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A eficácia do direito fundamental da proteção em face da automação previsto no inciso XXVII, do art. 7°, da Constituição Federal de 1988

A eficácia do direito fundamental da proteção em face da automação previsto no inciso XXVII, do art. 7°, da Constituição Federal de 1988

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Interpreta-se o direito de proteção em face da automação de duas formas: uma relacionada à empregabilidade e outra concernente ao meio ambiente de trabalho (segurança e saúde do trabalhador).

SUMÁRIO: Introdução. 1. Automação. 2. Fundamento constitucional. 3. Dimensão subjetiva. 4. Dimensão objetiva. 5. Aspecto multifuncional. 6. Plano da eficácia. Considerações Finais. Bibliografia.

RESUMO: O direito fundamental da proteção em face da automação encontra supedâneo em extenso rol de direitos e garantias trabalhistas mínimos contidos no texto magno, quer seja por meio de direitos de roupagem individualista, quer seja pela implementação de direitos coletivos. Proteger a classe trabalhadora dos influxos da automação abusiva é uma necessidade premente há décadas. A proteção em face à automação, antes de aguardar qualquer regulamentação sobre o assunto, o que, aliás, é bastante escassa, deve ser aplicada de forma direta e imediata, sobretudo nas relações de emprego, onde o desnível entre as partes é evidente. Nesse agir, alcança-se o escopo constitucional maior da dignidade da pessoa humana, tutelando de forma efetiva a saúde e segurança no meio ambiente de trabalho, bem como a disponibilização de empregos e trabalhos dignos.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Fundamental. Proteção. Automação. Eficácia.


Introdução

O presente trabalho pretende traçar um esboço analítico e crítico, a partir de uma revisão bibliográfica detalhada do assunto, sobre o direito fundamental da proteção em face da automação, previsto no inciso XXVII, do art. 7º, da Constituição Federal.

Em uma primeira análise, o trabalho se pautará na busca do conceito de automação e na sua confluência com as políticas de trabalho modernas. Desde o final do século XX, nota-se uma crescente utilização da máquina no processo produtivo, o que, sem sobra de dúvidas, proporciona grandes impactos no mundo do trabalho. Por um lado, aplicação de técnicas computadorizadas ou mecânicas atinge substancialmente o uso de mão-de-obra humana, influindo de forma decisiva em políticas de empregabilidade. Noutra dimensão, o uso desenfreado de novas tecnologias é um fator de forte preocupação nos dias atuais, na medida em que põe em risco a saúde do trabalhador em detrimento da produção desenfreada.

Já no segundo capítulo, será delineado o aspecto constitucional positivo do direito fundamental da proteção em face da automação. Justamente por ser um direito fundamental, tal proteção está calcada nos primados da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho, ambos tidos como fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1°, incisos III e IV, da CF).

Mais adiante, no terceiro capítulo, estudar-se-á a dimensão subjetiva do referido direito fundamental. Os direitos fundamentais geram direitos subjetivos aos seus titulares, permitindo que estes exijam comportamentos, negativos ou positivos, dos destinatários. Assim, tal qual os demais direitos fundamentais, a proteção em face da automação tem sua feição subjetiva centrada no amparo da figura de um indivíduo em condição desvalida, que, no caso, é a própria figura do trabalhador hipossuficiente.

Em seguida, mais precisamente no quarto capítulo, tratar-se-á da dimensão objetiva desse pretenso direito fundamental. Aqui, a essencialidade será pormenorizada na avaliação externa da proteção do trabalhador, com o devido enfoque de sua contribuição na realização das chamadas tarefas sociais.

Como espécie de junção dos dois capítulos anteriores, pretende-se no capítulo quinto evidenciar a multifuncionalidade do direito fundamental da proteção em face da automação. Nesse viés interpretativo, o mandamento contido no art. 7°, inciso XXVII, da Constituição, implica em reconhecer dois tipos de direitos, um direito prestacional arraigado em políticas de emprego e outro embasado no direito de defesa da saúde e segurança no trabalho.

Por fim, antes de tecer as considerações finais sobre o assunto, será analisado o plano da eficácia do respectivo direito fundamental, com o fito de vislumbrar o seu campo de incidência, bem como apontar diretrizes que enalteçam as potencialidades axiológicas subentendidas.


1. Automação

A automação pode ser entendida como um fenômeno do mundo contemporâneo, marcado pela abrangência, profundidade e velocidade das inovações tecnológicas e organizacionais. Ela tem transformado os processos produtivos em todos os setores da economia, trazendo profundos impactos na disponibilidade de empregos.

Automação (do latim Automatus, que significa mover-se por si), é um sistema automático de controle pelo qual os mecanismos verificam seu próprio funcionamento, efetuando medições e introduzindo correções, sem a necessidade da interferência do homem.[2]

Também pode ser definida como um conjunto de técnicas que podem ser aplicadas sobre um processo objetivando torná-lo mais eficiente, ou seja, maximizando a produção com menor consumo de energia, menor emissão de resíduos e melhores condições de segurança.

