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A reparação de danos civis em decorrência do direito ao esquecimento

A reparação de danos civis em decorrência do direito ao esquecimento

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O embate entre os princípios constitucionais do direito à memória versus o direito ao esquecimento. A imagem de um criminoso pode ser preservada em razão do legítimo direito à informação de titularidade da sociedade?

INTRODUÇÃO

O limite do uso da imagem da pessoa se perfaz como um tema de debate importante, pois é preciso equilibrar dois princípios constitucionais, quais sejam: o direito à memória e o direito ao esquecimento. A informação sobre a intimidade das pessoas é, cada vez mais, facilitada por meio da utilização da rede mundial de computadores. Entretanto, muitos indivíduos não desejam que sua história de vida seja disponibilizada ao público, sob pena de sofrer com os preconceitos sociais.

O Superior Tribunal de Justiça – STJ já reconheceu a possibilidade de retirada das informações pessoais de um indivíduo da internet, em razão do direito ao esquecimento. Entretanto, não se pode olvidar que uma eventual indenização tem, como causa primária, a prática de um delito. Por essa razão, a problemática abordada se propõe a solucionar o seguinte questionamento: “É possível a indenização civil em razão do Direito ao Esquecimento de fatos criminosos ou um indivíduo que cometeu um crime se beneficiaria de sua própria torpeza?”. 

Nesse passo, o objetivo geral se propõe a demonstrar a legitimidade do direito ao esquecimento, como condição indispensável à ressocialização do egresso do sistema penal e a possibilidade de reparação de danos na hipótese de violação de tal direito.

Os objetivos específicos são concentrados em: debater a possibilidade de indenização, em razão da violação ao direito ao esquecimento versus a questão da obtenção de benefício em razão da própria torpeza; averiguar quais os benefícios que o direito ao esquecimento promove em relação à ressocialização do egresso; determinar qual o limite temporal pode ser considerado, como razoável, para a exploração da imagem de autores de fatos criminosos pela mídia; e verificar quais as condições de violação à personalidade do individuo que se configuram aptas a justificar a indenização cível.

O trabalho é composto pelos tópicos a seguir delineados: conceito de direito ao esquecimento sob a ótica do STJ; os princípios constitucionais inerentes à matéria; e a indenização civil. A metodologia utilizada é bibliográfica e investigativa,pois conta com pesquisa em livros, jurisprudências, reportagens jornalísticas e demais documentos eletrônicos disponíveis sobre o tema.

Na realidade, o ser humano não é capaz de reescrever o passado, mas pode tornar seu presente e futuro um momento melhor de ser vivido. Isso é o que deve ocorrer com os egressos do sistema carcerário nacional, pois a finalidademaior da Lei de Execuções Penais vigente é a ressocialização.

Como se sabe, a ressocialização de presos se torna inviável se a sociedade não colaborar com a aceitação dos mesmos na convivência coletiva cotidiana. Assim, se os meios de comunicações insistirem em veicular incessantementematéria sobre o fato criminoso, destacando a figura do réu, a sociedade o marginalizará por um longo lapso temporal.

A marginalização social é um meio de prolongação de pena, uma vez que uma pessoa, refutada pela sociedade, não consegue exercer com tranquilidade os atos de sua vida civil, mesmo que já tenha cumprido toda a pena do crime cometido e obtenha a primariedade por meio de indulto.

A relevância do estudo repousa no reconhecimento de que o indivíduo, que cometeu crime de domínio público e cumpriu devidamente a pena que lhe foi imposta, não deve continuar a ser penalizado pela sociedade, em razão da reativação da memória e do preconceito social disseminado por matérias veiculadas pela mídia.

De modo a subsidiar as opiniões expressas no estudo, ao longo do texto são encontradas inúmeras citações de doutrinadores pertencentes à seara civil e constitucional, tais como: MARIA HELENA DINIZ, MANOEL GONCALVES FERREIRA FILHO, e VICENTE GREGO FILHO.Por fim, seguem a conclusão e as demais referências utilizadas para a feita deste artigo acadêmico.


