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Danos morais na responsabilidade civil do Estado

a fixação do quantum debeatur segundo a jurisprudência do STJ

Danos morais na responsabilidade civil do Estado: a fixação do quantum debeatur segundo a jurisprudência do STJ

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O STJ tem estabelecido parâmetros de avaliação para fixação de indenizações, os quais possuem o objetivo de preservar o instituto do dano moral, além de garantir a eficiência do direito à reparação das lesões de ordem extrapatrimonial.

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo analisar o tema da fixação do quantum debeatur das indenizações dos danos morais provenientes da responsabilidade civil do Estado, à luz da jurisprudência do STJ. O direito positivo brasileiro não possui qualquer espécie de legislação que norteie a atuação dos órgãos jurisdicionais com respeito aos critérios os quais deverão ser utilizados no momento da valoração dos danos morais. Dessa forma, a doutrina e a jurisprudência têm se debruçado sobre a problemática em questão, apontando parâmetros para a aferição de valores justos para as indenizações fundadas em ofensas aos direitos da personalidade. Logo, tendo por base as lições de doutrinadores no campo da responsabilidade civil do Estado e na teoria dos danos morais, bem como na construção pretoriana liderada pelo STJ, foi realizado um estudo sobre as tendências apresentadas pela jurisprudência hodierna ao enfrentar a referida discussão.

Palavras-chave: Direito Administrativo. Responsabilidade Civil do Estado. Danos Morais. Fixação do quantum debeatur. Jurisprudência.

Sumário: INTRODUÇÃO.1 CONCEITO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO..1.1 Conceito e fundamentos jurídicos..1.2 Teorias acerca da Responsabilidade Civil do Estado.1.3 A responsabilidade civil do Estado por atos comissivos e omissivos.1.4 A evolução legislativa e jurisprudencial da responsabilidade civil do Estado no direito brasileiro.2 A REPARAÇÃO CIVIL DOS DANOS MORAIS. 2.1 Conceito de Dano Moral. 2.2 Evolução Histórica.2.3 A Reparação dos Danos Morais no Direito Comparado. 2.4 Evolução legislativa e jurisprudencial do dano moral no direito brasileiro. 2.5 O problema da liquidação do dano moral.3 O PROBLEMA DA FIXAÇÃO DO QUANTUM DEBEATUR NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.3.1 Sistemas aberto e fechado para fixação da quantia indenizatória. 3.2 A teoria do valor do desestímulo e os punitive damages.3.3 Critérios utilizados na fixação da quantia indenizatória.3.4 Competência do Superior Tribunal de Justiça para analisar os critérios de fixação do quantum debeatur.3.5 Importância da atuação do STJ no controle e revisão de indenizações em valor ínfimo ou exorbitante.CONSIDERAÇÕES FINAIS.REFERÊNCIAS.


INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem o fito de analisar os critérios de fixação da quantia indenizatória dos danos morais, utilizados pelo Superior Tribunal de Justiça, nos julgamentos de causas que envolvem a responsabilidade extracontratual do Estado. Devido à ausência de critério objetivo e preciso para o arbitramento do quantum debeatur da reparação civil por danos de cunho moral, serão abordados os critérios e as teorias jurisprudenciais e doutrinárias que versam sobre o tema, bem como as noções fundamentais sobre o instituto da responsabilidade civil do Estado, no direito pátrio. 

A análise da construção jurisprudencial do STJ poderá apontar uma possível falta de critério e segurança jurídica, por parte desta Corte, no momento do arbitramento da quantia indenizatória. Também será possível determinar se esta colenda corte está decidindo de maneira uniforme ou discrepante.

O estudo das decisões do STJ sobre o tema implicará na descrição dos critérios utilizados na apreciação dos casos concretos que foram submetidos ao julgamento deste Egrégio Sodalício. Será fundamental a comparação dos precedentes, a fim de perceber se está havendo uma harmonização no entendimento do Tribunal a respeito do assunto. Tal avaliação também pode revelar se os órgãos julgadores fracionários estão prestigiando o mesmo entendimento ao tratar do tema em comento ou se há divergência interna por parte dos membros do Superior Tribunal de Justiça.

A pesquisa foi realizada através do estudo de trinta decisões do STJ, proferidas entre 2003 e 2012, as quais versavam sobre a indenização dos danos morais nos casos de responsabilidade civil do Estado por atos omissivos. Para tanto, foi utilizada a ferramenta de pesquisa livre de jurisprudência, disponibilizada no site oficial do Superior Tribunal de Justiça, utilizando os seguintes termos: “dano moral responsabilidade civil estado ato omissivo”.


1 CONCEITO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

1.1 Conceito e fundamentos jurídicos

Pode-se conceituar a Responsabilidade Civil do Estado, de acordo com o magistério de Celso Antônio Bandeira de Mello (2009, p. 983), como sendo:

a obrigação que lhe incumbe de reparar economicamente os danos lesivos à esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis em decorrência de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos.

Devido ao fato de a Administração Pública ser responsável pela garantia da proteção jurídica de todos os membros da sociedade, ela não poderia se eximir de reparar o dano causado a particular, proveniente da conduta dos agentes públicos, no exercício de seu mister. Trata-se de verdadeiro corolário do princípio do Estado Democrático de Direito, e, consequentemente, dos princípios da legalidade e da igualdade de todos perante a lei. De acordo com o princípio da legalidade, a pessoa jurídica de direito público não poderia permanecer inerte face à conduta estatal lesiva aos interesses dos particulares. Ademais, nos termos do princípio da isonomia, todos os indivíduos devem tolerar as incumbências públicas de maneira igualitária, pois não seria viável exigir que um grupo determinado de pessoas fosse excessivamente onerado pela atuação estatal, a qual deve ser suportada por toda a coletividade (ROCHA, 1991, p. 79).

1.2 Teorias acerca da Responsabilidade Civil do Estado

Inicialmente, no período histórico do absolutismo, não era concebível, de acordo com o ordenamento jurídico e os costumes da época, admitir qualquer espécie de responsabilidade do Estado pelos atos ilícitos causados pelos seus prepostos. A fase da Irresponsabilidade do Estado era caracterizada pela fórmula “The King can do no wrong” (o rei não faz nada errado), brocardo inglês equivalente à expressão francesa “Le roi ne peut mal faire” (VELLOSO, 1987, p. 235). A respeito da teoria da irresponsabilidade estatal, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2010, p. 228) aduzem que: 

Com o surgimento da concepção moderna de Estado, imperava a ideia da total “irresponsabilidade” do poder público. Vale dizer, o Estado Absolutista não admitia a possibilidade de reparação por eventuais danos causados pela Administração, não se aceitando a constituição de direitos subjetivos contra o Estado soberano e absoluto. Tal infalibilidade era, por si só, a expressão da lei e do Direito, sendo inadmissível a ideia de concebê-lo como violador da ordem que teria por dever preservar. Restava à vítima, portanto, buscar a reparação do prejuízo sofrido perante a pessoa do agente público causador do dano, caso configurada a conduta culposa ou dolosa do mesmo.

A construção pretoriana apenas reconheceu a responsabilidade extracontratual do Estado na França, no ano de 1873, quando o famoso Caso Blanco foi julgado pelo Tribunal de Conflitos. Tal aresto dizia respeito a uma ação civil, proposta pelo pai de uma menor atropelada por uma vagonete, a qual teve fundamento no princípio de que o Estado é responsável pelos prejuízos que seus agentes causam a terceiros (CASTRO, 2004, p. 125). O mencionado leading case tornou-se um marco jurisprudencial e doutrinário fundamental ao desenvolvimento da teoria da responsabilidade civil do Estado, pois, embora tenha feito a ressalva de que a responsabilidade do Estado “não é geral nem absoluta”, a reconheceu como princípio, o qual deveria ser aplicado, de acordo com regras específicas, mesmo sem dispor, à época, do devido tratamento legislativo (MELLO, 2009, p. 992).

No entanto, ainda prevalecia o entendimento representado pela Teoria da Responsabilidade com Culpa, segundo o qual a Administração Pública apenas responderia pelos danos causados a particulares quando o dano fosse proveniente de ato de gestão (jure gestionis), pois estaria atuando como pessoa de direito privado. Em se tratando de ato de império (jure imperii), aquele no qual o Estado age no exercício de sua soberania, a irresponsabilidade estatal pelos danos causados por sua conduta lesiva perdurava, o que representava grande limitação à busca da justa reparação por parte da vítima, pois não se trata de tarefa simples caracterizar, no caso concreto, a atuação do Estado em atos de gestão ou de império, além de representar a irreparabilidade de uma lesão injusta causada por ente responsável pela tutela das leis e dos cidadãos (DINIZ, 2012, p. 674).

Posteriormente, a Teoria da Culpa Administrativa passou a aceitar a mera comprovação da ausência ou ineficiência do serviço público para o surgimento do direito de reparação civil à pessoa lesada. Desta forma, se tornava irrelevante a conduta individual dolosa ou culposa do agente público, pois a Responsabilidade Civil do estado surgia devido ao mau funcionamento das suas instituições ou da sua completa inexistência. A respeito do tema, Celso Antônio Bandeira de Mello (2009, p.992) lembra que: 

Em face dos princípios publicísticos não é necessária a identificação de uma culpa individual para deflagrar-se a responsabilidade do Estado. Esta noção civilista é ultrapassada pela idéia denominada de faute du service entre os franceses. Ocorre a culpa do serviço ou “falta de serviço” quando este não funciona, devendo funcionar, funciona mal ou funciona atrasado. Esta é a tríplice modalidade pela qual se apresenta e nela se traduz um elo entre a responsabilidade tradicional do Direito Civil e a responsabilidade objetiva.  

Tanto a Teoria da Culpa Administrativa quanto a Teoria da Responsabilidade com Culpa são modalidades de teorias subjetivas. Ambas relacionam o surgimento do dever de Reparação Civil do Estado com o aferimento da conduta estatal culposa.

A evolução histórica do modelo político liberal para a construção de um Estado Democrático de Direito contribuiu para o desenvolvimento das teorias objetivas da responsabilidade civil do estado. No dizer de Maria Helena Diniz (2012, p. 675): 

(...) a responsabilidade civil sai da teoria civilista, encontrando seu fundamento na seara do direito público, com base no princípio da igualdade de todos perante a lei, pois entre todos devem ser os ônus ou encargos equitativamente distribuídos. Não é justo que, para benefício da coletividade, somente um sofra encargos. Estes deverão ser suportados por todos indistintamente, contribuindo cada um por meio do Estado para a indenização de dano sofrido por um.

A responsabilidade civil objetiva do estado nasce quando o indivíduo sofre algum dano, o qual teve como origem o funcionamento do serviço público, sendo irrelevante se esse funcionamento foi bom ou mal. A pedra de toque da responsabilidade objetiva é a relação de causalidade entre o dano e o ato do agente público (VELLOSO, 1987, p. 234).