Mais precisamente, define-se automação como:

as situações em que, especialmente na indústria, mas não somente ela, o trabalho humano é substituído, sob o aspecto físico ou intelectual, por máquinas ou servossistemas – mecânicos, hidráulicos, pneumáticos, elétricos e eletrônicos – aptos a desenvolver automaticamente sequências de operações mais ou menos longas e complexas, sob o controle de aparelhos elétricos ou eletrônicos, de natureza e complexidade variada.[3]

Segundo o Dicionário crítico sobre trabalho e tecnologia:

O termo automação [...] diz respeito a todo instrumento ou objeto que funcione sem a intervenção humana, podendo ser aplicado a qualquer tipo de máquina ou artefato que opere desse modo. [...] Atualmente, com a mudança em curso da automação de base eletromecânica para a de base eletroeletrônica, passa a ser utilizado o termo automatização, que ‘[...] implica técnicas diversas de coleta, armazenamento, processamento e transmissão de informações’ [...], materializadas em diferentes tipos de equipamentos utilizados na produção de bens e serviços. Apesar dessas diferenciações, é comum, na literatura sobre o tema, a utilização do termo automação em referência, também, às tecnologias de base microeletrônica.[4]

Como se vê, a automação situa-se dentro das estratégias que utilizam engenhos que elevam a produtividade pela redução crescente do tempo de trabalho necessário à fabricação de mercadorias. Assim, a automação se perfaz com a aplicação de técnicas computadorizadas ou mecânicas para diminuir o uso de mão-de-obra em qualquer processo produtivo, diminuindo os custos e aumentando a velocidade da produção.

Nesse contexto de gestão customizada, ou seja, de execução automática de tarefas industriais ou científicas sem intervenção humana intermediária, a proteção em face da automação foi lançada no rol dos direitos e garantias constitucionais trabalhistas no intuito de conter a ação impulsiva provocada pelo uso desenfreado de novas tecnologias.

Apartada a discussão sobre a relativização da eficácia de tal norma, o certo é que tal comando se caracteriza inelutavelmente como um direito fundamental, o que revela a intenção do Constituinte de estabelecer um patamar mínimo civilizatória no trato das relações trabalhistas.

Sem qualquer laivo de dúvidas, a garantia emanada do inciso XXVII, do art. 7º, da Constituição Federal, além de nortear uma política nacional de empregabilidade, busca, a toda evidência, também preservar a higidez física e mental do trabalhador dos efeitos deletérios ocasionados na operação de máquinas e equipamentos.


2. Fundamento constitucional

Como é sabido, a República Federativa do Brasil está embasada no primado da dignidade da pessoa humana (art. 1°, inciso III, da Constituição Federal). A dignidade da pessoa humana é um valor moral e espiritual inerente à pessoa, ou seja, todo ser humano é dotado desse preceito, e tal constitui o principio máximo do Estado Democrático de Direito. É considerada o nosso valor constitucional supremo, o núcleo axiológico da constituição.

Leciona Barcellos que:

O princípio da dignidade humana identifica um espaço de integridade moral a ser assegurado a todas as pessoas por sua só existência no mundo. É um respeito à criação, independentemente da crença que se professe quanto à sua origem. A dignidade relaciona-se tanto com a liberdade e valores do espírito como com as condições materiais de subsistência. Não tem sido singelo, todavia, o esforço para permitir que o princípio transite de uma dimensão ética e abstrata para as motivações racionais e fundamentadas das decisões judiciais. Partindo da premissa anteriormente estabelecida de que os princípios, a despeito de sua indeterminação a partir de um certo ponto, possuem um núcleo no qual operam como regras, tem-se sustentado que no tocante ao princípio da dignidade da pessoa humana esse núcleo é representado pelo mínimo existencial. Embora existam visões mais ambiciosas do alcance elementar do princípio, há razoável consenso de que ele inclui pelo menos os direitos à renda mínima, saúde básica, educação fundamental e acesso à justiça.[5]

Fala-se em dignidade da pessoa humana como um princípio matriz que engloba o conceito de direitos fundamentais e direitos humanos, constituindo um critério de unificação de todos os direitos aos quais os homens se reportam. Assim, a dignidade da pessoa humana atua como um postulado, auxiliando a interpretação e aplicação de outras normas

Nesse sentir, agora com os olhos voltados para a classe trabalhadora, é que o constituinte originário instituiu também os valores sociais do trabalho como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1°, inciso III, da CF), com o nítido propósito de enaltecer a dignidade do operariado.

Os valores sociais do trabalho são um dos pilares do Estado Democrático de direito. A ordem econômica instituída pela livre iniciativa dá prioridade aos valores do trabalho humano sobre todos os demais valores da economia de mercado.

Como adverte Manoel Jorge e Silva Neto[6], a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho representam um plexo axiológico indissociável no Texto Constitucional, notadamente porque ser cidadão é sinonímia de atuação fiscalizadora do Estado, de postura exigente quanto à realização do compromisso selado em sede constitucional de ver concretizada a dignidade do indivíduo e a efetivação de garantias sociais.

Diz ainda a Constituição, em seu artigo 3º, inciso I, que é objetivo fundamental da República Federativa do Brasil “construir uma sociedade livre, justa e solidária”. Este é um objetivo social a ser perseguido por todos os cidadãos, principalmente por aqueles que representam politicamente a sociedade civil.

A Carta Magna coloca em seu artigo 6°, como uma das garantias sociais, o direito ao trabalho, deixando o dispositivo mencionado bem claramente assentado, sem margens à interpretações ou divagações acerca do assunto. Não há, por conseguinte, outra forma de entender o art. 6º da Carta Magna senão que todo cidadão brasileiro tem direito ao trabalho. Direito este a ser protegido pelo Estado, no sentido de disponibilizar trabalho digno e decente aos seus cidadãos.

