz da execução, deverá ser expedida obrigatoriamente por meio do CNACL, nova Guia unificadora das medidas, devendo ser arquivados definitivamente os autos unificados (NR).

Observa-se que ao disciplinar, por meio de Resolução, algumas questões envolvendo a execução das medidas socioeducativas, o CNJ não apenas reconheceu a unificação de medidas de naturezas diferentes, como também reportou-se à unificação de processos de execução.

Obviamente, não cabe a unificação de procedimentos judiciais nos quais ainda não houve o julgamento do ato infracional, pois a unificação dirige-se originalmente às medidas aplicadas (e não ao procedimento judicial), além de ser uma providência que ocorre no processo de execução, feita pelo juízo responsável pela execução, à vista de duas ou mais medidas socioeducativas aplicadas a um mesmo adolescente.

Vale ainda lembrar que a medida a ser alvo de unificação, a rigor, deve ter sido aplicada por sentença ou acórdão já transitados em julgado, não podendo estar em execução ainda provisória, suscetível, portanto, de revisão, em sede recursal, pelos órgãos do Poder Judiciário.

O art. 2º, incs. IV e V, da Resolução nº 165-2012-CNJ, traz a definição de guia de execução definitiva de medidas socioeducativas de internação, semiliberdade, prestação de serviços à comunidade e liberdade assistida. Para as quatro medidas socioeducativas destaca o texto da Resolução que a guia de execução definitiva é aquela decorrente de sentença ou de acórdão transitados em julgado.

Dispõe a Resolução nº 165-2012-CNJ:

Art. 10. Transitada em julgado a decisão de que tratam os arts. 7º e 8º, deverá o juízo do processo de conhecimento expedir guia de execução definitiva, que conterá os documentos arrolados no artigo anterior, acrescidos da certidão do trânsito em julgado e, se houver, de cópia do acórdão (grifo nosso).

Os arts. 7º e 8º da Resolução nº 165-2012-CNJ tratam, respectivamente, de guia de execução de internação provisória e de sentença que mantém a medida privativa de liberdade.

Da leitura das disposições normativas citadas e do disposto no art. 11, § 2º, da Resolução nº 165/2012-CNJ, pode-se verificar que as guias de execução de medida que são reunidas em autos únicos, para fins de unificação, são as definitivas, ou seja, aquelas guias relativas a medidas aplicadas por sentenças das quais não cabe mais recurso.

Por isso, é conveniente que se aguarde o trânsito em julgado da sentença ou do acórdão e a expedição da guia de execução definitiva (ou conversão da guia provisória em definitiva – art. 10, § 1º, Res. 165/2012-CNJ) para somente após isso fazer a unificação das medidas, ficando o adolescente nesse ínterim sujeito à medida socioeducativa que já estava a cumprir.

Com base na análise anterior, depreende-se que as medidas socioeducativas aplicadas em sede de remissão, como forma de suspensão do processo (arts. 126 a 128, 186, § 1º, e 188 do ECA), a rigor, também não devem ser levadas à unificação, pois elas estão sujeitas à revisão a qualquer tempo, pelo próprio juízo do conhecimento, inclusive com a possibilidade de retomada do procedimento de apuração de ato infracional (em caso de descumprimento, ineficácia ou inadequação da medida aplicada).

Sob essa análise, em caso de medida socioeducativa resultante de remissão suspensiva, ainda que haja mais de uma medida aplicada e tenham sido expedidas guias de execução específicas para cada uma delas, as medidas deverão ser acompanhadas individualmente, no seu respectivo procedimento de execução, observando-se os prazos máximos de cumprimento, assim como as restrições quanto ao reinício de cumprimento de medida, quando se tratar de ato infracional praticado antes da medida em execução.

Porém, apesar de instrumentalmente não ser feita a unificação, na prática a metodologia que a envolve deverá ser implementada, pelo menos no que diz respeito aos prazos a serem observados para o cumprimento das medidas socioeducativas em meio aberto, aplicadas em sede de remissão suspensiva, pois a situação do adolescente em cumprimento de medida aplicada em sede de remissão não poderá ser mais gravosa do que seria caso a unificação fosse realizada por resultar de sentença definitiva.

Semelhantemente ao que ocorre quando é feita a unificação, tratando-se de medidas socioeducativas aplicadas em remissão, como forma de suspensão do processo, o adolescente não poderá ter os prazos das medidas de mesma natureza somados, ainda que se trate de medida socioeducativa aplicada durante a execução de medida anterior, esta aplicada ou não em sede de remissão.

O tratamento a ser conferido no tocante aos prazos de medida a cumprir e ao reinício ou não de cumprimento da medida observará a mesma sistemática que é adotada para o caso de unificação de medidas, inclusive, quando se tratar da medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade, o cumprimento será pelo prazo que for mais extenso.

Encarar de outra forma a situação do adolescente imerso em medida socioeducativa que resultou de remissão suspensiva representaria tratamento mais gravoso para o socioeducando do que aquele utilizado para a unificação de medidas resultantes de sentença definitiva, o que não pode ser concebido.

Na forma do art. 186, § 1º, do ECA, após iniciado o procedimento de apuração de ato infracional, caso o juiz entenda cabível a remissão, poderá concedê-la após ouvir o Ministério Público.

Sabe-se que na prática a concessão de remissão é precedida da análise da situação geral do adolescente, o que envolve, por exemplo, aspectos da sua vida pessoal, social, familiar, educacional, processual etc. O art. 126, caput, do ECA estipula que para a concessão da remissão devem ser verificados fatores como circunstâncias e consequências do fato, contexto social, personalidade do adolescente e sua maior ou menor participação no ato infracional.

Conforme o art. 127 do ECA, em sede de remissão pode ser aplicada ao adolescente qualquer medida de natureza protetiva ou de caráter socioeducativo, exceto a colocação em regime de semiliberdade e a internação. Assim, são cabíveis no contexto da remissão apenas as medidas socioeducativas de liberdade assistida, prestação de serviços à comunidade, obrigação de reparar o dano e advertência, além de medidas de proteção específica.

Apesar de não ser possível a regressão da medida socioeducativa aplicada em sede de remissão (nem mesmo para a internação-sanção), deve ser avaliado se realmente é necessário retomar o curso do procedimento de apuração de ato infracional.

Dependendo da medida legal aplicada e da situação geral do socioeducando, no caso de descumprimento reiterado e injustificável de medida anteriormente aplicada, ou de outra circunstância que esteja inviabilizando o seu cumprimento, pode ser mais viável e prático o juízo da execução substituir (adequar) a medida aplicada em sede de remissão por outra em meio aberto.

O juízo da execução poderá então agendar audiência de reavaliação de medida, com a presença do adolescente, dos seus pais ou responsável, dos técnicos da entidade de atendimento, do defensor e do Ministério Público, ato no qual decidirá sobre a substituição da medida socioeducativa que não vem sendo cumprida, por outra medida em meio aberto, na forma do art. 43, inc. II, da Lei do SINASE.

Como a remissão cumulada com aplicação de medida socioeducativa pressupõe ato infracional não considerado grave, tampouco praticado mediante grave ameaça ou violência à pessoa, mesmo com a retomada do procedimento de apuração de ato infracional, não poderão ser aplicadas medidas outras que não a liberdade assistida, a prestação de serviços à comunidade, a advertência ou a reparação do dano, além de medidas protetivas. Assim, a retomada do procedimento precisa ser analisada de forma criteriosa e com bom senso, pois, em última análise, estará apenas postergando a inserção do adolescente em uma medida socioeducativa que poderia ser desde logo aplicada, mediante simples substituição, como forma de adequação de medida.

Diante do que foi exposto, avalia-se que apesar das orientações em sentido contrário, quando se tratar de cumprimento de medidas socioeducativas aplicadas em sede de remissão suspensiva, não deve ser integralmente descartada a possibilidade da unificação das medidas, sobretudo quando o socioeducando já vem cumprindo adequadamente a medida em andamento.

Salvo no tocante ao afastamento do reconhecimento ou comprovação de responsabilidade e prevalência para efeito de antecedentes, circunstância que ocorre na remissão (art. 127, primeira parte, do ECA) e que não se verifica quando a medida socioeducativa é aplicada por sentença de mérito, não há justificativa para a retomada do procedimento de apuração de ato infracional pelo juízo do conhecimento, mesmo porque não poderão ser aplicadas ao adolescente medidas que importem em privação da liberdade, nem mesmo a internação-sanção.

Ademais, conforme foi destacado, mesmo após a unificação, ainda é possível a reavaliação e eventual substituição (adequação) da medida, pelo juízo da execução, além de não estar de todo afastada a possibilidade da retomada do procedimento de apuração de ato infracional, pelo juízo do conhecimento (onde estão os autos do processo de conhecimento), a pedido do Ministério Público.

Caso o procedimento de apuração de ato infracional seja efetivamente retomado, serão arquivados os autos do processo de execução da medida socioeducativa aplicada em sede de remissão, original ou unificada com outra medida aplicada em remissão suspensiva.

Dada a peculiaridade do tema abordado por derradeiro, é importante que ele seja analisado também à luz do que dispõem as normas regulamentadoras elaboradas pelos tribunais de justiça dos estados e do Distrito Federal, sobre controle, prazos e outros mecanismos de execução de medidas socioeducativas.

4.4 Situações hipotéticas de unificação de medidas socioeducativas

Antes de apresentar as situações hipotéticas a seguir, enfatizamos que os exemplos mostrados trazem somente medidas socioeducativas de mesma natureza.

Sobre a unificação de medidas de naturezas diferentes, remetemos o leitor para os comentários expostos no final do subitem 4.4.3.

Apresentaremos nos dois próximos subitens vários exemplos ilustrativos de unificação envolvendo a medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade, medida que traz algumas peculiaridades quanto à técnica de unificação, devido ao fato de poder ser aplicada por prazos diferenciados, conforme já salientado.

4.4.1 Medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade aplicada antes do início da execução de medida anterior

a) prestação de serviços à comunidade X prestação de serviços à comunidade. Medida aplicada pelo prazo de cinco meses, em decorrência de ato infracional praticado antes do início da execução de outra medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade em andamento, esta última aplicada pelo prazo de quatro meses, dos quais dois já foram cumpridos: como não cabe o reinício de cumprimento de medida e deve ser considerado o período já cumprido da medida em andamento, não sendo admitida a soma de prazos e respeitando-se o limite legal de seis meses, com a unificação, o adolescente cumprirá três meses de prestação de serviços à comunidade, que equivalem aos cinco meses da nova medida, descontados os dois meses já cumpridos da medida anterior;

b) prestação de serviços à comunidade X prestação de serviços à comunidade. Medida aplicada pelo prazo de seis meses, em razão de ato infracional praticado antes do início da execução de outra medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade anteriormente aplicada, esta última pelo prazo de quatro meses, dos quais nada foi cumprido: como não cabe o reinício de cumprimento de medida, tampouco a soma de prazos, com a unificação, o adolescente cumprirá a medida por seis meses, que é o prazo da última medida, não sendo descontado nenhum dia em relação à medida anterior, visto que dela nada chegou a ser cumprido;

c) prestação de serviços à comunidade X prestação de serviços à comunidade. Medida aplicada pelo prazo de três meses, em decorrência de ato infracional praticado antes do início da execução de outra medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade em andamento, esta aplicada pelo prazo seis meses, dos quais um já foi cumprido: como a medida em andamento é mais extensa, mesmo levando em consideração o período de um mês já cumprido, além de não ser admitida a soma de prazos, com a unificação, o adolescente cumprirá cinco meses de prestação de serviços à comunidade, ou seja, o restante a ser cumprido da medida em andamento. Observa-se que apesar de o adolescente cumprir o período de medida socioeducativa mais extenso, não há reinício de cumprimento de medida;

d) prestação de serviços à comunidade X prestação de serviços à comunidade. Medida aplicada pelo prazo de quatro meses, em decorrência de ato infracional praticado antes do início da execução de outra medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade em andamento, esta também aplicada pelo prazo de quatro meses, dos quais o adolescente não chegou a cumprir nenhum dia: como não haverá alteração no prazo da medida a cumprir, visto que ainda não foi cumprido nenhum dia do prazo da primeira medida, com a unificação, o adolescente cumprirá os quatro meses da medida ainda pendente;

e) prestação de serviços à comunidade X prestação de serviços à comunidade. Medida aplicada pelo prazo de quatro meses, em decorrência de ato infracional praticado antes do início da execução de outra medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade em andamento, esta também aplicada pelo prazo de quatro meses, dos quais um mês já foi cumprido: embora as medidas tenham sido aplicadas pelo mesmo prazo, como deve ser levado em consideração o período de medida já cumprido, com a unificação, o adolescente cumprirá três meses de prestação de serviços à comunidade, que equivalem ao prazo da nova medida, descontado o período de um mês que já foi cumprido da medida anterior;

f) medida de prestação de serviços à comunidade X medidas unificadas de prestação de serviços à comunidade. Medida aplicada pelo prazo de quatro meses, em virtude de ato infracional praticado antes do início da execução de outras medidas socioeducativas de prestação de serviços à comunidade que foram unificadas e resultaram no prazo de cinco meses, dos quais ainda não foi cumprido nenhum dia: como do quantum de medida resultante da primeira unificação nenhum dia foi efetivamente cumprido, o adolescente cumprirá a medida pelo prazo de cinco meses, que é o período mais extenso.