CONCEITO DE DIREITO AO ESQUECIMENTO SOB A ÓTICA DO STJ.

A exposição da imagem, sem a devida autorização, é passível de acarretar o dever de indenização, desde que restem comprovados os danos de qualquer ordem (física, moral, existencial, patrimonial etc). Nesse passo, vale destacar que o livre e irrestrito acesso à informação é passível de proporcionar muitos constrangimentos à vida de pessoas, que não guardam interesse em ter os fatos, de sua vida, publicados.

Restringindo a análise do tema, especialmente em relação aos excriminosos, deve ser reconhecida a impossibilidade de exploração de fatos da vida pregressa. Na realidade, depois do enfrentamento da fase de cumprimento de pena, o condenado paga a sua dívida moral perante o Estado e a sociedade e, por essa razão, passa a ter direito de positivar suas certidões criminais.

Essa medida é possibilitada, pois oportuniza a entrada do ex-criminoso no mercado de trabalho, afastando-o da reincidência criminal. Entretanto, por vezes, os crimes praticados, no passado, são alvo de exploração de documentários e programas de televisão.

A reativação da memória, sobre a prática do ilícito penal, faz renascer o sentimento de hostilidade e preconceito social direcionado àquele que, no momento atual, por lei, não pode mais ser considerado como um criminoso. Essa postura de incitação ao ódio social inviabiliza a ressocialização do ex-criminoso e faz prolongar o sentimento de reprovabilidade social por tempo indeterminado.

Assim, ex-criminosos passam a sofrer situações reiteradas de constrangimento público, perdem seus empregos, desfazem novas amizades, afastam-se do convívio comunitário e familiar e, nos casos mais graves, chegam até a apresentar quadros de doenças como a depressão.

Como visto, a exploração do passado criminoso de alguém que não pode mais ser considerado criminoso ocasiona danos de todas as ordens à vida do indivíduo ressocializado. De modo a fazer cessar essa prática midiática indevida, sensacionalista e maldosa, os egressos lesionados, em virtude da exposição pública de seu passado, passaram a ingressar com ações de reparação de danos, requerendo, em sede de liminar, a usurpação de qualquer informação sobre a sua pessoa, bem como o impedimento de novas publicações e exibições de programas que mencionem o seu nome.

Essas ações passaram por uma análise criteriosa, uma vez que, inicialmente, foi considerado que a motivação para o pleito indenizatório seria a prática de um ilícito penal e ninguém poderá se beneficiar de sua própria torpeza.

Entretanto, o STJ, de forma vanguardista, reconheceu o direito de indenização para os egressos, pois a exploração midiática de seu passado realmente causou lesões de ordens físicas, morais e patrimoniais.

Nesse passo, o ex-criminoso não é indenizado em razão da própria torpeza, restando tutelados, na realidade, seus direitos da personalidade, tais como a honra e a imagem. Desse modo, deve ser reconhecida a popularização jurídica da doutrina do direito ao esquecimento. Note-se:

RECURSO ESPECIAL Nº 1.335.153 - RJ (2011/0057428-0).DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE IMPRENSA VS. DIREITOS DA PERSONALIDADE. LITÍGIO DE SOLUÇÃO TRANSVERSAL. COMPETÊNCIA DO  SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DOCUMENTÁRIO EXIBIDO EM REDE NACIONAL. LINHA DIRETA-JUSTIÇA. HOMICÍDIO DE REPERCUSSÃO NACIONAL OCORRIDO  NO ANO DE 1958. CASO "AIDA CURI". VEICULAÇÃO, MEIO  SÉCULO DEPOIS DO FATO, DO NOME E IMAGEM DA  VÍTIMA. NÃO CONSENTIMENTO DOS FAMILIARES.  DIREITO AO ESQUECIMENTO. ACOLHIMENTO. NÃO  APLICAÇÃO NO CASO CONCRETO. RECONHECIMENTO   DA HISTORICIDADE DO FATO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. IMPOSSIBILIDADE DE DESVINCULAÇÃO DO NOME DA VÍTIMA. ADEMAIS, INEXISTÊNCIA, NO                  CASO CONCRETO, DE DANO MORAL INDENIZÁVEL VIOLAÇÃO AO DIREITO DE IMAGEM. SÚMULA N. 403/STJ.  NÃO INCIDÊNCIA. 1. Avulta a responsabilidade do Superior Tribunal de Justiça em demandas cuja solução é transversal  interdisciplinar, e que abrange, necessariamente, uma controvérsia constitucional oblíqua, antecedente, ou inerente apenas à fundamentação do acolhimento ou rejeição de pontosituado no âmbito do contencioso infraconstitucional, questões essas que, em princípio, não são apreciadas pelo Supremo Tribunal Federal. 2. Nos presentes autos, o cerne da controvérsia passa pela ausência de contemporaneidade da notícia de fatos passados, a qual, segundo o entendimento dos autores, reabriu antigas feridas já superadas quanto à morte de sua irmã, Aida Curi, no distante ano de 1958. Buscam a proclamação do seu direito ao esquecimento, de não ter revivida, contra a vontade deles, a dor antes experimentada por ocasião da morte de Aida Curi, assim também pela publicidade conferida ao caso décadas passadas. 3. Assim como os condenados que cumpriram pena e os absolvidos que se envolveram em processo-crime (REsp. n. 1.334/097/RJ).

A condenação retro mencionada faz referência ao sofrimento emocional provocado de forma indevida por meio da publicidade de um crime ocorrido no passado. Dessa forma, resta consabido que a motivação para indenização é o devido esquecimento do fato criminoso.


DA PROTEÇÃO À IMAGEM COMO DIREITO DA PERSONALIDADE

A imagem figura no rol dos direitos da personalidade, portanto detém aráter personalíssimo, é intransmissível e irrenunciável, não podendo seu exercício sofrer limitação voluntária. O direito à imagem tem por objetivo proteger a intimidade da pessoa humana, que poderá opor-se à divulgação de situações referentes à sua vida privada.

Em que pese a exploração da imagem de pessoas, que preferem viver à margem da sociedade, possa ser considerada por muitos cidadãos como um serviço de utilidade pública, a realidade, desse tema, sob a ótica dos Tribunais de Justiça nacionais é bem distinta.

Sobre a questão da reparação de danos devidos em face da exploração indevida da imagem de pessoas, por empresas, no intuito de auferir lucros, registrese que se trata de uma prática reconhecida como ilegal pela justiça brasileira,reconhecendo, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ser cabível o dever de reparação nos seguintes termos:

APELAÇÃO CÍVEL. Nº 70034794628. COMARCA DE CACHOEIRINHA. APELANTE: ZEPPELIN PRODUCÕES DE CINEMA E TELEVISÃO LTDA; E PAIM E ASSOCIADOS COMUNICAÇÃO LTDA. RECORRENTE: FRANCISCOCARLOS DE SOUZA. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. USO INDEVIDO DA IMAGEM. VEICULAÇÃO DA IMAGEM SEM AUTORIZAÇÃO. DIREITO À IMAGEM VEM CONSAGRADO NO INC. V DO ART. 5º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL e trata-se de um direito a insurgência contra a divulgação da imagem, quando não autorizada. DANO MORAL CONFIGURADO. PATRIMÔNIO MORAL DAS PESSOAS FÍSICAS E JURÍDICAS NÃO PODE SER TRANSFORMADO EM FONTE DE LUCRO OU PÓLO DE OBTENÇÃO DE RIQUEZA. FIXAÇÃO DO MONTANTE INDENIZATÓRIO CONSIDERANDO O GRAVE EQUÍVOCO DA RÉ, O ABORRECIMENTO E O TRANSTORNO SOFRIDOS PELA AUTORA, ALÉM DO CARÁTER PUNITIVOCOMPENSATÓRIO DA REPARAÇÃO. A APRESENTAÇÃO DE QUESTÕES PARA FINS DE PREQUESTIONAMENTO NÃO INDUZ À RESPOSTA DE TODOS OS ARTIGOS REFERIDOS PELA PARTE, MORMENTE QUANDO FORAM ANALISADAS TODAS AS QUESTÕES ENTENDIDAS PERTINENTES PARA SOLUCIONAR A CONTROVÉRSIA POSTA NA APELAÇÃO. APELAÇÕES E RECURSO ADESIVO DESPROVIDOS.