Também é fundamental considerar o direito ao trabalho digno e decente, consagrado na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, artigos 23 e 24, e nas diversas Convenções e Recomendações da Organização Internacional do Trabalho.

A dignidade do trabalhador passa necessariamente pela oportunidade de exercer o direito ao trabalho digno e decente. Toda pessoa tem o direito ao trabalho digno e produtivo, a condições de trabalho justas e favoráveis e à proteção contra o desemprego, sem discriminação por quaisquer motivos, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, capaz de garantir uma vida digna.

Nas palavras de Brito Filho:

Trabalho decente, então, é um conjunto mínimo de direitos do trabalhador que corresponde: à existência de trabalho; à liberdade de trabalho; à igualdade no trabalho; ao trabalho com condições justas, incluindo a remuneração, e que preservem sua saúde e segurança; à proibição do trabalho infantil; à liberdade sindical; e à proteção contra os riscos sociais.[7]

Além do entendimento fornecido pelo art. 6º da Constituição Federal, há de ser considerado também, porquanto não menos importante, o determinado pelo próprio caput do art. 7º. Numa visão ainda que superficial, pode-se verificar uma espécie de cláusula de vedação ao retrocesso social no mandamento contido no caput do art. 7º in fine: "(...) além de outros que visem à melhoria da sua condição social". Ora, o texto é de uma clareza solar, na medida em que determina que a condição da classe menos favorecida seja sempre elevada.

Este mandamento espelha um dos princípios mais importantes do Direito do Trabalho, qual seja; o princípio da proteção. Este princípio tem como objetivo a proteção do empregado, parte mais frágil da relação de emprego, mantendo certo equilíbrio na relação empregatícia. Assim, cabe ao legislador infraconstitucional, no momento da criação das normas, objetivar sempre a melhoria da condição social do trabalhador.

Pelo escólio de Plá Rodrigues:

O princípio de proteção se refere ao critério fundamental que orienta o Direito do Trabalho, pois este, ao invés de inspirar-se num propósito de igualdade, responde ao objetivo de estabelecer um amparo preferencial a uma das partes: o trabalhador. Enquanto no direito comum uma constante preocupação parece assegurar a igualdade jurídica entre os contratantes, no Direito do Trabalho a preocupação central parece ser a de proteger uma das partes com o objetivo de, mediante essa proteção, alcançar-se uma igualdade substancial e verdadeira entre as partes.[8]

Mais adiante, no inciso I, do mesmo art. 7°, tem-se o seguinte comando constitucional: “relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos”. Ora, no presente texto, é bem nítido que o Constituinte quis instituir como meta social a continuidade da relação de emprego.

Muito embora o art. 10 do ADCT limite a eficácia da norma contida no inciso I, do art. 7°, à promulgação de lei complementar ulterior, o certo é que este tem aplicação plena e imediata, independentemente de qualquer regulação. A regulamentação somente será bem vinda, de forma secundária, caso venha para estabelecer um procedimento uniforme de justificação das terminações contratuais e não querer substituir a continuidade da relação de trabalho por indenização.

Com o escopo de tutelar os direitos e garantias fundamentais do trabalhador, de modo a propiciar o seu desenvolvimento e progresso humano, a Constituição torna-se um valioso instrumento para valorização obreira quando preceitua a proteção da relação empregatícia frente ao seu rompimento desmotivado.

Ensina Mascaro Nascimento:

A continuidade da relação de emprego é um dos objetivos maiores do direito do trabalho, como expressão da ideia de segurança, aspirada por todos, comprometida sempre que o emprego do trabalhador é atingido pela dispensa. É possível dizer que a dispensa é um mal que deve ser evitado sempre que possível, daí as medidas de proteção da relação de emprego, em maior ou menor grau, adotadas pelos sistemas jurídicos.[9]

O emprego é um bem jurídico tutelado pela Constituição Federal no sentido de prevalecer a ideia de continuidade e estabilização das relações empregatícias. Por esse motivo, é que o Constituinte refere que “a ordem social tem como base o primado do trabalho” (art. 193, caput) e a ordem econômica funda-se “na valorização do trabalho humano” (art. 170, caput), “conforme os ditames da justiça social” (art. 170, caput), sempre em “busca do pleno emprego” (art. 170, inc. VIII).

Noutro viés, todos os indivíduos, incluindo nesse universo a classe trabalhadora, têm direito ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde, bem como à redução do risco de doença e outros agravos.

A saúde desponta como direito social (art. 6° da Constituição). Nesse sentido, o art. 196 da Lei Maior dispõe que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

Como se percebe, a saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, garantido por normas de ordem pública que dizem também respeito à qualidade de vida no trabalho. Desponta daí o conceito de “trabalho digno” como aquele que permite melhor a expressão dos valores intersubjetivos do trabalhador.

