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EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO PROCESSO PENAL NO BRASIL: IMPORTANTES POLOS METODOLÓGICOS NA CONTRETIZAÇÃO DA JUSTIÇA

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO PROCESSO PENAL NO BRASIL: IMPORTANTES POLOS METODOLÓGICOS NA CONTRETIZAÇÃO DA JUSTIÇA

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Resumo: Este ensaio não pretende esgotar o assunto sobre a evolução histórica do processo penal brasileiro, mas apenas uma pequena abordagem da trajetória processual desde o Código Processual criminal de 1832 até a legislação em vigor.

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO PROCESSO PENAL NO BRASIL: IMPORTANTES POLOS METODOLÓGICOS NA CONTRETIZAÇÃO DA JUSTIÇA

 

Professor Jeferson Botelho

 

Resumo: Este ensaio não pretende esgotar o assunto sobre a evolução histórica do processo penal brasileiro, mas apenas uma pequena abordagem da trajetória processual desde o Código Processual criminal de 1832 até a legislação em vigor. Visa ainda discorrer sobre os importantes polos metodológicos do processo para a concretização da justiça, sem perder de vista a afetividade e a segurança jurídica das decisões.

Palavras-Chave: Evolução histórica, Processo Penal, polos metodológicos, efetividade, segurança jurídica.

O Brasil se tornou independente em 1822. Apesar desta conquista política, ainda herdamos de Portugal as normas processuais contidas nas Ordenações Filipinas (1603), Manuelinas (1521) e Afonsinas (1456), além, evidentemente, de algumas leis extravagantes posteriores.

Sem ter ainda uma legislação própria, o Brasil editou o Decreto de 20 de outubro de 1823, e determinou que o país adotaria a legislação de Portugal até que surgisse o nosso ordenamento jurídico. Evidentemente, que a soberania e o regime brasileiros não poderiam sofrer interferência.

Em seu Livro III, as Ordenações Filipinas disciplinavam o Processo Civil, sendo o Processo Penal e o próprio Direito Penal, tratados pelo Livro V.

Pouco tempo depois, foi outorgada a Constituição Imperial de 1824, que em seu artigo 179, § 18, logo determinou que fosse elaborado com urgência um código criminal, fundado nas sólidas bases da justiça e equidade.

Em 29 de novembro de 1832 foi aprovado o Código de Processo Criminal, dando autonomia judiciária aos municípios, cujo poder era concentrado nas mãos dos juízes de paz, eleitos pela população local. O Código de Processo de 1832 foi alterado duas vezes. Uma por meio da Lei nº 261, de 03 de dezembro de 1841, com objetivo de aumentar os poderes de polícia. Outra por meio da Lei nº 2.033, de 1871, dando poderes aos Chefes de Polícia e aos Delegados de Polícia.

Com a Constituição Republicana de 1891, esta consagrou a dualidade de processos, cabendo a consolidação da legislação federal processual ao ilustre jurista José Higino Duarte Pereira, aprovada pelo Decreto nº 3.084, de 05 de novembro de 1898.

De outro lado, surgiu o movimento para o trabalho de preparação dos códigos de processo civil e penal, muitos deles com o figurino federal, em função da ausência de técnica legislativa, sobressaindo, os Códigos da Bahia e São Paulo, que adotaram matrizes europeias.

Com a Constituição Federal de 1934, novamente concentrou-se na União a competência exclusiva para legislar em matéria de processo, mantendo-se a regra nas constituições subsequentes, inclusive presente na atual Carta Magna, artigo 22, I.

O atual Código de Processo Penal foi instituído pelo Decreto nº 3.869, de 03 de outubro de 1941, que entrou em vigor em 1º de janeiro de 1942.

Possui 811 artigos assim distribuídos:

(a) Livro I, do Processo em Geral, artigo 1º a 393;

(b) Livro II, do Processo em Espécie,  artigo 394 a 562;

(c) Livro III, das nulidades e do Recurso em Geral, artigo 563 a 667;

(d) Livro IV, da Execução, artigo 668 a 779;

(e) Livro V, Das Relações Jurisdicionais com Autoridade Estrangeira, artigo 780 a 790;

(f) Livro VI, das Disposições Gerais, artigo 791 a 811.

Algumas reformas pontuais importantes foram introduzidas ao longo de sua vigência.

Uma das mudanças importantes foi a revogação do artigo 35 pela Lei nº 9.520/1997, que condicionava o exercício do direito de queixa pela mulher somente com o consentimento do marido.

A Lei nº 11.689/2008, que deu nova roupagem ao júri e a Lei nº 11.690/2008, que alterou o sistema de provas.

As leis nº 11.900/2009 e 10.792/2003 que modificaram o instituto do interrogatório.

E por fim a Lei nº 12.403/2011, que introduziu o sistema de medidas substitutivas da prisão.