É comum a separação do estudo da teoria da responsabilidade civil objetiva do estado em três teorias, quais sejam: a teoria do risco administrativo, a teoria do risco integral e a teoria do risco social (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p. 234). José dos Santos Carvalho Filho (2010, p. 597) diferencia, de maneira bastante elucidativa, a teoria do risco administrativo da teoria do risco integral, quando assevera que: 

No risco administrativo, não há responsabilidade civil genérica e indiscriminada: se houver participação total ou parcial do lesado para o dano, o Estado não será responsável no primeiro caso e, no segundo, terá atenuação no que concerne a sua obrigação de indenizar. Por conseguinte, a responsabilidade civil decorrente do risco administrativo encontra limites. Já no risco integral, a responsabilidade sequer depende do nexo causal e ocorre até mesmo quando a culpa é da própria vítima.

Com relação à teoria do risco social, ela visa transferir o foco da responsabilidade civil para a vítima, e não para o autor do dano, fundamentando-se no fato de que o dever de reparar os prejuízos sofridos seria de toda a coletividade. Graças à socialização dos riscos, a pessoa lesada teria direito à reparação justa pelos seus danos, pois não poderia ser a única a arcar com o ônus da atuação estatal (CARVALHO FILHO, 2010, p. 597). A adoção desta teoria implica na desnecessidade de prova efetiva da conduta atribuível ao Estado, por meio de seus agentes, para que este seja responsabilizado, pois seria aplicável aos casos em que não é possível identificar, com precisão, os autores dos delitos (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p. 236).

A teoria adotada no direito pátrio foi a do risco administrativo. Será suficiente, portanto, para o reconhecimento da responsabilidade extracontratual do Estado a comprovação do dano, da ação administrativa e do nexo de causalidade entre a conduta estatal e o prejuízo sofrido pelo particular (STOCO, 2011, 1136).

1.3 A responsabilidade civil do Estado por atos comissivos e omissivos

Ao seguir as diretrizes da teoria do risco administrativo, o direito brasileiro evidenciou a adoção da responsabilidade civil objetiva do Estado. Logo, é indiscutível que, na análise de uma lesão sofrida por terceiro em virtude da atuação de um agente público, o Estado será responsabilizado pela restituição do lesado ao status quo ante, independentemente da configuração de conduta culposa ou dolosa do seu preposto.

Não obstante a teoria do risco administrativo tenha sido aceita pelo direito como dogma, a responsabilidade civil subjetiva do Estado ainda sobrevive em determinadas situações. A reparação extracontratual de danos provenientes de atos judiciais ou da omissão estatal, bem como o direito de regresso da Administração perante o agente público causador do dano, são exceções à aplicação da responsabilidade civil objetiva, sendo imprescindível a comprovação da conduta culposa ou dolosa, a depender do caso, para o surgimento do dever de reparação.

Com relação à responsabilidade civil do Estado por condutas omissivas, a posição majoritária da doutrina e da jurisprudência é no sentido de admitir a sua configuração somente nas hipóteses em que se encontra comprovada a ineficiência ou inexistência do serviço público, consagrada pela expressão francesa faute du service. Dessa forma, para que seja caracterizada a responsabilidade extracontratual do ente estatal deverá ser demonstrada, em juízo, a ocorrência da culpa do serviço público, a qual diz respeito à imprudência, negligência ou imperícia na prestação do mister público que culminou em dano ao particular, nos moldes do princípio geral da culpa civil (STOCO, 2011, p. 1129).

Por outro lado, juristas como Carlos Roberto Gonçalves e Felipe Peixoto Braga Netto entendem que a responsabilidade civil do Estado na modalidade objetiva também será aplicada nos casos de conduta omissiva, desde que seja estabelecido o nexo de causalidade direto e imediato entre a omissão estatal e o dano. Tal entendimento já chegou a ser adotado até mesmo pelo Supremo Tribunal Federal em determinadas decisões (BRAGA NETTO, 2012, p. 159).

No entanto, a jurisprudência tanto do Pretório Excelso quanto do Superior Tribunal de Justiça (STJ, RESP 1023937-RS, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJ 08/06/2010) tem sido firmada no sentido de defender a tese da responsabilidade civil subjetiva do Estado, nos casos de condutas omissivas. Com efeito, não destoa deste entendimento o teor do seguinte acórdão:

ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. OMISSÃO. BACEN. DEVER DE FISCALIZAÇÃO. MERCADO DE CAPITAIS. QUEBRA DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. EVENTUAL PREJUÍZO DE INVESTIDORES. NEXO DE CAUSALIDADE. AUSÊNCIA. 1. A pacífica jurisprudência do STJ e do STF, bem como a doutrina, compreende que a responsabilidade civil do Estado por condutas omissivas é subjetiva, sendo necessário, dessa forma, comprovar a negligência na atuação estatal, ou seja, a omissão do Estado, apesar do dever legalmente imposto de agir, além, obviamente, do dano e do nexo causal entre ambos. 2. O STJ firmou o entendimento de não haver nexo de causalidade entre o prejuízo sofrido por investidores em decorrência de quebra de instituição financeira e a suposta ausência ou falha na fiscalização realizada pelo Banco Central no mercado de capitais. 3. Recursos Especiais providos.  

A respeito da distinção entre a omissão genérica, a qual não tem o condão de atrair a responsabilidade civil do Estado, e a omissão específica, a qual poderá resultar no dever de o Estado reparar o prejuízo sofrido, diante das circunstâncias de cada caso, Felipe Peixoto Braga Netto (2012, p. 163) faz o seguinte comentário:

Nem sempre é fácil distinguir a omissão que causa a responsabilidade civil do Estado daquela que não o responsabiliza. A questão envolve múltiplos fatores, como o nexo causal, as circunstâncias de fato, a natureza do dano, e a própria configuração da omissão. Quanto mais genérica esta forma, mais difícil seria responsabilizar o Estado por ela. Será difícil, no atual estado jurisprudencial, responsabilizar o Estado por todos os assaltos ocorridos no país. Porém, se alguém é assaltado em frente a uma delegacia de polícia, estando patente a inação estatal, é possível que o dever de indenizar se faça presente. Quanto mais específica for a omissão, diante do dever de agir, concreto e palpável, que se impõe ao Estado, mais claro será o seu dever não cumprido.

1.4 A evolução legislativa e jurisprudencial da responsabilidade civil do Estado no direito brasileiro

No contexto histórico do direito positivo pátrio, a irresponsabilidade estatal jamais foi admitida pelas Constituições brasileiras. Com efeito, a Constituição do Império previa, em seu artigo 179, item 29, a responsabilidade dos agentes públicos pelos danos e abusos decorrentes das suas condutas omissivas ou comissivas, no exercício de suas respectivas profissões. No entanto, Carlos Velloso (1987, p. 240) faz a seguinte ressalva, ao discorrer acerca da Constituição de 1824: “Apenas o Imperador era irresponsável, conforme dispunha o art. 99 da mesma Constituição, a dizer: ‘a pessoa do Imperador é inviolável e sagrada: ele não está sujeito a responsabilidade alguma”.

A primeira Constituição republicana deste país, promulgada no ano de 1891, não alterou o modo de lidar com a responsabilidade extracontratual do estado. O artigo 82 da referida carta política manteve restrito o dever de reparação pelos danos causados aos particulares apenas aos prepostos do Estado. O mencionado dispositivo constitucional rezava que: “Os funcionários públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e omissões em que incorrerem no exercício de seus cargos, assim pela indulgência ou negligência em não responsabilizarem efetivamente os seus subalternos”.

A responsabilidade com culpa veio a ser instituída, na ordem jurídica brasileira, pelo Código Civil de 1916 (VELLOSO, 1987, p. 240). O seu artigo 15 estabelecia que: 

as pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos dos seus representantes que nessa qualidade causarem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano

Tal legislação representou um marco na evolução do instituto da responsabilidade civil do Estado, pois reconheceu a possibilidade de o ente estatal figurar no polo passivo de eventual ação proposta por terceiros, em decorrência de atuação dolosa ou culposa do agente público, sem prejuízo do eventual direito regressivo contra os causadores do dano.

A Constituição de 1934 estabelecia, nos termos do seu artigo 171, que:

Os funcionários públicos são responsáveis solidariamente com a Fazenda Nacional, Estadual ou Municipal, por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício dos seus cargos.

§ 1º - Na ação proposta contra a Fazenda pública, e fundada em lesão praticada por funcionário, este será sempre citado como litisconsorte.

§ 2º - Executada a sentença contra a Fazenda, esta promoverá execução contra o funcionário culpado.

Rui Stoco (2011, p. 1123) conclui que: “A Constituição de 1934 admitiu a responsabilidade direta e solidária do Estado, sem ressalvar a natureza criminosa do fato como excludente (art. 171)”.

A Carta Magna de 1937, outorgada pelo Presidente Getúlio Vargas, se limitou a repetir, em seu artigo 158, o que já havia sido disposto no artigo 171 da Constituição de 1934 (ROCHA, 1991, p. 114). Por tal razão, a Constituição do Estado Novo não trouxe qualquer tipo de inovação no tratamento e na interpretação do instituto jurídico em análise.

A Constituição Federal de 1946, por outro lado, implementou uma verdadeira revolução na disciplina jurídica da responsabilidade civil do estado ao adotar expressamente a teoria objetiva. O artigo 194 da Constituição de 18 de setembro de 1946 deixa evidente a nova posição adotada pelo Poder Constituinte ao dispor que: 

As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros.

Parágrafo único: Caber-lhes-á ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quando tiver havido culpa destes.

Muito embora o artigo transcrito tenha inaugurado em nosso ordenamento jurídico, com clareza solar, a teoria objetiva do risco administrativo, a construção pretoriana não corroborou imediatamente e de forma pacífica com tal entendimento.

Conforme lembra Felipe Peixoto Braga Netto (2012, p. 58): “(...) não bastou que a Constituição de 1946 dispensasse a culpa para que a jurisprudência seguisse o mesmo caminho. O processo foi lento, como costuma ser nesses casos”.

A Constituição de 1967 manteve a orientação iniciada pela ordem constitucional anterior e adotou, da mesma maneira, a responsabilidade civil do Estado em sua modalidade objetiva. Outra não é a posição adotada pelo seu artigo 105, o qual rezava que:

As pessoas jurídicas de direito público responderão pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causarem a terceiros.

Parágrafo único: Caberá ação regressiva contra o funcionário responsável, nos casos de culpa ou dolo.

A emenda constitucional nº 1, de 1969, não instituiu qualquer mudança no tratamento da matéria. Limitou-se, portanto, a reproduzir o princípio da responsabilidade civil objetiva do Estado, o qual havia sido inaugurado pela Constituição de 1946 e albergado também no texto da Constituição de 1967 (WALD, 1993, p. 7).