Com grande proficiência, Oliveira Silva resume o direito fundamental à saúde do trabalhador nos seguintes termos:

A saúde do trabalhador é um direito humano, um valor fundamental do sistema jurídico, alicerçado no princípio ontológico da dignidade da pessoa humana. Trata-se de um bem jurídico que compõe o catálogo das necessidades básicas do ser humano, na teoria do mínimo existencial. Como um direito essencial, deve a saúde ser entendida como o mais completo bem-estar físico-funcional da pessoa, em seus aspectos negativo e positivo. Esse direito tem dois aspectos essenciais, que configuram seu conteúdo mínimo: a) o direito à abstenção, por exemplo, de exigência de horas extras habituais; b) e o direito à prestação, com as medidas de prevenção estipuladas pelas normas regulamentadoras.[10]

Tratando-se de normas constitucionais protetivas e efetivadoras do direito à saúde, imprescindível fazer referência aos incisos do artigo 7° que estabelecem diretrizes para a redução dos riscos inerentes ao trabalho, são eles: XXII; XXIII; XXVII; XXVIII e XXXIII.

Nesse universo, desponta as chamadas normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego. Tais normatizações, minuciosamente detalhadas por intermédio da Portaria do Ministério do Trabalho de n° 3.214/78, são autorizadas por expressa delegação legislativa contida no próprio texto da CLT (artigos 154 ao 201).

Muito embora não haja referência expressa no texto da Constituição Federal acerca da legitimidade do Ministério do Trabalho em expedir tais regulamentações, o certo é que o Constituinte em diversos dispositivos deixa transparecer o compromisso Estatal com a saúde do trabalhador, de modo que, pela teoria dos poderes implícitos, pode-se aferir que é dever do Estado, por meio de seus órgãos ministeriais, neles destacados os Ministérios do Trabalho, da Previdência Social e da Saúde, expedir regulamentações acerca da segurança e da medicina no trabalho.

Tamanha é a preocupação do Constituinte com a higidez física e mental do trabalhador que o Sistema único de Saúde (SUS) tem como competência “executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador” (art. 200, inciso II).

A Política Nacional de Saúde do Trabalhador visa à redução dos acidentes e doenças relacionadas ao trabalho, através de ações de promoção, reabilitação e vigilância na área de saúde. Suas diretrizes compreendem a atenção integral à saúde, a articulação intra e intersetorial, a participação popular, o apoio a estudos e a capacitação de recursos humanos.

Não só do aspecto individual cuida o direito fundamental à saúde do trabalhador, mas também da incidência das normas de saúde e segurança no meio ambiente do trabalho.

O homem passou a integrar plenamente o meio ambiente no caminho para o desenvolvimento sustentável preconizado pela nova ordem ambiental mundial. Assim, o meio ambiente do trabalho faz parte do conceito mais amplo de ambiente, de forma que deve ser considerado como bem a ser protegido pelas legislações para que o trabalhador possa usufruir de uma melhor qualidade de vida.

Conforme ensina José Afonso da Silva, o ambiente do trabalho é um conjunto de:

bens imóveis e móveis de uma empresa e de uma sociedade, objeto de direitos subjetivos privados e de direitos invioláveis da saúde e da integridade física dos trabalhadores, que o frequentam. Esse complexo pode ser agredido e lesado tanto por fontes poluidoras internas como externas, provenientes de outras empresas ou de outros estabelecimentos civis de terceiros, o que põe também a questão da responsabilidade pelos danos ambientais.[11]

O meio ambiente sadio do trabalho é um direito transindividual por ser um direito de todo trabalhador, indistintamente, e reconhecido como uma obrigação social constitucional do Estado, ao mesmo tempo em que se trata de um interesse difuso, ou mesmo coletivo, quando se referir a determinado grupo de trabalhadores.

Portanto, o meio ambiente do trabalho é uma espécie de ecossistema que envolve a interação da força laboral com os meios e formas de produção e sua influência no espaço em que é gerada.

Tecidas todas essas considerações, depreende-se que o direito fundamental da proteção em face da automação encontra supedâneo em extenso rol de direitos e garantias trabalhistas mínimos contidos no texto magno, quer seja por meio de direitos de roupagem individualista, quer seja pela implementação de direitos coletivos.


3. Dimensão subjetiva

Essa perspectiva tem como foco principal o sujeito titular do direito. Desta maneira, os direitos fundamentais geram direitos subjetivos aos seus titulares, permitindo que estes exijam comportamentos, negativos ou positivos, dos destinatários.

Nesse aspecto, os direitos fundamentais atuam como garantias da liberdade individual e são concebidos, originariamente, como direitos subjetivos públicos, ou seja, são direitos de abstenção Estatal. Tal característica implica na demarcação de uma zona de não intervenção do Estado e uma esfera de autonomia privada em face de seu poder.

Desta forma, é correto concluir que a exigibilidade de um direito fundamental está ligada à ideia da existência de uma dimensão subjetiva desse direito, isto é, a possibilidade de emanação de direitos subjetivos exigíveis e justiciáveis. No escólio de Marmelstein:

Os direitos fundamentais, por serem normas jurídicas, são direitos exigíveis e justiciáveis, ou seja, podem ter sua aplicação forçada através do Poder Judiciário. É o que os constitucionalistas chamam de ‘dimensão subjetiva’, expressão que simboliza a possibilidade de os direitos fundamentais gerarem pretensões subjetivas para os seus titulares, reivindicáveis na via judicial. Assim, caso o Poder Público deixe de cumprir com os deveres de respeito, proteção e promoção a que está obrigado, poderá ser compelido a fazê-lo forçadamente por força de um processo judicial.[12]

Os direitos fundamentais são permissões para o uso de faculdades humanas existenciais. O caráter individual de tais direitos não pode relegado para um plano inferior, já que as pretensões vitais de cada indivíduo devem ser atendidas com a máxima eficiência do Estado.

