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Decisões condenatórias proferidas pelos Tribunais de Contas

natureza, revisibilidade judicial e eficácia jurídica

Decisões condenatórias proferidas pelos Tribunais de Contas: natureza, revisibilidade judicial e eficácia jurídica

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Os julgamentos de contas revestem-se de caráter definitivo, não competindo ao Poder Judiciário adentrar o mérito das decisões para modificá-las. A revisibilidade judicial deve se ater à verificação do respeito ao devido processo legal, o qual – se não observado – leva à restituição do caso à Corte de Contas para novo julgamento.

RESUMO: Entre as competências atribuídas constitucionalmente aos Tribunais de Contas do Brasil, destaca-se aquela relativa ao julgamento de contas dos responsáveis por recursos públicos. Tal competência decorre do exercício de autêntica função jurisdicional outorgada constitucionalmente às Cortes de Contas, no bojo de um processo administrativo de contas, em que são garantidos o contraditório e a ampla defesa, inclusive mediante a interposição de recursos. Afigura-se incabível a reforma, pelo Poder Judiciário, de decisão condenatória proferida pelos Tribunais de Contas, ressalvada a ocorrência de eventual ilegalidade manifesta ou irregularidade formal. Em sendo proferida decisão pela irregularidade das contas, imputando débito ou cominando multa, e não sendo recolhida a dívida no prazo legal pelo responsável, o acórdão condenatório possui eficácia de título executivo extrajudicial, cabendo o ajuizamento de sua execução pelos órgãos competentes.


1. INTRODUÇÃO

Nos Tribunais de Contas, os processos de julgamento de contas não possuem caráter contencioso até que a regularidade das contas venha eventualmente a ser questionada. A partir deste momento, a natureza do processo transmuta-se, tendo em vista o surgimento de um conflito de interesses entre Administração e administrado, pelo qual se estabelece um processo de caráter contencioso, que observará o devido processo legal (ZYMLER, 2009).

Uma vez garantidos o contraditório e a ampla defesa, inclusive por meio da interposição de eventuais recursos, a decisão definitiva do Tribunal de Contas – na forma de acórdão – que conclua pela irregularidade das contas imputará um débito ao responsável e/ou cominar-lhe-á multa. Convencionou-se, no presente artigo, denominar tais acórdãos de “decisões condenatórias”.

No presente artigo, aborda-se a intrincada e antiga questão atinente à natureza jurídica das decisões condenatórias para, a partir de tal abordagem, perquirirem-se os limites aplicáveis a sua revisibilidade judicial e delimitar-se sua eficácia.


2. NATUREZA JURÍDICA DAS DECISÕES CONDENATÓRIAS

Questão assaz relevante diz respeito à natureza jurídica das decisões condenatórias proferidas pelos Tribunais de Contas, havendo autores que entendem serem estas decorrentes de autêntica função jurisdicional e outros que pretendem reservar o exercício de tal função exclusivamente em favor do Poder Judiciário.

Conforme se verá adiante, a questão não é recente, havendo autores que sobre ela se debruçaram desde a primeira metade do século XX[1]. Em que pese isto, a reflexão que ora se propõe não se afigura estéril. Ao contrário, a exata definição da natureza jurídica das decisões condenatórias possui implicações diretas sobre os limites aplicáveis à revisibilidade judicial de tais decisões e à eficácia dos títulos condenatórios.

2.1 O sistema da unicidade da jurisdição

A jurisdição pode ser definida como poder, função e atividade. Como poder, jurisdição é a manifestação do poder estatal, conceituado como capacidade de decidir imperativamente e impor decisões. Como função, expressa o encargo que têm os órgãos estatais de promover a pacificação de conflitos interindividuais, mediante a realização do direito justo e através do processo. Como atividade, é o complexo de atos do juiz no processo, exercendo o poder e cumprindo a função que a lei lhe comete. O poder, a função e a atividade somente transparecem legitimamente através do processo devidamente estruturado, ou seja, por meio do devido processo legal (CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, 2006).

 Ainda segundo Cintra, Grinover e Dinamarco (2006), a jurisdição, como expressão do poder estatal soberano, a rigor não comporta divisões, pois falar em diversas jurisdições em um mesmo Estado significaria afirmar a existência de uma pluralidade de soberanias, o que não faria sentido. Assim, a jurisdição é, em si mesma, tão una e indivisível quanto o próprio poder soberano.

Di Pietro (1996) entende que o sistema da unicidade da jurisdição decorreria do art. 5º, XXXV, da CF, segundo o qual “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. A autora entende que, em face deste dispositivo, nenhuma decisão do Tribunal de Contas ou de qualquer outro órgão, seja ele afeto ao Legislativo ou ao Executivo, que cause lesão ou ameaça de lesão pode ser subtraída da apreciação do Poder Judiciário. Nesse sentido, nosso sistema constitucional não teria dado guarida ao sistema de dualidade de jurisdição, originado do direito francês, em que os órgãos do chamado “contencioso administrativo” apreciam as questões em que a Administração Pública seja parte interessada, em caráter definitivo, com a mesma força de coisa julgada de que são dotadas as decisões da Justiça Comum.

Por outro lado, Jacoby Fernandes (1996) afirma parecer uníssono o entendimento de que o Brasil adota o sistema de jurisdição única ou inglês, o que significaria que somente o Poder Judiciário poderia exercer a função jurisdicional. O sistema francês ou do contencioso administrativo, a seu turno, admite que um órgão, não integrante do Judiciário, declare o Direito aplicável ao caso concreto, inibindo a reapreciação do mesmo fato por este Poder. Ainda segundo o autor, os doutrinadores pátrios admitem, também de modo quase absoluto, que não existe sistema puro em nenhum País.

Jacoby Fernandes (1996) prossegue afirmando que, diante do supratranscrito inciso XXXV do art. 5º da CF, qualquer diploma infraconstitucional que pretendesse restringir a apreciação de certas demandas pelo Poder Judiciário seria, a toda evidência, inconstitucional, por ofensa à referida norma. Em que pese isto, referido dispositivo tem por destinatário o legislador infraconstitucional, mas não veda que a própria Constituição imponha o exercício da função jurisdicional a outro órgão, não integrante do Poder Judiciário.

