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Desenvolvimento sustentável: o super princípio do direito ambiental

Desenvolvimento sustentável: o super princípio do direito ambiental

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O desenvolvimento sustentável é antecedente inclusive ao direito fundamental da dignidade da pessoa humana, pois se todos os recursos naturais forem consumidos, não há que se falar em pessoa, muito menos em dignidade.

1.)  INTRODUÇÃO:

 O desenvolvimento sustentável é mesmo um Princípio Constitucional? É a primeira indagação de nos incumbe decifrar.

 Segundo o texto Magno, os direitos e garantias fundamentais (princípios estruturantes do sistema), se encontram topologicamente sumariados no artigo 5.°, e, o ecodesenvolvimento não consta desse rol.

 Em que pese a assertiva, exsurge, do próprio texto constitucional, que as normas-princípios que edificam as máximas políticas do Estado não se exaurem no conteúdo do art. 5.° da Constituição Federal. Ou seja, não se trata de um rol taxativo; assim, ainda que o título reservado aos direitos e garantias fundamentais seja extremamente simbólico, não exauri todo o estado principiológico permeado pelo legislador ordinário na construção dogmática da Carta Política.

 Rizzato Nunes (2002 apud BASTOS, 1998, p.143-4) salienta que os princípios constitucionais são aqueles que guardam os valores fundamentais da ordem jurídica. Isto só é possível na medida em que estes não objetivam regular situações específicas, mas sim desejam lançar a sua força sobre todo o mundo jurídico. Alcançam os princípios esta meta à proporção que perdem o seu caráter de precisão de conteúdo, isto é, conforme vão perdendo densidade semântica, eles ascendem a uma posição que lhes permite sobressair, pairando sobre uma área muito mais ampla do que uma norma estabelecedora de preceitos. Portanto, o que o princípio perde em carga normativa ganha como força valorativa a espraiar-se por cima de um sem-número de outras normas. Por essa quadra, incursionado, está o desenvolvimento sustentável no conceito jurídico de princípio, pois reúne na sua formulação deontológica todos os requisitos para receber essa carga valorativa.

 Verte-se em aximoro o princípio do desenvolvimento sustentável, pois como demonstraremos, ainda que princípio, não perde densidade semântica quando instrumentalizado, muito pelo contrário, essa verdadeira supranorma, cada vez mais, se destaca pela efetivação judicial, em razão de sua importância.

 É na terceira geração de direitos que encontramos a preocupação com o meio ambiente. Não obstante sua classificação como direito de terceira geração, trata-se, na verdade, de um direito intergeracional, ou transdimensional, pois que, sua amplitude abarca diretamente a vida humana, quer individual, quer social, presente e futura. (REIS; GORCZEVSKI; 2007)

 Nessa linha, o princípio do desenvolvimento sustentável reúne subprincípios: acesso equitativo aos recursos naturais, equilíbrio, limite e função socioambiental da propriedade, prevenção, precaução, poluidor-pagador, entre outros. Que se harmonizam e se integram na interpretação, com o móbil de solucionar os principais problemas ambientais no Brasil que se concentram nas áreas mais pobres, e, as maiores vítimas do descontrole ambiental são os setores mais vulneráveis da sociedade.

 O art. 1°, § 1.º, da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento dispõe que o Direito ao desenvolvimento é inalienável, toda pessoa está habilitada a participar, contribuir e desfrutar do desenvolvimento econômico, social, cultural, no qual todos os direitos humanos e liberdades fundamentais possam ser plenamente realizados.

 Tal disposição deve ser interpretada conjuntamente ao § 1.º, do art. 2.º: “pessoa humana é o sujeito central do desenvolvimento”. O Princípio n.º 13 da Declaração do Rio definiu o desenvolvimento sustentável. A pessoa humana, sem dúvida, é o sujeito central do desenvolvimento e deverá ser participante ativo e beneficiária do direito ao desenvolvimento, desfrutando, por conseguinte, de um equilibrado meio ambiente.