Assim, segundo os ensinamentos de Paulo Bonavides[13], as dimensões objetiva e subjetiva mantêm relação de remissão e de complemento recíproco, de modo que um direito fundamental somente alcançará a universalidade se satisfazer individualmente os seus destinatários.

De qualquer sorte, somada à dimensão objetiva, a perspectiva subjetiva indica a necessidade de observância do núcleo essencial do direito fundamental para um sujeito determinado, tendo em vista que é ele, e não a coletividade indeterminada, o titular desse direito fundamental.

Nesse passo, calha mencionar acerca da dimensão subjetiva da proteção em face da automação. Em primeiro plano, tal direito cuida da proteção individual do trabalhador em face da automação abusiva. Esse amparo individualista só é alcançado se a própria legislação confere garantias mínimas ao próprio empregado, como, por exemplo, estabilidade no emprego e ferramentas que proporcionem abonação de sua saúde física e mental.

Considerando que o trabalhador é detentor de uma gama de direitos fundamentais e indisponíveis, nada melhor que a tutela judicial individual para resguardar tais direitos. Ora, o sistema processual vigente privilegia sobremaneira a tutela individual em detrimento da tutela coletiva. Tanto é verdade que o trabalhador pode fazer uso de inúmeros instrumentos processuais, como, por exemplo, o jus postulandi e a reclamação verbal trabalhista, enquanto que na via coletiva, quer por desconhecimento, quer por falta de estímulo, não há a satisfação eficaz do interesse perseguido pelo obreiro.

Assim, constata-se que a tutela judicial individual, por vezes tachada de morosa e burocrática, ainda é um forte mecanismo de viabilização de direitos e garantias fundamentais, mormente no que diz respeito à salvaguarda de pretensões vitais de cada postulante. Portanto, não há dúvidas de que antes de universalizar a fruição dos direitos fundamentais por meio de programas e políticas estatais, é necessário realizar a satisfação individual dos destinatários das normas fundamentais.


4. Dimensão Objetiva

Admitir uma dupla dimensão aos direitos fundamentais é considerar que estes se revelam como direitos subjetivos individuais essenciais à proteção da pessoa humana, bem como expressão de valores objetivos de atuação e compreensão de todo o ordenamento jurídico.

Nas palavras de Marinoni:

Afirmar a dupla dimensão – objetiva e subjetiva – dos direitos fundamentais não significa dizer que o direito subjetivo decorre do direito objetivo. O que importa esclarecer, aqui, é que as normas que estabelecem direitos fundamentais, se podem ser subjetivadas, não pertinem somente ao sujeito, mas sim a todos aqueles que fazem parte da sociedade.[14]

Nesse ínterim, a dimensão objetiva dos direitos fundamentais consiste basicamente em conferir universalidade na fruição destas garantias, criando para o Estado o dever permanente de concretizar e realizar o conteúdo de tais direitos.

A objetividade destinada aos direitos fundamentais liga-se ao reconhecimento de que tais direitos, além de imporem certas prestações aos poderes estatais, consagram também os valores mais importantes em uma comunidade política.

Nesse mesmo sentido, colhe-se a lição de André Ramos Tavares:

Podem-se assinalar como consequências decorrentes da concepção objetiva dos direitos fundamentais, a sua ‘eficácia irradiante’ e a ‘teoria dos deveres estatais de proteção’. A eficácia irradiante obriga que todo o ordenamento jurídico estatal seja condicionado pelo respeito e pela vivência dos direitos fundamentais. A teoria dos deveres estatais de proteção pressupõe o Estado (Estado-legislador; Estado-administrador e Estado-juiz) como parceiro na realização dos direitos fundamentais, e não como seu inimigo, incubindo-lhe sua proteção diuturna.[15]

Os direitos fundamentais devem ser vistos, ao mesmo tempo, na perspectiva individual e também no compromisso que possuem de realizar as chamadas tarefas sociais. O aspecto objetivo dos direitos fundamentais tem o condão de viabilizar o acesso de toda a sociedade à ordem jurídica justa, conferindo ao jurisdicionado a realização da conclamada justiça substancial, na qual os direitos fundamentais servem como parâmetro de solução para todo e qualquer litígio.

Tem relevância, na espécie, a dimensão objetiva do direito fundamental à proteção em face da automação. Segundo esse aspecto objetivo, o Estado está obrigado a impor limites ao uso desenfreado de tecnologias, justamente para resguardar interesses coletivos legítimos, como a universalização do emprego e a proteção do meio ambiente do trabalho.

Lado outro, a ordem constitucional vigente dispõe que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (art. 5°, inciso XXXV, CF). Como se vê, basta a existência em favor de alguém de um direito, ainda que não individual, portanto também direito e interesses coletivos ou difusos, para poder exigir do Estado a tutela jurisdicional.

Isto significa que a Constituição conferiu ao dispositivo uma dimensão ilimitada, quebrando o conceito individualista do direito a tutela jurisdicional. Assim, a dimensão subjetiva do direito fundamental pode ser resguardada não só por políticas estatais universalizantes, mas também por meio de ações que primam pela tutela de direitos transindividuais.