Nesse sentido, são exceções ao sistema da unicidade da jurisdição na ordem constitucional brasileira: o julgamento, pelo Congresso Nacional, das contas prestadas pelo Presidente da República (art. 49, IX); o julgamento, pelo Senado Federal, do Presidente e do Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexo com aqueles (art. 52, I); o julgamento dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, dos membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade (art. 52, II); e o julgamento de contas pelo TCU (art. 71, II).

Os exemplos acima elencados são casos de exercício da função jurisdicional por órgãos não integrantes do Poder Judiciário, pelo simples fato de que o legislador constituinte, expressamente, deslocou tal competência para órgãos específicos, tendo em vista relevantes razões jurídicas, morais e lógicas (JACOBY FERNANDES, 1996).

2.2 As decisões condenatórias como exercício da jurisdição

Em que pesem as exceções constitucionalmente estabelecidas ao sistema da unicidade da jurisdição, autores há que se posicionam contrariamente ao reconhecimento da função jurisdicional exercida pelos Tribunais de Contas quando estes julgam contas[2].

Tais autores entendem, de forma equivocada, que o sistema da unicidade da jurisdição seria absoluto em nosso País e fundamentam seus argumentos, adicionalmente, nos seguintes pontos: 1º) o fato de os Tribunais de Contas não pertencerem ao Poder Judiciário; 2º) o entendimento de que o julgamento de contas seria uma atividade meramente técnico-contábil; 3º) características substanciais da jurisdição (YAMADA, 2005).

No que se refere ao primeiro ponto, Di Pietro (1996) afirma que, embora a Constituição empregue, no inciso II de seu art. 71, o termo “julgar”, o caput do mesmo artigo confere ao Tribunal de Contas a incumbência de auxiliar o Congresso Nacional. A autora afirma que seria inconcebível imaginar-se que o Tribunal de Contas, que auxilia o Legislativo no controle externo, pudesse estar integrado ao Poder Judiciário, lembrando que o art. 92 da Constituição, ao relacionar os órgãos integrantes do Poder Judiciário, não inclui o Tribunal de Contas.

Há, em tal raciocínio, lamentável equívoco. Sem dúvida, a autora está correta quando afirma que os Tribunais de Contas não são órgãos integrantes da estrutura do Poder Judiciário, mas tal fato, por si só, não é capaz de excluir das Cortes de Contas o exercício de sua função jurisdicional. Não se pode confundir a função exercida pelos Tribunais de Contas em sua competência de julgamento de contas com a posição que tais órgãos ocupam em relação aos três Poderes do Estado Brasileiro. Conforme abordado alhures, a função jurisdicional não é exclusiva do Poder Judiciário, podendo-se inclusive falar em “jurisdição administrativa” (MEIRELLES, 1993 apud BUGARIN, 2004, p. 75).

No que toca ao segundo ponto, Nilo de Castro (1999 apud COSTA JÚNIOR, 2001, p. 77-78) afirma que os Tribunais de Contas não exercem função judicante, pois julga “não as pessoas, apenas exerce julgamento técnico das contas”. Costa Júnior (2001) refuta tal entendimento, pois tribunal algum deste mundo está incumbido de julgar os homens por aquilo que são, ou seja, em seu aspecto subjetivo, mas tão-somente de forma objetiva, em virtude dos atos que tenham praticado.

Na mesma esteira, Jacoby Fernandes (2008 apud YAMADA, 2005, p. 42-43) afirma que os Tribunais de Contas, quando julgam contas, definem a responsabilidade do agente, pois a competência constitucionalmente outorgada se refere a julgar as contas dos administradores e demais responsáveis. O autor lembra que é da tradição dos Tribunais de Contas, inclusive no Brasil, a possibilidade inclusive de ordenar a prisão dos responsáveis com alcance julgado em sentença definitiva do Tribunal[3], possibilidade que só se conforma com a lógica elementar se os julgamentos se fizerem sobre pessoas. Nesse sentido, “nenhum tribunal ou juiz julga pessoas, mas condutas ou comportamentos humanos. Julgar pessoas, na sua integridade, é competência privativa de Deus”.

Ainda segundo Jacoby Fernandes (1996), ao proferir decisão pela irregularidade das contas, a Corte precisa identificar a causa da irregularidade e o agente responsável, não havendo como garantir a ampla defesa e o contraditório sem tais elementos.

No que tange ao terceiro ponto, qual seja, o entendimento de que estaria ausente, no julgamento de contas, características substanciais da jurisdição, há autores que argumentam que a relação processual existente entre o responsável e o Tribunal de Contas é linear, ao contrário da relação jurídica processual clássica, angular e com caráter de substitutividade (COSTA JÚNIOR, 2001).

Das três linhas argumentativas, esta parece ser a menos frágil, mas, de igual sorte, não se sustenta. De fato, nos processos de contas, está ausente a triangularidade clássica da jurisdição, formada por juiz, autor e réu, mas a não conformidade aos exatos termos do modelo processual clássico não permite que se descarte a função jurisdicional efetivamente exercida pelas Cortes de Contas brasileiras.

Nesse sentido, segundo Costa Júnior (2001), tal particularidade ocorre para se atender às necessidades peculiares da atividade exercida pelos Tribunais de Contas. Assim, “nem tudo aquilo que não se ajusta à moldura da Teoria Geral do Processo deixa de ser atividade jurisdicional apenas por isto”. À guisa de exemplo, o autor cita o antigo processo criminal sumário, previsto no art. 531 do Código de Processo Penal, que perdurou no Brasil até 1988 e que era inaugurado por portaria de juiz de direito, bem como o duplo grau obrigatório de jurisdição com modificação da decisão em segunda instância. Tais casos não se amoldam exatamente ao padrão clássico de triangularidade e inércia judiciais, mas nem por isso deixam de ser exemplos concretos de exercício legítimo da jurisdição pelo Estado.

O autor prossegue afirmando que, enquanto os órgãos integrantes do Poder Judiciário, talvez por julgarem precipuamente conflitos entre particulares, somente estão autorizados a atuar depois que o interessado manifesta a vontade de defender seus direitos por meio da propositura de uma ação – passando-se a partir daí a se impor o princípio da indeclinabilidade da jurisdição –, os Tribunais de Contas também se submetem a este princípio, com a peculiaridade de que o interesse juridicamente tutelado pela atuação destas Cortes não é privado, mas eminentemente público.