A proteção ao meio ambiente ecologicamente equilibrado está fadada ao insucesso se não houver desenvolvimento e efetivação judicial do princípio do desenvolvimento sustentável.

O progresso é objetivo da sociedade. O desenvolvimento ecologicamente sustentado tem natureza econômica e social. Entretanto, não pode acarretar prejuízos ao meio ambiente. A busca pelo desenvolvimento econômico deve estar em comunhão com a preservação ambiental. A declaração do Rio ao tratar do desenvolvimento sustentável revela a preocupação mundial no binômio desenvolvimento versus meio ambiente.

Introduz na análise tradicional dos processos econômicos a dimensão territorial, como suporte físico concreto, do qual fazem parte os recursos naturais e os resíduos decorrentes da exploração.

O art. 170 da Constituição Federal se refere à política desenvolvimentista ao estabelecer que a ordem econômica, fundada na livre iniciativa (sistema de produção capitalista) e valorização do trabalho humano (limitação ao capitalismo selvagem) deverá regrar-se pelos ditames da justiça social observando, por conseguinte, a defesa do meio ambiente. Em outras palavras o legislador constituinte deixou claro que o sistema econômico é o capitalismo, mas também informa tratar-se de um capitalismo moderado.

 Em forma tópica filosófica trazemos a baila a problematização: Como instrumentalizar o princípio do desenvolvimento sustentável? Teria esse princípio constitucional aplicabilidade direta, sem a necessidade de regulamentação por Lei Ordinária? Porque o ecodesenvolvimento deve sempre ter maior potência interpretativa frente a outros princípios constitucionais?


2.) (RE) COLOCAÇÃO HISTÓRICA E CONSTITUCIONAL:

 Paulo Affonso Leme Machado (2014, p.70 apud STARK, 2001, p. 137, 152) salienta que o desenvolvimento sustentável é um intencional aximoro, um paradoxo. Ele contém, em si mesmo, uma desconstrução, no qual um termo interminavelmente desmancha o outro. O processo de desconstrução começa pela identificação da oposição contida no conceito em particular.

O Desenvolvimento Sustentável é um dos pilares de ferro do Direito Ambiental, encontrando sustentáculo constitucional no art. 225 da Lex Mater, sendo, portanto, erigido ao patamar de direito fundamental do homem .

Luis Regis Prado salientou a preocupação mundial no que tange à proteção ambiental, citando a Conferência de Estocolmo de 1972 como fonte inspiradora para todo legislador constituinte. Proclama tal Resolução que “o homem é ao mesmo tempo criatura e criador do meio ambiente que lhe dá sustento físico e lhe oferece a oportunidade de desenvolver-se intelectual, moral, social e espiritualmente. A longa e difícil evolução da raça humana no planeta levou-a a um estágio em que, com o rápido progresso da ciência e da tecnologia conquistou o poder de transformar de inúmeras maneiras e em escalas sem precedentes o meio ambiente, natural ou criado pelo homem, é o meio ambiente essencial para o bem-estar e para o gozo dos direitos humanos fundamentais, até mesmo o direito à própria vida” (PRADO, 1992, p. 22)

O conceito adotado na Declaração de Estocolmo foi consolidado na Conferência da ONU do Rio de Janeiro, em 1992, denominada RIO-92, onde se cristalizou: “para se alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção do meio ambiente deve constituir parte integrante do processo de desenvolvimento e não pode ser considerada isoladamente em relação a ele.”

Doutrinariamente, Rieger, ao citar Ingo Sarlet trata do catálogo dos direitos fundamentais, lembrando que o “direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225 da Constituição) pode ser enquadrado na categoria de “direito de terceira dimensão ”, apesar de não constar no título dos direitos fundamentais. Por fim, não é demais dizer que Ana Maria Marchesan, Annelise Steigleder e Sílvia Capelli compartilham o entendimento, destacando que a abertura do art. 5.° § 2.° da Constituição consagra o direito fundamental ao meio ambiente como “cláusula pétrea” e “sujeito à aplicabilidade direta” (RIEGER, 2011, p.21)

Em termos realistas, na gênese, deve existir a dicotomia desenvolvimento contra meio ambiente?