O princípio da responsabilidade estatal objetiva também foi insculpido no texto da Constituição Federal de 1988, nos termos do seu artigo 37, § 6º, o qual estabelece que: 

As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Embora tenha mantido o posicionamento da teoria do risco administrativo, adotada por todas as constituições brasileiras desde a Carta Magna de 1946, o constituinte de 1988 esclareceu de maneira explícita a eventual discussão que surgia, sob a égide da Carta Política anterior, a respeito do enquadramento das autarquias, das entidades paraestatais, a exemplo das sociedades de economia mista, empresas públicas, serviços sociais autônomos, bem como das concessionárias de serviços públicos no princípio da responsabilidade extracontratual do Estado (STOCO, 2011, p. 1300). Conclui Rui Stoco (2011, p.1301) que o artigo 37, § 6º da Constituição Federal de 1988: “(...) deixou estreme de dúvida que todas as entidades enumeradas respondem objetivamente pelos atos de seus prepostos”. Também é mister ressaltar que a redação do mencionado artigo utilizou a expressão “agentes”, substituindo o termo “funcionário público”. O uso deste termo significou uma denominação mais técnica e tornou inócua qualquer polêmica a respeito da abrangência da aplicação da disciplina da responsabilidade civil a todos os agentes da Administração Pública (MELLO, 2009, p.998).

Com o advento do Código Civil de 2002, foi modificado o tratamento reservado à matéria, pela legislação civil, ultrapassando a teoria da responsabilidade subjetiva, adotada pelo Código Civil de 1916, e se adequando aos mandamentos constitucionais. Com efeito, dispõe o seu artigo 43 que: 

As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.

Sob o pálio da constituição cidadã, a jurisprudência dos tribunais pátrios tem confirmado, de maneira remansosa, a responsabilidade civil objetiva do Estado prevista pelo texto do artigo 37, § 6º da Constituição. Ademais, os precedentes judiciais, bem como as orientações sumuladas das cortes superiores são imprescindíveis para nortear os operadores do direito no tocante aos diversos problemas que tal tema apresenta na prática forense, além de suprir a ausência, no nosso direito positivo, de legislação infraconstitucional reguladora do tema (BRAGA NETTO, 2012, p. 57). O Projeto de Lei 5480/2009 foi apresentado pelo deputado Flávio Dino à Câmara dos Deputados em 24 de junho de 2009 e tem o objetivo de consolidar boa parte da evolução jurisprudencial sobre o tema (MENDES; COELHO; BRANCO, 2010, p. 980).


2 A REPARAÇÃO CIVIL DOS DANOS MORAIS 

2.1 Conceito de Dano Moral

Segundo os dizeres de Carlos Alberto Bittar (1999, p. 43), os danos morais podem ser conceituados como:

 aqueles suportados na esfera dos valores da moralidade pessoal ou social, e, como tais, reparáveis, em sua integralidade, no âmbito jurídico. Perceptíveis pelo senso comum - porque ligados à natureza humana – podem ser identificados, em concreto, pelo juiz, à luz das circunstâncias fáticas e das peculiaridades da hipótese sub litem, respeitado o critério básico da repercussão do dano na esfera do lesado.  

Dessa forma, prevalece o entendimento de que a característica primordial do  mencionado instituto se manifesta na ocorrência de uma lesão a uma determinada categoria de direitos fundamentais, quais sejam, os direitos da personalidade (ADRADE, 2003, p. 9). O dano moral teria o condão de atentar contra valores primordiais na vida humana, a exemplo da tranquilidade de espírito, da liberdade individual, da integridade física, da honra e da reputação (CAHALI, 2005, p. 22). Adotam a referida concepção, doutrinadores como Sergio Cavalieri Filho, Yussef Said Cahali e André Gustavo Corrêa de Andrade (STOCO, 2011, p. 1873).

No entanto, é mister salientar que parte considerável da doutrina procura definir o dano moral de maneira excludente ou negativa, em contraposição ao dano de natureza econômica ou patrimonial (ANDRADE, 2003, p. 2). Neste sentido, Maria Helena Diniz (2012, p. 107) aduz que:

O dano moral vem a ser a lesão de interesses não patrimoniais de pessoa natural ou jurídica (CC, art. 52; Súmula 227 do STJ), provocada pelo fato lesivo. Qualquer lesão que alguém sofre no objeto de seu direito repercutirá, necessariamente, em seu interesse; por isso, quando se distingue o dano patrimonial do moral, o critério da distinção não poderá ater-se à natureza ou índole do direito subjetivo atingido, mas ao interesse, que é pressuposto desse direito, ou ao efeito da lesão jurídica, isto é, ao caráter de sua repercussão sobre o lesado, pois somente desse modo se poderia falar em dano moral, oriundo de uma ofensa a um bem material, ou em dano patrimonial indireto, que decorre de evento que lesa direito da personalidade ou extrapatrimonial, como p. ex., direito à vida, à saúde, provocando também um prejuízo patrimonial, como incapacidade para o trabalho, despesas com tratamento.

Compartilham desse mesmo entendimento, definindo dano moral como aquele que se encontra em oposição aos danos de ordem patrimonial, juristas como Pontes de Miranda, Aguiar Dias, Wilson Mello da Silva, dentre outros (ANDRADE, 2003, p. 2).

Também existe o conceito de dano moral, o qual possui como alicerce a referência à dor ou alteração negativa do estado anímico, psicológico ou espiritual da pessoa (ANDRADE, 2003, p. 3). Seguindo o pensamento desta corrente, o dano moral seria uma espécie de lesão aos sentimentos, capaz de determinar dor ou sofrimentos físicos, inquietação espiritual ou ofensa às afeições legítimas, bem como qualquer tipo de injúria insuscetível de apreciação econômica (STOCO, 2011, p. 1873). Dentre os que adotam essa forma de conceituar o instituto do dano moral, se destacam Jorge Bustamante Alsina, Eduardo Zannoni e Antônio Jeová Santos (ANDRADE, 2003, p. 4).

Ultrapassada a conceituação do dano moral, é relevante tecer algumas considerações acerca da distinção entre o dano moral direto e indireto. O dano moral direto é aquele que representa uma lesão a um interesse que objetiva a satisfação ou usufruto de um bem jurídico extrapatrimonial relacionado aos direitos da personalidade, a exemplo da vida, da integridade corporal e psíquica, da liberdade, e da própria imagem. Também poderá ser resultado de uma ofensa aos atributos da pessoa (como o nome, a capacidade, o estado de família) ou de uma lesão à dignidade da pessoa humana, princípio fundamental insculpido no art. 1º, III, da Lex Mater (DINIZ, 2011, p. 110).

Com relação ao dano moral indireto, trata-se de uma lesão a um interesse que visa à satisfação ou gozo de um bem jurídico patrimonial que, além disso, constitui também uma ofensa a um bem de natureza não patrimonial (STOCO, 2011, p. 1874).

2.2 Evolução Histórica

A codificação mais antiga a conter disposições relacionadas à reparação dos danos morais é o Código de Ur-Nanmu, o qual foi adotado pelos povos sumerianos, e antecedeu, em aproximadamente trezentos anos, o Código de Hamurabi. Embora o Código de Ur-Nanmu trouxesse dispositivos que previam a utilização do direito de vingança, como era usual aos povos da antiguidade, já era admitida a substituição do direito de vindita pela reparação compensatória, através do pagamento de multa pecuniária. Tal peculiaridade pode ser evidenciada pelo seguinte trecho da referida codificação: “se um homem a outro homem, com uma arma, os ossos tiver quebrado: uma mina de prata deverá pagar” (SILVA, 2002, p. 66).

O Código de Hamurabi foi um sistema de leis, surgido na região da Mesopotâmia, por intermédio do rei Hamurabi, da Babilônia. Possuía como alicerce primordial a ideia de que “o forte não prejudicará o fraco”, proporcionando ao ofendido uma reparação equivalente. O referido princípio é explicitado pela famosa fórmula da Lei de Talião: “olho por olho, dente por dente” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p. 99). 

Não obstante a Lei de Talião tenha constituído o cerne do referido conjunto de leis, Flávia de Almeida Viveiros de Castro (2003, p. 192) faz a seguinte ressalva, no tocante à reparação dos danos por meio de cominação de pagamento de um valor pecuniário:

Já naquela época a imposição de uma pena econômica constituía uma forma de proporcionar à vítima uma satisfação compensatória, por meio da diminuição patrimonial do agente lesionador. Além desta satisfação, a pena tinha por objetivo, também, a exclusão do direito de vindita, sentimento contrário à unidade e harmonia sociais. Nesta codificação pode ser observado o germe da teoria da compensação econômica, que se constitui em proporcionar à vítima de dano uma satisfação pecuniária, nos casos de dano extrapatrimonial, e que nasceu como exceção ao direito de vindita.

O Código de Manu foi o conjunto de leis mais antigo da Índia, e exerce influência sobre a vida social e religiosa dos seguidores do Hinduísmo até mesmo nos dias de hoje. A referida codificação possuía certa semelhança em relação ao Código de Ur-Nanmu e ao Código de Hamurabi, devido ao fato de conter a previsão de uma espécie de reparação de danos quando eram ocorridas lesões (SILVA, 2002, p. 66).

No entanto, as leis de Manu representaram um avanço quando comparadas aos dispositivos do Código de Hamurabi, pois enquanto este previa a reparação de uma ofensa por meio de outra, o Código de Manu estabelecia a reparação de um ato lesivo pelo pagamento de uma prestação pecuniária. Tal legislação também foi pioneira ao trazer a previsão legal de danos de natureza eminentemente moral, a exemplo das penalidades impostas àqueles que proclamassem não ser virgem uma jovem, aos ministros ou juízes que condenassem injustamente um inocente, ou aos “sedutores de mulheres alheias” (SILVA, 2002, p. 67).

Os preceitos legais do Código de Hamurabi exerceram notável influência nas disposições do Alcorão acerca da reparação das ofensas a bens extrapatrimoniais. No entanto, as normas que autorizavam o exercício do direito de vingança foram abrandadas. Em vários momentos, o Alcorão prevê as compensações de natureza econômica como forma de substituição do direito de vingança (SILVA, 2002, p. 71). 

Ademais, até mesmo as normas que permitiam o exercício da vingança privada, o desaconselhavam, em nome do perdão, o que implica na constatação da existência de preceitos que visavam repelir a vingança, com o incentivo do perdão e da misericórdia. Tal característica pode ser exemplificada pelo teor do verso 127 do capítulo XVI, o qual reza que: “se vos vingardes, que a vossa vingança não ultrapasse a ofensa recebida. Porém, aqueles que sofrerem com paciência farão uma ação mais meritória” (SILVA, 2002, p. 71).

Com o desenvolvimento da Grécia antiga, a reparação pecuniária pelos danos morais foi definitivamente consagrada, em substituição à violência física e pessoal como meio de satisfação do ofendido (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p. 103). A nova orientação se tornou célebre em decorrência da narração histórica que afirmava o fato de Demóstenes ter recebido de Midas um valor em dinheiro como forma de reparação ao dano moral decorrente de uma bofetada sofrida (CASTRO, 2003, p. 193). 

Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2010, p. 103) ilustram a plena aceitação do instituto do dano moral, até mesmo no plano cultural e religioso, por parte dos gregos, ao aduzirem que:

Já o próprio Homero, na Odisseia (rapsódia oitava, versos de 266 a 367), refere-se a uma assembleia de deuses pagãos, pela qual se decidia sobre reparação de dano moral, decorrente de adultério. Hefesto, o marido traído, surpreendeu, em flagrante, no seu próprio leito, a infiel Afrodite, com o formoso Ares. Tendo o ferreiro Hefesto reclamado aos deuses uma providência, estes condenaram Ares a pagar pesada multa, informação esta que, mesmo mitológica, já demonstra o hábito da compensação econômica pelos danos extrapatrimoniais.