No caso em comento, o apelado, após veiculação na mídia de sua imagem de forma negativa e sem a devida autorização, ajuizou ação indenizatória por danos à sua imagem cumulada com danos morais.

No bojo da ação, restaram comprovadas situações constrangedoras, prejuízos materiais e humilhações públicas ausentes de qualquer motivação legal, por essas razões, foi concedido o pleito indenizatório.

A ausência de prévia autorização do autor para a veiculação de sua imagem importa, pois, em violação do direito à imagem e, consequentemente, resta configurado o dever de indenizar. O autor Cavalieri Filho, (2011, p. 91), ao tratar do tema, bem elucida:

 O uso indevido da imagem alheia ensejará dano patrimonial sempre que for ela explorada comercialmente sem a autorização ou participação de seu titular no ganho através dela obtido, ou, ainda, quando a sua indevida exploração acarretar-lhe algum prejuízo econômico, como, por exemplo, a perda de um contrato de publicidade. Dará lugar ao dano moral se a imagem for utilizada de forma humilhante, vexatória, desrespeitosa, acarretando dor, vergonha e sofrimento de seu titular, como por exemplo, exibir na TV a imagem de uma mulher despida sem a sua autorização. E pode, finalmente, acarretar dano patrimonial e moral se, ao mesmo tempo, a exploração da imagem der lugar à perda econômica e à ofensa moral.

O dano moral resultante do direito de imagem também é devido para os casos em que, mesmo com a comprovação de autorização, a imagem tenha sido utilizada para fins diversos do autorizado, causando, assim, constrangimento indevido à pessoa.

No caso apontado, a requerente concedeu autorização para a exploração de sua imagem de gestante, em campanhas publicitárias realizadas, especialmente, em comemoração ao dia das mães. No entanto, a empresa responsável pela veiculação da propaganda, de forma ardilosa, publicou foto da autora em jornal de grande circulação, vinculando sua imagem a uma matéria apelativa de inseminação artificial. Pelo regramento constitucional brasileiro, pode-se afirmar que esse caso retrata um direito de insurgência contra a divulgação não autorizada da imagem. Observe-se:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

A norma civil de regência vigente determina, em seu artigo 20, a impossibilidade da exploração indevida da imagem do cidadão, in verbis:

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, adivulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.

No tocante à quantificação do valor indenizatório, não há critérios legais objetivos, portanto, o valor da condenação ficará a mercê do arbítrio do magistrado, que considerará as circunstâncias particulares do caso concreto, a situação econômica das partes e a gravidade da ofensa, tudo dentro dos critérios do princípio constitucional da razoabilidade.

O patrimônio moral das pessoas, independentemente de serem físicas ou jurídicas, não pode ser convertido em fonte indevida de obtenção de lucros e riquezas. Pois, se a jurisprudência pátria assim procedesse, a prática do enriquecimento ilícito, tão combatida pela Constituição Federal de 1988, restaria avalizada. Hodiernamente, a reparação de danos ostenta caráter pedagógico. Para sua determinação, é preciso analisar previamente as condições do ofensor, do ofendido e do bem jurídico tutelado. Com efeito, Rui Stoco (2007, p. 201) opina que:

O dano material, não sendo possível o retorno ao status quo ante, se indeniza pelo equivalente em dinheiro, enquanto o dano moral, por não ter equivalência patrimonial ou expressão matemática, se compensa com um valor convencionado, mais ou menos aleatório.