Como pode ser observado, tratando-se de medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade aplicada em razão de ato infracional praticado anteriormente ao início da execução de medida já em andamento, a unificação jamais levará o adolescente a cumprir a medida socioeducativa por prazo superior a seis meses, diversamente do que pode ocorrer quando se cuidar de ato infracional praticado durante a execução, conforme veremos no próximo subitem.

4.4.2. Medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade aplicada durante a execução de medida anterior

a) prestação de serviços à comunidade X prestação de serviços à comunidade. Medida aplicada pelo prazo de seis meses, em função de ato infracional praticado durante a execução de outra medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade em andamento, esta última aplicada pelo prazo de quatro meses, dos quais dois já foram cumpridos: tratando-se de ato infracional praticado durante a execução de medida de mesma natureza, é cabível o reinício de cumprimento de medida, desprezando-se o período já cumprido da medida em andamento. Assim, com a unificação, o adolescente cumprirá seis meses de prestação de serviços à comunidade, que equivalem ao prazo da nova medida aplicada, sem descontar os dois meses já cumpridos da medida que estava em andamento;

b) prestação de serviços à comunidade X prestação de serviços à comunidade. Medida aplicada pelo prazo de quatro meses, em razão de ato infracional praticado durante a execução de outra medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade em andamento, esta aplicada pelo prazo de seis meses, dos quais um já foi cumprido: como a medida em andamento é mais extensa, mesmo se for considerado o período de um mês já cumprido, por não ser possível a soma de prazos e o prazo menor da última medida aplicada não ensejar reinício de cumprimento de medida, não havendo período a ser desprezado, visto que o prazo da nova medida é menor que o da anterior, com a unificação, o adolescente cumprirá cinco meses de prestação de serviços à comunidade, que equivalem ao restante da medida que se encontrava em andamento;

c) prestação de serviços à comunidade X prestação de serviços à comunidade. Medida aplicada pelo prazo de cinco meses, em razão de ato infracional praticado durante a execução de outra medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade em andamento, esta última aplicada pelo prazo de quatro meses, dos quais dois já foram cumpridos: tratando-se de ato infracional praticado durante a execução de medida de mesma natureza em andamento, embora não haja soma de prazos, é cabível o reinício de cumprimento de medida, desprezando-se o período já cumprido da medida em andamento. Assim, com a unificação, o adolescente cumprirá cinco meses de prestação de serviços à comunidade, que equivalem ao prazo da nova medida aplicada, sem descontar os dois meses já cumpridos da medida que estava em andamento;

d) prestação de serviços à comunidade X prestação de serviços à comunidade. Medida aplicada pelo prazo de quatro meses, em razão de ato infracional praticado durante a execução de outra medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade em andamento, aplicada por igual prazo, do qual já foram cumpridos três meses: tratando-se de ato infracional praticado durante a execução de medida de mesma natureza em andamento, é cabível o reinício de cumprimento de medida, desprezando-se o período já cumprido da medida em andamento. Assim, com a unificação, o adolescente cumprirá quatro meses de prestação de serviços à comunidade, que é o prazo da nova medida aplicada, sem descontar os três meses já cumpridos da medida que estava em andamento. Observa-se que no final das contas o adolescente permanecerá vinculado à medida socioeducativa de prestação de serviços por sete meses (mais do que o limite legal de seis meses), o que somente é possível quando se tratar de ato infracional praticado durante a execução de medida em andamento;

e) prestação de serviços à comunidade X prestação de serviços à comunidade. Medida aplicada pelo prazo de dois meses, em função de ato infracional praticado durante a execução de outra medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade em andamento, esta aplicada pelo prazo de seis meses, dos quais dois já foram cumpridos: como a medida em andamento é mais extensa, mesmo se for considerado o período de dois meses já cumprido, por não ser possível a soma de prazos e o prazo menor da última medida aplicada não ensejar reinício de cumprimento de medida, não havendo período a ser desprezado, visto que o prazo da nova medida é menor que o da anterior, com a unificação, o adolescente cumprirá quatro meses de prestação de serviços à comunidade, que equivalem ao restante da medida que se encontrava em andamento;

f) medida de prestação de serviços à comunidade X medidas unificadas de prestação de serviços à comunidade. Medida aplicada pelo prazo de quatro meses, em virtude de ato infracional praticado durante a execução de outras medidas socioeducativas de prestação de serviços à comunidade que foram unificadas e resultaram no prazo de seis meses, dos quais três já foram cumpridos: tratando-se de ato infracional praticado durante a execução de medida de mesma natureza em andamento, é cabível o reinício de cumprimento de medida, desprezando-se o período já cumprido da medida unificada em andamento. Assim, com a unificação, o adolescente cumprirá quatro meses de prestação de serviços à comunidade, que é o prazo da nova medida aplicada, sem descontar os três meses já cumpridos, relativos à primeira unificação de medidas.

Como pode ser observado, tratando-se de medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade aplicada em razão de ato infracional praticado durante a execução de outra medida aplicada ou resultante da unificação de outras medidas de prestação de serviços à comunidade, é possível o reinício de cumprimento de medida, o que pode levar o socioeducando a ficar vinculado à medida por prazo superior ao limite legal de seis meses. Todavia, quando se dá essa vinculação à medida por prazo superior ao limite legal, isto não ocorre porque houve a soma dos prazos das medidas aplicadas, mas porque foi desprezado o prazo já cumprido da medida anterior, original ou resultante de unificação de medidas.

Após receber as guias de execução de medida socioeducativa e fazer a autuação dos processos de execução, o juízo responsável pela execução, após ouvir o Ministério Público e o defensor do socioeducando, decidirá pela unificação das novas medidas aplicadas ou delas com aquelas já em andamento. Feita a unificação, ele determinará o cumprimento da medida pelo prazo que ficar estipulado; escolherá o processo no qual a medida unificada será acompanhada (tratando-se de mesma medida, será geralmente a execução mais antiga) e ordenará o arquivamento definitivo dos autos unificados, de onde serão trasladadas as peças necessárias para os autos do processo onde serão praticados os atos de execução, expedindo-se a guia unificadora (art. 2º, inc. VII e art. 11, § 3º, da Res. 165/2012-CNJ, com redação dada pela Res. 191/2014-CNJ).

4.4.3. Medidas socioeducativas de liberdade assistida, semiliberdade e internação, aplicadas durante a execução de medida anterior

Como já foi salientado, tratando-se de medida socioeducativa aplicada em razão de ato infracional praticado anteriormente ao início da execução de medida de mesma natureza, não cabe o reinício do cumprimento da medida, de sorte que, a rigor, a unificação não trará repercussão de ordem prática para a medida já em execução.

Por isso, neste subitem os exemplos hipotéticos envolvendo a unificação das medidas socioeducativas de liberdade assistida, semiliberdade e internação serão restritos a medidas aplicadas durante a execução de medida de mesma natureza.

a) liberdade assistida X liberdade assistida: O adolescente cumpre a medida socioeducativa de liberdade assistida. No curso da execução da medida pratica novo ato infracional e é sentenciado novamente a essa medida. Recebida a nova guia de execução de medida socioeducativa e autuado o novo processo de execução, o juízo responsável pela execução, após ouvir o Ministério Público e o defensor do socioeducando, decide pela unificação. Assim, ele determina o reinício do cumprimento da medida e o arquivamento definitivo dos autos unificados, de onde são trasladadas as peças necessárias para os autos do processo onde serão praticados os atos de execução (geralmente o processo mais antigo), expedindo-se a guia unificadora (art. 2º, inc. VII e art. 11, § 3º, da Res. 165/2012-CNJ, com redação dada pela Res. 191/2014-CNJ).

A medida socioeducativa ficará sujeita ao novo prazo determinado na sentença ou, caso ele não tenha sido fixado, ao prazo máximo de três anos (prazo limite para as medidas de internação e semiliberdade) ou, ainda, a outra condição que resulte na liberação do socioeducando do cumprimento da medida, o que pode ocorrer, por exemplo, durante a reavaliação sobre a manutenção ou substituição da medida em execução, na forma do art. 43 da Lei do SINASE;

b) semiliberdade X semiliberdade: O adolescente cumpre a medida socioeducativa de semiliberdade. No curso da execução da medida pratica novo ato infracional e é sentenciado à idêntica medida. Recebida a guia de execução de medida socioeducativa e autuado o processo de execução, o juízo responsável pela execução, após ouvir o Ministério Público e o defensor do socioeducando, decide pela unificação. Assim, ele determina o reinício do cumprimento da medida e o arquivamento definitivo dos autos unificados, de onde são trasladadas as peças necessárias para os autos do processo onde serão praticados os atos de execução (geralmente o processo mais antigo), expedindo-se a guia unificadora (art. 2º, inc. VII e art. 11, § 3º, da Res. 165/2012-CNJ, com redação dada pela Res. 191/2014-CNJ).

A medida socioeducativa ficará sujeita ao novo prazo máximo de três anos ou, ainda, a outra condição que enseje a liberação do socioeducando do seu cumprimento;

c) internação X internação: O adolescente cumpre a medida socioeducativa de internação. No curso da execução da medida pratica novo ato infracional e é sentenciado à idêntica medida. Recebida a guia de execução de medida socioeducativa e autuado o processo de execução, o juízo responsável pela execução, após ouvir o Ministério Público e o defensor do socioeducando, decide pela unificação. Assim, ele determina o reinício do cumprimento da medida e o arquivamento definitivo dos autos unificados, de onde são trasladadas as peças necessárias para os autos do processo onde serão praticados os atos de execução (geralmente o mais antigo), expedindo-se a guia unificadora (art. 2º, inc. VII e art. 11, § 3º, da Res. 165/2012-CNJ, com redação dada pela Res. 191/2014-CNJ).

A medida socioeducativa ficará sujeita ao novo prazo máximo de três anos ou, ainda, a outra condição que enseje a liberação do socioeducando do seu cumprimento.

