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Luz, câmeras e mortes.

O caso Charlie Hebdo

Luz, câmeras e mortes. O caso Charlie Hebdo

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A barbárie do ataque extremista em Paris, vitimando jornalistas e policiais, sob as lentes impotentes de câmeras de vídeo em punho de testemunhas em pânico.

Em Paris, a Cidade Luz, terminou sombria a manhã da última quarta-feira, quando um grupo de extremistas religiosos – se é que possível achar algum tipo de fé na barbárie – invadiu a sede da revista Charlie Hebdo e matou jornalistas que ali trabalhavam, além de dois policiais que estavam nas imediações do prédio. Foram 12 mortos. O ato teria sido resposta à irreverência editorial das charges publicadas pela revista, que constantemente zombava de segmentos religiosos, dentre os quais o Islã, ao qual estariam ligados os autores do massacre.

A cobertura do ataque pela mídia tem sido rica na divulgação de vídeos da ação dos terroristas. Várias filmagens foram feitas por testemunhas, inclusive uma impactante, da execução covarde de um policial já caído. Havia câmeras a postos para registrar o passo-a-passo dos extremistas, mas, infelizmente, nada mais que pudesse ser utilizado para impedir seus atos. As filmagens foram a expressão de uma população em pânico, impotente ao testemunhar assassinatos com inegável toque de crueldade.

A França é um dos países do mundo em que a posse de armas de fogo pela população civil é proibida, exceção feita às de caça e esportivas. Não havia para os terroristas, portanto, nenhum receio de se expor, como fizeram, em vias públicas, justamente o que permitiu fossem amplamente filmados, pois seus únicos potenciais oponentes eram os policiais, previamente dominados e executados. Caso a realidade fosse outra, e além de câmeras os parisienses pudessem contar com algum meio eficaz de autodefesa, o desfecho poderia ser diferente. É uma suposição, obviamente, mas longe de ser fantasiosa, carente de fundamento ou mesmo inédita.

Pouco mais de um mês antes do ataque de Paris, um outro atentado com conotação religiosa ocorreu em Israel, numa sinagoga de Jerusalém. Na ocasião, dois palestinos mataram quatro israelenses e feriram outros oito. Imediatamente após o ataque, junto à condenação da ação dos fundamentalistas, foram anunciadas pelas autoridades israelenses medidas para que a população pudesse ter o acesso a armas de fogo facilitado, ampliando sua possibilidade de defesa. O anúncio não foi sequer questionado, ficando clara a compreensão de que as forças policiais, em qualquer país que seja, não se mostram suficientes a promover a integral segurança dos cidadãos.

Em verdade, isolados na árdua tarefa de promover a segurança social, os policiais acabam se tornando mais frágeis diante de qualquer ataque, pois não há a quem se socorrerem, a não ser seus próprios colegas de farda, e isso muitas vezes é insuficiente. Os policiais de Paris vitimados no ataque dessa quarta-feira bem exemplificam isso, de forma emblematicamente trágica.

O exemplo de Israel precisa ser ao menos compreendido. Segurança pública, seja diante de crimes comuns, seja contra ataques terroristas, não é uma operação matemática básica, resumida a dois fatores (polícia e bandidos), é uma equação complexa, com diversos componentes contrapondo-se constantemente em busca de equilíbrio. A possibilidade de reação, das vítimas ou de testemunhas de um ataque, é um dos mais fundamentais desses elementos e jamais pode ser desprezado, como se faz ao instituir indistintamente políticas de desarmamento social. Afinal, como tristemente se viu em Paris, câmeras não impedem mortes.


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