No Código Civil, é possível identificar as regras de auxílio ao Magistrado para a feitura do cálculo indenizatório. O artigo 944 determina que: “a indenização mede-se pela extensão do dano”; já seu parágrafo único faculta ao juiz a redução do valor indenizatório para os casos em que for constatada excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e do dano. Mais uma vez, o magistério esclarecedor de Cavalieri Filho (2011, p. 80-81) ensina que:

À luz da Constituição vigente, podemos conceituar o dano moral por dois aspectos distintos. Em sentido estrito, dano moral é violação do direito à dignidade. E foi justamente por considerar a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem corolário do direito à dignidade que a Constituição inseriu em seu art. 5º, V e X, a plena reparação do dano moral. Este é, pois, o novo enfoque constitucional pelo qual deve ser examinado o dano moral [...].

Destarte, o dano moral torna-se passível de indenização em face da agressão à dignidade e à honra, pois valores como a liberdade, o trabalho, a honestidade, a intimidade, entre outros, compõem a realidade axiológica inerente aos cidadãos. A personalidade é considerada pela doutrina e jurisprudência pátrias como um dos bens mais importantes da humanidade, por isso, justifica-se a incidência do dever de reparar os danos morais quando restarem comprovadas as consequências nefastas decorrentes da violação desse direito.


DA IMAGEM EM DUPLA ACEPÇÃO: MORAL E PATRIMONIAL.

O direito à imagem reveste-se de dupla acepção: o conteúdo moral, porque decorre de um direito inerente à personalidade; e o caráter patrimonial, assentado no princípio da proibição do locupletamento ilícito. No direito brasileiro, os direitos da personalidade da pessoa emergem do nascimento com vida, em que pese a lei, por a salvo, os direitos do nascituro.

O indivíduo deve dispor do poder de controlar o uso de seu corpo, nome, imagem e demais traços de sua personalidade. Contudo, é proibido o ato de disposição do próprio corpo, quando resultar na diminuição permanente da integridade física, ou ofender os bons costumes, salvo se exigido em caráter médico. Os direitos da personalidade encontram-se ligados à dignidade da pessoa humana. Para Penteado Filho (2010, p.01):

A dignidade humana é um valor espiritual inerente ao próprio homem; é o núcleo axiológico do direito constitucional contemporâneo. Passa de um valor moral (espiritual) para um valor jurídico (positivado). Nesse contexto, o ser humano é visto como indispensável, servindo de limite e fundamento do domínio político do Estado, independentemente de sua origem,sexo, idade etc.

A Constituição Federal de 1988 elenca a dignidade da pessoa humana como um princípio fundamental e fundamento da República Federativa do Brasil, constituída em Estado Democrático de Direito, no artigo 1º, inciso III. O fundamento, ora em análise, serve também como um elemento de hermenêutica e alastra-se sobo todo o ordenamento jurídico. Traduz-se em um atributo pertencente ao homem, independente de requisitos de origem, raça, cor, religião, idade, sexo, posição social,entre outros. É um valor excelso de interpretação das normas jurídicas. 

A globalização aproximou a relação entre países de todo o mundo, daí surgiu a necessidade de regulamentação das relações internacionais, abrindo-se espaço para o diálogo e a internacionalização dos direitos humanos. Os sistemasjurídicos atuais têm diferenciado os conceitos de direitos humanos e de direitos fundamentais, todavia, tem-se que há, apenas, uma distinção meramente topográfica, porque estes estão inscritos na Constituição de um Estado, enquanto aqueles estão insertos em pactos internacionais.

É sabido que os direitos fundamentais têm como objetivo principal tutelar a dignidade humana, com a garantia de não interferência estatal na esfera de individualidade das pessoas.