Jacoby Fernandes (2008) menciona ainda duas argumentações adicionais daqueles que se negam a reconhecer o exercício da jurisdição pelos Tribunais de Contas. A primeira delas é que as decisões dos Tribunais de Contas não constituiriamm expressões da jurisdição porque não são executáveis pelas próprias Cortes[4]. Tal entendimento não merece prosperar, de vez que, raramente, um Tribunal é o executor direto de sua própria decisão, já que esta em geral é executada pelo primeiro grau de jurisdição.

Por sua vez, a segunda argumentação é aquela defendida por Gualazzi (1992 apud JACOBY FERNANDES, 2008, p. 178), segundo a qual as decisões dos Tribunais de Contas poderiam ser classificadas como coisa julgada administrativa. Segundo Jacoby Fernandes (2008), tal tese erra ao incorrer na generalização, pois não diferencia as atividades de apreciar (ex: atos de pessoal para fins de registro, nos termos do art. 71, III, da CF), de fiscalizar (ex: realização de auditorias, conforme art. 71, IV, da CF) e de julgar (art. 71, II, da CF).

Baleeiro (1984 apud BUGARIN, 2004, p. 77) afirma que o modelo de controle orçamentário adotado no Brasil é o jurisdicional, equiparando-o aos modelos francês, italiano e português. O grande tributarista e financista vislumbrava, na configuração institucional dos Tribunais de Contas brasileiros, o conjunto de características típicas do controle jurisdicional de contas no Direito Comparado, quais sejam: “a) órgão colegiado composto de membros sem dependência direta do Parlamento nem do Executivo[5]; b) processo judicial de apreciação das contas; c) subordinação de contabilidade ao Executivo sob fiscalização desse órgão”. Bugarin (2004) sintetiza tal posicionamento na qualificação do Tribunal de Contas, pelo saudoso mestre Baleeiro, como “órgão administrativo, colegiado, com funções jurisdicionais sobre os ordenadores e pagadores de dinheiros públicos, no interesse da própria administração”.

Segundo Furtado (2007), as decisões proferidas pelo TCU muito mais se aproximam dos atos judiciais que dos tradicionais atos administrativos, tanto que são asseguradas a seus Ministros as garantias e as prerrogativas próprias dos magistrados (art. 73, § 3º, da CF).  Para o autor, o conceito de jurisdição não é tão estranho às atividades dos Tribunais de Contas quanto supunham alguns “cientistas” do Direito Processual, que negavam a existência do processo administrativo. O TCU, segundo o autor, exerce jurisdição administrativa e, no desempenho dessa tarefa, julga as contas dos gestores públicos, muito embora suas decisões não detenham natureza judicial, pois os Tribunais de Contas não integram o Poder Judiciário e suas decisões regem-se por normas de Direito Administrativo e Constitucional e não pelo Direito Processual.

Assim sendo, as decisões condenatórias proferidas pelos Tribunais de Contas em processos de julgamento de contas decorrem do exercício de autêntica função jurisdicional administrativa, pois o princípio da unicidade da jurisdição em vigor no País não é absoluto, comportando exceções em virtude de normas de envergadura constitucional. Destarte, no sistema constitucional brasileiro, há casos pontuais de exercício da jurisdição por órgãos que não pertencem ao Poder Judiciário, de que são exemplo as decisões condenatórias proferidas pelos Tribunais de Contas. Tais exceções nada mais fazem que confirmar a regra, segundo a qual o exercício da jurisdição compete ao Poder Judiciário.

Conforme o mestre Hely Lopes Meirelles (1992 apud COSTA JÚNIOR, 2001, p. 81, grifo nosso), no contexto da significativa ampliação das atribuições institucionais dos Tribunais de Contas, “o poder de controle externo por eles exercido expressa-se, fundamentalmente, em funções de caráter técnico-opinativo e, também, de natureza jurisdicional-administrativa”.


2. REVISIBILIDADE JUDICIAL

Definida a natureza jurisdicional da função de julgar contas, contida no inciso II do art. 71 da CF, mister se faz averiguar a possibilidade de as decisões condenatórias proferidas em processos de contas serem revistas no âmbito do Poder Judiciário. Nesse sentido, a partir da verificação se as decisões condenatórias fazem ou não coisa julgada, podem-se perquirir eventuais limites a sua revisibilidade judicial[6].

2.1 Coisa julgada

Segundo Cintra, Grinover e Dinamarco (2006), a sentença não mais susceptível de reforma por meio de recursos transita em julgado, tornando-se imutável dentro do processo. Nesse sentido, os autores distinguem a coisa julgada formal – pela qual a sentença, como ato de determinado processo, não mais pode ser reexaminada em virtude da preclusão de eventuais impugnações e recursos no âmbito daquele processo – da coisa julgada material, que representa a imutabilidade da sentença no mesmo processo ou em qualquer outro, entre as mesmas partes.

Fala-se ainda em coisa julgada administrativa, termo mais utilizado em países que adotam o sistema do contencioso administrativo. Nesse sentido, Di Pietro (1996) afirma que seria válido falar em coisa julgada administrativa, com o sentido de irretratabilidade ou imutabilidade da decisão final, apenas em países que integram o contencioso administrativo, o que não é o caso do Brasil. A autora supõe que, no sistema brasileiro, todos os processos administrativos seriam não contenciosos, razão pela qual o termo “coisa julgada administrativa” significaria aqui tão somente a impossibilidade da interposição de qualquer recurso perante a própria pública administração.

Seguindo o mesmo raciocínio, Ferraz (1999) nega a aptidão das decisões condenatórias proferidas pelos Tribunais de Contas para fazer coisa julgada material, as quais poderiam ser livremente questionadas em face do Poder Judiciário. O autor conclui que tais decisões poderiam ser revistas em sua plenitude pela Justiça Comum, a qual adentraria o mérito do julgamento de contas, com uma necessária comunicabilidade entre as instâncias cível (no Judiciário) e administrativa (nos Tribunais de Contas).