A adoção do conceito de dano moral pelo Direito Romano desperta alguma controvérsia. Yussef Said Cahali (2005, p. 30) lembra que para alguns juristas, dentre os quais se destaca Ihering, o dano moral tem origem no Direito Romano, juntamente com a grande maioria das instituições de direito privado. O eminente doutrinador também ressalva que, no entendimento de outros autores, em especial Gabba, não existia no referido ordenamento jurídico, qualquer sinal ou germe da reparação civil por danos morais (CAHALI, 2005, p. 30).

No Direito Romano, havia uma distinção entre a lesão imediata a um atributo da personalidade (lesão à honra) e a ofensa feita por via de seu patrimônio, ou seja, lesão mediata do patrimônio. Para os romanos, o homem poderia ser lesado tanto no que é (quando sua honra ou seus direitos e faculdades inatas são atingidos), quanto no que tem (nos casos em que o direito de propriedade é atingido). Era facultado ao ofendido ingressar em juízo por meio de uma ação denominada actio de iniuriis aestimandi, na qual era pleiteado o recebimento de determinada soma em dinheiro. Os órgãos julgadores colegiados possuíam a liberdade para decidir se a demanda era justa e equitativa. O valor da reparação pelo dano sofrido era sempre uma prestação pecuniária prudentemente arbitrada pelo juízo colegiado, muito embora houvesse a necessidade de uma anterior estimativa do dano, feita pela própria vítima. Importa destacar que não era feito um questionamento a respeito da origem do dano cuja reparação era pleiteada. Era relevante apenas a constatação da sua ocorrência, para que ficasse evidenciada a necessidade de reparação (CASTRO, 2003, p. 193).

A dúvida que existe no tocante à adoção do instituto do dano moral pelo Direito Romano não está presente no estudo do Direito Canônico. Nesse ordenamento, a tutela do direito à honra é amplamente garantida. O objetivo de determinar reparação pelas lesões de natureza patrimonial e extrapatrimonial resultou em dispositivos legais que influenciaram a legislação de diversos povos, os quais se encontravam sob a influência forte e constante da Igreja Católica (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p. 105). 

Também não se pode olvidar do fato de que o Código da Igreja estabelecia a aplicação de penalidades tanto para religiosos quanto para leigos (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p. 105). Com efeito, havia a previsão de danos eminentemente morais, a exemplo das penalidades atribuídas ao eclesiástico que: vendesse um homem para a escravidão ou outro mau fim; causasse lesões ou mutilações físicas ou raptasse impúberes de um ou de outro sexo (SILVA, 2002, p.87). Outrossim, o Código Canônico estabelece a reparação dos danos provenientes da calúnia e da injúria através do uso de sanções de ordem material ou espiritual (SILVA, 2002, p. 88). Esta peculiaridade pode ser demonstrada pela redação do cânone 2355, o qual enuncia que:

Se alguém, não com atos, mas por meio de palavras ou escritos, ou de qualquer outra forma, injuria um terceiro, ou o prejudica em sua fama ou reputação, não só se obriga, nos teores dos cânones 1618 e 1938, a dar a devida satisfação e a reparar os danos, como, também, se torna passível de penas e penitências proporcionadas, inclusive se se trata de clérigo a quem, se for o caso, se deve impor a suspensão ou a privação de ofício e benefício.

A presença dos danos morais pode ser notada em alguns dispositivos oriundos do Direito hebraico. As regras atinentes à reparação dos danos morais se encontram na Bíblia Sagrada, mais precisamente no Antigo Testamento. O Deuterônimo contém os casos em que estão previstas formas de coibir ofensas de cunho moral, a exemplo do seu capítulo XXII, que trata a respeito das “leis acerca do casamento” (SILVA, 2002, p.89).

Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2010, p. 103) comentam a respeito da inequívoca aceitação do instituto do dano moral pelo Direito Hebraico de forma bastante elucidativa, verbis:

Podemos, ainda, lembrar de um outro trecho específico de reparação pecuniária de dano moral sofrido em Deuterônimo, 22:28-29:

“Se um homem encontrar uma moça virgem não desposada e, pegando nela, deitar-se com ela, e forem apanhados, o homem que dela abusou dará ao pai da jovem cinquenta ciclos de prata e, porquanto a humilhou, ela ficará sendo sua mulher; não a poderá repudiar por todos os seus dias”. Também nesse trecho verificamos a indenização (note-se que não se trata tecnicamente de multa, pois reverte ao pai da moça) como forma de reparação do dano moral, aliada à condenação na proibição de divóricio.

No direito talmúdico, que se refere ao livro denominado de Talmude, o qual contém uma compilação, realizada pelos doutores hebreus, das leis e tradições judaicas, existe a previsão de cinco espécies distintas de indenização para a reparação do dano. O Nezek se aplicava ao dano material propriamente dito; o Tzaar era pertinente aos casos de dano moral proveniente da dor física; O Shevet leva em conta os prejuízos sofridos em decorrência da cessação das atividades do lesionado, durante o período de sua convalescença; o Riput representava a indenização de despesas médicas e o Boshet, o qual era consubstanciado na indenização devida pela ocorrência de dano eminentemente moral, ou seja, pela afronta, pelo padecimento íntimo e pelos sentimentos de humilhação ou vergonha. O aplicador da lei era o responsável por decidir qual modalidade de indenização seria imposta ao ofensor, em cada caso concreto, sendo admitida a ocorrência de mais de uma imposição (CASTRO, 2003, 194).

As legislações de algumas das grandes potências históricas da Europa contemplaram a reparação civil dos danos morais. As Ordenações do Reino, que vigoraram em Portugal até o ano de 1867, traziam casos em que as eventuais ofensas à honra resultariam no pagamento de indenização ao lesado, a qual seria fixada dentro de limitações preestabelecidas. O § 512 do título 86 do Livro III, das Ordenações do Reino, por exemplo, estabelecia o direito de o lesionado exigir reparação pelas dores sofridas em caso de ferimento feito de propósito, ou por culpa larga, sendo a referida indenização proporcional à natureza das dores (Silva, 2002, p. 127). O Código de Napoleão também dava proteção especial à reparação de dano. Seus artigos 1146 e 1153 descreviam o dano decorrente do descumprimento de cláusula contratual através da expressão dommage et intérets, enquanto o ato ilícito que causava dano desobedecendo o ordenamento jurídico era denominado de dommage, nos termos dos artigos 1382 a 1386 (GADELHA, 2003, p. 151).

Durante o decorrer do Século XX, os tratados internacionais passaram a salvaguardar, de maneira incontroversa, a proteção jurídica contra as ofensas aos direitos da personalidade, à honra e à dignidade da pessoa humana, bens jurídicos fundamentais para a manutenção da paz social, dentro de um Estado Democrático de Direito, e que são tutelados pelo instituto da reparação dos danos morais. Tal fato inspirou constituições de diversos países a adotar preceitos garantidores dos mencionados direitos fundamentais. No mesmo sentido, Paulo Gadelha (2003, p. 152) atenta para a importância dos tratados internacionais de direitos humanos, no estudo do dano moral, quando afirma que:

Os Tratados Internacionais, na mesma teoria, também dão proteção à honra e à dignidade da pessoa.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, no seu artigo XII, assim determina: “Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar, ou sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques”.

Igualmente, o Pacto de San José da Costa Rica, é incontroverso: “Artigo 11- Proteção da honra e da dignidade. 1. Toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade. 2. Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, na sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação”.

Como se depreende dos textos legais transcritos, a preocupação com a honra é dogma universal.

2.3 A Reparação dos Danos Morais no Direito Comparado

Ao abordar o tema da reparação civil dos danos morais nos ordenamentos jurídicos de diversas nações, Yussef Said Cahali (2005, p. 31) utiliza a classificação idealizada por Brebbia para distinguir o tratamento reservado pelos diversos sistemas jurídicos, os separando em quatro grupos, cada um deles formado por países nos quais o instituto é delineado de maneira similar pelas respectivas legislações. O primeiro grupo abarca os ordenamentos que asseguram de maneira ampla e geral o princípio da reparação dos danos morais. Este, por sua vez, pode ser dividido em dois subgrupos: o dos sistemas que admitem a reparação somente no campo da responsabilidade extracontratual (representado por países como Uruguai, México e Espanha) e dos sistemas que a admitem também no âmbito da responsabilidade contratual (representados por países como França e Suíça). O segundo grupo se refere às nações onde a indenização por danos morais é prevista apenas nas hipóteses taxativamente enumeradas em lei, dentro do qual se destaca o direito alemão. O terceiro grupo é formado pelo direito da Inglaterra e dos Estados Unidos da América, pois as características específicas do Common Law, o separam claramente dos sistemas jurídicos de direito codificado. Por fim, os sistemas que formam o quarto grupo são exemplificados por países como a Rússia e a Hungria, os quais têm como distinção a ausência de qualquer previsão expressa do princípio da reparação dos danos morais em suas respectivas codificações, muito embora o teor de tais leis, por sua amplitude, não o rejeite de maneira expressa (CAHALI, 2005, p. 31).

Apenas a título exemplificativo serão tecidos breves comentários às disposições referentes à reparação dos danos morais no ordenamento jurídico da Espanha, da França, da Alemanha e no direito anglo-americano, pois cada um destes sistemas jurídicos ilustra as peculiaridades do respectivo grupo na classificação doutrinária anteriormente mencionada.

O direito alemão tem aceitado a reparação civil dos danos morais desde o ano de 1900. O BGB (Bürgerlisches Gesetzbuch), Código Civil alemão, enuncia, em seu § 253, que: “por um dano, que não é um dano patrimonial, a compensação em dinheiro não pode ser demandada fora dos casos fixados pela lei”. Tais hipóteses taxativas estão previstas nos §§ 847 e 1300 do referido Código. O § 847 do BGB estabelece que: “No caso de golpe no corpo ou no espírito, assim como no caso de privação de liberdade, a parte lesada pode igualmente exigir uma compensação equivalente em dinheiro em razão de um dano que não constitui um dano patrimonial”. Embora no direito alemão o dano moral fique restrito apenas aos casos previstos em lei, o instituto da Busse (penitência ou multa), presente nos artigos 186 e 187 do Código Penal alemão, procura suprir tal deficiência com a previsão de uma indenização em dinheiro a ser paga à vítima, quando esta sofresse danos à sua posição pessoal, ou seja, ao seu bom nome, à sua projeção social (CASTRO, 2033, p. 195).

No Direito Francês, a disciplina jurídica atinente à reparação de dano está contida no art. 1382 do Código Civil, que dispõe que: “todo e qualquer fato do homem, que cause a outro um dano, obriga aquele, por culpa do qual ele aconteceu, a repará-lo”. Não obstante a redação do dispositivo transcrito tenha tratado do instituto do dano de uma maneira bastante ampla e sem descrever explicitamente os eventuais danos de natureza extrapatrimonial, a doutrina e a jurisprudência dos tribunais franceses vem consagrando a incidência do princípio da ampla reparabilidade do dano moral (CASTRO, 2003, p. 196).