Ainda que a medida socioeducativa em andamento seja o resultado de unificação já implementada, quando a nova medida de mesma natureza aplicada for resultante de ato infracional praticado durante a execução, haverá nova unificação, observando-se as orientações anteriormente citadas.

Conforme já salientamos, as reavaliações periódicas, para fins de manutenção, substituição ou suspensão da medida socioeducativa (arts. 43 e 44 da Lei do SINASE), podem ensejar a liberação do socioeducando do seu cumprimento, inclusive antes do prazo da reavaliação obrigatória ou do prazo máximo previsto para a medida.

Tratando-se de medidas socioeducativas de naturezas diferentes, observado o que já foi comentado anteriormente sobre o tema (medidas suscetíveis ou não de cumprimento concomitante), a unificação (dos procedimentos judiciais de execução) terá como consequência o acompanhamento das medidas em um único procedimento de cunho executivo, expedindo-se a guia unificadora e arquivando-se os autos unificados.

A nova medida somente será levada à execução se for compatível com a medida cujo cumprimento já foi iniciado, ou seja, desde que elas possam ser cumpridas de forma concomitante. Caso sejam inconciliáveis, a unificação, inclusive dos procedimentos de execução, será meramente artificial, feita por questão de política socioeducativa estatal, conforme já se expôs no presente estudo.

Por fim, é importante lembrar que a unificação de medida precisa ser comunicada à entidade de atendimento socioeducativo, para que seja feita a readequação do plano individual de atendimento do socioeducando. A propósito, de acordo com o que estabelece o art. 10, § 2º, da Resolução nº 165/2012-CNJ, é da competência do juízo da execução comunicar ao órgão gestor da medida socioeducativa toda e qualquer alteração processual envolvendo o adolescente.


5. SUBSTITUIÇÃO, SUSPENSÃO E EXTINÇÃO DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS

As medidas socioeducativas podem ser substituídas a qualquer tempo (art. 99 c/c art. 113 do ECA). Podem também ter suspenso o curso do seu cumprimento (art. 43 da Lei do SINASE).

A substituição de medida socioeducativa decorre da necessidade de sua adequação às reais condições pessoais e/ou déficits sociopedagógicos a suprir em relação ao adolescente, quando isto não pode ser alcançado no seio da medida que vinha sendo implementada.

Tratando-se de medidas socioeducativas em meio aberto ou em regime de privação de liberdade, a reavaliação para fins de manutenção, substituição ou suspensão da medida pode ser solicitada a qualquer tempo, pela direção do programa de atendimento, pelo defensor do adolescente, pelo Ministério Público, pelo próprio adolescente ou por seus pais ou responsável (art. 43, caput, da Lei do SINASE).

5.1 Causas de substituição e de suspensão de medida socioeducativa

A reavaliação, com a possibilidade de substituição ou suspensão da medida socioeducativa em meio aberto ou da medida restritiva de liberdade, pode ocorrer por diversos razões.

A Lei do SINASE arrola no art. 43, § 1º, incs. I a III, os seguintes motivos (meramente exemplificativos), que podem justificar o pedido de reavaliação da medida socioeducativa:

I - o desempenho adequado do adolescente com base no seu plano de atendimento individual, antes do prazo da reavaliação obrigatória;

II - a inadaptação do adolescente ao programa e o reiterado descumprimento das atividades do plano individual; e

III - a necessidade de modificação das atividades do plano individual que importem em maior restrição da liberdade do adolescente.

Já no momento da manifestação sobre a proposta de plano individual de atendimento – PIA (instrumento de previsão, registro e gestão das atividades a serem desenvolvidas com o adolescente imerso em medida socioeducativa – art. 52 da Lei do SINASE), encaminhada ao juízo responsável pela execução da medida pela direção do programa de atendimento, há a possibilidade de impugnação do plano.

A impugnação é um requerimento que pode ser apresentado ao juiz pelo Ministério Público ou pelo defensor do adolescente, e que, em regra, não suspende a execução do PIA, podendo ser indeferido de plano, mas que pode vir a interferir na medida socioeducativa, caso seja acolhido.

Conforme a extensão do que foi objeto de impugnação do PIA, o deferimento do pedido de impugnação pela autoridade judiciária pode, eventualmente, ensejar a adequação do plano individual de atendimento, com a possibilidade de substituição da medida (visto que a substituição pode ocorrer a qualquer tempo), ouvidos os técnicos da entidade de atendimento e, desde que não se possa adotar outra providência, como a complementação ou, de outro modo, a adequação do plano (art. 41, § 4º, da Lei do SINASE).

A definição virá após a audiência com a direção do programa de atendimento, o Ministério Público, o defensor, o adolescente e seus pais ou responsável (art. 41, § 3º, da Lei do SINASE).

Outra possibilidade de substituição da medida socioeducativa é aquela decorrente do direito do adolescente sentenciado à medida privativa de liberdade de ser inserido em programa para medida em meio aberto, quando não existir vaga em entidade própria para o cumprimento da medida de privação de liberdade (art. 49, inc. II, da Lei do SINASE).

Adiante são apresentados alguns exemplos de situações hipotéticas que, eventualmente, podem ensejar a substituição ou a suspensão da medida socioeducativa:

a) o plano individual de atendimento revela que na prática a medida aplicada é inadequada para a situação específica do adolescente;

b) o adolescente a quem foi aplicada medida socioeducativa em meio aberto é inserido em tratamento que impossibilita o cumprimento da medida aplicada, mas permite (ou não) o cumprimento de outra medida em meio aberto;

c) em decorrência de gravidez e do nascimento de filho, com complicações no parto e necessidade de repouso e apoio da família, a adolescente não reúne as condições pessoais necessárias para o cumprimento da medida em meio aberto aplicada, podendo (ou não) ser inserida em outra medida de meio aberto ou em medida protetiva;

d) existência de grave ameaça ou de hostilidades entre o adolescente e outros socioeducandos no local de cumprimento da medida socioeducativa de internação, com sério risco para a integridade física do socioeducando, havendo recomendação da equipe técnica interdisciplinar do programa de atendimento para que a medida seja substituída para semiliberdade;

e) adolescente é acometido de enfermidade ou outro tipo de debilidade que o impossibilita de cumprir a medida aplicada, permitindo (ou não) que ele cumpra outra medida.

Vale lembrar que quando se tratar de doença grave, que torne o adolescente incapaz de cumprir a medida, não será o caso de suspensão ou de substituição, mas de extinção da medida socioeducativa, na forma do art. 46, inc. IV, da Lei do SINASE.

Como foi propositalmente exposto nos casos hipotéticos apresentados, para algumas das situações exemplificadas pode ser conveniente a suspensão do cumprimento da medida, por um prazo determinado, enquanto se aguarda que o adolescente readquira as condições necessárias para retornar ao seu cumprimento.

A suspensão do cumprimento da medida socioeducativa pode resultar também de outras causas, como a suspensão processual, por até seis meses (com possibilidade de renovação de prazo), em decorrência da expedição de mandado de busca e apreensão do adolescente, na forma do art. 47 da Lei do SINASE, ou a suspensão devido à necessidade de incluir o adolescente em programa de atenção integral à saúde mental que melhor atenda aos objetivos terapêuticos estabelecidos para o seu caso específico, nos termos do art. 64, § 4º, da Lei do SINASE.

Quanto à substituição de medida socioeducativa, é possível que ela advenha também da progressão de uma medida considerada mais grave para uma menos grave, a exemplo da progressão da medida de internação para a medida de liberdade assistida, ou da regressão para uma medida mais grave, em razão do descumprimento reiterado e injustificável de medida anteriormente imposta, na forma do art. 122, inc. III, do ECA. Na última hipótese citada, a substituição pode ser temporária, conforme o prazo estabelecido para a internação-sanção.

Sobre esse tipo de substituição (por medida de internação por prazo determinado) é importante frisar que deve ser sempre avaliada, a partir de uma abordagem técnica com o adolescente e sua família, a possibilidade da substituição da medida que não foi cumprida, por outra, menos gravosa do que a internação, que se mostre adequada à condição do socioeducando (arts. 99, 100, caput e parágrafo único, c/c 113, do ECA). Somente em hipóteses excepcionais a regressão deve ser feita para a medida de internação, observado o devido processo legal, devendo estar fundamentada em parecer técnico e ser precedida de audiência, com a oitiva do adolescente (art. 43, § 4º, da Lei do SINASE). Além disso, o prazo máximo de três meses para o cumprimento da denominada internação-sanção, previsto no art. 122, § 1º, do ECA, por ser o limite legal estabelecido para o cumprimento dessa modalidade de internação, indica que diante do caso concreto deverá sempre ser avaliado se o adolescente poderá ser internado por prazo menor, até mesmo para que ele reflita melhor sobre a importância e a necessidade do cumprimento da medida socioeducativa originalmente aplicada.

Por fim, caso a internação-sanção seja realmente adotada, é importante que o seu cumprimento observe uma intervenção pedagógica diferenciada em relação àquela prevista para as internações por prazo indeterminado, aplicadas com base no art. 122, incs. I e II do ECA, cujo público alvo é igualmente diferente.

Esse tratamento de modo diverso abrange, por exemplo, o local do cumprimento da medida, que deve ocorrer preferencialmente em entidade ou ala distinta da dos socioeducandos que cumprem internação por força de sentença de mérito e que não se encontram internados pelo prazo máximo de três meses.

Para que se esclareça melhor a questão enfocada, basta que se faça a seguinte reflexão: se a internação não foi a medida aplicada originalmente ao adolescente, após a criteriosa avaliação que deve anteceder a aplicação de qualquer medida socioeducativa, em princípio, ele não seria encaminhado para o cumprimento dessa medida, tendo a ela sido vinculado por circunstancias especiais e para fins outros, diversos daqueles justificadores da vinculação à medida de internação por prazo indeterminado.

5.2 Substituição de medida socioeducativa em meio aberto ou em regime de semiliberdade por medida socioeducativa de internação por prazo indeterminado

Quanto à substituição de medida socioeducativa em meio aberto ou em regime de semiliberdade por medida de socioeducativa de internação por prazo indeterminado, apesar da previsão contida no art. 43, caput e parágrafos, da Lei do SINASE, diante da complexidade da questão, deve-se atentar para o que vem sendo firmado em precedentes do STJ sobre o tema.

De acordo com a Lei do SINASE:

Art. 43. A reavaliação da manutenção, da substituição ou da suspensão das medidas de meio aberto ou de privação da liberdade e do respectivo plano individual pode ser solicitada a qualquer tempo, a pedido da direção do programa de atendimento, do defensor, do Ministério Público, do adolescente, de seus pais ou responsável.

§ 1º Justifica o pedido de reavaliação, entre outros motivos:

I - o desempenho adequado do adolescente com base no seu plano de atendimento individual, antes do prazo da reavaliação obrigatória;

II - a inadaptação do adolescente ao programa e o reiterado descumprimento das atividades do plano individual; e

III - a necessidade de modificação das atividades do plano individual que importem em maior restrição da liberdade do adolescente.

§ 2º A autoridade judiciária poderá indeferir o pedido, de pronto, se entender insuficiente a motivação.

§ 3º Admitido o processamento do pedido, a autoridade judiciária, se necessário, designará audiência, observando o princípio do § 1º do art. 42 desta Lei.

§ 4º A substituição por medida mais gravosa somente ocorrerá em situações excepcionais, após o devido processo legal, inclusive na hipótese do inciso III do art. 122 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), e deve ser:

I - fundamentada em parecer técnico;

II - precedida de prévia audiência, e nos termos do § 1º do art. 42 desta Lei (grifo nosso).