Pois bem, as principais características dos direitos humanos são: a historicidade, a universalidade, a imprescritibilidade, a inalienabilidade, a irrenunciabilidade, a inviolabilidade, a efetividade, a limitabilidade, a complementaridade e a concorrência ou interdependência. Os sistemas globais e regionais não são dicotômicos, mas complementares, sempre buscando interagir para beneficiar os indivíduos protegidos. Penteado Filho (2010, p.01) explica melhor cada uma dessas características:

Historicidade: natureza histórica; resultam de conquistas, ao longo dos séculos, com papel importante do Cristianismo.

Universalidade: alcançam todos os seres humanos indistintamente onde quer que se encontrem, daí o “Sistema Global de Proteção de Direitos Humanos”.

Imprescritibilidade: não se escoam com o decurso do tempo, inerentes à existência humana.

Inalienabilidade: intransferíveis, a qualquer título, embora razoável sua relativização, pois a propriedade pode ser alienada por doação, venda, etc.

Irrenunciabilidade: ninguém pode abrir mão da própria natureza, mas reflexos são vistos na ordem jurídica, como aborto, eutanásia, suicídio etc.

Inviolabilidade: não podem ser afrontados por leis infraconstitucionais nem por atos administrativos sob pena de responsabilidade.

Efetividade: o Estado deve criar mecanismos coercitivos, aptos à efetivação dos direitos humanos, não bastando o reconhecimento abstrato na Constituição e em pactos (Bobbio).

Limitabilidade: não são absolutos, sofrendo limitações nos momentos constitucionais de crise e diante de interesses ou direitos que, acaso afrontados, sejam mais importantes, impondo-se o sacrifício de outros (princípio da ponderação).

Complementaridade: devem ser analisados de forma conjunta e interativa com as demais normas, princípios e objetivos da Constituição Federal.

Concorrência ou interdependência: podem ser exercidos de forma cumulada, pois, embora autônomos, entrelaçam-se na tutela da dignidade humana.

Os sistemas globais e regionais não são dicotômicos, mas complementares, sempre buscando interagir para beneficiar os indivíduos protegidos. Ainda sobre a dignidade da pessoa humana, Piovesan (2008, p. 47) traz suas explanações esclarecedoras:

Ao adotar o valor da primazia da pessoa humana, estes sistemas se complementam, interagindo com o sistema nacional de proteção, a fim de proporcionar a maior efetividade possível na tutela e promoção dos direitos fundamentais. Esta é inclusive a lógica e principiologia próprias do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Vale dizer, a lógica do Direito dos Direitos Humanos é, sobretudo, uma lógica material, inspirada no valor da dignidade humana.

É imprescindível notar que foi esse bloco de direitos (fundamentais) que fez o homem superar desde o absolutismo do Estado até a conquista da liberdade e respeito que se tem hodiernamente à pessoa humana. Com isso, o rol de direitos fundamentais aumentou e muitas gerações ou dimensões surgiram.

Nesse ponto, é importante esclarecer que há críticas doutrinárias em relação ao termo “gerações” de direitos fundamentais, isso porque tal termo contraria a ideia de complementaridade que deve acompanhar os novos direitos fundamentais. Portanto, mais adequado seria falar-se se “dimensões” de direitos fundamentais, pois uma nova geração finda a anterior, já as dimensões incentivam ideias de extensão, grandezas, importância, denotando interação entre as mesmas.


DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS VIOLADOS

A exploração indevida da imagem do egresso com a exposição midiática de crimes praticados, no passado, tem repercussão no presente, tornando o egresso uma potencial vítima de preconceito social. Nesses termos, é possível inferir que houve patente violação aos princípios constitucionais da dignidade pessoa humana e da intimidade do egresso.


DA INDENIZAÇÃO CIVIL

O dever de indenizar decorre da prática de um ilícito que causou prejuízos à vida da vítima. Independente da natureza civil ou criminal, na hipótese de comprovação dos danos, cabe ao ofensor o dever de indenizar. Nas lições de J. Santos (2005, p. 694): “a responsabilidade civil é a obrigação de reparar o dano causado a outrem de forma injusta, é a prestação de ressarcimento por imposição legal”.