A reparação civil dos danos morais possui total aceitação no âmbito do direito anglo-americano, sendo admitida de forma ampla e irrestrita. Não há que se questionar, no direito anglo-americano, a que título o dano moral deve ser reparado. Será discutida apenas a efetiva existência de dano, que, caso comprovada, possuirá o condão de implicar, necessariamente, na sua devida reparação (CASTRO, 2003, p. 197).  Américo Luís Martins da Silva (2002, p.116) sintetiza a maneira como os danos morais são tratados, nestes países representantes do Common Law, ao afirmar que:

Nesses países, não se encontram normas legais uniformes (normas escritas), com regras gerais para todos os casos de dano moral e de reparação civil. Isso porque, em vez de sancionarem normas fecundas em consequências, das quais, por dedução, se fizessem as aplicações aos casos concretos, conforme nos informa Luís Frederico S. Carpenter, preferem partir dos próprios casos concretos. Ou seja, os Tribunais reúnem em grupos as espécies que lhes parecem semelhantes e, quando são chamados a decidir, consultam as coleções-séries dessas espécies análogas. Achando o grupo símile, resolvem a pendência de acordo com ele. É o direito consuetudinário agindo em sua plenitude.

No direito espanhol, embora o teor do artigo 1902 do Código Civil possua grande semelhança com o artigo 1382 do Código Civil francês, a jurisprudência dos tribunais espanhóis foi muito mais relutante em aceitar a reparação dos danos morais, em comparação com as cortes francesas. Enuncia o artigo 1902 do Código Civil espanhol que: “aquele que, por ação causa dano a outro, intervindo culpa ou negligência, está obrigado a reparar o dano causado” (SILVA, 2002, p. 110). Segundo o entendimento da jurisprudência espanhola, que prevaleceu até meados do século XX, o referido dispositivo legal admitia apenas a reparação das lesões patrimoniais. Tal orientação foi revista por uma decisão do Tribunal Supremo da Espanha, em 1949, a qual consignou que nos danos e prejuízos estão contidos tanto os danos matérias como os de índole moral. Este é o posicionamento que predomina nos julgados desse país (SILVA, 2002, p. 114).

2.4 Evolução legislativa e jurisprudencial do dano moral no direito brasileiro

Durante o período histórico do Brasil Colonial até o advento do Código Civil, no ano de 1916, as Ordenações do Reino de Portugal, legislação aplicável à seara do Direito Civil, não regulavam de maneira expressa o ressarcimento do dano moral. O Código Civil de 1916, de autoria de Clóvis Beviláquia, mudou sensivelmente este panorama ao trazer alguns dispositivos que influenciaram parte da doutrina a admitir a reparação dos danos morais, no ordenamento jurídico brasileiro. Com efeito, o artigo 76 do referido Codex estabelecia que:

Para propor ou contestar uma ação, é necessário ter legítimo interesse econômico ou moral.

Parágrafo único. O interesse moral só autoriza a ação quando toque diretamente ao autor, ou à sua família.

Já o artigo 159 da mencionada codificação rezava que: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p. 106). A respeito da controvérsia doutrinária existente sobre a efetiva inclusão do princípio da reparação civil dos danos extrapatrimoniais, pelo texto do Código Civil de 1916, Yussef Said Cahali (2005, p.46) assinala que:

Reconheça-se, porém, que já de longa data a doutrina nacional orientava-se no sentido de admitir a tese positiva da reparação do dano moral. A única divergência que ainda se mantinha estava em que alguns autores, embora aceitando a reparabilidade do dano moral como tese, negavam tivesse sido a mesma acolhida pelo nosso legislador como princípio geral, ressalvando certas disposições excepcionais específicas; enquanto outros se desenvolviam mais amplamente no sentido de que o princípio da reparação do dano moral já estava de fato integrado na nossa legislação anterior.

 Entretanto, devido ao fato de o artigo 159 não fazer qualquer tipo de menção aos danos de natureza extrapatrimonial, somado à exegese que era feita do dispositivo constante do artigo 76, segundo a qual se tratava de norma meramente processual condicionadora do exercício do direito de ação, a doutrina e a jurisprudência passaram a rechaçar a ideia da reparabilidade dos danos morais (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p. 107).

 Ao longo dos anos, diversas legislações esparsas vieram a dispor sobre o assunto, ainda que de maneira restrita e específica. Dentre essas leis especiais, se destacam o Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4117/62), o Código Eleitoral (Lei 4737/65), a Lei de Imprensa (Lei 5250/67), a Lei dos Direitos Autorais (Lei5988/73), o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90) e o Código de Defesa do Consumidor, Lei 8078/90 (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p.107).

Entretanto, a reparação civil dos danos morais só foi aceita de maneira inconteste pelo ordenamento pátrio com a promulgação da Constituição da República, em 1988, quando a inviolabilidade dos bens inerentes à personalidade foi afirmada e protegida de maneira efetiva (STOCO, 2011, p. 1871). Conforme assinala Rui Stoco (2011, p. 1871):

A declaração expressa no sentido de proteção e resguardo dos valores morais pela Constituição Federal não é propriamente um direito novo, mas apenas nova roupagem constitucional vestindo o velho e discutido direito.

E a Lei Magna fê-lo de forma irrestrita e abrangente.

Fez mais. Alçou esse direito à categoria de garantia fundamental (CF/88, art. 5º, V e X), considerada como cláusula pétrea e, portanto, imutável, nos estritos termos do art. 60, § 4º, da Carta Magna.

Com efeito, o art. 5º da Lex Mater enuncia, em seus incisos V e X, que:

V- é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

X- são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

 Diante do texto da Constituição Federal, o dissenso que ainda existia na jurisprudência sobre a possibilidade de indenização do dano moral, pelo nosso ordenamento foi finalmente sepultado. Nessa esteira, o Colendo Superior Tribunal de Justiça consolidou a Súmula 37, a qual afirma que: “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato”.

O Código Civil de 2002 se adequou à previsão constitucional e admitiu a reparação civil do dano moral, nos moldes do seu artigo 186. No entanto, o Novo Código Civil brasileiro não trouxe qualquer inovação à disciplina da matéria, além de não sanar eventuais questionamentos no que diz respeito à existência de regras gerais para a reparação do dano moral e permanecer omisso no tocante aos parâmetros para a liquidação do dano moral (CAHALI, 2005, p. 53). O artigo 186 do

Código Civil estabelece que: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

2.5 O problema da liquidação do dano moral

No passado recente, o tema da reparabilidade do dano moral gerava grande controvérsia entre os doutrinadores que se aventuravam no estudo do tema. Enquanto parte dos juristas admitia a indenização dos danos de caráter extrapatrimonial, mesmo antes do advento da Constituição de 1988, outros a rechaçavam por completo. Dentre os argumentos defendidos por aqueles que não admitiam a reparação do dano moral, se destacam os seguintes: a efemeridade do dano moral; o escândalo da discussão, em juízo, sobre sentimentos íntimos de afeição e decoro; incerteza, nos danos morais, de um verdadeiro direito violado e de um dano real; dificuldade de descobrir-se a existência do dano; impossibilidade de uma rigorosa avaliação pecuniária do dano moral; indeterminação do número de lesados; imoralidade da compensação da dor com o dinheiro; perigo de inevitabilidade da interferência do arbítrio judicial, conferindo ao juiz poder ilimitado na apreciação dos danos morais, ao avaliar o montante compensador do prejuízo; enriquecimento sem causa; impossibilidade jurídica de se admitir tal reparação (DINIZ, 2011, p. 112).

 No entanto, a Carta Política de 1988 sepultou de maneira definitiva essa espécie de questionamento ao albergar, de forma explícita e definitiva, o instituto do dano moral no ordenamento jurídico pátrio. Superada a referida discussão, o problema a ser enfrentado pelos juristas passa a ser o da fixação da quantia referente à reparação civil dos danos morais. A ausência de previsão legal de critérios norteadores de tal arbitramento possibilita a ocorrência de inúmeras disparidades nos julgados que se debruçam sobre o tema. Ademais, a ofensa de ordem extrapatrimonial é de difícil aferição econômica, pois é influenciável por diversos fatores e variáveis. A respeito da referida problemática, Maria Helena Diniz (2011, p.117) com muita propriedade, aduz que:

A fixação do quantum competirá ao prudente arbítrio do magistrado de acordo com o estabelecido em lei, e nos casos de dano moral não contemplados legalmente a reparação correspondente será fixada por arbitramento (CPC, arts. 475-C a 475-H;RTJ, 69:276, 67:227). Arbitramento é o exame pericial tendo em vista determinar o valor do bem, ou da obrigação a ele ligado, muito comum na indenização dos danos. É de competência jurisdicional o estabelecimento do modo como o lesante deve reparar o dano moral, baseado em critérios subjetivos (posição social ou política do ofendido, intensidade do ânimo de ofender: culpa ou dolo) ou objetivos (situação econômica do ofensor, risco criado, gravidade e repercussão da ofensa). Na avaliação do dano moral, o órgão judicante deverá estabelecer uma reparação equitativa, baseada na culpa do agente, na extensão do prejuízo causado e na capacidade econômica do responsável.

Na reparação do dano moral o juiz determina, por equidade, levando em conta as circunstancias de cada caso, o quantum da indenização devida que deverá corresponder à lesão e não ser equivalente, por ser impossível tal equivalência.

A omissão legislativa relativamente ao estabelecimento do justo montante indenizatório faz com que se busque todo elemento possível para encontrar em caso sub judice o valor que lhe for mais adequado.

Como chegar a uma reparação justa do dano moral? Como apurar o quantum indenizatório, se o padrão moral varia de pessoa para pessoa e se tanto o nível social, econômico, cultural e intelectual como o meio em que vivem os interessados repercutem no seu comportamento? Se a reparação do dano moral não tem correspondência pecuniária, ante a impossibilidade material de equivalência de valores, como poderá ser absoluta e precisa?

Um dos grandes desafios da ciência jurídica é o da determinação dos critérios de quantificação do dano moral, que sirvam de parâmetros para o órgão judicante na fixação do quantum debeatur.


3.  O  PROBLEMA  DA FIXAÇÃO DO QUANTUM   DEBEATUR  NA  JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 

3.1 Sistemas aberto e fechado para fixação da quantia indenizatória

O ordenamento jurídico, ao disciplinar a fixação do quantum debeatur das indenizações por danos morais, pode adotar o sistema aberto, também conhecido como ilimitado, ou o sistema fechado, também chamado de “sistema tarifado” (STOCO, 2011, p. 1929).