Tal raciocínio não merece prosperar. De fato, como afirma Di Pietro (1996), o Brasil adota o sistema da unicidade da jurisdição, mas tal sistema não é absoluto e comporta exceções, conforme mencionado alhures. Entre tais exceções, encontra-se o processo administrativo de contas, que se torna contencioso uma vez que a regularidade destas seja questionada (ZYMLER, 2009). Decisões condenatórias das quais já não caiba a interposição de recursos perante os próprios Tribunais de Contas decorrem do exercício de autêntica função jurisdicional administrativa, ou seja, tais decisões formam coisa julgada, via de regra insusceptível de reforma pelo Poder Judiciário.

Questão óbvia, porém não menos importante, é a utilização do termo “julgar” no inciso II do art. 71 da CF, que leva à conclusão do exercício da jurisdição pelos Tribunais de Contas e da consequente formação da coisa julgada em suas decisões definitivas. Maximiliano (1988 apud JACOBY FERNANDES, 1996, p. 56) afirma:

[...] o juiz atribui aos vocábulos o sentido resultante da linguagem vulgar; porque se presume haver o legislador, ou escritor, usado expressões comuns; porém, quando são empregados termos jurídicos, deve crer-se ter havido preferência pela linguagem técnica [...]. Enfim, todas as ciências, e entre elas o Direito, têm a sua linguagem própria, a sua tecnologia... No Direito Público usam mais dos vocábulos no sentido técnico; em o Direito Privado, na acepção vulgar.

Segundo Jacoby Fernandes (1996), a análise das competências das Cortes de Contas deve levar em conta o sentido técnico e próprio de cada um dos vocábulos empregados. Para o autor, o Tribunal de Contas, via de regra, “não tem competência para dizer o direito no caso concreto, de modo definitivo, com força de coisa julgada; por exceção detém essa competência, na forma do art. 71, inc. II, da Constituição Federal”.

Para Chaves (2009), contra as decisões dos Tribunais de Contas podem ser aviados recursos junto às próprias Cortes que as prolataram, tendo tais recursos a natureza de uma apelação administrativa. Para o autor, o ordenamento jurídico brasileiro não autoriza a previsão de recursos contra decisões dos Tribunais de Contas dirigidos ao Poder Judiciário[7] ou ao Poder Legislativo, ou seja, todas as vias recursais devem se esgotar no âmbito do Tribunal de Contas competente para apreciar a matéria. Não cabe também a interposição de recurso dirigido a um Tribunal de Contas contra decisão proferida por outra Corte de Contas. Assim, por exemplo, não caberia recurso ao TCU de matéria julgada por TCE, dado que as competências de tais Cortes são distintas[8].

2.2 Limites à revisibilidade judicial

Pode-se afirmar que existem duas principais correntes no que se refere aos eventuais limites aplicáveis à revisibilidade judicial das decisões condenatórias proferidas pelos Tribunais de Contas[9]. A primeira corrente propugna que a função de julgamento de contas não teria caráter jurisdicional, tendo em vista o princípio da unicidade da jurisdição. Consequentemente, tais decisões não seriam susceptíveis de fazer coisa julgada, podendo ser revistas em toda sua extensão pelo Poder Judiciário.

     Já a segunda corrente, à qual se filia o autor deste artigo, defende a tese de que o julgamento de contas é autêntica função de cunho jurisdicional, de competência exclusiva dos Tribunais de Contas, tendo em vista exceção constitucionalmente estabelecida ao sistema da unicidade da jurisdição. Já que as Cortes de Contas exercem jurisdição especializada, suas decisões condenatórias formam coisa julgada, insusceptível de revisão judicial, ressalvado desrespeito ao princípio do devido processo legal ou eventual ilegalidade manifesta.

     Pardini (1997 apud COSTA JÚNIOR, 2001, p. 61) classifica as funções desempenhadas pelos Tribunais de Contas em opinativa, fiscalizadora, corretiva e jurisdicional. Nesta, o Tribunal, com exclusividade, julga e liquida definitivamente as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo financeiro, econômico ou material ao erário e ao patrimônio da União. Trata-se, em verdade, de uma “jurisdição especializada de contas”.

     Ainda segundo Pardini (1997 apud BUGARIN, 2004, p. 77-78), o conteúdo jurisdicional da função desempenhada pelo Tribunal de Contas fundamenta-se na sua exclusiva competência para julgamento das contas públicas. Em tal função judicante, as contas são encerradas e liquidadas definitivamente com o julgamento do Tribunal de Contas, muito embora a responsabilidade do prestador possa vir a ser discutida novamente na Justiça Comum, mas tão somente para decidir sobre eventuais lesões ao direito do impetrante, se a decisão contiver vícios de legalidade formal ou objetiva.

     Seabra Fagundes[10] (1984 apud BUGARIN, 2004, p. 75, grifos nossos), analisando a feição institucional do Tribunal de Contas, e após ressaltar que a Constituição Federal de 1967 admitia exceções ao monopólio jurisdicional do Poder Judiciário, reconhece o exercício da função judicante pelos Tribunais de Contas em processos de julgamento de contas, afirmando que o Poder Judiciário carece de jurisdição para examinar tal matéria. Afirma o autor, verbis:

O Tribunal de Contas não aparece na Constituição como órgão componente do Poder Judiciário. Dele se trata no capítulo referente ao Poder Legislativo, do qual constitui, pelo menos por algumas das suas atribuições, órgão auxiliar. Não obstante isso, o art. 71, § 4º, lhe comete o julgamento da regularidade das contas dos administradores e demais responsáveis por bens e dinheiros públicos, o que implica em investi-lo no parcial exercício da função judicante. Não bem pelo emprego da palavra julgamento, mas sim pelo sentido definitivo da manifestação da corte, pois se a regularidade das contas pudesse dar lugar a nova apreciação (pelo Poder Judiciário), o seu pronunciamento resultaria em mero e inútil formalismo. Sob esse aspecto restrito (o criminal fica à Justiça da União) a corte de contas decide conclusivamente; os órgãos do poder judiciário carecem de jurisdição para reexaminá-lo.