5. Aspecto multifuncional

Nota-se, hodiernamente, a multifuncionalidade dos direitos fundamentais. Quer-se afirmar que um mesmo direito, a um só tempo, cumpre diversas funções no ordenamento jurídico. Dessa maneira, os direitos fundamentais são estudados tanto pela ótica do direito de defesa, quanto pela ótica dos direitos prestacionais.

A multifuncionalidade dos direitos fundamentais está atrelada ao fato de que estes mandamentos constitucionais não constituem mais meros direitos públicos subjetivos, nem simples direitos de defesa contra o Estado, mas se consubstanciam também em valores objetivos básicos e metas de ação positiva dos poderes públicos.

Na esteira de Robert Alexy[16], os direitos fundamentais devem ser estudados como feixes de posições jusfundamentais, ou seja, é preciso observar cada direito fundamental em seu conjunto. Parte-se da premissa de que os direitos fundamentais são polivalentes, não se podendo lhes associar apenas uma única função; a cada direito fundamental podem ser agregadas variadas funções, servindo a função precípua por ele desempenhada como critério para classificá-lo.

Independente da classificação adotada, cada direito fundamental, visto como unidade, exerce uma série de funções, o que revela a dinamicidade das relações sociais por eles regidas.

Dessa forma, pode-se desmembrar o direito fundamental à proteção em face da automação em duas vertentes interpretativas. A primeira, atinente à empregabilidade, refere-se ao contingente de mão de obra disponível no mercado de trabalho que perdeu espaço pelo crescente incremento da automação nos diversos setores da economia. Já a segunda, não menos importante que a vertente primeva, está relacionada ao meio ambiente do trabalho, na medida em que busca proteger a higidez física e mental do trabalhador dos efeitos deletérios oriundos do trato com a máquina.

Calha mencionar que, muito embora de maneira bastante despretensiosa, o direito fundamental da proteção em face da automação encontra-se permeado pela ordenamento jurídico infraconstitucional, como se pode entrever da lei 9.956/2000, a qual proíbe o funcionamento de bombas de auto-serviço nos postos de abastecimento de combustíveis, em nítida proteção dos empregos dos frentistas, bem como da seção XI, do capítulo V, da CLT (arts. 184 a 186), pormenorizada pela Norma Regulamentadora n° 12 do Ministério do Trabalho e Emprego, que dispõe sobre segurança no trabalho em máquinas e equipamentos.

Na jurisprudência, já é perceptível a distinção de tais emanações interpretativas, como é o caso do referido aresto:

PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL - PROTEÇÃO EM FACE DA AUTOMAÇÃO - REDUÇÃO DOS RISCOS INERENTES AO TRABALHO - MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS - DISPOSITIVO DE SEGURANÇA - CULPA RECÍPROCA. O princípio da proteção em face da automação não se dirige apenas ao emprego, mas também à segurança na operação de máquinas e equipamentos contra acidentes do trabalho. Os dispositivos de segurança das máquinas e equipamentos devem impedir a ocorrência do acidente do trabalho.[17]

Como se vê, o mandamento contido no art. 7°, inciso XXVII, da Constituição, implica em reconhecer dois tipos de direitos fundamentais ali legiferados. O primeiro, correspondente ao emprego, destina-se à proteção do mercado de trabalho em razão do crescente uso de tecnologias, o que, sem sobra de dúvidas, classifica-se como um direito prestacional, já que exige lei e iniciativa do Aparelho Estatal para o correto cumprimento do plano constitucional ali instituído. De outra parte, o segundo direito extraído do comando, dedica-se ao amparo da saúde e segurança do trabalhador em relação ao maquinário empreendido na produção, o que significa tratar-se de nítido direito de defesa do meio ambiente do trabalho, justamente por produzir como consequência um dever de abstenção do empregador no uso de tecnologias nocivas.


6. Plano da eficácia

De início, a norma insculpida no art. 7°, inciso XXVII, da CF, é classificada como norma de eficácia limitada, justamente por depender da emissão de uma normatividade futura, em que o legislador ordinário, integrando-lhe a eficácia, mediante lei, lhe dê capacidade de execução em termos de regulamentação dos interesses visados.

As normas constitucionais de eficácia limitada contêm eficácia jurídica indireta, independentemente de regulamentação, pois revogam a legislação anterior contrária aos ditames da nova Constituição, bem como impossibilitam a elaboração de leis e atos normativos contrários à Ordem Constitucional.

Entretanto, a norma contida no § 1°, do art. 5°, da Constituição Federal, constitui verdadeiro mandado de otimização, estabelecendo a aplicabilidade direta e imediata dos direitos fundamentais.

A doutrina tradicional da aplicabilidade das normas constitucionais[18], que contempla categorias de normas de eficácia limitada, cria um entrave inexorável à efetivação dos direitos fundamentais, justamente por tolher um ativismo judicial salutar.

Com efeito, o intérprete da lei está vinculado ao dever de tutela e promoção da pessoa humana, não podendo frustrá-lo em sua atividade de concretizar normas jurídicas. Assim, a interpretação jurídica, para ser considerada legítima, deve encontrar a solução ao litígio que assegure a máxima proteção aos direitos fundamentais.