No direito pátrio, o sistema aberto é o aplicado na aferição da quantia devida a título de reparação por ofensa de natureza extrapatrimonial. Isso significa afirmar que o magistrado, por meio de uma avaliação subjetiva do caso concreto e de suas peculiaridades, arbitrará o valor da indenização, que possuirá o condão de minorar a ofensa imputada ou satisfazer a lesão experimentada pelo ofendido, bem como coibir o ofensor de reincidir na prática do mencionado ato lesivo (HOMAISSI, 2012, p. 12). No mencionado sistema, não há qualquer espécie de previsão legislativa capaz de estabelecer um valor mínimo e um “teto” para os valores pecuniários fixados em juízo. Tal fato resulta em uma maior discricionariedade para o órgão julgador, devido ao fato de inexistir qualquer limitação legal prévia para a fixação da quantia devida, o que evidencia uma intensa atividade subjetiva do juiz (SANTANA, 2007, p. 27).

Héctor Valverde Santana (2007, p. 27), defendendo a melhor adequação do sistema aberto ou ilimitado para o arbitramento dos danos morais, argumenta que:

Assim, à míngua de parâmetros legais, matemáticos ou exatos, o juiz utiliza o seu prudente arbítrio, o bom senso, a proporcionalidade ou razoabilidade para valorar o dano moral. A atuação do juiz dirige-se a encontrar uma quantia que não seja ínfima, simbólica, que não represente uma mera censura judicial, ou reduzida a ponto de desmerecer a relevante natureza jurídica do bem da vida violado (direitos da personalidade). Por outro lado, o juiz não pode estabelecer um valor para o dano moral que represente um enriquecimento ilícito da vítima, um injustificado aumento patrimonial, ou corresponda a um montante desproporcional à condição econômica do ofensor, fato capaz de levá-lo à ruína.

O prudente arbítrio do juiz significa que a quantificação do dano moral fica exposta a um critério essencialmente subjetivo, regido conforme as concepções pessoais e personalidade do magistrado, que certamente revela as variantes intrínsecas de cada ser humano. Não é uma tarefa cuja solução justa tenha fonte exclusivamente no aprimoramento do tecnicismo jurídico. O tema está vinculado à formação do juiz no que tange aos seus valores dominantes, sua base filosófica, seu posicionamento sociológico, seu ponto de vista humanístico, entre outros fatores (Cf. SANTOS, 2003, p. 152-153).

Já aqueles que se posicionam de maneira contrária ao sistema adotado, argumentam que o grau de subjetividade da atividade jurisdicional na fixação do quantum debeatur resulta em uma flagrante disparidade entre julgados que versam sobre questões similares. Além disso, aduzem também, que a maior liberdade do julgador ao aferir tal quantia é responsável por decisões as quais cominam valores ínfimos ou exagerados a título de reparação dos danos morais (HOMAISSI, 2012, p.13).

O sistema fechado ou tarifado é aquele no qual os valores reparatórios são predeterminados pela legislação ou pela aplicação da analogia e da interpretação analógica (STOCO, 2011, p. 1929). Tal sistema também pode regulamentar os critérios de quantificação dos danos morais, os quais serão observados pelo magistrado no momento de fixar o montante devido pelo ofensor. Esta peculiaridade tem o fito de prestigiar o princípio da segurança jurídica, coibindo a proliferação de decisões contraditórias (CIANCI, 2003, p. 101).

Alguns doutrinadores, a exemplo de Rui Stoco, Mirna Cianci e Américo Luís Martins da Silva, são favoráveis à implantação do sistema tarifado no Brasil, partindo da visão de que a inexistência de parâmetros legais prévios propicia o abuso e o exagero do valor do dano moral. Rui Stoco (2011, p. 1929) sintetiza os argumentos utilizados pela mencionada corrente, afirmando que:

Se o valor que se estabelece em favor da vítima da ofensa moral não encontra parâmetros objetivos, nem se escora em um prejuízo evidente ou materializado, e se, portanto, constitui-se de um não-dano, porque não expressa um ressarcimento propriamente dito, então o valor que apenas serve para compensar a dor, o sofrimento, a ofensa e outros bens imateriais só pode ser convencionado.

Diante disso, o sistema tarifado melhor atende o fundamento da reparação do dano moral, desde que se estabeleçam critérios de individualização e margens mínimas e máximas mais dilargadas e consentâneas com a realidade de hoje, de modo que, diante do vazio da legislação, ao julgador e aplicador da lei se entreguem certa liberdade e discricionariedade na fixação do valor, que estará contido dentro dessas margens.

Os defensores do sistema aberto ou ilimitado criticam o sistema fechado, por entenderem que o juiz encontra maior aptidão para avaliar o valor do dano moral do que o legislador, já que aquele tem acesso às provas dos autos, às questões subjetivas e objetivas que envolvem os casos concretos, fato que o torna mais apto a fixar a quantia devida. Também argumentam que se o atual sistema, o qual prioriza o arbitramento judicial, é suscetível à ocorrência de aberrações, não há garantia alguma de que o sistema tarifado seria capaz de eliminá-las (BERNARDO, 2005, p. 138). Héctor Valverde Santana (2007, p. 23), além de se posicionar de forma contrária ao sistema fechado, afirma que o artigo 5º, inciso V, da Constituição Federal de 1988 elimina qualquer pretensão de impor limites ao dano moral, pois o mencionado dispositivo legal exige que a “resposta” (indenização) seja proporcional ao agravo, agasalhando o princípio da reparação integral, na seara da responsabilidade civil.

3.2 A teoria do valor do desestímulo e os punitive damages

Os punitiv damages representam um instituto de reparação de danos morais oriundo do direito anglo-americano. Seu objetivo precípuo é, além de reparar o prejuízo sofrido pela vítima, configurar uma espécie de penalidade ao agente ofensor. Tal punição ocorre com o estabelecimento de indenizações em quantias vultosas, as quais buscam punir e desestimular quem cometeu a lesão a reincidir na prática da conduta danosa, bem como constituir um exemplo para a sociedade, com o intuito de que os demais membros da coletividade também se abstenham de praticar os mesmos atos, ao tomarem conhecimento da grave pena pecuniária imposta pelo Poder Judiciário àqueles que vierem a causar lesões de natureza extrapatrimonial a outrem (HOMAISSI, 2012, p. 14).

A teoria do valor do desestímulo tem encontrado adeptos no Brasil, dentre os quais se destacam Antônio Jeová Santos, Maria Helena Diniz e Luiz Roldão de Freitas Gomes (BERNARDO, 2005, p. 175). Os defensores dessa corrente doutrinária alegam que a tutela de mera reparação do dano moral não é suficiente para impedir a sua realização, continuação ou repetição, culminando com a ausência de uma proteção adequada e efetiva aos direitos da personalidade. Além disso, afirmam que a tutela reparatória não alcança o objetivo de intimidar o ofensor. Tal fato poderia autorizar o autor da conduta lesiva a reiterar seu comportamento, no caso de o valor da indenização não ser significativo, banalizando, dessa forma, as angústias da pessoa lesada (HOMAISSI, 2012, p. 14).

Entretanto, uma parcela considerável da doutrina nacional, representada por juristas como Clayton Reis e Maria Celina Bodin de Moraes, não admite a importação do instituto dos punitiv damages, característico do direito anglo-saxão, adepto do sistema de Common Law, para o nosso sistema jurídico, o qual deriva da doutrina romano-canônica (STOCO, 2011, p. 1925). Aqueles que rejeitam a aplicação da teoria do desestímulo alegam que a fixação de montante superior aos danos sofridos configuraria enriquecimento ilícito por parte da vítima, devido ao fato de a mesma se beneficiar de uma penalidade ao ofensor, a qual se destina a beneficiar toda a sociedade por constituir um desestímulo à prática de condutas similares pelos demais membros da coletividade. Afirmam também que a adoção dos punitiv damages possibilitaria a existência de bis in idem, pois muitas condutas que resultam na condenação ao pagamento de danos morais, também são alvo da represália do direito penal, por meio da pena de multa. Outra incongruência apontada ocorre nos casos nos quais o responsável pela reparação civil não é o efetivo causador do dano, pois as implicações da pena seriam arcadas por pessoa diversa, e não pelo próprio agente (BERNARDO, 2005, p. 176).

3.3 Critérios utilizados na fixação da quantia indenizatória 

 Algumas legislações específicas se propuseram a estabelecer parâmetros para o arbitramento do valor dos danos morais. O Código Nacional das Telecomunicações (Lei 4117/62), em seu artigo 84, posteriormente revogado pelo

Decreto-Lei nº 236 de 1967, rezava que: “Na estimação do dano moral, o juiz terá em conta notadamente a posição social ou política do ofensor, intensidade do ânimo de ofender, a gravidade e a repercussão da ofensa”. Na mesma esteira, o artigo 53 da Lei de Imprensa (Lei 5250/67) dispõe que:

No arbitramento da indenização em reparação de dano moral, o juiz terá em conta, notadamente: I- A intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a natureza e repercussão da ofensa e a posição social do ofendido; II- A intensidade do dolo ou grau de culpa responsável, sua situação econômica e a sua condenação anterior em ação criminal ou civil fundada em abuso do exercício da liberdade de manifestação do pensamento ou informação; III- A retratação espontânea e cabal, antes da propositura da ação penal ou civil, a publicação ou transmissão da resposta ou pedido de retificação, nos prazos previstos em lei e independente de intervenção judicial, e a extensão da reparação por esse meio obtido pelo ofendido.

 Entretanto, nosso ordenamento jurídico atualmente se encontra omisso no tocante aos critérios norteadores da atividade jurisdicional de fixação do quantum debeatur dos danos morais puros. A doutrina e a jurisprudência pátria tem se debruçado sobre a problemática, oferecendo diversos meios para quantificar o valor das lesões de natureza extrapatrimonial. Dentre os mais diversos critérios e teses, se destacam: a intensidade e extensão do sofrimento, a repercussão do fato no meio social, o grau de culpabilidade do ofensor, o caráter educativo, o caráter sancionatório, a justa compensação do prejuízo sofrido pela vítima, a preocupação em evitar o enriquecimento sem causa, a análise de eventual ocorrência de culpa concorrente, as condições pessoais do ofensor e da vítima, a realidade econômica do país e a obediência aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade (OLIVEIRA, 2009, p. 320).

 A intensidade e extensão do sofrimento da pessoa lesada é um critério de feição subjetiva, pois procura definir se o prejuízo sofrido foi de grande monta ou teve uma repercussão ínfima. Trata-se de um corolário do disposto no artigo 944 do Código Civil, o qual enuncia que: “A indenização mede-se pela extensão do dano” (OLIVEIRA, 2009, p. 320).

 A repercussão do fato no meio social diz respeito a investigar se a vítima é pessoa conhecida no âmbito público, ou se a lesão pode causar um prejuízo considerável nas suas relações familiares, amorosas ou no ambiente de trabalho (OLIVEIRA, 2009, p. 320). A análise de tais peculiaridades no caso concreto pode evidenciar a ocorrência de um dano maior, o que implicará, consequentemente, no arbitramento de um valor pecuniário superior, a título de indenização do dano moral.  O critério do grau de culpabilidade do ofensor é defendido por doutrinadores do porte de Yussef Said Cahali, Antônio Jeová Santos e Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho. Ademais, os tribunais pátrios tem utilizado o mencionado parâmetro na quantificação das lesões de natureza extrapatrimonial, como meio de punir a conduta que implique em um maior grau de reprovabilidade (BERNARDO, 2005, p.169).