Num primeiro momento a resposta nos soa como uma primavera silenciosa; e, num segundo, a ausência de reflexão filosófica sobre a provocação, consubstanciada na omissão na tomada de decisões jurídicas podem nos conduzir a um nada absoluto.

A Constituição protege o meio ambiente administrativa, cível e penalmente (CF, art. 225, § 3.°).

Na esfera administrativa, a legislação aplica multas a fim de se evitar o efetivo dano ao meio ambiente; atua, portanto de maneira preventiva.

Na matéria cível, a legislação protege o meio ambiente por meio da ação civil pública, imposta contra o causador do dano, objetivando, quando existir a possibilidade, a reconstituição da flora ou da fauna, se o caso – obrigação de fazer ou não fazer -, ou o ressarcimento financeiro dos danos causados e irrecuperáveis.

A ultima ratio - foi sistematizada pela Lei n.º 9.605/98 – responsabilizando pessoas físicas ou jurídicas (inclusive seus representantes), pelos crimes contra a natureza.

Nos dias hodiernos a base desse conceito seria a manutenção do alicerce da produção e reprodução do homem e de suas atividades para que se possa garantir a harmonia entre o homem e a natureza (CF, art. 170, VI), e deste modo, garantir que as futuras gerações também tenham oportunidade de usufruir a mesma qualidade de vida e recursos que temos hoje. Isso quer dizer que o desenvolvimento econômico e a preservação do meio ambiente possam estar interligados de modo pacífico.

Mas nem sempre foi assim. Por muito tempo se entendia que o único problema ecológico nacional era a pobreza. Predominantemente, ainda vigora na dogmática jurídica o paradigma epistemológico que tem como escopo o esquema sujeito-objeto, onde um sujeito observador está situado em frente a um mundo, mundo este por ele objetivável e descritível, a partir de seu cogito. (STRECK, 1999a, p. 74). Portanto, sem entrar na crítica política ou social, o que vimos no Brasil no início da segunda metade do século XX, foi apenas o reflexo dos “valores” da época.

E em nome desse raciocínio, o desenvolvimento do capital, da industrialização, criou uma verdadeira sociedade de risco em detrimento do meio ambiental, consoante destacado por Ulrich Beck:

Dessa forma, eles podem “lavar as mãos” e, como a consciência tranquila e com baixos custos, transferir a responsabilidade pelos acidentes e casos de morte à “cegueira” cultural da população em relação aos riscos. No caso de catástrofes, o emaranhado de competências e as posições de interesses nos países pobres oferecem boas oportunidades para uma política de contenção definitória, de minimização e de encobrimento dos efeitos desastrosos. Condições de produção favoráveis em termos de custos, imunes às constrições legitimatórias, atraem os conglomerados industriais como ímas, e acabam vinculando-se ao interesse próprio dos países em superar a carência material e em alcançar a autonomia nacional numa combinação explosiva, no mais verdadeiro sentido da palavra: o diabo da fome é combatido com o belzebu da potencialização do risco. Indústrias de risco particularmente elevado são transferidas para países pobres da periferia. À pobreza do Terceiro Mundo soma-se o horror das impetuosas forças destrutivas da avançada indústria do risco. (BECK, 2010, p.51)

A instrumentalização do princípio do desenvolvimento sustentável é inversamente proporcional a sociedade de risco; ou seja, o tempo de sociabilizar os riscos de terceiros já não encontra fundamento histórico, social e jurídico. 

Por conta dos erros do passado, observamos com clareza a flexibilização da coisa julgada em matéria ambiental em evidente confronto com a segurança jurídica.

Nenhuma outra área do Direito tem tanta potência no que tange aos chamados mandatos de optimizaión (Alexy, 2014a, p86), na aplicação de princípios, quanto o direito ambiental.