Ora, ao se interpretar um direito fundamental, como é o caso da proteção em face da automação, deve-se buscar esgotar todo o seu conteúdo normativo, com o fim útil de maximizar as potencialidades axiológicas ali subentendidas.

A tradicional teoria da norma programática não foi acolhida pela ordem constitucional instaurada pela Constituição Federal de 1988. A normatividade assegurada pelo comando da aplicabilidade direta e imediata dos direitos fundamentais, expresso no § 1° do art. 5° da Carta Maior, faz com que surja uma vinculação de todos os sujeitos sociais, no sentido de respeitar tais direitos, independentemente da edição de qualquer ato legislativo ou administrativo posterior.

As normas consagradoras de direitos fundamentais afirmam valores, os quais incidem sobre a totalidade do ordenamento jurídico e servem para iluminar as tarefas dos órgãos judiciários, legislativos e executivos, apresentando uma eficácia irradiante sobre toda a ordem jurídica.[19]

A eficácia irradiante dos direitos fundamentais traduz-se, pois, na garantia de que o ordenamento jurídico seja resguardado por um arcabouço de direitos e garantias mínimas. Neste sentido, Daniel Sarmento afirma que:

A eficácia irradiante enseja a ‘humanização’ da ordem jurídica, ao exigir que todas as suas normas sejam, no momento de aplicação, reexaminadas pelo aplicador do direito com novas lentes, que terão as cores da dignidade humana, da igualdade substantiva e da justiça social, impressas no tecido constitucional.[20]

O aperfeiçoamento dos direitos fundamentais depende sobremaneira de longo e árduo caminho a ser percorrido, pelo qual ainda boa parte da sociedade persiste em não trilhar. Hodiernamente, o desafio posto é o de juridicizar e garantir os direitos sociais básicos, sem os quais não se há de falar em desenvolvimento humano sustentável.

Em se tratando de jurisdição constitucional, torna-se medida de extrema necessidade a adoção de mecanismos jurídicos que propaguem o alcance e o respeito dos direitos fundamentais. A força normativa da Constituição, atrelada à sua posição de supremacia no ordenamento jurídico, permitem estabelecer uma política de promoção social, impondo a maximização da eficácia de todos os direitos fundamentais.[21]

A relação de emprego é uma relação desnivela e assimétrica, na qual o empregado encontra-se vinculado na dinâmica empresarial, segundo os comandos advindos do poder diretivo de seu empregador. Surge daí, então, a eficácia diagonal dos direitos fundamentais dos trabalhadores, que diz respeito à forma como o trabalhador deve, no âmbito empresarial, ter respeitados os seus direitos mínimos garantidos pelo ordenamento constitucional vigente.[22]

Portanto, proteger a classe trabalhadora dos influxos da automação abusiva é uma necessidade premente há décadas. A proteção em face à automação, antes de aguardar qualquer regulamentação sobre o assunto, o que, aliás, é bastante escassa, deve ser aplicada de forma direta e imediata, sobretudo nas relações de emprego, onde o desnível entre as partes é evidente. Nesse agir, alcança-se o escopo constitucional maior da dignidade da pessoa humana, tutelando de forma efetiva a saúde e segurança no meio ambiente de trabalho, bem como a disponibilização de empregos e trabalhos dignos.


Considerações finais

Como visto, o direito fundamental da proteção em face da automação envolve uma série de questões para o devido trato das relações trabalhistas. A análise da multidimensionalidade de elementos abrangidos pelo processo de automação pode levar ao estabelecimento das grandes linhas do que deve vir ser a política de proteção do trabalho em face dela.

As mudanças tecnológicas e as novas técnicas de gestão dos negócios têm acarretado uma maior competitividade de mercado, levando à extinção de postos de trabalho e à substituição do homem pela máquina. Assim, em primeiro plano, o direito previsto no inciso no inciso XXVII, do art. 7º, da Constituição Federal, está calcado na proteção dos postos de trabalho e na tentativa de redução dos índices de desemprego e subemprego.

Tal proteção demanda uma rigorosa atuação por parte do Ente Estatal, quer na criação de uma legislação infraconstitucional que possibilite a eficácia irradiante e salutar do mandamento constitucional, quer na instituição de políticas públicas de capacitação profissional e empregabilidade.

Por outro lado, a ambiência laboral espelha uma grande preocupação do Constituinte. O meio ambiente do trabalho faz parte do conceito mais amplo de ambiente, de forma que deve ser considerado como bem a ser protegido pelas legislações para que o trabalhador possa usufruir de uma melhor qualidade de vida.

Daí desponta outro aspecto do referido amparo constitucional. A saúde e segurança no trabalho devem também ser protegidas de forma direta e imediata dos influxos da automação abusiva, tudo em respeito aos valores sociais do trabalho, tidos como fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1°, inciso IV, da CF).

Como se pode notar, ao se tratar de proteção em face da automação, lida-se com um direito fundamental multidimensional. O mandamento contido no art. 7°, inciso XXVII, da Constituição, implica em reconhecer dois tipos de direitos fundamentais ali legiferados. O primeiro, como mencionado, correspondente ao emprego, destina-se à proteção do mercado de trabalho em razão do crescente uso de tecnologias, o que, sem sobra de dúvidas, classifica-se como um direito prestacional, já que exige lei e iniciativa do Aparelho Estatal para o correto cumprimento do plano constitucional ali instituído. De outra parte, o segundo direito extraído do comando, dedica-se ao amparo da saúde e segurança do trabalhador em relação ao maquinário empreendido na produção, o que significa tratar-se de nítido direito de defesa do meio ambiente do trabalho, justamente por produzir como consequência um dever de abstenção do empregador no uso de tecnologias nocivas.