Antes da vigência da Lei do SINASE a regra era a não admissão da substituição de medida socioeducativa em meio aberto pela medida de internação por prazo indeterminado, por ausência de previsão legal. Admitia-se até então somente a substituição pela internação-sanção.

Observa-se pela leitura do texto legal que a Lei do SINASE passou a admitir a substituição da medida socioeducativa por medida mais gravosa, inserindo-se aí a internação. Percebe-se também que há menção específica no par. 4º do art. 43 à internação-sanção, prevista no art. 122, inc. III, do ECA, cujo prazo não pode ser superior a três meses, o que permite concluir que a substituição a que faz alusão a Lei do SINASE pode envolver medidas socioeducativas em meio aberto e de semiliberdade, e que a substituição de uma dessas medidas pode ser pela medida socioeducativa de internação por prazo indeterminado.

No entanto, por se tratar de questão que envolve a privação da liberdade do adolescente, é necessário que se analise o ordenamento jurídico conjuntamente com o posicionamento da jurisprudência, notadamente o que tem sido sustentado pelo STJ a respeito do tema.

Feitas essas ponderações e avaliações, o que se pode afirmar sobre a questão posta a exame é que para a substituição de medida socioeducativa de meio aberto ou de restrição parcial da liberdade pela medida de internação por prazo indeterminado, a decisão da autoridade judiciária deverá fundamentar-se tanto no parecer da equipe técnica do programa de atendimento, quanto na necessidade de intervenção pedagógica mais intensa, demonstrada a inadaptação do adolescente ao programa em execução, ou a ineficiência da medida aplicada, oportunizando-se ao adolescente a ampla defesa e o contraditório. Além disso, o ato infracional cometido pelo adolescente (que ensejou a aplicação da medida socioeducativa que se pretende substituir), deve ter sido praticado mediante grave ameaça ou violência à pessoa. Outro fator que precisa ser observado, conforme a justificativa determinante para a internação por prazo indeterminado, é a ocorrência de atos infracionais considerados graves, praticados de forma reiterada pelo adolescente, conforme as prescrições do art. 122, incs. I e II do ECA.

Sob esse prisma, tratando-se, por exemplo, de adolescente em cumprimento de medida socioeducativa de liberdade assistida ou prestação de serviços à comunidade, ou ambas, cumulativamente, por ter praticado ato infracional não considerado grave, nem impregnado de violência ou grave ameaça à pessoa, não será cabível a substituição das medidas citadas pela medida socioeducativa de internação, ainda que se verifiquem déficits pedagógicos maiores, apresentados pelo adolescente.

Caso o ato infracional que ensejou a aplicação da medida socioeducativa em meio aberto não tenha sido praticado com grave ameaça ou violência à pessoa, não será possível sequer a substituição para a internação-sanção, ante o que prescreve o art. 122, inc. I, do ECA.

5.3 Extinção de medidas socioeducativas

As causas legais de extinção da medida socioeducativa estão enumeradas no art. 46, incs. I a V, da Lei do SINASE. São elas:

I - a morte do adolescente;

II - a realização da finalidade da medida;

III - a aplicação de pena privativa de liberdade, a ser cumprida em regime fechado ou semiaberto, em execução provisória ou definitiva;

IV - a condição de doença grave, que torne o adolescente incapaz de submeter-se ao cumprimento da medida; e

V - outras hipóteses previstas em lei.

Quanto a outras causas de extinção da medida socioeducativa, previstas no ECA ou fora dele, podem ser citadas:

a) a prescrição, aplicando-se, com algumas adaptações, o disposto nos arts. 107, inc. IV, primeira figura, c/c arts. 109 e 115 do Código Penal, alinhados com o entendimento sumulado pelo STJ (Súmula 338);

b) o fato de o socioeducando completar 21 anos, idade a partir da qual é obrigatória a sua liberação de qualquer medida socioeducativa (art. 121, § 5º, do ECA);

c) a perda da necessidade e da finalidade pedagógica da medida socioeducativa ou perda da objetividade socioeducativa (art. 6º c/c arts. 100 e 113 do ECA);

d) a unificação das medidas socioeducativas e dos procedimentos de execução. Considera-se aqui a vedação legal do cumprimento (reinício) de nova medida socioeducativa aplicada ou mesmo a impossibilidade de cumprimento simultâneo de medidas, quando elas forem inconciliáveis, por envolverem estratégia pedagógica diferenciada, o que importará em unificação com a medida já iniciada e extinção da medida mais nova ou da menos grave, conforme o caso (art. 45, caput e § 1º, primeira parte, da Lei do SINASE);

Sobre os temas referidos nas alíneas “c” e “d”, remetemos o leitor para os assuntos abordados nos subitens 3.2, 4.1 e seguintes.

No caso de o maior de 18 (dezoito) anos, em cumprimento de medida socioeducativa, responder a processo-crime, caberá à autoridade judiciária decidir sobre eventual extinção da execução, cientificando da decisão o juízo criminal competente (art. 46, § 1º, da Lei do SINASE).

Observa-se que a extinção da medida socioeducativa em relação ao jovem maior de 18 anos que responde a processo-crime não é obrigatória. Depende, portanto, da análise de fatores como a manutenção da necessidade pedagógica da medida socioeducativa; o provável resultado quanto ao julgamento do processo criminal; a natureza da medida socioeducativa em execução, a gravidade do ato infracional praticado etc.


6. A LEI Nº 12.594/2012 E A EXECUÇÃO DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS

Até o advento da Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012 (Lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE), não havia um conjunto integrado de disposições legais sobre a execução de medidas socioeducativas, existindo somente algumas disposições esparsas, dispersas no ECA, além da autorização legal contida no art. 152, para a aplicação subsidiária das normas gerais previstas na legislação processual pertinente, aos procedimentos regulados pelo Estatuto.

A omissão do legislador levou alguns doutrinadores e aplicadores do direito, assim como tribunais, estes últimos por meio de atos normativos, a combinar dispositivos do ECA com outros, especialmente da Lei de Execução Penal – LEP (Lei nº 7.210/1984).

Tais iniciativas foram dando vida a manuais de procedimentos de execução de medida socioeducativa, pautados em princípios como o da individualização do processo de execução, por adolescente, e o da periodicidade da avaliação da medida socioeducativa.

Contudo, a falta de regulamentação específica no ECA sobre execução de medidas socioeducativas, assim como as adaptações que foram sendo feitas ao longo de anos, algumas delas com base na discricionariedade do julgador, deram margem a excessos, em prejuízo dos direitos e garantias assegurados aos adolescentes por instrumentos legais internacionais, pela Constituição Federal e pelo ECA.

Antes do surgimento da Lei nº 12.594/2012, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) editou a Resolução nº 119, de 11 de dezembro de 2006, por meio da qual aprovou o SINASE, além de defini-lo como “um conjunto ordenado de princípios, regras e critérios, de caráter jurídico, político, pedagógico, financeiro e administrativo, que envolve desde o processo de apuração de ato infracional até a execução de medidas socioeducativas.”

A Lei nº 12.594/2012 definiu o SINASE como

O conjunto ordenado de princípios, regras e critérios que envolvem a execução de medidas socioeducativas, incluindo-se nele, por adesão, os sistemas estaduais, distrital e municipais, bem como todos os planos, políticas e programas específicos de atendimento a adolescente em conflito com a lei (art. 1º, § 1º).

Apesar da aparente redução de alcance dada ao SINASE com a conceituação trazida pela Lei nº 12.594/2012 (por não mencionar o processo de apuração de ato infracional), como já destacamos neste trabalho, elementos trazidos pela citada Lei, a exemplo dos objetivos (art. 1º, § 2º, incs. I a III) e de alguns dos princípios enumerados no seu art. 35, aplicam-se tanto à escolha (ato do processo de apuração de ato infracional) quanto ao cumprimento da medida socioeducativa.

Em igual raciocínio, a decisão do juiz da execução sobre situações como a manutenção, progressão, substituição e suspensão de medidas socioeducativas, deve levar em consideração aspectos normativos e principiológicos contidos tanto no ECA quanto na Lei do SINASE.

A Lei nº 12.594/2012 veio suprir as lacunas existentes no ECA, notadamente sobre a execução de medidas socioeducativas, regulamentando a sistemática a ser observada para o seu cumprimento, com vistas à uniformização de procedimentos, além de instituir o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), que discorre, dentre outros assuntos, sobre programas, diretrizes, objetivos e metas, entidades e programas de atendimento, definição de competências e responsabilidades dos entes federados, assim como sobre objetivos e princípios aplicáveis às medidas socioeducativas.

No tocante à execução das medidas socioeducativas, dois procedimentos diferenciados foram estabelecidos pela Lei do SINASE:

a) as medidas de proteção, de advertência e de reparação do dano, quando aplicadas isoladamente, serão executadas nos próprios autos do processo de conhecimento (art. 38);

b) tratando-se das medidas socioeducativas de prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação, a execução será processada em autos próprios, um para cada adolescente, adotando-se idêntico procedimento para a hipótese de medida aplicada em sede de remissão, como forma de suspensão do processo (art. 39, caput e parágrafo único).

A normatização trazida pela Lei do SINASE, relativa ao processo específico de execução de medidas socioeducativas, acompanhou, na verdade, o que já vinha sendo feito na prática pelos juizados da infância juventude. É um instrumento legal que contribui para a individualização da execução da medida socioeducativa, em observância ao princípio estabelecido no art. 35, inc. VI, da referida Lei, a exemplo do que já acontecia com a execução penal. Busca, portanto, atender de forma mais efetiva, sistematizada e com maior controle os direitos dos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa.

Dando impulso ao propósito de uniformização da execução das medidas socioeducativas no país, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), editou a Resolução nº 165, de 16 de novembro de 2012, que trouxe normas gerais para o atendimento, pelo Poder Judiciário, ao adolescente em conflito com a lei, no âmbito da internação provisória e do cumprimento das medidas socioeducativas. A Resolução em questão incorporou parte do texto legal da Lei do SINASE, mas trouxe também disciplinamento e regulamentação para alguns procedimentos relacionados à execução das medidas socioeducativas, não afastando, contudo, a possibilidade do disciplinamento de questões específicas, pelas leis de organização judiciária dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal (arts. 13, caput, 16, § 1º, 24 e 25 da Resolução).

Dentre os procedimentos não previstos na Lei do SINASE que foram trazidos pela Resolução nº 165/2012-CNJ, destacam-se: a criação e institucionalização de guias de execução das medidas socioeducativas e a definição de critérios para a sua expedição; o disciplinamento do fluxo relativo à requisição de vagas ao órgão gestor do atendimento socioeducativo; a maior fiscalização quanto à observância do prazo máximo da internação provisória; a normatização relativa à delegação de competência para a prática de atos próprios da execução de medida, com o afastamento da execução de medida socioeducativa por carta precatória.

A Resolução nº 165/2012-CNJ sofreu ligeira alteração, por meio da Resolução nº 191-CNJ, de 24 de abril de 2014. As mudanças incidiram especialmente sobre a forma de expedição das guias de execução de medidas socioeducativas, que deixaram de ser manuais e de observar os modelos contidos em formulário anexo à Resolução nº 165/2012-CNJ.

Até o advento da Resolução nº 191/2014-CNJ, as guias de internação provisória, internação-sanção e da execução das medidas socioeducativas de internação por prazo indeterminado, semiliberdade, liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade, quer fossem provisórias ou definitivas, vinham observando modelos padronizados e impressos, anexos à Resolução nº 165/2012-CNJ.

A partir da vigência da Resolução nº 191/2014-CNJ, iniciada em 1º de maio de 2014, essas guias passaram a ser extraídas de forma automática do próprio Cadastro Nacional de Adolescentes em Conflito com a Lei (CNACL), hospedado no site do CNJ, cadastro que precisa ser alimentado com as informações necessárias em relação aos adolescentes e processos respectivos. O acesso a esse cadastro depende de senha, fornecida pelo órgão competente dos tribunais.