No mesmo sentido, Speck (2000 apud VERINO, 2005, p. 35, grifo nosso) afirma:

Os defensores de um caráter plenamente judicial das decisões do TCU apontam para o fato de que o processo administrativo obedece a um rigor próximo do processo judicial quando separa instrução e julgamento, oferece ampla possibilidade de defesa e revisão, e segue, em outros aspectos, os princípios da legalidade e da imparcialidade. Tendo em vista essas características de tal processo, não faria sentido duplicar esse mesmo procedimento, com uma revisão plena no âmbito do Judiciário. O Julgamento do Tribunal de Contas se tornaria inútil e mero formalismo, se um juiz estivesse autorizado a julgar a mesma questão material ainda uma vez.

Pontes de Miranda (1970 apud COSTA JÚNIOR, 2001, p. 45-46, grifo nosso), na mesma esteira, reconhece o exercício da jurisdição pelos Tribunais de Contas e posiciona-se contrariamente a uma reapreciação, pelo Poder Judiciário, do que já foi julgado pelos Tribunais de Contas[11]. Seus ensinamentos permanecem extremamente atuais, conforme transcrito a seguir:

Desde 1934, a função de julgar as contas estava, claríssima, no texto constitucional. Não havíamos de interpretar que o Tribunal de Contas julgasse, e outro juiz as rejulgasse depois. Trata-se de absurdo bis in idem...

[...] e muito extravagante seria que, tendo a União o seu Tribunal de Contas, com atribuição explícita de julgar das contas dos responsáveis por dinheiros ou bens públicos, tivesse de subordinar tais contas aos juízes locais.

Jacoby Fernandes (1996), da mesma sorte, entende que a inalterabilidade da decisão é decorrência lógica, jurídica e inafastável da jurisdição. Se o Tribunal de Contas decide sobre questão jurídica que lhe foi submetida, mas essa decisão não merece o respeito dos órgãos do Judiciário, não há que se falar em jurisdição. Se as decisões definitivas das Cortes de Contas pudessem ser revistas pelo Poder Judiciário, não se poderia falar em coisa julgada nem em jurisdição. Portanto, não se estaria, tecnicamente, diante de um autêntico julgamento.

Nada obstante isto, Custódio (1991) dá notícia de que a maior parte das decisões judiciais admite a revisão, pelo Judiciário, das decisões proferidas pelo Tribunal de Contas. O próprio Superior Tribunal de Justiça (STJ) entende assim, conforme excertos da seguinte ementa:

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE. RECEBIMENTO DA INICIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. APROVAÇÃO DAS CONTAS PELO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. ART. 21, INC. II, DA LEI Nº 8.429/92. NÃO VINCULAÇÃO FRENTE AO PODER JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE DE IMPUGNAÇÃO VIA AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO (ARTS. 267, INCS. I e VI e 295, INC. I E PAR. ÚNICO, INCS. I e III, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL). INOVAÇÃO EM SEDE DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.

1. O Controle exercido pelo Tribunal de Contas, não é jurisdicional, por isso que não há qualquer vinculação da decisão proferida pelo órgão de controle e a possibilidade de ser o ato impugnado em sede de ação de improbidade administrativa, sujeita ao controle do Poder Judiciário, consoante expressa previsão do art. 21, inc. II, da Lei nº 8.429/92. Precedentes: REsp 285305/DF, Primeira Turma, julgado em 20/11/2007, DJ 13/12/2007 p. 323; REsp 880662/MG, Segunda Turma, julgado em 15/02/2007, DJ 01/03/2007 p. 255; REsp 1038762/RJ, Segunda Turma, julgado em 18/08/2009, DJe 31/08/2009.

[...]

5. [...] Acrescente-se que atuação do TCU, na qualidade de Corte Administrativa não vincula a atuação do Poder Judiciário, nos exatos termos art. 5º, inciso XXXV, CF.88, segundo o qual, nenhuma lesão ou ameaça de lesão poderá ser subtraída da apreciação do Poder Judiciário. (fls. 1559).

6. A natureza do Tribunal de Contas de órgão de controle auxiliar do Poder Legislativo, decorre que sua atividade é meramente fiscalizadora e suas decisões têm caráter técnico-administrativo, não encerrando atividade judicante, o que resulta na impossibilidade de suas decisões produzirem coisa julgada e, por consequência não vincula a atuação do Poder Judiciário, sendo passíveis de revisão por este Poder, máxime em face do Princípio Constitucional da Inafastabilidade do Controle Jurisdicional, à luz do art. 5º, inc. XXXV, da CF/88.

7. A doutrina sobre o tema, assenta: No que diz respeito ao inciso II, referente ao Tribunal de Contas, a norma é de fácil compreensão. Se forem analisadas as competências do Tribunal de Contas, previstas no artigo 71 da Constituição, vai-se verificar que o julgamento das contas das autoridades públicas não esgota todas as atribuições daquele colegiado, estando previsto nos incisos I e II; a apreciação das contas obedece a critérios políticos e não significa a aprovação de cada ato isoladamente considerado; as contas podem ser aprovadas, independentemente de um ou outro ato ou contrato ser considerado ilegal. Além disso, como o Tribunal de Contas não faz parte do Poder Judiciário, as suas decisões não têm forma de coisa julgada, sendo sempre passíveis de revisão pelo Poder Judiciário, com fundamento no artigo 5º, inciso XXV, da Constituição (Maria Sylvia Zanella Di Pietro in Direito Administrativo, 14ª edição, São Paulo: Atlas, 2002, pp. 687/688).

[...]

12. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido. (STJ, Primeira Turma, REsp 1032732/CE. Relator: Min. Luiz Fux. Julgamento em 19/11/2009. Publicado no DJe de 03/12/2009, grifos nossos).

Os trechos grifados na suprarreferida decisão contêm lamentáveis equívocos. Primeiramente, a decisão confunde as competências previstas nos incisos I e II do art. 71 da Constituição, conferindo a tais atribuições, genericamente, a alcunha “julgamento de contas” e afirmando que as decisões dos Tribunais de Contas obedeceriam a critérios políticos. Ora, a competência contida no aludido inciso I distingue-se nitidamente daquela prevista no referido inciso II. Naquele, encontra-se estatuída a competência para a emissão de parecer prévio sobre as contas prestadas anualmente pelo Chefe do Poder Executivo, de caráter opinativo, para seu posterior julgamento pelo Congresso Nacional. Neste, encontra-se prevista a competência de julgamento das contas dos demais responsáveis por recursos públicos, uma função de caráter autenticamente jurisdicional.