É premente a revolução na interpretação dos princípios constitucionais em colisão na decisão judicial, erigindo, portanto, o princípio do desenvolvimento sustentável ao patamar de super princípio constitucional do direito ambiental.


3.)  CRISE HERMENÊUTICA: PRINCÍPIO, REGRA OU VALOR?

 Nos dias hodiernos, com o fast-food que se transformou a cognição desenfreada de informações e conhecimentos (em sentido estrito), tolerou-se, assim, a flexibilização terminológica, não só dos termos, mas também de conceitos.

 Nesse sentido: a falta da desejável clareza conceitual na manipulação das espécies normativas. Isso ocorre não apenas porque várias categorias, a rigor diferentes, são utilizadas como sinônimas – como é o caso da referência indiscriminada a princípios, aqui e acolá baralhados como regras, axiomas, postulados, idéias, medidas, máximas e critérios -, senão também porque vários postulados, como se verá, distintos, são manipulados como se exigissem do intérprete o mesmo exame, como é o caso da alusão acrítica à proporcionalidade (ÁVILA, 2014, p.44)

 Em assim sendo, um posicionamento hermenêutico nos é imperioso para responder a imponderável domanda proposta!

 Qual o valor hermenêutico na distinção entre princípios e valores?

 Afastar quaisquer paralelismos ou racionalidades é medida premente, para formatar a premissa hermenêutica que buscamos; sim, pois, na prática, o que se observa é a transposição dos termos, como se sinônimos fossem, e, isso não é e não pode ser uma verdade jurídica.

 A identificação e distinção do princípio é uma busca incessante, senão a garantia de uma boa decisão judicial:

Mas o fato é que, enquanto o valor é sempre um relativo, na medida em que “vale”, isto é, aponta para uma relação, o princípio se impõe como um absoluto, como algo que não comporta qualquer espécie de relativização. O princípio é, assim, um axioma inexorável e que, do ponto de vista do Direito, faz parte do próprio linguajar desse setor de conhecimento. (NUNES, 2002, p.5)

Nenhuma interpretação será bem feita se for desprezado um princípio. É que ele, como estrela máxima do universo ético-jurídico, vai sempre influir no conteúdo e alcance de todas as normas (NUNES, 2002, p.19)

 Portanto, é correto concluir que o princípio é um axioma imutável, absoluto; e, o valor, por outro lado, sempre relativo.

 Percebe-se, a relevância ímpar dos princípios para o Direito, são autênticas diretivas que orientam o intérprete em sua atividade hermenêutica, afastando eventuais antagonismos entre as normas jurídicas.

Muito se tem discutido acerca das teses da voluntas legis versus voluntas legislatoris. Têm-se perguntado aos juristas de todos os escalões: afinal, o que vale mais, a vontade da lei ou a vontade do legislador? Tem importância saber / descobrir o que é que o “legislador” quis dizer ao elaborar o texto normativo? Qual era a sua intenção? É possível descobrir o “espírito” de uma lei? (STRECK, 1999b, p. 78)

O desenvolvimento sustentável enquanto ideia positivada na Constituição insere-se no sistema jurídico como princípio, regra ou valor?

Nem sempre é fácil distinguir na Constituição o que é princípio e o que é regra. Mesmo uma norma versada em linguagem bastante determinada pode, eventualmente, ser interpretada como um princípio, diante da necessidade de compatibilizá-la com outra norma de idêntica hierarquia e a ela contraposta em caso concreto. (MORO, 2001, p42)

O desenvolvimento sustentável sempre foi um princípio; porém, era tratado como valor pela sociedade mercadológica, porque o valor sempre reflete o senso comum da sociedade dentro de um determinado contexto histórico, e, a experiência releva que essa condição já produziu diversas atrocidades.

Portanto, o ecodesenvolvimento foi inserido no mundo jurídico como um princípio, pois reúne os requisitos dessa espécie normativa.