7. GUIAS DE INTERNAÇÃO PROVISÓRIA, DE INTERNAÇAO-SANÇÃO, UNIFICADORA, DE EXECUÇÃO PROVISÓRIA E DE EXECUÇÃO DEFINITIVA DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS

Conforme o art. 39 da Lei do SINASE, a execução das medidas socioeducativas de prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação ganha corpo em um procedimento próprio, autuado para cada adolescente, contendo os seguintes itens:

I - documentos de caráter pessoal do adolescente existentes no processo de conhecimento, especialmente os que comprovem a sua idade;

II - peças indicadas pela autoridade judiciária, sempre que houver necessidade, além de:

a) cópia da representação;

b) cópia da certidão de antecedentes;

c) cópia da sentença ou acórdão; e

d) cópia de estudos técnicos realizados durante a fase de conhecimento.

De acordo com o parágrafo único do citado artigo da Lei do SINASE, o mesmo procedimento é adotado quanto à execução da medida aplicada em sede de remissão, como forma de suspensão do processo.

Adaptando para a execução de medida socioeducativa parte do procedimento já previsto para a execução de pena privativa de liberdade na Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984) e na Resolução nº 113/2010, do CNJ, o citado órgão trouxe para a seara juvenil a guia de execução de medida socioeducativa. É um documento cuja apresentação é obrigatória para o ingresso do adolescente em unidade de internação e semiliberdade, ou serviço de execução de medida socioeducativa em meio aberto (prestação de serviços à comunidade e liberdade assistida).

Conforme o art. 5º da Resolução nº 165/2012-CNJ

O ingresso do adolescente em unidade de internação e semiliberdade, ou serviço de execução de medida socioeducativa em meio aberto (prestação de serviços à comunidade ou liberdade assistida), só ocorrerá mediante a apresentação de guia de execução, devidamente instruída, expedida pelo juiz do processo de conhecimento.

Indo um pouco além daquilo que foi apresentado pela Lei do SINASE, a Resolução nº 165/2012-CNJ estabeleceu os requisitos para a guia de internação provisória ou cautelar (art. 7º, incs. I a IV).

Dentre outros documentos considerados pertinentes pela autoridade judicial, são necessários:

I - documentos de caráter pessoal do adolescente existentes no processo de conhecimento, especialmente os que comprovem a sua idade;

II - cópia da representação e/ou do pedido de internação provisória;

III - cópia da certidão de antecedentes;

IV - cópia da decisão que determinou a internação.

Quanto às guias para as medidas socioeducativas, a Resolução nº 165/2012-CNJ acrescentou aos itens previstos no art. 39 da Lei do SINASE os seguintes (art. 9º, incs. II e IV):

I – cópia do termo que propõe a remissão como forma de suspensão do processo cumulada com medida socioeducativa em meio aberto; e

II – cópia da sentença que homologou a remissão cumulada com medida socioeducativa em meio aberto.

Com a alteração dada pela Resolução nº 191/2014-CNJ, a Resolução nº 165/2012-CNJ incumbiu-se de definir guia unificadora de medida socioeducativa, tratada inicialmente pelo nome de guia retificadora (art. 11, § 3º, Res. 165/2012-CNJ). Assim, em seu o art. 2º, inc. VII, a Resolução nº 165/2012 estabeleceu que guia unificadora “é aquela expedida pelo juiz da execução com finalidade de unificar duas ou mais guias de execução em face do mesmo adolescente (art. 45 da Lei n. 12.594/2012). (NR).”

A Lei do SINASE e a Resolução nº 165/2012, do CNJ não especificam com precisão o momento da apresentação do adolescente ao programa ou à unidade de cumprimento da medida, embora fique subentendido que ela deva ser feita logo após a informação do órgão gestor sobre o programa ou a unidade de cumprimento da medida (art. 40 da Lei do SINASE e art. 6º, §§ 1º ao 3º da Res. 165/2012-CNJ). Menciona-se apenas que será solicitado (ou requisitado) ao órgão gestor a designação do programa ou da unidade de cumprimento da medida.

Diante da constatação feita pelo CNJ, de que o sistema de atendimento socioeducativo, em âmbito nacional, sofre com problemas estruturais para a prestação jurisdicional adequada, e com a falta de sistematização da Justiça da Infância e da Juventude, nas organizações judiciárias locais, criou-se um grupo de trabalho, composto por juízes com experiência em matéria infracional, e elaborou-se um documento denominado “Manual de Procedimento Básico de Apuração de Ato Infracional e de Execução de Medida Socioeducativa”, pautado nos princípios e regras previstos no ECA, na Lei do SINASE e na Resolução nº 165/2012-CNJ (LIMA; ALEXANDRE, 2012).

O Manual foi divulgado em março de 2014. Nele foram trazidas informações e orientações importantes sobre a expedição de guia de execução de medida socioeducativa e requisição de vaga ao órgão gestor do atendimento socioeducativo, razão pela qual serão destacadas, em alguns momentos do tema ora tratado, informações contidas no referido Manual.

Havendo um único programa de atendimento ou unidade de cumprimento para a medida, desde que haja vaga para o(s), adolescente(s), a questão não traz maiores complicações. No entanto, quando existir mais de um ou vários programas de atendimento, assim como unidades onde possa ocorrer o cumprimento, e for grande a demanda de adolescentes encaminhados, seguramente a apresentação de um novo adolescente somente poderá ser feita após o recebimento da informação sobre o programa ou a unidade de cumprimento da medida e a disponibilidade de vaga.

É possível ainda que o local da unidade de cumprimento de medida socioeducativa com disponibilidade de vaga, informado pelo órgão gestor, pertença à jurisdição de outra autoridade judiciária.

Pelo que se percebe, o cuidado apresentado pelo legislador, ao fazer referência à resposta pelo órgão gestor quanto ao programa de atendimento ou unidade de cumprimento da medida, tem como justificativa a necessidade da organização e do controle da execução das medidas socioeducativas, a ser feito também pelo órgão gestor do atendimento socioeducativo, que poderá, inclusive, informar ao juízo requisitante que não existe vaga no programa de atendimento ou na unidade onde a medida seria cumprida (art. 49, inc. II, da Lei do SINASE).

Antes de prosseguir tratando do tema referente às guias de medida socioeducativa, é importante fazer alguns esclarecimentos sobre o significado de entidade de atendimento, programa de atendimento e unidade de cumprimento de medida, nomes recorrentes na Lei do SINASE e na Resolução 165/2012-CNJ.

a) entidade de atendimento: a pessoa jurídica de direito público ou privado que instala e mantém a unidade e os recursos humanos e materiais necessários ao desenvolvimento de programas de atendimento (art. 1º, § 5º, da Lei do SINASE);

b) programa de atendimento: a organização e o funcionamento, por unidade, das condições necessárias para o cumprimento das medidas socioeducativas (art. 1º, § 3º, da Lei do SINASE);

c) unidade (ou serviço) de cumprimento de medida: é a base física necessária para a organização e o funcionamento de programa de atendimento (art. 1º, § 4º, da Lei do SINASE).

.A execução das medidas socioeducativas de semiliberdade e de internação ocorre por meio de programas estaduais de atendimento socioeducativo.

Com a municipalização do cumprimento de algumas medidas, a execução das medidas socioeducativas de prestação de serviços à comunidade e liberdade assistida, que antes estava sob a responsabilidade dos estados, ficou a cargo dos municípios, sob a coordenação dos Centros de Referência Especializados em Assistência Social (CREAS).

Para a definição dos procedimentos que devem ser adotados em relação à expedição da guia de execução de medida socioeducativa, é necessário que se verifique se a medida será executada em programa de atendimento ou unidade de cumprimento de medida sediada na mesma comarca ou em comarca diversa daquela do juízo do processo de conhecimento (que aplicou a medida).

7.1 Execução de medida socioeducativa em programa de atendimento ou unidade sediada na mesma comarca do juízo do processo de conhecimento

Tratando-se de execução de medida socioeducativa em unidade sediada na mesma comarca do juízo do processo de conhecimento, nos casos de juízo de competência geral (inclusive para execução de medidas socioeducativas em meio aberto) ou juizado da infância e da juventude com competência não exclusiva para a execução de medidas socioeducativas, observar-se-á o seguinte procedimento:

Aplicada a medida socioeducativa e determinado o seu cumprimento, será extraída do Cadastro Nacional de Adolescentes em Conflito com a Lei (CNACL) do CNJ a guia de execução, provisória ou definitiva, conforme a ocorrência ou não do trânsito em julgado da sentença, guia que será instruída com os documentos necessários (art. 39 da Lei do SINASE; art. 8º ou 9º da Res. 165/2012-CNJ). Feito isso, será imediatamente oficiado ao órgão gestor do atendimento socioeducativo, encaminhando-lhe cópia da guia de execução e documentos que a instruem e requisitando a designação do programa de atendimento ou da unidade de cumprimento da medida (art. 40 da Lei do SINASE e art. 6º, § 1º, da Res. 165/2012-CNJ).

Informado o programa de atendimento ou a unidade de cumprimento da medida pelo órgão gestor, o que deve ser feito em até 24 horas, o juízo do processo de conhecimento (também responsável pela execução da medida) fará, desde logo, a apresentação do adolescente e de seus pais ou responsável ao programa ou unidade indicado ou a simples intimação daqueles para que se apresentem ao local indicado, no prazo que for determinado. A situação mencionada é típica das medidas socioeducativas de prestação de serviços à comunidade e liberdade assistida, cujo cumprimento geralmente ocorre em unidade sediada na mesma comarca em que a medida foi aplicada.

Caso haja na comarca juízo da infância e juventude com competência exclusiva para a execução de medidas socioeducativas, observar-se-á o seguinte procedimento:

Aplicada a medida socioeducativa e determinado o seu cumprimento, será extraída do Cadastro Nacional de Adolescentes em Conflito com a Lei (CNACL) do CNJ a guia de execução, provisória ou definitiva, conforme a ocorrência ou não do trânsito em julgado da sentença, guia que será instruída com os documentos necessários (art. 39 da Lei do SINASE; art. 8º ou 9º da Res. 165/2012-CNJ). Feito isso, será imediatamente oficiado ao órgão gestor do atendimento socioeducativo, encaminhando-lhe cópia da guia de execução e documentos que a instruem e requisitando a designação do programa de atendimento ou da unidade de cumprimento da medida (art. 40 da Lei do SINASE e art. 6º, § 1º, da Res. 165/2012-CNJ).

Informado o programa de atendimento ou a unidade de cumprimento da medida pelo órgão gestor, tanto ao juízo do processo de conhecimento quanto ao juízo responsável pela fiscalização do programa ou da unidade de cumprimento da medida (juízo da execução), o que deve ser feito em até 24 horas (art. 6º § 2º, da Res. 165-CNJ), o juízo do processo de conhecimento remeterá, no prazo de 24 horas, a guia de execução, provisória ou definitiva, (conforme a ocorrência ou não do trânsito em julgado da sentença), com os documentos que a instruem, ao juízo da execução, competindo a este juízo o processamento e a execução da medida socioeducativa.

Apesar de constar no art. 6º, § 1º, da Resolução nº 165/2012-CNJ, com a nova redação dada pela Resolução nº 191/2014-CNJ, que cabe ao juízo do processo de conhecimento encaminhar a cópia da guia de execução e dos documentos que a instruem ao órgão gestor do atendimento socioeducativo, requisitando designação do programa ou da unidade de cumprimento da medida, no Manual de Procedimento Básico de Apuração de Ato Infracional e de Medida Socioeducativa divulgado pelo CNJ, ao qual fizemos alusão no item 7, encontramos uma orientação um pouco diferente.