Além disso, a decisão do STJ nega aos Tribunais de Contas o exercício da função jurisdicional, que se encontra presente na competência descrita no inciso II do art. 71 da CF, conforme se tem sustentado neste artigo. Partindo do caráter não judicial dos Tribunais de Contas – advindo do simples fato de tais órgãos não pertencerem à estrutura do Poder Judiciário –, a decisão nega peremptoriamente aos acórdãos proferidos em julgamentos de contas a formação de coisa julgada, afirmando precipitadamente que as decisões das Cortes de Contas seriam sempre passíveis de revisão pelo Poder Judiciário.

Não é assim que entende o Supremo Tribunal Federal (STF). Em verdade, o STF – na condição de guardião da Constituição – tem conferido o devido valor às competências constitucionais outorgadas às Cortes de Contas, mormente quando se tem em vista o exercício da jurisdição especial de contas, prevista no inciso II do art. 71 da Carta Magna. A título exemplificativo, transcreve-se a seguinte ementa:

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. COMPETÊNCIA. ART. 71, II, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL E ART. 5º, II E VIII, DA LEI N. 8.443/92. TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 148 A 182 DA LEI N. 8.112/90. INOCORRÊNCIA. PROCEDIMENTO DISCIPLINADO NA LEI N. 8.443/92. AJUIZAMENTO DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PREJUDICIALIDADE DA TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE. INDEPENDÊNCIA ENTRE AS INSTÂNCIAS CIVIL, PENAL E ADMINISTRATIVA. QUESTÃO FÁTICA. DILAÇÃO PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SEGURANÇA DENEGADA.

1. A competência do Tribunal de Contas da União para julgar contas abrange todos quantos derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte dano ao erário, devendo ser aplicadas aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, lei que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado aos cofres públicos [art. 71, II, da CB/88 e art. 5º, II e VIII, da Lei n. 8.443/92]. 2. A tomada de contas especial não consubstancia procedimento administrativo disciplinar. Tem por escopo a defesa da coisa pública, buscando o ressarcimento do dano causado ao erário. Precedente [MS n. 24.961, Relator o Ministro CARLOS VELLOSO, DJ 04.03.2005]. 3. Não se impõe a observância, pelo TCU, do disposto nos artigos 148 a 182 da Lei n. 8.112/90, já que o procedimento da tomada de contas especial está disciplinado na Lei n. 8.443/92. 4. O ajuizamento de ação civil pública não retira a competência do Tribunal de Contas da União para instaurar a tomada de contas especial e condenar o responsável a ressarcir ao erário os valores indevidamente percebidos. Independência entre as instâncias civil, administrativa e penal. 5. A comprovação da efetiva prestação de serviços de assessoria jurídica durante o período em que a impetrante ocupou cargo em comissão no Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região exige dilação probatória incompatível com o rito mandamental. Precedente [MS n. 23.625, Relator o Ministro MAURÍCIO CORRÊA, DJ de 27.03.2003]. 6. Segurança denegada, cassando-se a medida liminar anteriormente concedida, ressalvado à impetrante o uso das vias ordinárias. (STF, Tribunal Pleno, MS/25880. Relator: Min. Eros Grau. Julgamento em 07/02/2007. Publicado no DJ de 16/03/2007, grifos nossos).

Ao contrário do STJ, o STF estabelece cristalina distinção entre a competência de apreciação das contas do Chefe do Poder Executivo mediante a emissão de parecer prévio (art. 71, I, da CF) e a de julgamento de contas de responsáveis por recursos públicos. Veja-se o que afirma o Pretório Excelso diante de malfadada tentativa no sentido de limitar a jurisdição de contas exercida pelo TCE-MT e como o caráter definitivo do julgamento de contas é assinalado:

EMENTA: TRIBUNAL DE CONTAS DOS ESTADOS: COMPETÊNCIA: OBSERVÂNCIA COMPULSÓRIA DO MODELO FEDERAL: INCONSTITUCIONALIDADE DE SUBTRAÇÃO AO TRIBUNAL DE CONTAS DA COMPETÊNCIA DO JULGAMENTO DAS CONTAS DA MESA DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA - COMPREENDIDAS NA PREVISÃO DO ART. 71, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, PARA SUBMETÊ-LAS AO REGIME DO ART. 71, C/C. ART. 49, IX, QUE É EXCLUSIVO DA PRESTAÇÃO DE CONTAS DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. I. O art. 75, da Constituição Federal, ao incluir as normas federais relativas à "fiscalização" nas que se aplicariam aos Tribunais de Contas dos Estados, entre essas compreendeu as atinentes às competências institucionais do TCU, nas quais é clara a distinção entre a do art. 71, I - de apreciar e emitir parecer prévio sobre as contas do Chefe do Poder Executivo, a serem julgadas pelo Legislativo - e a do art. 71, II - de julgar as contas dos demais administradores e responsáveis, entre eles, os dos órgãos do Poder Legislativo e do Poder Judiciário. II. A diversidade entre as duas competências, além de manifesta, é tradicional, sempre restrita a competência do Poder Legislativo para o julgamento às contas gerais da responsabilidade do Chefe do Poder Executivo, precedidas de parecer prévio do Tribunal de Contas: cuida-se de sistema especial adstrito às contas do Chefe do Governo, que não as presta unicamente como chefe de um dos Poderes, mas como responsável geral pela execução orçamentária: tanto assim que a aprovação política das contas presidenciais não libera do julgamento de suas contas específicas os responsáveis diretos pela gestão financeira das inúmeras unidades orçamentárias do próprio Poder Executivo, entregue a decisão definitiva ao Tribunal de Contas. (STF, Tribunal Pleno, ADI 849/MT. Relator:  Min. Sepúlveda Pertence. Julgamento em 11/02/1999. Publicado no DJ de 23/04/1999, grifos nossos).

Segundo Costa Júnior (2001), em que pese à existência de respeitáveis entendimentos em sentido contrário, a melhor doutrina é aquela que, calcada em princípios de lógica e hermenêutica irrefutáveis e corroborada pelos julgados do Excelso Pretório, atribui aos Tribunais de Contas o exercício da função jurisdicional, na medida em que lhes reconhece o poder de julgar as contas dos administradores, atribuindo a tal julgamento caráter definitivo, razão pela qual o mérito das contas julgadas não pode ser mudado por nenhum outro órgão jurisdicional.