Todavia, em razão da sua especial construção deontológica, operou-se uma peculiar transposição, pois o aximoro linguístico de sua formulação, invadiu seu conceito jurídico e erradicou características que normalmente lhe seriam atípicas.

 Ainda que tenha sido inspirado para tratar de generalidades, aqui encontramos uma exceção, pois o princípio do ecodesenvolvimento é absolutamente específico na tutela jurisdicional, superando diversos outros princípios equivalentes.

Sua característica preponderante, na ordem hermenêutica, é sempre superar o conflito com outras normas-princípios; sendo, portanto instrumentalizado mediante a criação própria de regras de prevalência diante do caso concreto.


4.) INSTRUMENTALIZAÇÃO DO SUPER PRINCÍPIO:

É inegável que o desenvolvimento sustentável se posiciona numa tríade axiológica, equilibrando-se entre economia, política e Direito.

Nos dias hodiernos observamos a sociedade contemporânea exercendo um vislumbre pelo consumo exacerbado e a qualquer custo; incidindo com relativa potência a lógica insana da produção – sob o pálio justificante de que produção é igual a desenvolvimento social.

A lógica da produção é linear, quanto mais lucro melhor, pouco importando os efeitos negativos para as presentes e futuras gerações. O sistema capitalista opera em modo automático e impessoal, sendo a única vertente manter a máquina funcionando, em módulo cíclico.

O discurso político adotou a moral líquida (regra), defendendo a máxima de que a maior pobreza sempre foi à fome (se adequa a situação/interesse). Esse argumento universal e infinito dá claras demonstrações de sua finitude. Perdeu espaço o discurso político padrão que somatizava a eterna dicotomia homem versus natureza. Essa ideia perdeu amplitude na mesma proporcionalidade e velocidade que se consolidaram as diversas mídias de comunicação e se globalizaram, não as informações, mas o acesso a essas.

Diante de uma gama aberta de possibilidades, e, atenta a inescondível tendência mundial, a política se rendeu ao protagonismo do ecologicamente equilibrado pegando carona nessa onda verde, se mostrando, ao menos, a priori, mais atenta ao sentido (econômico/capitalista/desenvolvimentista) de preservação ambiental, viabilizando maneiras menos evasivas de ampliar o capital, ainda que de maneira pré-sustentável.

Sob esse prisma o desenvolvimento sustentável é uma dicotomia difícil de ser permeada:

O conceito de desenvolvimento sustentável traz consigo uma contradição, pois carrega a ideia tradicional de desenvolvimento – que admite o aumento de poluições – e a ideia de ambiente – que exige limitação das poluições. (VILELA, 2002, p. 70).

Como se inebriar nos contornos cintilantes do sustentável desenvolvimento sem ter que digerir os bagaços da produção capitalista-desenvolvimentista?

O Direito é o ponto de tangência nessa intrincada tríade e a instrumentalização do princípio do desenvolvimento sustentável é a solução racional (dever-ser).

Sendo assim, procuramos conferir ao conceito de desenvolvimento sustentável, dignidade dogmática, definindo-o como super princípio.

Em matéria ambiental, notório que a aplicação do princípio do desenvolvimento sustentável é atípica, pois esse tem primazia com relação aos demais princípios em colisão, em razão de sua amplitude, de sua potência axiológica. Logo, ainda que os princípios se harmonizem e na maioria ocorra integração, o super princípio sempre terá primazia na hipótese de conflito, pois sua estrutura dogmática é mais difusa.

Assim, vejamos, o princípio da prevalência do meio ambiente, que deve ser observado em face dos outros, em razão de ser matéria de ordem pública, em última análise se harmoniza e integra funcionando como postulado normativo aplicativo ao princípio do desenvolvimento sustentável.

O raciocínio é o mesmo para os demais: princípio da supremacia do bem ambiental, princípio da solidariedade intergeracional, princípio da função social e ambiental da propriedade, princípio do poluidor-pagador, etc.