Segundo o referido Manual

Quanto à requisição de vaga nas unidades de privação de liberdade ou de inclusão do socioeducando em programa de meio aberto, tanto poderá ser pelo juízo do conhecimento quanto pelo juízo da execução. Nesse aspecto, a Resolução adequa-se, perfeitamente, ao art. 40 da Lei n. 12.594/2012 (LIMA; ALEXANDRE, 2012, p. 27).

Realmente, pela leitura do texto do art. 40 da Lei nº 12.594/2012, verifica-se que, diferentemente do que constou no art. 6º, § 1º, da Resolução nº 165/2012-CNJ (mesmo com a nova redação dada pela Resolução nº 191/2014-CNJ), não há um comando dirigido especificamente ao juízo do processo de conhecimento ou ao do juízo do processo de execução quando o texto trata da remessa de expediente e solicitação de designação do programa ou da unidade de cumprimento da medida.

No texto da Lei do SINASE consta: “Art. 40. Autuadas as peças, a autoridade judiciária encaminhará, imediatamente, cópia integral do expediente ao órgão gestor do atendimento socioeducativo, solicitando a designação do programa ou da unidade de cumprimento da medida.”

A expressão “autuadas as peças”, contida no texto da Lei, pode então ser entendida como “reunidos os documentos para formar o processo de execução” (analisando-se sob a ótica do juízo do processo de conhecimento), ou “instrumentalizado o processo de execução” (sob o olhar do juízo da execução), o que admite, portanto, a atuação de um ou de outro juízo, conforme a situação concreta justificar.

Como se percebe, por não existir um procedimento especificamente delineado a ser observado, no tocante a determinados momentos que compreendem o processo de execução da medida socioeducativa, a metodologia empregada pode sofrer variações, conforme o que for regulamentado pelo tribunal ao qual o juiz que estiver cuidando do caso for vinculado.

Aliás, é válido ressaltar que em relação a questões procedimentais não exatamente definidas sobre execução de medidas socioeducativas, que podem sofrer pequenas variações, conforme a região do nosso país (de dimensões continentais), deve-se escolher o caminho mais prático, célere e operacional, obviamente, desde que não resulte em prejuízo para o bom andamento da execução. Além disso, é necessário enfatizar que embora haja a busca por uma uniformização de procedimentos em âmbito nacional, o adequado desenvolvimento da execução das medidas socioeducativas não depende apenas do Poder Judiciário, mas de todos os órgãos e agentes envolvidos no Sistema de Atendimento Socioeducativo, nas órbitas federal, estadual e municipal.

Não é por acaso que no Manual de Procedimento Básico de Apuração de Ato Infracional e de Medida Socioeducativa expedido pelo CNJ são apresentadas orientações que não se encontram no texto expresso da Resolução nº 165/2012-CNJ, a exemplo das seguintes:

Nos estados da federação onde há somente um juízo de execução de medidas de privação de liberdade, nada impede que ele, após receber as peças processuais dos juízos do conhecimento, instaure o processo de execução e requisite a vaga nas unidades do sistema de atendimento socioeducativo. Nessa hipótese, portanto, é o juiz da execução o requisitante da vaga. Por outro lado, nos demais estados onde existem vários juízos de execução, nada impede que o juízo do conhecimento faça a requisição da vaga diretamente ao órgão gestor, e ele informe, nos prazos previstos na Resolução CNJ n. 165/2012, a unidade que tenha vaga disponível.

Quanto à inclusão do socioeducando em programas de meio aberto, é recomendável que a requisição seja feita pelo juízo do conhecimento, tendo em vista a presença de técnicos dos programas nas audiências judiciais (LIMA; ALEXANDRE, 2012, p. 27).

7.2 Execução de medida socioeducativa em programa de atendimento ou unidade de cumprimento sediada em outra comarca

Observadas as informações apresentadas no subitem anterior, tratando-se de execução de medida socioeducativa em programa de atendimento ou unidade de cumprimento sediada em comarca diversa daquela do juízo do processo de conhecimento, nos casos de juízo de competência geral ou juizado da infância e da juventude com competência para o processo de conhecimento e para a execução, esta, todavia, limitada às medidas socioeducativas em meio aberto, observar-se-á o seguinte procedimento:

Aplicada a medida socioeducativa e determinado o seu cumprimento, será extraída do Cadastro Nacional de Adolescentes em Conflito com a Lei (CNACL) do CNJ a guia de execução, provisória ou definitiva, conforme a ocorrência ou não do trânsito em julgado da sentença, guia que será instruída com os documentos necessários (art. 39 da Lei do SINASE; art. 8º ou 9º da Res. 165/2012-CNJ). Feito isso, será imediatamente oficiado ao órgão gestor do atendimento socioeducativo, encaminhando-lhe cópia da guia de execução e documentos que a instruem e requisitando a designação do programa de atendimento ou da unidade de cumprimento da medida (art. 40 da Lei do SINASE e art. 6º, § 1º, da Res. 165/2012-CNJ).

Informado o programa de atendimento ou a unidade de cumprimento da medida pelo órgão gestor, tanto ao juízo do processo de conhecimento quanto ao juízo responsável pela fiscalização do programa ou da unidade de cumprimento da medida (juízo da execução), o que deve ser feito em até 24 horas (art. 6º, § 2º, da Res. 165-CNJ), o juízo do processo de conhecimento remeterá, também no prazo de 24 horas, a guia de execução extraída do CNACL, com os documentos que a instruem, ao juízo da execução, delegando-lhe competência para a execução da medida socioeducativa, na forma do art. 147, § 2º, do ECA. Nesse caso, conforme a dificuldade para levar o adolescente ao cumprimento da medida socioeducativa em outra comarca, evitando-se, inclusive, a expedição desnecessária de carta precatória com essa única finalidade (do juízo da execução para o juízo do conhecimento), como medida de celeridade e economia processual, poderá, desde logo, ser ordenado pelo juízo do processo de conhecimento que se faça a apresentação do socioeducando ao juízo da execução ou, conforme o caso, ao programa ou unidade indicada. Em tal hipótese, a apresentação do socioeducando deverá ser imediatamente comunicada ao juízo da execução, visto que competirá a ele o processamento da execução da medida socioeducativa, embora caiba ao juízo do processo de conhecimento a expedição da guia de execução de medida socioeducativa, conforme orienta o art. 6º da Resolução nº 165/2012-CNJ. De qualquer modo, o procedimento a ser adotado deverá observar o disposto em ato normativo específico, editado pelo respectivo tribunal de justiça.

Cabe destacar que de acordo com os arts. 11, § 1º, 12 e 13, da Resolução nº 165/2012-CNJ, não é mais admitido o processamento da execução de medida por carta precatória. Assim, caso haja transferência do adolescente ou modificação do programa para outra comarca ou estado da Federação, os autos da execução deverão ser remetidos ao novo juízo responsável pela execução. Além disso, salvo disposição contrária em lei de organização judiciária local, o acompanhamento da execução das medidas socioeducativas e seus incidentes será feito pelo juízo do local onde está sediada a unidade ou serviço de cumprimento.

7.3 Cumprimento da medida socioeducativa nos casos de adolescente internado provisoriamente (internação cautelar)

Tratando-se de adolescente que se encontra internado provisoriamente por ocasião da sentença que aplicou medida socioeducativa de internação ou semiliberdade, e o recurso contra ela interposto tenha sido recebido somente no efeito devolutivo, com a devida fundamentação que deverá trazer a decisão sobre a manutenção da segregação de natureza provisória, o adolescente será transferido da unidade de internação provisória (cautelar) para a unidade com vaga disponível do programa de medida socioeducativa de internação ou semiliberdade, conforme o caso. Nessa hipótese, a Resolução nº 165/2012-CNJ orienta que o juízo do processo de conhecimento comunique sobre a manutenção da medida, no prazo de 24 horas, remetendo cópia da sentença ou acórdão e de documentos ainda não enviados, ao órgão gestor do atendimento socioeducativo e ao juízo da execução (art. 8º, incs. I a III). É ainda enfatizado no artigo citado que deve ser observado o art. 5º, § 3º (que na verdade é o art. 6º, § 3º, da Res. 165/2012-CNJ), dispositivo onde consta que é da competência do juízo da execução formar o processo executório da medida socioeducativa.

Semelhantemente ao que comentamos no subitem 7.2, aqui também fazemos referência à possibilidade de o adolescente (agora internado provisoriamente), após a sentença, ser transferido da unidade de internação provisória (cautelar) para a unidade com vaga disponível do programa de medida socioeducativa de internação ou semiliberdade, conforme o caso, logo após o recebimento da guia de execução, por ordem do próprio juízo do conhecimento, que expediu a guia de execução provisória da medida socioeducativa.

Pela sistemática da execução de medida socioeducativa, cabe ao juízo da execução, após receber a informação sobre o programa ou unidade de cumprimento da medida, determinar a transferência do adolescente ou, se for o caso, requisitar a sua apresentação em juízo, para audiência admonitória e posterior apresentação ao local de cumprimento da medida socioeducativa de internação ou semiliberdade.

No entanto, é importante salientar que o processo de transferência do adolescente da unidade de medida cautelar para a unidade de cumprimento de medida socioeducativa precisa ser rápido, não se admitindo que aquele permaneça na unidade de internação provisória além do prazo legal ou após o julgamento (sentença de aplicação de medida socioeducativa), ainda que neste último caso o julgamento tenha ocorrido antes do prazo de 45 dias previsto no art. 183 do ECA. É que apesar da possibilidade de se descontar do prazo da medida socioeducativa privativa de liberdade o período de tempo em que o adolescente esteve internado provisoriamente, a internação provisória e a internação decorrente de sentença possuem naturezas distintas.

Na verdade, o procedimento a ser adotado deverá mesmo observar aquilo que dispuser o ato normativo específico do respectivo tribunal de justiça.

7.4 Cumprimento da medida nos casos de aplicação de medida de internação por prazo determinado (internação-sanção)

A medida de internação por prazo determinado ou internação-sanção (art. 122, inc. III, do ECA e art. 43, § 4º, da Lei do SINASE), é aplicada por descumprimento reiterado e injustificável de medida anteriormente imposta ao adolescente, não podendo o seu prazo ser superior a três meses (art. 122, § 1º, do ECA). Ela é aplicada pelo juízo da execução, que eventualmente pode ser também o juízo do processo de conhecimento, quando ele possuir competência cumulativa para a execução de medidas socioeducativas em meio aberto.

Caso a medida venha a ser cumprida em programa de atendimento ou unidade de cumprimento de medida sediada na mesma comarca do juízo que a aplicou, será observado, quanto à requisição de vaga e designação do local de cumprimento de medida, assim como quanto à remessa de documentos ao órgão gestor, o mesmo procedimento adotado para as medidas socioeducativas, de maneira geral, atentando-se, no entanto, para a expedição de guia de execução específica.

Desse modo, aplicada a medida e determinado o seu cumprimento, será extraída do Cadastro Nacional de Adolescentes em Conflito com a Lei (CNACL) do CNJ a guia de execução de internação-sanção (art. 2º, inc. VI, da Res. 165/2012-CNJ), que poderá ser instruída com os seguintes documentos, além de outros considerados pertinentes pela autoridade judicial:

I – documentos de caráter pessoal do adolescente;

II – cópia do pedido de regressão de medida socioeducativa;

III – cópia da certidão de antecedentes;

IV – cópia da decisão que aplicou a medida de internação-sanção.