Prossegue o autor afirmando que a revisibilidade das decisões proferidas pelos Tribunais de Contas somente é possível caso estejam eivadas de vícios de abuso de poder, em qualquer de suas espécies, excesso de poder ou manifesta ilegalidade. Nesse sentido, tais decisões só deixarão de prevalecer quando o procedimento violar a garantia do devido processo legal ou a decisão contiver manifesta ilegalidade, hipótese na qual, segundo Chaves (2009), a decisão deve ser desconstituída pelo Poder Judiciário e novamente apreciada pelo Tribunal de Contas, desta vez sem os vícios apontados.

Segundo Zymler e La Rocque Almeida (2008), a antiga Lei Orgânica do TCU (Lei nº 830, de 23 de setembro de 1949) reconhecia a este Tribunal o exercício de função jurisdicional tamanha que previa inclusive a possibilidade de o TCU ordenar a prisão dos responsáveis que procurassem “ausentar-se furtivamente”. Reconhecia-se às Cortes de Contas o exercício da jurisdição contenciosa.[12]

Os autores prosseguem afirmando que, nada obstante a CF haver consagrado o sistema da unicidade da jurisdição, possibilitando assim o controle judicial sobre as decisões do TCU, tal controle não é amplo e irrestrito, pois tais decisões só são passíveis de reforma quando caracterizada ilegalidade manifesta, preterição de formalidade legal ou violação da coisa julgada.

De fato, é exatamente dessa forma que entendeu o Pretório Excelso no julgamento do MS 7.280, cuja ementa a seguir se transcreve:

EMENTA: AO APURAR A ALCANCE DOS RESPONSAVEIS PELOS DINHEIROS PUBLICOS, O TRIBUNAL DE CONTAS PRATICA ATO INSUSCEPTIVEL DE REVISÃO NA VIA JUDICIAL A NÃO SER QUANTO AO SEU ASPECTO FORMAL OU TISNA DE ILEGALIDADE MANIFESTA. MANDADO DE SEGURANÇA NÃO CONHECIDO. (STF, Tribunal Pleno, MS 7280. Relator: Min. Henrique D’Avila. Julgamento em 20/06/1960. Publicado no DJ de 15/05/1961, grifo nosso).

No Voto do referido julgado do STF, o Relator afirma que “o Tribunal de Contas, quando da tomada de contas de responsáveis por dinheiros públicos, pratica ato insusceptível de impugnação na via judicial [...]”, adotando como fundamento o julgado do Pretório Excelso no MS 6.960, de cujo Relatório transcreve-se o excerto a seguir:

A Constituição instituiu, em seu art. 77, II, um juízo constitucional de contas, a que a lei ordinária proveu de normas processuais próprias e específicas para o desempenho de sua finalidade. O que se apura, nessa jurisdição constitucional, é a exatidão das contas e a responsabilidade por essa exatidão de quantos arrecadam, guardam ou aplicam os dinheiros públicos. [...] “As decisões proferidas em tomadas de contas – já se entendia assim no antigo direito imperial, e hoje por melhores razões – têm a autoridade e força de sentença dos Tribunais de Justiça e são executórias desde logo contra os mesmos responsáveis” [...]. (STF, Tribunal Pleno, MS 6960/DF. Relator: Min. Ribeiro da Costa. Julgamento em 31/07/1959. Publicado no DJ de 27/08/1959, grifos nossos).

Portanto, ainda que sujeitas ao controle judicial, as decisões dos Tribunais de Contas, para Furtado (2007), justificam a adoção de controle judicial menos invasivo, devendo o Poder Judiciário promover a sua anulação somente em casos de aplicação absurda do Direito ou por falhas formais do processo, de que seria exemplo a não observância do contraditório ou da ampla defesa, os quais são amplamente assegurados, por exemplo, pelo TCU, conforme inúmeros dispositivos constantes de seu Regimento Interno. O Judiciário, nesse sentido, não deve imiscuir-se na atividade de julgar contas, que é competência exclusiva dos Tribunais de Contas.

Segundo Bugarin (2004), pode-se facilmente vislumbrar o caráter restritivo do poder revisional do Judiciário no que tange aos aspectos materiais/substanciais (mérito) do juízo constitucional de contas de competência privativa dos Tribunais de Contas. Para o autor, cabe ao Judiciário, sem dúvida, investigar eventual ocorrência, no decorrer do procedimento do julgamento de contas, de alguma lesão a direito de pessoas físicas e jurídicas submetidas à jurisdição de contas, sendo cristalino, no entanto, que não poderá haver reexame dos aspectos fáticos e jurídicos envolvendo a decisão material pela regularidade ou irregularidade das contas, ou seja, a atuação do Judiciário fica restrita aos aspectos jurídico-processuais concernentes aos princípios constitucionais que devem nortear todos os atos, legal e regimentalmente, concernentes à jurisdição especial de contas. Nesse sentido, a rediscussão judicial de toda a matéria já examinada por ocasião do julgamento de contas configura afronta ao princípio da eficiência da Administração Pública, insculpido no caput do art. 37 da CF.

E não há que se dizer que o inciso XXXV do art. 5º da CF – o qual impede que a lei exclua da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito – seria obstáculo ao entendimento segundo o qual o Judiciário carece de competência para revisar as decisões das Cortes de Contas. Isso porque, conforme afirma o Ministro Victor Nunes Leal (1960 apud JACOBY FERNANDES, 1996, p. 59), a competência das Cortes de Contas torna prejudicial e definitivo o pronunciamento sobre o fato material, “porque, no caso, a redução de competência do Judiciário resulta da Constituição, e não da lei”. Portanto, tais decisões não ficam excluídas da apreciação do Poder Judiciário, por força do disposto no inciso XXXV do art. 5º da CF, mas tal apreciação restringir-se-á tão-somente ao exame de sua legalidade (COSTA JÚNIOR, 2001).


3. EFICÁCIA DAS DECISÕES CONDENATÓRIAS

Nos termos do § 3º do art. 71 da CF, “As decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo”. Tal dispositivo constitucional tem importância chave no que se refere à execução das decisões condenatórias proferidas pelos Tribunais de Contas, revelando a intenção do legislador constituinte de atribuir a tais decisões força executiva compatível com a importância conferida aos Tribunais de Contas no panorama institucional brasileiro a partir da Constituição de 1988.