O processo penal brasileiro apresenta algumas fases ou polos metodológicos, a saber:

A primeira fase, sincretista, praxista, imanentista, ou procedimentalista, o processo era considerado simples meio de exercício dos direitos. A ação era o próprio Direito subjetivo material que, uma vez lesado, adquiria forças para obter em juízo a reparação desta lesão. Não se tinha noção do Direito processual como ramo autônomo do Direito e muito menos dos elementos para sua autonomia científica.

A segunda fase, autonomista, conceitual, ou processualismo, é marcada pelas grandes construções científicas do Direito processual. Tiveram lugar as grandes teorias processuais, especialmente sobre a natureza jurídica da ação e do processo, as condições daquela e os pressupostos processuais. A terceira, instrumentarista, é uma fase crítica. Após toda a evolução existente, chega-se a um momento em que se observa o processo por um ângulo externo, ou seja, examinando os resultados práticos.

Nos dias atuais, fala-se numa moderna fase processual, o formalismo-valorativo, defendida pelo Prof. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, a que define como sendo aquela que aloca o processo para o centro da teoria geral, equacionando de maneira adequada direito e processo e processo e Constituição.

Eis o lúcido ensinamento do excelso Professor Álvaro de Oliveira, com ênfase para o Processo Civil, sempre saindo na frente quando o assunto é prestação de justiça:

"Muito mais consentâneo ao nosso ambiente cultural revela-se colocar o processo no centro da teoria do processo. Valoriza-se aí, em maior escala, o papel de todos que nele tomam parte, o modelo cooperativo de processo civil e o valor participação inerente à nossa democracia constitucional". "Tudo conflui, pois, à compreensão do processo civil a partir de uma nova fase metodológica - o formalismo-valorativo. Além de equacionar de maneira adequada as relações entre direito e processo, entre processo e Constituição e colocar o processo no centro da teoria do processo, o formalismo-valorativo mostra que o formalismo do processo é formado a partir de valores - justiça, igualdade, participação, efetividade, segurança -, base axiológica a partir da qual ressaem princípios, regras e postulados para sua elaboração dogmática, organização, interpretação e aplicação".

E ainda prossegue o iluminado jurista:

"Nessa perspectiva, o processo é visto, para além da técnica, como fenômeno cultural, produto do homem e não da natureza. Nele os valores constitucionais, principalmente o da efetividade e o da segurança, dão lugar a direitos fundamentais, com características de normas principais. A técnica passa a segundo plano, consistindo em mero meio de atingir o valor. O fim último do processo já não é mais apenas a realização do direito material, mas a concretização da justiça material, segundo as peculiaridades do caso. A lógica é argumentativa, problemática, da racionalidade prática. O juiz, mais do que ativo, deve ser cooperativo, como exigido por um modelo de democracia participativa e a nova lógica que informa a discussão judicial, ideias essas inseridas em um novo conceito, o de cidadania processual".

Esta fase também é tratada por outros autores, ainda em sede de processo civil, como neoprocessualismo e neoinstitucionalismo, sempre pautando os argumentos pela efetividade do processo e pela segurança jurídica, na qual o processo ganha contornos discursivos constitucionalizados, sendo, pois, uma conquista da própria cidadania.

Por fim, é importante frisar que deve ser estabelecido no processo penal um verdadeiro diálogo cooperativo, sério e voltado para a realização do espírito comunitário, onde a concretização da justiça tem mais valor que o formalismo exagerado e a técnica processual.

O processo penal é, pois, um instrumento muito caro para a sociedade. E desta forma, não se pode desprezar o seu desiderato principal: proteger a sociedade, sem o sacrifício injustificado da liberdade.

Logo, deve  o processo penal constituir-se um valioso aparato instrumental posto nas mãos do Magistrado para a concretização da justiça, de modo rápido e informal, sem perder de vista o prestígio do contraditório e da efetividade jurisdicional.

Referências Bibliográficas:

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: Promulgada em 05 de outubro de 1988. http://www2.planalto.gov.br, acesso em 04/02/2015, às 17h15min;

BRASIL. Lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Institui o Código de Processo Penal. http://www2.planalto.gov.br/, acesso em 04/02/2015, às 17h16min;

JOBIM, Félix Marco. As fases Metodológicas do Processo. http://www.rkladvocacia.com/arquivos/artigos/art_srt_arquivo20140421181345.pdf. Acesso em 04/02/2015, às 17:23 h.


Autor

  • Jeferson Botelho Pereira

    Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

    Autor do livro <em>Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: atividade sindical complexa e ameaça transnacional</em> (JH Mizuno). Participação nos livros: "Lei 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia", "Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS 236/2012", e "Atividade Policial" (coord. Prof. Rogério Greco), da Impetus. Articulista em Revistas Jurídicas.

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