Feito isso, será imediatamente oficiado ao órgão gestor do atendimento socioeducativo, encaminhando-lhe cópia da guia de execução e documentos que a instruem e requisitando a designação do programa de atendimento ou da unidade de cumprimento da medida (art. 40 da Lei do SINASE e art. 6º, § 1º, da Res. 165/2012-CNJ).

Informado o programa de atendimento ou a unidade de cumprimento da medida e a disponibilidade de vaga pelo órgão gestor ao juízo responsável pela fiscalização do programa ou da unidade de cumprimento da medida (juízo da execução), o que deve ser feito em até 24 horas (art. 6º, § 2º, da Res. 165-CNJ), o referido juízo adotará as providências necessárias para que o adolescente dê início ao cumprimento da medida.

Quando a medida de internação-sanção tiver que ser cumprida em programa ou unidade de cumprimento de medida sediada em comarca diversa daquela do juízo do processo que aplicou a medida, avalia-se que deva ser observado o seguinte procedimento:

Aplicada a medida e determinado o seu cumprimento, será extraída do Cadastro Nacional de Adolescentes em Conflito com a Lei (CNACL) do CNJ a guia de execução de internação-sanção (art. 2º, inc. VI, da Res. 165/2012-CNJ), que poderá ser instruída com os documentos anteriormente citados, dentre outros considerados pertinentes pela autoridade judicial.

Feito isso, será imediatamente oficiado ao órgão gestor do atendimento socioeducativo, encaminhando-lhe cópia da guia de execução e documentos que a instruem e requisitando a designação do programa de atendimento ou da unidade de cumprimento da medida (art. 40 da Lei do SINASE e art. 6º, § 1º, da Res. 165/2012-CNJ).

Informado o programa de atendimento ou a unidade de cumprimento da medida pelo órgão gestor e a disponibilidade de vaga, tanto ao juízo requisitante quanto ao juízo responsável pela fiscalização do programa ou da unidade de cumprimento da medida (juízo da execução), o que deve ser feito em até 24 horas (art. 6º, § 2º, da Res. 165-CNJ), o juízo requisitante remeterá, também no prazo de 24 horas, a guia de execução extraída do CNACL, com os documentos que a instruem, ao juízo da execução, delegando-lhe competência para a execução da medida socioeducativa, na forma do art. 147, § 2º, do ECA.

Conforme a dificuldade para levar o adolescente ao cumprimento da medida socioeducativa em outra comarca, evitando-se, inclusive, a expedição desnecessária de carta precatória com essa única finalidade (do juízo da execução para o juízo que impôs a medida), como medida de celeridade e economia processual, poderá, desde logo, ser ordenado pelo juízo que aplicou a medida que se faça a apresentação do socioeducando ao juízo da execução ou, conforme o caso, ao programa ou unidade indicada. No último caso, a apresentação do socioeducando deverá ser imediatamente comunicada ao juízo da execução, visto que competirá a ele o processamento da execução da medida, embora caiba ao juízo que a aplicou expedir a guia de execução de medida (art. 6º da Resolução nº 165/2012-CNJ).

Apesar das informações aqui apresentadas, como já destacamos anteriormente, o procedimento a ser adotado deverá observar o disposto em ato normativo específico, editado pelo respectivo tribunal de justiça.

7.5 Cumprimento da medida cautelar de internação provisória

Tratando-se de internação provisória de natureza cautelar, a ser cumprida em programa de atendimento ou unidade de cumprimento sediada na mesma comarca ou em comarca diversa daquela do juízo que a decretou, avalia-se que deva ser observado o seguinte procedimento:

Decretada a internação provisória (art. 108 do ECA), será extraída do Cadastro Nacional de Adolescentes em Conflito com a Lei (CNACL) do CNJ a guia de internação provisória (art. 2º, inc. I, da Res. 165/2012-CNJ, alterado pela Res. 191/2014-CNJ), instruída com os documentos necessários (art. 7º, incs. I a IV, da Res. 165-CNJ).

Feito isso, será imediatamente oficiado ao órgão gestor do atendimento socioeducativo, encaminhando-lhe cópia da guia de internação provisória e documentos que a instruem e requisitando vaga em programa de atendimento ou unidade de cumprimento da medida cautelar (arts. 40 da Lei do SINASE e art. 6º, § 1º, da Res. 165/2012-CNJ).

Informado o programa de atendimento ou a unidade de cumprimento da medida pelo órgão gestor ao juízo requisitante (juízo do processo de conhecimento) e ao juízo responsável pela fiscalização e execução da medida, o que deve ser feito em até 24 horas (art. 6º, § 2º, da Res. 165-CNJ), o juízo do processo de conhecimento remeterá, no prazo de 24 horas, a guia de internação provisória, com os documentos que a instruem, ao juízo responsável pela fiscalização e execução da medida, adotando-se as providências necessárias para que o adolescente dê início ao cumprimento da medida cautelar.

A natureza cautelar da internação provisória é um fator que reclama urgência na sua operacionalização, o que, em certas ocasiões, poderá justificar a ocorrência de variações quanto a alguns dos passos anteriormente mencionados, sobretudo quando houver demora no envio de informações sobre a existência de vaga pelo órgão gestor do atendimento socioeducativo, devendo, por isso, ser observado o que dispuser a respeito o ato normativo específico do tribunal de justiça ao qual os juízos envolvidos estiverem vinculados.

Como o adolescente não pode ser colocado em local inadequado enquanto não for definida a existência de vaga e do local onde ele deva ser internado provisoriamente, é preciso que haja uma boa interação entre os representantes dos programas ou unidades de cumprimento de medida e o sistema de justiça.

Compete também ao juízo responsável pela fiscalização e execução da medida de internação cautelar acompanhar o cumprimento do seu prazo máximo de 45 dias, embora a responsabilidade por eventual excesso de prazo seja do juízo que a decretou (art. 16, caput e § 1º, da Res. 165-CNJ).

Por isso, findo o prazo de 45 dias da internação provisória ou determinada a liberação do adolescente antes desse prazo, deverá ser imediatamente remetida uma cópia da decisão, preferencialmente por meio eletrônico (malote digital) ou oficial de justiça de plantão, ao gestor da unidade de atendimento e ao juízo responsável pela fiscalização da medida de internação cautelar, para as devidas anotações e baixa da guia de internação provisória no sistema CNACL (art. 17 da Res. 165/2012-CNJ, alterado pela Res. 191/2014-CNJ).

Caso o procedimento judicial de apuração de ato infracional seja concluído dentro do prazo de 45 dias, previsto no art. 183 do ECA (o que é o ideal), com a prolação de sentença que aplica a medida socioeducativa de internação por prazo indeterminado ao adolescente, o juízo do processo de conhecimento informará sobre a sentença e remeterá os documentos necessários ao órgão gestor do atendimento socioeducativo e ao juízo da execução (art. 8º, incs. I a III, da Res. 165-CNJ).

Uma alternativa que não está prevista no ECA, tampouco na Lei do SINASE, ou mesmo na Resolução nº 165/2012-CNJ, mas que eventualmente pode ser adotada, para que se evite problemas envolvendo a permanência de adolescentes internados provisoriamente (internação cautelar) na unidade de medida além do prazo máximo legal de 45 dias, é a seguinte: o juízo da infância e da juventude (ou juízo de competência geral) que decretar a internação provisória, em comum acordo com o juízo da infância e da juventude que possui jurisdição sobre a unidade de cumprimento da medida cautelar (responsável por sua fiscalização) autoriza prévia e expressamente ao diretor ou responsável pela unidade de medida cautelar de internação provisória que proceda à liberação do adolescente internado provisoriamente, independentemente de outra forma de autorização judicial, caso a referida unidade não receba nenhuma ordem judicial em sentido contrário até o 45º dia da internação provisória. A unidade de medida cautelar fica, no entanto, obrigada a informar imediatamente a ambos os juízos que procedeu à liberação do adolescente.

7.6 Execução de medida socioeducativa antes do trânsito em julgado da sentença

A expedição da guia de execução de medida socioeducativa deve ocorrer, a rigor, após o trânsito em julgado da sentença que aplicou a medida. No entanto, segundo o art. 9º da Resolução nº 165/2012-CNJ, mesmo que não tenha sido decretada a internação provisória do adolescente no curso do processo de conhecimento, proferida a sentença, deverá ser expedida a guia de execução provisória de medida socioeducativa de internação, semiliberdade ou em meio aberto.

Dispõe a citada Resolução, com a alteração introduzida pela Resolução nº 191/2014-CNJ:

Art. 9º Não tendo sido decretada a internação provisória no curso do processo de conhecimento, prolatada a sentença, deverá ser expedida a guia de execução provisória de medida socioeducativa de internação, semiliberdade ou em meio aberto (parágrafo único do art. 39 da Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012), que deverá ser instruída, obrigatoriamente, com os seguintes documentos, além de outros considerados pertinentes pela autoridade judicial.

Quanto à questão ora examinada, não há disposição correspondente na Lei do SINASE, que nos seus artigos 39 e 40 faz referência apenas à autuação das peças para a constituição do processo de execução (que é individualizado por adolescente), e ao envio de cópia do expediente ao órgão gestor do atendimento socioeducativo, com a solicitação de designação do programa ou da unidade de cumprimento de medida.

Essa situação de aparente indefinição pode suscitar dúvida quanto ao momento legalmente correto para a expedição da guia de execução e autuação do processo de execução da medida socioeducativa.

Com a revogação, pela Lei nº 12.010/2009, do inciso VI do art. 198 do ECA, que determinava o recebimento da apelação apenas no efeito devolutivo (a não ser quando interposta contra sentença que deferisse a adoção por estrangeiro e, a juízo da autoridade judiciária, quando houvesse perigo de dano irreparável ou de difícil reparação), a regra para a sistemática recursal no âmbito do Estatuto Infantojuvenil voltou a ser a do recebimento do recurso nos efeitos devolutivo e suspensivo, impossibilitando a execução provisória do decreto contido na sentença, que só estará suscetível de cumprimento após o transito em julgado.

Como exceções a esse regramento há agora apenas a sentença que defere a adoção (salvo quando se tratar de adoção internacional ou se houver perigo de dano irreparável ou de difícil reparação ao adotando), e também a sentença que destitui ambos ou qualquer dos genitores do poder familiar. Para essas duas exceções vigora a regra do efeito exclusivamente devolutivo do recurso de apelação (arts. 199-A e 199-B do ECA).

Fazendo um paralelo entre a execução provisória da medida socioeducativa e a execução provisória da pena decorrente de sentença condenatória, Ramidoff (2012, p. 103), adverte que ambas afrontam o princípio constitucional da presunção de inocência, consagrado no art. 5º, inc. LVII, da Constituição Federal de 1988.

Para o citado autor

A execução provisória de sentença penal condenatória que estabelece pena privativa de liberdade, insofismavelmente, desrespeita o primado constitucional da presunção de inocência; pois “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (inciso LVII do art. 5º da Constituição da República de 1988). E isto, aqui, na seara jurídica destinada à proteção integral da criança e do adolescente fica muito mais latente, pois, assim como a prisão provisória pode ser “revertida” ‘ou mesmo “revogada” sempre que o “retorno” do adolescente ao cumprimento da medida socioeducativa seja o mais adequado, por certo, com maior razão não se deva levar a cabo a execução provisória.

Conforme difundido na doutrina e admitido em precedentes dos tribunais e do próprio STJ (HC 219.263/PA, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 5ª T. j. 22.11.2011, DJe 01.02.2012), nos casos de sentença confirmatória de decisão que decretar a internação provisória (cautelar) do adolescente, como forma de antecipação de tutela, por aplicação sistemática do art. 98, caput, do ECA com o art. 520, inciso VII, do Código de Processo Civil, é cabível a execução provisória da sentença. A orientação apresenta como justificativa o fato de que, segundo o art. 198, caput, do ECA, nos procedimentos afetos à justiça da infância e da juventude, com algumas adaptações, foi adotada a sistemática recursal do CPC, que assim prescreve:

Art. 520. A apelação será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo. Será, no entanto, recebida só no efeito devolutivo, quando interposta de sentença que:

[...]