Não são poucas, nem insignificantes, as consequências da concessão de status de direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Antes de mais nada, o direito fundamental leva à formulação de um princípio da primariedade do ambiente, no sentido de que a nenhum agente, público ou privado, é lícito tratá-lo como valor subsidiário, acessório, menor ou desprezível (CANOTILHO; LEITE, 2010)

A posição de primazia axiológica que ocupa o super princípio, sugere na aplicação do Direito, a harmonização e integração aos demais, instrumentalizando, a melhor decisão em matéria ambiental, equalizando a atuação econômica com a preservação do ambiente ecologicamente equilibrado. O Supremo Tribunal Federal vem reconhecendo esse status. 

Inegável, portanto, que se mira uma mediação hermenêutica, encontrando um ponto de tangência entre atividade econômica e uso racional dos recursos naturais, preservando-os para as gerações atuais e vindouras.

Novamente surge a dicotomia que propusermos e não nos abandona durante o elenco argumentativo; cada decisão significa simbolicamente o descarte de uma infinita gama de possibilidades.

Logo, o comportamento humano que pode gerar impacto ambiental, se segue de um efeito sequencial capaz de afetar o próprio ser humano, ante a interdependência e interconexão dos seres e os elementos que compõem a mãe-terra; na economia, o que importa é a lei da oferta e da procura, a busca de novos mercados, mesmo que à custa de danos ambientais sérios.

É da colisão destes segmentos, que se faz necessária a intervenção do Direito e a interpretação com primazia do super princípio. 

O conceito de interpretação reclama um esclarecimento que pode ser assim formulado: quem vive a norma acaba por interpretá-la ou pelo menos por co-interpretá-la (Wer die Norm ‘lebt’, interpretier sie auch (mit). Toda atualização da Constituição, por meio da atuação de qualquer indivíduo, constitui, ainda que parcialmente, uma interpretação constitucional antecipada (MORO apud HABERLE, 1997, p. 13-4)

Se dois ou mais princípios entrarem em colisão, o intérprete, seguindo a regra geral, poderá solucionar o conflito devido à flexibilização imanente a essa espécie normativa, verificando qual deles deve prevalecer no caso concreto.

Ocorre, consoante defendemos, se dois ou mais princípios entrarem em colisão com o princípio do desenvolvimento sustentável, esse, sempre terá primazia, pois semântica e deontologicamente já contém em seu núcleo os demais princípios do direito ambiental.

O Supremo Tribunal Federal já decidiu em favor do princípio do desenvolvimento sustentável, instrumentalizando o super princípio, vedando a importação de pneus usados, tendo em vista que seus resíduos sólidos gerariam um grande passivo ambiental .

Em resumo conclusivo: O princípio do desenvolvimento sustentável, em razão de suas características construtivas especiais tem conteúdo axiológico ampliado, logo quando em colisão com outros princípios, sejam específicos em matéria ambiental ou não, terá ele sempre primazia hermenêutica, com o móbil de preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado para a atual e futuras gerações.


6.) CONCLUSÃO:

O binômio desenvolvimento contrapondo meio ambiente tornou-se protagonista na atual conjuntura mundial, ante as descobertas de novas tecnológicas e a expansão cada vez mais latente da produção e do consumo.

Sendo assim, como garantir que esses preceitos (meio ambiente/princípio) e desenvolvimento (economia/valor), possam coexistir de maneira sustentável, sem que ocorra a subversão desses conceitos.

Nesse contexto, complexa é a relação da plêiade: ecologia, economia e Direito.

Portanto, posicionar e definir o desenvolvimento sustentável nas suas mais variadas acepções foi à pedra fundamental desse estudo. A partir disso pudemos afirmar que o desenvolvimento sustentável foi definido em diversos diplomas internacionais (dimensões), e,  positivado pela legislação bandeirante. Assim, o ideário de desenvolvimento sustentável é um princípio constitucional, pois reúne na sua formulação deontológica todos os requisitos para receber essa carga valorativa.