 O caráter educativo e o caráter sancionatório se relacionam, pois o objetivo de ambos é desestimular a prática ou a reincidência de condutas que atentem contra os direitos da personalidade. No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça (RESP 1.300.187-MS, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, DJ 17/05/2012) já se manifestou, salientando que:

Na hipótese, a conduta do agente foi dirigida ao fim ilícito de ceifar as vidas das vítimas, atuando com dolo, o que torna seu comportamento particularmente reprovável. Nessa perspectiva, o arbitramento do dano moral deve alicerçar-se também no caráter punitivo e pedagógico da compensação.

Com efeito, a reparação punitiva do dano moral deve ser adotada "quando o comportamento do ofensor se revelar particularmente reprovável - dolo ou culpa grave - e, ainda, nos casos em que, independentemente de culpa, o agente obtiver lucro com o ato ilícito ou incorrer em reiteração da conduta ilícita" (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 9ª ed., rev. e ampl., São Paulo: Atlas, 2010, p. 99).

 A justa compensação do prejuízo sofrido pela vítima também deve ser observada no momento da fixação do quantum debeatur. O juiz deve procurar reestabelecer, dentro do possível, o status quo ante, de maneira que o valor arbitrado represente uma reparação ou compensação do prejuízo moral sofrido. 

No entanto, o órgão julgador também deve ter a cautela de evitar o enriquecimento sem causa do ofendido, e, consequentemente, o empobrecimento injustificado do ofensor. Dessa forma, a quantia deve ser capaz de proporcionar a satisfação pecuniária da vítima, sem implicar na ruína daquele que causou o dano (SANTANA, 2007, p. 30).

A observância de eventual hipótese de culpa concorrente também tem sido prestigiada pela doutrina e pela construção pretoriana na quantificação dos danos morais. Nos casos em que a vítima concorre para a ocorrência do evento danoso, tal peculiaridade poderá ser reconhecida, no caso concreto, como causa de diminuição do valor indenizatório (CIANCI, 2003, p. 62). Este entendimento também se baseia na redação do artigo 945 do Código Civil, o qual enuncia que: “Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano”.

As condições pessoais do ofensor e da vítima são informações relevantes para o arbitramento do valor da indenização. Não é possível admitir que o julgador fixe o quantum indenizatório com base na figura do “homem médio”. Cada indivíduo responderá de maneira diferente a uma determinada ofensa, devido à influência de fatores como: grau de escolaridade, orientação religiosa, princípios morais e familiares e situação socioeconômica (OLIVEIRA, 2009, p. 322). Da mesma forma, tais dados devem ser observados também com relação ao ofensor, pois apenas a análise da situação específica poderá indicar se o valor fixado será ínfimo ou exorbitante, de acordo com suas características individuais. Não destoa do entendimento exposto, decisão do Superior Tribunal de Justiça (Ag 850273-BA, Rel. Min. Honildo Amaral Mello Castro, Quarta Turma, DJ 03/08/2010) na qual foi assentado que:

O critério que vem sendo utilizado por essa Corte Superior na fixação do valor da indenização por danos morais, considera as condições pessoais e econômicas das partes, devendo o arbitramento operar-se com moderação e razoabilidade, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, de forma a não haver o enriquecimento indevido do ofendido, bem como que sirva para desestimular o ofensor a repetir o ato ilícito.

 A realidade econômica do país, também deve ser observada no momento do arbitramento do valor indenizatório (DINIZ, 2011, p. 121). A proliferação de condenações em montantes astronômicos, tal como tem ocorrido nos Estados Unidos da América, pode colocar em xeque a reputação do Poder Judiciário perante a sociedade e o princípio constitucional da segurança jurídica. Além disso, a irresponsabilidade na fixação do quantum debeatur pode constituir um desestímulo às atividades comerciais e de prestação de serviços, em geral, resultando no crescimento da denominada “indústria do dano moral”.

 A construção pretoriana tem firmado o entendimento de que as decisões judiciais, mormente aquelas em que se discute a valoração dos danos morais, devem se adequar ao princípio da razoabilidade. Tal critério tem o objetivo de rechaçar tanto as quantias insuficientes para a reparação do dano quanto exageradas ou desproporcionalmente elevadas, o que evita a fragilização do instituto do dano moral e resulta em um montante que sirva como satisfação à vítima e, ao mesmo tempo, represente o dever do ofensor de arcar com o prejuízo causado (BRANDÃO, 2006, p. 79). A busca da proporcionalidade entre a intensidade da dor e do sofrimento da pessoa lesada e o valor da indenização, bem como entre o binômio possibilidade (do ofensor) e necessidade (do lesado), também deve ser almejada pelo magistrado. Desse modo não haverá enriquecimento ilícito nem empobrecimento injustificado (OLIVEIRA, 2009, p. 323). Aplicando os referidos parâmetros, o Superior Tribunal de Justiça (AgRg no ARESP 167.557-DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJ 26/06/2012) já se pronunciou da seguinte maneira:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO. QUEDA NA CÂMARA LEGISLATIVA. OBRA SEM SINALIZAÇÃO. CONDENAÇÃO. REEXAME DE FATOS E PROVAS.  INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. REDUÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO. RAZOABILIDADE. SÚMULA 7/STJ. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADA. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA. AGRAVO DESPROVIDO.

1. O julgamento do Recurso Especial, para fins de afastar a condenação do Distrito Federal, pressupõe, necessariamente, o reexame dos aspectos fáticos da lide – especificamente para descaracterizar o ato lesivo, o dano e o nexo causal –, atividade cognitiva inviável nesta instância especial (Súmula 7/STJ). 2. A revisão do valor fixado a título de danos morais em razão de queda nos corredores da Câmara Legislativa, em local onde estava sendo realizada reforma, sem qualquer sinalização ou isolamento da área, encontra óbice na Súmula 07/STJ, uma vez que fora estipulado em razão das peculiaridades do caso concreto, levando em consideração o grau da lesividade da conduta ofensiva e a capacidade econômica da parte pagadora, a fim de cumprir dupla finalidade: amenização da dor sofrida pela vítima e punição do causador do dano, evitando-se novas ocorrências. Assim, a revisão do valor a ser indenizado somente é possível quando exorbitante ou irrisória a importância arbitrada, em violação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, o que não se observa in casu diante da quantia fixada em R$ 100.000,00. 3. A interposição do Recurso Especial pela alínea c do permissivo constitucional, exige a comprovação, entre os acórdãos apontados como paradigma e o aresto impugnado, da similitude fática, nos termos do art. 541, parágrafo único do CPC, e do art. 255, § 3o. RISTJ, situação inexistente no caso dos autos. 4. Agravo Regimental do Distrito Federal desprovido. 

(STJ, AgRg no ARESP 167.557-DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJ 26/06/2012)

3.4 Competência do Superior Tribunal de Justiça para analisar os critérios de fixação do quantum debeatur

 A princípio, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de Recurso Especial, estaria impedido de analisar os critérios de arbitramento do valor dos danos morais, devido à restrição imposta pela sua Súmula 07, a qual enuncia que: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”. Devido ao fato da fixação do quantum debeatur se tratar de atividade judicial que demanda análise do conjunto de elementos fático-probatórios constantes nos autos, a apreciação da matéria por esta corte superior estaria, em tese, vedada (GOUVÊA; SILVA, 2004, p. 33).  No entanto, muito embora os juízes de 1ª instancia e os tribunais inferiores se encontrem em uma situação mais favorável para analisar as peculiaridades e circunstâncias fáticas de cada caso, em decorrência de sua maior proximidade em relação aos fatos e às partes, o controle do STJ no tocante às decisões que fixem somas inexpressivas ou quantias exacerbadas a título de reparação civil dos danos morais, não poderá ser impedido (GOUVÊA; SILVA, 2004, p. 34). Dessa forma, a jurisprudência do Colendo STJ é remansosa no sentido de admitir o reexame da quantia fixada para a indenização dos danos morais, em sede de Recurso Especial, nos casos em que a decisão do órgão julgador a quo tenha estabelecido valores ínfimos ou exorbitantes, em desrespeito aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. O entendimento esposado pode ser ilustrado pelo teor da seguinte ementa:

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. VALOR EXORBITANTE. NÃO OCORRÊNCIA. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. JUROS DE MORA. LEI 11.960/09. APLICAÇÃO IMEDIATA AOS PROCESSOS EM CURSO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

1. Ausentes as hipóteses legais autorizadoras, e em face do caráter explicitamente infringente dos embargos, impõe-se recebê-los como agravo regimental, aplicando-se-lhes o princípio da fungibilidade recursal. Precedentes do STF e STJ. 2. Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a revisão do valor da indenização somente é possível quando exorbitante ou insignificante a importância arbitrada, evidenciando-se flagrante violação aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. 3. No caso em exame, o Tribunal de origem confirmou a sentença que julgou procedente a ação de responsabilidade civil, condenando o Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, pela ocorrência de erro médico e de processo infeccioso decorrente de intervenção cirúrgica nele ocorrida, ao pagamento de indenização por danos morais no valor total de R$ 50.000,00, o que não se mostra exorbitante. 4. A Corte Especial, contudo, no tocante aos juros de mora, no julgamento do REsp 1.205.946/SP, na sessão de 19/10/11, assentou a compreensão de que a Lei 11.960/09, ante o seu caráter instrumental, deve ser aplicada, de imediato, aos processos em curso. 5. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, ao qual se nega provimento.

(STJ, EDcl no AgRg no REsp 1216151-PR, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, Primeira Turma, DJ 11/12/2012)

 Ademais, o instituto do dano moral possui uma concepção peculiar, a qual torna desnecessária a prova objetiva do prejuízo sofrido, bastando para sua configuração, a comprovada ocorrência do nexo de causalidade entre a conduta do ofensor e a lesão extrapatrimonial. Tal característica autoriza a análise da matéria pelo STJ, pois a quantificação dos danos morais incide sobre um campo probatório limitado (GOUVÊA; SILVA, 2004, p. 34). O entendimento esposado pode ser ilustrado pelo seguinte excerto do voto do Ministro Cesar Asfor Rocha no julgamento do RESP 602401-RS (Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, Quarta Turma, DJ 18/03/2004):

Quanto à ausência de prova da ocorrência de dano moral, tampouco assiste razão ao recorrente. De fato, a jurisprudência desta Corte está consolidada no sentido de que, na concepção moderna do ressarcimento por dano moral, prevalece a responsabilização do agente por força do simples fato da violação, de modo a tornar-se desnecessária a prova do prejuízo em concreto, ao contrário do que se dá quanto ao dano material. Confiram-se, a propósito, os seguintes precedentes, entre inúmeros outros: REsp 233.076/RJ, relatado pelo eminente Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 24.02.2000; REsp 204.036/RS, relatado pelo eminente Ministro Barros Monteiro, DJ 23.08.1999; REsp 331.535/RJ, relatado pelo eminente Ministro Aldir Passarinho Junior, DJ 10.03.2003; REsp 196.024/MG, por mim relatado, DJ 02.08.1999.