VII. confirmar a antecipação dos efeitos da tutela.

Para Carvalho (2010, p. 909-910), mesmo com a entrada em vigor da Lei nº 12.010/2009, que revogou expressamente o inciso VI do art. 198 do ECA, o efeito suspensivo da apelação continua não atingindo determinadas situações concretas, o que se extrai da combinação de disposições da Lei nº 8.069/90 com as regras do CPC. Dentre essas disposições, o citado autor destaca o enunciado contido no art. 520 do CPC, segundo o qual a apelação será recebida somente no efeito devolutivo, quando interposta contra sentença que confirmar a antecipação dos efeitos da tutela, situação que para o autor em questão ocorre quando o adolescente é internado por apreensão em flagrante ou no curso do processo.

Igual entendimento é apresentado por Del-Campo e Oliveira (2012, p. 282-283), para os quais o afastamento do efeito suspensivo da apelação contra a sentença que aplica medida socioeducativa ocorre excepcionalmente na hipótese de confirmação da antecipação dos efeitos da tutela (art. 520, inc. VII, do CPC), “o que ocorre em caso de internação provisória ou cumprimento de outra medida socioeducativa provisória.”

Na mesma linha de pensamento, Rossato, Lépore e Cunha (2014, p. 496) sustentam que

[...] de acordo com o art. 198 do Estatuto, será aplicado o regramento contido na legislação processual civil. Assim, as hipóteses previstas no art. 520 do CPC, segundo as quais o recurso de apelação será recebido somente em seu efeito devolutivo, também serão aplicadas ao Estatuto.

Por esse motivo, se o magistrado aplicar a internação provisória, durante o procedimento, e confirmar a internação quando da prolação da sentença, eventual recurso de apelação, nesse ponto, terá só efeito devolutivo.

No entanto, em decisão proferida no dia 02 de setembro de 2014, apreciando o Habeas Corpus nº 122.072-SP, o Supremo Tribunal Federal manifestou entendimento diferente sobre a questão. De acordo com o precedente da Suprema Corte, a execução da medida socioeducativa de internação antes do trânsito em julgado da sentença é incompatível com o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF), não sendo cabível nem mesmo sob o argumento de que pela sentença houve a confirmação da decisão cautelar que decretou a internação provisória do adolescente, pois, com a prolação da sentença, não há decisão do processo cautelar nem confirmação da antecipação dos efeitos da tutela.

No precedente de relatoria do Ministro Dias Toffoli é destacado que

A internação provisória, assim como a prisão preventiva, tem natureza cautelar, e não satisfativa, uma vez que, dado o seu caráter instrumental, visa resguardar os meios ou os fins do processo.

Sua decretação exige a demonstração, com base em elementos fáticos concretos, do periculum libertatis, vale dizer, da situação de perigo gerada pelo estado de liberdade do adolescente, razão pela qual, em hipótese alguma, sob pena de afronta à presunção de inocência como norma de tratamento, pode ser imposta como mera antecipação dos efeitos do futuro provimento jurisdicional.

Sob essa perspectiva, na avaliação do Supremo, semelhantemente à prisão preventiva, a internação provisória antes do trânsito em julgado da sentença, dada a sua natureza cautelar, e não satisfativa, tem por objetivo resguardar os meios ou os fins do processo, exigindo, conforme o art. 108, parágrafo único, do ECA, a demonstração da imperiosa necessidade da medida, com base em elementos fáticos concretos. Tendo ela sido revogada no curso da instrução (o que foi o caso da situação concreta examinada pelo STF), somente a superveniência de fatos novos poderá ensejar o seu restabelecimento. Além disso, a apelação deve ser recebida no seu efeito devolutivo e suspensivo, conforme os termos dos arts. 198 do ECA e 520, caput, do CPC.

O precedente do STF não afasta por completo a possibilidade da internação antes do trânsito em julgado da sentença. Contudo, enfatiza que de acordo com a interpretação sistemática do art. 108, parágrafo único, do ECA, antes do trânsito em julgado da sentença admite-se tão somente a internação de natureza cautelar, cuja necessidade imperiosa cumpre ao juiz demonstrar, podendo, nesse caso, a apelação ser recebida sem o efeito suspensivo.

Observa-se que na situação analisada pelo STF houve a revogação da internação provisória (cautelar) no curso da instrução processual e, ainda assim, foi determinada a execução imediata da sentença que aplicou a medida socioeducativa de internação, independentemente da interposição de recurso. A ilegalidade residiu, portanto, na retomada da internação (que deve ser interpretada como provisória, pois ocorreu antes do trânsito em julgado da sentença), sem que fosse demonstrada por meio de elementos concretos e em decisão fundamentada da autoridade judiciária a sua imprescindibilidade, o que constitui ofensa ao art. 93, inc. IX, da Constituição Federal e ao art. 106 do ECA.

Em termos práticos, o que se extrai do precedente apresentado pelo STF é que se o adolescente estiver internado provisoriamente (internação cautelar), desde que não tenha sido extrapolado o prazo máximo da internação provisória previsto no art. 108, caput, do ECA, poderá eventualmente o recurso contra a sentença que aplicou a medida socioeducativa privativa de liberdade ser recebido somente no efeito devolutivo, devendo, todavia, ser concretamente demonstrada na decisão judicial que receber o recurso de apelação que se mantém imprescindível a custódia provisória.

7.7 Recurso contra a sentença e situação dos processos de conhecimento e de execução provisória de medida, quando o cumprimento da medida ocorre em programa ou unidade fiscalizada por outro juízo

Observadas as orientações contidas no precedente do STF, indicadas no subitem anterior, assim como o que dispuser o ato normativo do respectivo tribunal de justiça, caso o recurso de apelação tenha sido recebido unicamente no efeito devolutivo, extrai-se do CNACL a guia de execução provisória de medida socioeducativa (art. 2º, incs. II e III, da Resolução 165/2012-CNJ, com alterações trazidas pela Res. 191/2014-CNJ) e faz-se o seu envio ao juízo da execução, juntamente com os documentos que a acompanham. Concomitantemente, é feito o envio da guia e dos documentos que a acompanham ao órgão gestor do atendimento socioeducativo, solicitando-se a disponibilização de vaga em unidade de cumprimento de medida para o adolescente.

Os autos do processo de conhecimento são remetidos ao tribunal de justiça ao qual o juízo do conhecimento é vinculado, para reapreciação da sentença, em grau de recurso.

A autuação do procedimento de execução (provisória) ocorrerá no juízo da execução, à vista da guia de execução provisória e dos documentos que a instruem, enviados pelo juízo do processo de conhecimento. Informada a existência de vaga e a unidade ou o programa de cumprimento da medida, faz-se a apresentação do adolescente ao local indicado pelo órgão gestor do atendimento socioeducativo.

Mantida em sede recursal a sentença que aplicou a medida socioeducativa, o juízo do processo de conhecimento comunicará o fato ao juízo da execução e remeterá cópia do acórdão e outros eventuais documentos que não tenham acompanhado a guia de execução provisória, após o que os autos do processo de conhecimento serão arquivados.

Com a comunicação do trânsito em julgado da sentença, feita pelo juízo do conhecimento ao juízo da execução, a guia de execução provisória será convertida em definitiva, devendo o juízo da execução atualizá-la no CNACL (art. 10, § 1º, da Res.165/2012-CNJ, alterado pela Res. 191/2014-CNJ). Além disso, o juízo da execução informará ao órgão gestor da medida socioeducativa aplicada sobre o trânsito em julgado da sentença (art. 10, § 2º, da Res. 165/2012-CNJ).

Caso a sentença seja reformada, estando o adolescente internado, o tribunal de justiça ou o órgão superior que apreciou o recurso determinará a expedição de alvará liberatório, retornando os autos do processo de conhecimento ao juízo de origem.

Quanto ao processo de execução provisória instaurado perante o juízo da execução, será arquivado, após o recebimento da comunicação sobre o resultado do julgamento do recurso que reformou a sentença proferida pelo juízo singular do conhecimento.


8. CONCLUSÃO

O presente estudo permitiu identificar que embora seja aparentemente simples, a atividade judicial que envolve a aplicação de medidas socioeducativas a adolescentes em conflito com a lei requer observação e atenção criteriosa para diversos fatores e circunstâncias relacionados ao ato infracional, à pessoa do adolescente e ao seu entorno psicossocial. A aplicação adequada ou falha desses fatores pode representar o êxito ou o fracasso da intervenção estatal sobre a pessoa do adolescente vinculado a uma ou mais medidas de natureza socioeducativa ou protetiva.

Com o advento da Lei nº 12.594/2012 e da regulamentação implementada pelas Resoluções 165/2012 e 191/2014, do CNJ, situações abusivas, que permitiam a manutenção do adolescente de forma indefinida em regime de medida privativa de liberdade, sem observar os progressos sociopedagógicos alcançados ao longo da medida, tendem a ser banidas da prática judiciária.

É preciso, no entanto, que todos os atores envolvidos no processo e no atendimento socioeducativos, quer seja na esfera judiciária ou na órbita administrativa, estejam compromissados com a causa infantojuvenil, trabalhando de forma articulada e coordenada. Procurando identificar os entraves que ainda precisam ser superados e fazendo as gestões necessárias perante os órgãos, entidades e autoridades que têm o poder de decisão nas mãos, a fim de que o Sistema de Garantia dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes seja uma realidade em nosso país.

A escolha correta e o cumprimento com resultado eficaz das medidas legais aplicadas aos adolescentes envolvidos com a prática de atos infracionais insere-se nesse processo de tratamento humanizado, pois todos esperam que após o período de sujeição às medidas socioeducativas e protetivas, o adolescente apresente-se melhor, sob todos os aspectos, integrado socialmente e em condições de levar uma vida produtiva e consciente de suas responsabilidades nos contextos pessoal, familiar e comunitário.

Por isso mesmo, os procedimentos de apuração de ato infracional e de execução de medida socioeducativa devem estar cada vez mais alinhados ao propósito de levar ao adolescente que esteve em conflito com a lei crescimento pessoal, social, educacional, familiar, profissional etc.

Sob essa ótica, a ação socioeducativa não pode ser analisada como mero instrumento para aplicação de medidas socioeducativas, como pode ser dado a entender pela redação literal do artigo 180, inc. III, do ECA.

A nova ordem legal trazida com a Lei nº 12.594/2012, notadamente a possibilidade da unificação de medidas socioeducativas; da substituição daquelas por práticas ou medidas restaurativas; da vedação, em alguns casos, quanto à aplicação de nova medida, ou quanto ao reinício do cumprimento de uma medida já em execução ou já concluída. Em suma, esse conjunto de princípios e de outros elementos positivados na Lei do SINASE impõe um novo olhar para o processo socioeducativo de apuração de ato infracional e de execução de medidas socioeducativas.

A busca permanente pelo aprimoramento dos métodos que permitem conferir tratamento adequado e justo ao adolescente vinculado a medidas de cunho socioeducativo e protetivo trará retorno, sob a forma de proveito pedagógico e finalidade social, não apenas para o adolescente, como sujeito de direitos em condição peculiar de desenvolvimento, mas também para a sua família e para a sociedade, de modo geral.


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FACUNDES, Rosinei da Silva. Aplicação e execução de medidas socioeducativas e a Lei nº 12.594/2012. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4716, 30 maio 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34903. Acesso em: 28 mar. 2024.