DIREITO AO ESQUECIMENTO VERSUS DIREITO A MEMÓRIA E A INFORMAÇÃO

A memória e a informação constroem, diretamente, a história da humanidade. É preciso reconhecer que não há como modificar o passado. Entretanto, para os indivíduos que praticaram ilícitos penais outrora, retornando ao seio social depois de cumprir suas penas, a reativação da memória social de seus  crimes impossibilita sua reintegração, em decorrência da disseminação do medo e do preconceito que a sociedade irá impor-lhes. 

Dessa maneira, a ressocialização não será atingida, pois o egresso permanecerá vítima de preconceito, não conseguirá emprego, não fará novas amizades e ficará com a vida segregada sem oportunidade de crescimento ou evolução pessoal.

Nesse passo, a exibição de matérias criminais, de forma a insuflar o preconceito social contra o egresso, não parece ser uma medida justa. Os danos causados à vida do egresso são incomensuráveis, pois conviver com o apontamento e o desprezo social são motivações para o cultivo da revolta, da frustração e do retorno à criminalidade. Nesse passo, o direito de memória deve ser preservado para quem se interessar em buscar a informação, não disseminado em redes sociais ou de televisão, de forma a expor o egresso à condição vexatória de escracho público.


DA COMPROVAÇÃO DA CULPA, DO DANO E DO NEXO CAUSAL.

A exibição de matérias midiáticas, em regra, eivadas de sensacionalismo, não exclui a culpa da emissora ou do meio de comunicação social pela responsabilização de eventuais danos causados à vida do egresso que já cumpriu a pena imposta pelo jus puniendi estatal.

Além o desprezo social que caracteriza o dano moral, o egresso pode ser vítima de agressões físicas, poderá sofrer rechaça em seu local de trabalho, ficando desempregado. Nesse caso, restam claros os danos passíveis de reparação.

Ante o exposto, uma vez comprovados o dano, a culpa, o ato ilícito e o nexo causal, resta configurado o dever reparatório de cunho pecuniário. Em conformidade com os regramentos que compõe o Código Civil que seguem colacionados, pode ser visto a caracterização legal do dever de indenizar:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano aoutrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

[...]

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que,ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos peloseu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

[...]

 Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Ante o exposto, uma vez comprovados o dano, a culpa, o ato ilícito e o nexo causal, resta configurado o dever reparatório de cunho pecuniário.


DA CONTRIBUIÇÃO DO DIREITO AO ESQUECIMENTO PARA A RESSOCIALIZAÇÃO DO EGRESSO.

O direito ao esquecimento contribui para resgatar a dignidade do egresso e para garantir seu retorno pacífico à coletividade. A não exposição de condutas criminosas, praticadas no passado, auxilia a população a não cultivar o ódio e o preconceito em relação àqueles que já praticaram crimes outrora.

A imposição do dever de indenizar o egresso não se configura como um benefício adquirido em razão da própria torpeza, uma vez que a sanção aplicada, pela prática da torpeza, já foi cumprida, portanto, o egresso merece ser respeitado como um cidadão comum do povo.

Dessa forma, aproveitar-se da imagem de egresso para angariar picos de audiência, é se aproveitar da imagem alheia sem autorização. A intimidade, a imagem e a honra são bens inerentes à personalidade humana, tutelados com status de direitos fundamentais, constantes na redação do artigo 5º, do texto constitucional, portanto, sua violação gera o lídimo dever de indenizar.