Também é importante salientar que a discussão, em sede de Recurso Especial, que diz respeito à aplicação do direito probatório não se encontra vedada pelo enunciado da Súmula 07 do STJ. Compartilham do mesmo entendimento Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha (2011, p. 257) quando ressalvam que: 

É preciso distinguir o recurso excepcional interposto para discutir a apreciação da prova, que não se admite, daquele que se interpõe para discutir a aplicação do direito probatório, que é uma questão de direito e, como tal, passível de controle por esse gênero de recurso.

3.5 Importância da atuação do STJ no controle e revisão de indenizações em valor ínfimo ou exorbitante

 A análise da jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça na apreciação de causas as quais discutem a reparação civil de danos morais provenientes da conduta estatal, revela que esta corte tem se posicionado de forma ponderada, a fim de não usurpar a competência das instâncias de origem e dos tribunais inferiores na valoração dos elementos de prova constantes de cada caso. É ilustradora da referida cautela a seguinte ementa:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. MORTE DE PORTADOR DE DEFICIÊNCIA MENTAL AOS CUIDADOS DE HOSPITAL PSIQUIÁTRICO. DANOS MORAIS E VALOR DA INDENIZAÇÃO. ACÓRDÃO RECORRIDO FUNDAMENTADO EM FATOS E PROVAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7 DO STJ. 1. A conclusão assumida pelo Tribunal de origem, quando considerou comprovada a falha no dever de vigilância do Estado, resultou da análise dos fatos e provas anexadas aos autos, e só com o reexame desse conteúdo seria possível alcançar provimento judicial diverso, finalidade a que não se destina o recurso especial. Inteligência da Súmula 7/STJ. 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que a revisão do valor a ser indenizado somente é possível quando exorbitante ou irrisória a importância arbitrada, em flagrante violação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, o que não ocorre no presente caso, de forma que o exame da justiça do quantum arbitrado, bem como a sua revisão, demandam reavaliação de fatos e provas, o que é vedado, em recurso especial, ante o óbice contido na Súmula 7/STJ. 3. Agravo regimental não provido.

(STJ, ARESP 7783-MG, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJ 20/09/2012)

No entanto, tal ponderação não impediu que este Egrégio Sodalício reformasse julgados que fixaram quantias milionárias ou insignificantes, majorando ou minorando o quantum debeatur, a depender da hipótese. Esta corte já teve a oportunidade de se debruçar sobre a matéria no julgamento do RESP 1201326 – SP (Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJ 04/10/2012) no qual o ministro Castro Meira entendeu pela insuficiência do valor arbitrado pelo órgão julgador a quo, aduzindo que:

Quanto ao valor dos danos morais, também merece guarida a pretensão recursal, porquanto revela-se ínfima e fora dos parâmetros adotados por esta Corte em casos análogos a condenação do Poder Público em módicos 50 salários-mínimos, tamanha a gravidade das lesões experimentadas pelo autor, menor custodiado em cadeia pública e que foi atacado pelos colegas de cela e submetido às mais variadas formas de tortura física e moral, tudo em decorrência da omissão de agentes do Estado, que não souberam bem administrar o estabelecimento prisional, nem cumpriram com o seu mister de garantir a integridade física dos que ali se encontravam.

Acolho, por isso, os peremptórios termos do parecer do Ministério Público Federal, da lavra do ilustre Subprocurador-Geral da República Dr. Geraldo Brindeiro, para fixar em 200 salários-mínimos o montante da indenização:

O STJ já chegou até mesmo a estabelecer o dever de reparação dos danos morais nas situações em que o tribunal a quo havia entendido pela inexistência de qualquer espécie de lesão de natureza extrapatrimonial. Tal entendimento foi esposado pelo voto do eminente Ministro Luiz Fux no RESP 738.833–RJ (Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 08/08/2006) quando reconheceu o dever de reparação civil, por parte do Estado do Rio de Janeiro, devido ao fato de bandidos terem ingressado em hospital público, em decorrência de comprovada ineficiência de sua segurança, e assassinado o pai e companheiro dos autores.

O ministro relator estabeleceu indenização pelo prejuízo material e moral sofrido, salientando, acerca dos danos morais, que:

 Em sede de danos morais, impõe-se destacar que a indenização não visa reparar a dor, a tristeza ou a humilhação sofridas pela vítima, haja vista serem valores inapreciáveis, o que não impede que se fixe um valor compensatório, com o intuito de suavizar o respectivo dano. O entendimento jurisprudencial desta Corte é no sentido de que a prova do dano moral se satisfaz, em determinados casos, com a demonstração do fato externo que o originou e pela experiência comum. No caso específico, em que houve morte, a dor da família é presumida, sendo desnecessária fundamentação extensiva a respeito.

(Resp 204825, Rel. Ministra Laurita Vaz, DJ 15.12.2003).

No que pertine aos danos morais, esta Corte, aplicando o princípio da razoabilidade, tem reconhecido o direito à referida indenização, nestes termos:

"CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. ACIDENTE FERROVIÁRIO. MORTE. INDENIZAÇÃO. DANOS MATERIAIS. DANOS MORAIS. MAJORAÇÃO. 1. Divergência jurisprudencial comprovada, em conformidade com o artigo 541, § único, do Código de Processo Civil, e art. 255, e parágrafos, do Regimento Interno desta Corte. 2. Guardando os termos do pedido recursal e na esteira de precedentes desta Corte, a pensão é fixada em 2/3 (dois terços) do salário mínimo, até quando a vítima viria a completar 25 (vinte e cinco) anos, e reduzida para 1/3 (um terço) a partir daí, até o dia em que, também por presunção, o de cujus completasse 65 anos, ou antes, se os pais vierem a falecer. 3. Considerando-se as peculiaridades fáticas assentadas nas instâncias ordinárias, bem como os princípios de moderação e razoabilidade, e dos parâmetros adotados usualmente nesta Corte, em situações semelhantes, o valor indenizatório dos danos morais, fixado pelo eg. Tribunal a quo, merece ser majorado a um patamar mais adequado à espécie. Indenização a título de danos morais fixada na quantia certa de R$ 150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais). 5. Recurso especial conhecido e provido."

(REsp 703878/SP Relator Ministro JORGE SCARTEZZINI DJ 12.09.2005)  

 Portanto, o estudo da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça revela que esta corte possui a constante preocupação de cumprir sua função de uniformizar a jurisprudência nacional, no tocante à quantificação dos danos morais. Para isso, o Tribunal tem se utilizado dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para coibir a proliferação de julgados os quais venham a admitir a reparação dos danos morais através do arbitramento de quantias insuficientes ou exageradas, sem, no entanto, desprestigiar a atuação das instâncias inferiores e tabelar os valores das ofensas aos direitos da personalidade. 

Tal atuação é imprescindível para evitar um possível crescimento da denominada “indústria dos danos morais”, o que levaria a um estado de permanente insegurança jurídica e desestímulo ao comércio e à prestação de inúmeros serviços, pois a multiplicação de indenizações milionárias, incompatíveis com a realidade econômica do país, seria capaz de inviabilizar grande parte das atividades econômicas e, consequentemente, culminaria com um entrave ao desenvolvimento e ao crescimento econômico. Além disso, representaria uma penalidade de natureza civil ao ofensor, com o seu empobrecimento injustificado, e um enriquecimento ilícito, por parte da pessoa lesada. 

No entanto, o papel mais nobre e importante do STJ, ao lidar com a referida questão, reside na preservação dos institutos do dano moral e da responsabilidade civil do Estado, nos moldes em que se encontram delineados pela Constituição Federal e pelo Código Civil. Uma eventual omissão deste Egrégio Sodalício em face dos julgados que burlam os referidos institutos de direito, com a cominação de montante insuficiente para garantir a justa e devida reparação do prejuízo sofrido pela vítima, atentaria contra o ordenamento jurídico pátrio, causaria uma nova lesão moral ao ofendido e resultaria no desprestígio do Poder Judiciário perante a sociedade.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A hipótese que motivou o presente trabalho residia na possibilidade de os julgados do Superior Tribunal de Justiça, os quais lidam com a quantificação dos danos morais em causas relacionadas à responsabilidade extracontratual do Estado, apresentarem possíveis contradições no tocante aos critérios de fixação do quantum debeatur. É cediço que, após a Constituição Federal de 1988 sepultar, de modo definitivo, a discussão a respeito da reparabilidade dos danos morais, o grande problema passou a ser a valoração dos montantes indenizatórios arbitrados pelos órgãos do Poder Judiciário a título de reparação das lesões de cunho extrapatrimonial.

Dessa forma, a ausência de qualquer espécie de legislação apta a prever os critérios que devem ser observados pelos magistrados na apreciação dos casos concretos resulta na constatação de que os parâmetros norteadores da fixação da quantia devida são fruto do entendimento jurisprudencial dos tribunais pátrios. Tal avaliação subjetiva feita pelos órgãos jurisdicionais pode culminar em decisões que determinem valores exorbitantes, representado enriquecimento sem causa chancelado pelo juiz, ou insuficientes para garantir a efetiva reparação do prejuízo sofrido pela vítima.

Diante de tal contexto, o STJ tem exercido um papel de extrema relevância ao aplicar, em seus precedentes, critérios de valoração da quantia indenizatória, tais como: as condições econômicas e pessoais das partes, o grau de lesividade da conduta do ofensor, a intensidade do sofrimento do lesado, o caráter punitivo e pedagógico da compensação, dentre outros parâmetros apontados. Ademais, esta Egrégia Corte tem demonstrado uma importante preocupação com o respeito ao princípio da segurança jurídica e com o exercício de seu dever de uniformização da jurisprudência nacional, ao majorar ou reduzir os valores fixados pelos tribunais inferiores, à luz dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, quando tais montantes impliquem em um injusto empobrecimento, por parte do ofensor, ou representem uma quantia ínfima, incapaz de amenizar o sofrimento da pessoa lesada.

Portanto, pode-se concluir que a atividade do Colendo STJ, ao se deparar com um tema de tamanha complexidade jurídica, tem sido realizada de maneira positiva e eficiente. Os órgãos do referido tribunal demonstram uma convergência com relação aos critérios de valoração do quantum indenizatório que deverão ser utilizados pelos magistrados nas lides que tratam da reparação civil por danos morais provenientes da conduta estatal. No entanto, com a obediência de tais diretrizes, o Tribunal não procura usurpar o papel do Poder Legislativo, tabelando valores, com a desconsideração das características variáveis em cada situação. Seu objetivo precípuo é estabelecer parâmetros de avaliação, os quais possuem o objetivo de preservar o instituto do dano moral, além de garantir a eficiência do direito à indenização das lesões de ordem extrapatrimonial, que possui a guarida da legislação civil e da Constituição Federal.


REFERÊNCIAS

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BERNARDO, Wesley de Oliveira Louzada. Dano moral: critérios de fixação de valor. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ABREU, Felipe Castelo Branco de. Danos morais na responsabilidade civil do Estado: a fixação do quantum debeatur segundo a jurisprudência do STJ. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4470, 27 set. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35320. Acesso em: 29 mar. 2024.