A dicotomia desenvolvimento versus meio ambiente, na sua problematização pragmática, evoluiu, exigindo a realocação da temática, saindo do campo sociológico diretamente para o mármore do foro. A sociabilização do risco passou a ser um problema jurídico, tendente a hermenêutica constitucional o seu enfrentamento.

O desenvolvimento sustentável sempre foi um princípio; porém, era tratado como valor pela sociedade mercadológica, porque o valor sempre reflete o senso comum da sociedade dentro de um determinado contexto histórico; a experiência tem revelado que essa condição já produziu diversas atrocidades.

Como se encantar nos contornos sedutores do sustentável desenvolvimento sem ter que ruminar os bagaços da produção capitalista-desenvolvimentista?

Que fique bem claro: somente o Direito é o ponto de tangência nessa intrincada relação, sendo, por conseguinte a instrumentalização e primazia do princípio do desenvolvimento sustentável a solução jurídica adequada.

Nesses termos, a instrumentalização do princípio do desenvolvimento sustentável se mostra inversamente proporcional a sociedade de risco; noutros termos, o tempo de sociabilizar os riscos de terceiros já não encontra guarida histórica, social e muito menos jurídica.

Sua característica preponderante, na ordem hermenêutica, é sempre superar o conflito entre outras normas-princípios; sendo, portanto instrumentalizado mediante a criação própria de regras de prevalência diante do caso concreto, não necessariamente proporcionalidade ou razoabilidade.

Essa qualidade especial que chamamos de atipicidade do super princípio do desenvolvimento sustentável, faz com que esse tenha sempre primazia quando em colisão com outro (s) princípio (s); em que pese não encontre fundamento em dispositivo legal, porém decorre da peculiar construção deontológica desse direito fundamental, até porque se todos os recursos naturais forem consumidos, manda mais poderá ser sopesado, discutivo e dirimido. Portanto, evocando o sempre abalizado critério da coerência, é correto afirmar, valendo-se da expressão cunhada por ALEXY, que o super princípio do desenvolvimento sustentável é o mandamento dos mandamentos de otimização.

 Notório que o desenvolvimento sustentável é antecedente inclusive ao direito fundamental da dignidade da pessoa humana, pois se todos os recursos naturais forem consumidos, não há que se falar em pessoa humana, muito menos em dignidade.

O que se aplica ao direito fundamental dignidade da pessoa humana, pela via reflexa, se aplica a todos os demais princípios que possam entram em colisão com o princípio do desenvolvimento sustentável. Este jamais dará supedâneo a interesses egoísticos, pois os direitos em jogo são metaindividuais.

O super princípio, em razão de suas características construtivas especiais, tem conteúdo axiológico ampliado, logo, quando em colisão com outros princípios, sejam específicos em matéria ambiental ou não, terá sempre primazia hermenêutica. Como princípio ele é atípico, pois ainda que genérico, tem características especificas de efetividade e instrumentalização, tendo o objetivo primário de garantir a preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado para hoje e para sempre.

O desenvolvimento e efetivação do super princípio há que ser sustentável, sob pena não haver outros princípios, valores, pessoas (objetos simbólicos) para serem colocar em contraposição, conduzindo o país, e, o globo, há uma subsistência equiparada a primavera silenciosa de Carson, sem sons, sem cores, sem verde, sem pássaros...

Em segundo plano, consolidada a sociedade de risco, a ausência de instrumentalização do super princípio do desenvolvimento sustentável nos conduzirá num modelo de previsão catastrófico (em médio prazo) ao preceito filosófico do nada absoluto.

Desenvolvimento sustentável: é o super princípio do direito ambiental!

Conferir dignidade dogmática a essa expressão foi o objetivo desse escorço.

Que o super princípio, e, o entendimento por ele sugerido, possa ter a potência interpretativa para suplantar o desenvolvimento insustentável.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ESTEVES, Henrique Perez. Desenvolvimento sustentável: o super princípio do direito ambiental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4842, 3 out. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35639. Acesso em: 26 abr. 2024.