´´Não obstante isso, assim como o direito ao esquecimento do ofensor – condenado e já penalizado – deve ser ponderado pela questão da historicidade do fato narrado, assim também o direito dos ofendidos deve observar esse mesmo parâmetro. Em um crime de repercussão nacional, a vítima – por torpeza do destino – frequentemente se torna elemento indissociável do delito, circunstância que, na generalidade das vezes, inviabiliza a narrativa do crime caso se pretenda omitir a figura do ofendido.``

A indenização a ser arbitrada judicialmente, em benefício do réu, não decorre do crime praticado no passado, mas é configurada a partir da sua exposição ao ridículo e ao escracho social. Decorre também o aproveitamento de sua imagem para aumentar os valores cobrados para as propagandas entre os blocos dos programas, portanto, demonstra o Inriquecimento ilícito à custa do sofrimento alheio, conduta condenável, pois viola a dignidade do egresso e a finalidade maior da Lei de Execuções Penais que é a ressocialização.


CONCLUSÃO

O Direito ao Esquecimento é um tema moderno e de notória relevância jurídica e social. Na realidade, o debate gira em torno da violação da intimidade dos egressos que cumpriram suas penas, mas que voltam a ser alvo de preconceito, em virtude do uso da mídia para a reativação da memória social em relação ao crime praticado outrora.

O sistema normativo criminal brasileiro veda a possibilidade da imposição das penas de prisão perpétua e de morte, salvo as exceções constitucionais. Essas vedações tomam por fundamento o princípio da dignidade da pessoa humana, pois, mesmo ostentando a condição de egresso, o indivíduo continua a figurar como titular da dignidade prevista na redação constitucional.

A violação da intimidade do egresso, para torná-lo objeto de discriminação social, contraria a finalidade maior da pena que é a ressocialização. Caso torne a ser alvo de preconceito e de situações constrangedoras, não há condições de umegresso permanecer socializado.

Em geral, a exposição desnecessária de condutas criminosas do passado somente serve para prejudicar as conquistas do egresso, fazendo com que este perca o emprego, os amigos, ou seja, passe a ser excluído do convívio social.

O direito ao esquecimento, em momento algum, propõe-se a esconder ou negar o passado. Na verdade, somente demonstra a desnecessidade de promover o incentivo social ao preconceito. Bom é dizer que, além do egresso, os parentes davítima também tendem a ser prejudicados, em razão de reviver a perda do ente querido ou de outros fatos passíveis de despertar o sofrimento humano.

O dever de indenizar, decorrente da prática de atos que violam o direito ao esquecimento, não deve ser considerado como um benefício decorrente da própria torpeza do réu, pois o bem violado não é a conduta criminosa, mas a dignidademoral do egresso, comprometida pela exposição de seu passado.

Em recentes julgamentos, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a procedência de ação indenizatória motivada pelo direito ao esquecimento. Vale ressaltar que tanto o egresso quanto a família da vítima, que preencherem os pressupostos processuais da ação (dano, culpa e nexo causal), poderão figurar no pólo passivo de ação indenizatória por danos morais.

É preciso ter em mente que não é possível alterar o passado, mas ao homem sempre deve ser concedida a chance de recomeçar e ser bom. É, com base nessa máxima, que a execução penal brasileira busca a ressocialização do egresso.

A imagem de um egresso é considerada como a extensão de sua personalidade, portanto, é tão digna de respeito quanto a de qualquer ser humano. Destarte, uma vez violada a imagem humana, configurado estará o dever de indenizar.

Por arremate, pode ser inferido que a reprimenda civil indenizatória se propõe a desestimular a continuidade desse tipo de exploração pela mídia, e tornar mais digna a convivência social dos egressos e o respeito às famílias das vitimas.


Autor

  • Francisco Ribeiro Júnior

    bacharel em direito, pós-graduado em processo civil e cível, inicializando sua sua especialização em direito Constitucional e Direito previdenciário. Na qual estará publicando seu Primeiro livro sob responsabilidade civil em decorrência no âmbito bancário.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO JÚNIOR, Francisco. A reparação de danos civis em decorrência do direito ao esquecimento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4842, 3 out. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35800. Acesso em: 27 abr. 2024.