O fato de que o ordenamento trabalhista tenha sido e continue sendo especialmente receptivo à ideia da polivalência dos direitos fundamentais não é meramente acidental. Explica-se pela nota de subordinação intrínseca na prestação do trabalhador, parte mais frágil da relação.

Nesse passo, sobreleva a noção de Trabalho decente, que é o estímulo de trabalho produtivo e adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade, e segurança, sem quaisquer formas de discriminação, e capaz de garantir uma vida digna a todas as pessoas que vivem de seu sustento.

A relação de emprego é uma relação desnivela e assimétrica, na qual o empregado encontra-se vinculado na dinâmica empresarial, segundo os comandos advindos do poder diretivo de seu empregador. Surge daí, então, a eficácia diagonal dos direitos fundamentais dos trabalhadores, que diz respeito à forma como o trabalhador deve, no âmbito empresarial, ter respeitados os seus direitos mínimos garantidos pelo ordenamento constitucional vigente.

Como se vê, a aplicabilidade direta e imediata da norma atinente à proteção em face da automação, além de estar em consonância com a ideia de trabalho decente, é condição fundamental para a superação da pobreza, da redução das desigualdades sociais, da garantia de governabilidade democrática e do desenvolvimento sustentável.

Por fim, longe de apontar soluções estanques para a problemática da eficácia do direito fundamental à proteção em face da automação, o presente trabalho tenciona garantir ao intérprete da norma constitucional um maior aporte axiológico no trato das relações trabalhistas, no sentido de tornar mais eficaz e efetivo o mandamento contido no art. 7°, inciso XXVII, da Constituição Federal.


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Notas

[2] HOLANDA, Aurélio Buarque de. Novo dicionário da língua portuguesa. 12a. impressão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975. p. 163.

[3] GALLINO, Luciano. Dicionário de sociologia. México: Siglo Veintiuno, 1995. p. 63.

[4] CATTANI, Antonio David. Trabalho e tecnologia: dicionário crítico. 2. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1999, pp. 25-6.

[5] BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: O princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 305.

[6] SILVA NETO, Manoel Jorge. Notas Sobre a Eficácia da Norma Constitucional Trabalhista. São Paulo. LTr, 1998.

[7] BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Trabalho decente. Análise jurídica da exploração do trabalho – trabalho forçado e outras formas de trabalho indigno. São Paulo: LTr, 2004, p. 61.

[8] RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1993. p. 28.

[9] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2009, p. 398.

[10] OLIVEIRA SILVA, José Antônio Ribeiro de. A saúde do trabalhador como direito humano. In Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 31, jul./dez. 2007.

[11] SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 2 ª ed., rev. São Paulo : Malheiros, 1998. p. 5.

[12] MARMELSTEIN, George. Curso de direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2008. p. 289.

[13] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 13ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 622.

[14] MARINONI, Luiz Guilherme. O direito à tutela jurisdicional efetiva na perspectiva da teoria dos direitos fundamentais. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 378, 20 jul. 2004. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/5281>. Acesso em: 19 jul. 2011.

[15] TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 434.

[16] ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. 2.ª ed. Madrid: CEPC, 2007. p. 214.

[17] TRT24, Recurso Ordinário nº 0048300-40.2005.5.24.0061; Juiz Relator: André Luís Moraes de Oliveira, publicado no DOE/MS N.º 169 de 10/10/2007.

[18] SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Malheiros, 2009. pp. 163-4.

[19] MARINONI, Luiz Guilherme. O direito à tutela jurisdicional efetiva na perspectiva da teoria dos direitos fundamentais. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 378, 20 jul. 2004. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/5281>. Acesso em: 19 jul. 2011.

[20] SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 124.

[21] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 273.

[22] GAMONAL, Sergio. Cidadania na empresa e eficácia diagonal dos direitos fundamentais. São Paulo: LTr, 2011. p. 24.


Autor

  • Wagson Lindolfo José Filho

    Juiz do Trabalho Substituto do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região. Ex-Juiz do Trabalho Substituto do Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região. Ex-assistente de Gabinete de Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região. Ex-Professor da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região. Ex-Professor da Escola Superior de Advocacia do Estado de Rondônia. Professor de cursos de Pós-graduação. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Goiás. Pós-graduado em Direito do Trabalho pela Universidade Católica Dom Bosco-MS. Pós-graduado em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Goiás. Mestre em Ciência Jurídica pela UNIVALI-SC. Máster Universitario en Derecho Ambiental y de la Sostenibilidad pela Universidad de Alicante-España. Autor de artigos científicos e obras jurídicas. Criador do Blog Magistrado Trabalhista (www.magistradotrabalhista.com.br).

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JOSÉ FILHO, Wagson Lindolfo. A eficácia do direito fundamental da proteção em face da automação previsto no inciso XXVII, do art. 7°, da Constituição Federal de 1988. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4820, 11 set. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35702. Acesso em: 28 mar. 2024.