Nada obstante isto, autores há que não privilegiam as decisões proferidas pelos Tribunais de Contas, justamente em virtude de não reconhecerem a tais Cortes o exercício da jurisdição. Ferraz (1999), por exemplo, afirma que as controvérsias quanto à natureza das decisões condenatórias proferidas pelos Tribunais de Contas travam-se justamente com relação ao alcance da imputação do débito. Para o autor, se o título executivo representado pelo acórdão condenatório fosse de natureza judicial, dúvidas não existiriam acerca da natureza jurisdicional da função a cargo do Tribunal de Contas. No entanto, o art. 584 do CPC[13] não reconhece os acórdãos condenatórios proferidos em julgamentos de contas como títulos executivos judiciais, o que implicaria classificá-los como títulos extrajudiciais, com a mesma força daqueles arrolados no art. 585 do CPC.

O equívoco de tal raciocínio já foi demonstrado neste artigo. Não se pode confundir a natureza judicial de uma decisão – presente apenas quando esta houver sido proferida por órgão do Poder Judiciário – com seu caráter jurisdicional, que revela a aplicação do Direito ao caso concreto, ou seja, o exercício da jurisdição. Portanto, o fato de uma decisão não ser judicial não exclui a possibilidade de tal decisão possuir cunho jurisdicional.

Segundo Costa Júnior (2001), a executoriedade e a formação da coisa julgada são dois dos mais importantes elementos caracterizadores da atividade jurisdicional, mas os vocábulos jurisdição e judicial não são equivalentes. Para o autor, as decisões condenatórias não formam título judicial tão-somente porque as Cortes de Contas não estão compreendidas na estrutura do Poder Judiciário, o que não significa dizer que não possa existir atividade jurisdicional fora do Capítulo III do Título IV da CF, que diz respeito justamente a este Poder.

Certamente imbuído da necessidade de se conferir maior força executiva aos julgamentos de contas, o eminente e saudoso Ministro Fernando Gonçalves proferiu Voto que restou acolhido pelo Plenário do TCU, resultando na Decisão-TCU nº 331/1995 (YAMADA, 2005). Eis excertos do aludido Voto (grifos nossos):

[...] a eficácia das decisões dos Tribunais de Contas nos remete inevitavelmente ao polêmico tema da existência de função jurisdicional, ainda que restrita, atribuída àqueles órgãos, assunto este com o qual muitas vezes nos deparamos. Sem pretender repisar e exaurir matéria tão discutida, trago a este exame a opinião abalizada do ilustre Auditor aposentado do Tribunal de Contas do Distrito Federal, Raimundo de Menezes Vieira, no sentido de que o art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, ao dispor que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, consagrou, como regra geral, o monopólio da função jurisdicional, cujas exceções, segundo ele, se consubstanciam nas seguintes hipóteses: a) a competência do Senado Federal de processar e julgar as autoridades enumeradas no art. 52 , inc. I e II da Constituição Federal , nos casos de crime de responsabilidade; b) a competência dos Tribunais de Contas de julgar a "regularidade das contas dos administradores e demais responsáveis por bens e valores ou aplicação de bens ou fundos públicos [...], seja pelo descumprimento de qualquer outro preceito", caso lhes sejam imputados débito ou multa. Arrimando-se no juízo de doutrinadores de escol, como Seabra Fagundes e Victor Nunes Leal, o precitado jurista conclui: "[...] as decisões dos Tribunais de Contas referentes a imputação de débito ou multa se equiparam, por força de mandamento constitucional, às sentenças condenatórias proferidas por juízo monocrático ou aos acórdãos dos Tribunais Judiciários. São títulos judiciais por assemelhação e servem de base à propositura do processo de execução, independentemente de quaisquer outras formalidades" (Revista de Informação Legislativa, nº 106, págs. 103/108). [...] Se porventura alguma norma ordinária tivesse reconhecido, em relação às sentenças dos órgãos jurisdicionais, a similitude das decisões condenatórias dos Tribunais de Contas, atribuindo-lhes eficácia de título executivo judicial, as matérias passíveis de serem objeto de defesa, por meio de embargos do devedor, seriam muito mais restritas [...] No entanto, o atual art. 585 do CPC, após enumerar de forma exemplificativa os títulos executivos extrajudiciais, no inciso VII, permite a inclusão, naquele rol, de "todos os demais títulos" aos quais a lei atribuir força executiva, sob a forma de disposição expressa. [...] a posição mais consentânea é a que advoga que o art. 584 do mesmo diploma, ao discriminar os diversos títulos judiciais, o fez de maneira taxativa, não permitindo interpretações extensivas e analógicas. No entanto, de acordo com este entendimento, nada obsta que qualquer lei ordinária confira a uma outra sentença, diversa das relacionadas naquele dispositivo, a eficácia de título executivo judicial. [...] Deste modo, face à inexistência de uma norma, de mesma hierarquia, que conceda eficácia de título executivo judicial às decisões condenatórias dos Tribunais de Contas, e à impossibilidade de fazê-lo pela via interpretativa, resta apenas a subsunção de tais decisões na hipótese do inciso VII do art. 585, incluindo-as no rol dos títulos executivos extrajudiciais. Tal situação traz como corolário a desarrazoada inserção daqueles arestos na vala comum das notas promissórias, contratos de hipoteca, duplicatas, etc., e a incompatível faculdade de o executado alegar, em embargos, quaisquer outras matérias já discutidas no processo que deu origem ao aresto embargado, o que obviamente contraria o caráter definitivo das decisões das Cortes de Contas. Certamente isto não pode e nem deve continuar. [...] Ademais, o inegável fato de que já existe, na doutrina e na jurisprudência dos órgãos do Poder Judiciário, o reconhecimento da função jurisdicional especial dos Tribunais de Contas, e o atual sucesso do processo de reforma constitucional, ora em curso no Congresso Nacional, dão-me o alento necessário para crer numa razoável chance de lograrmos a sensibilização dos ilustres parlamentares para as necessárias mudanças no § 3º do art. 71 da Carta Magna, consistentes na atribuição de eficácia de título executivo judicial às decisões deste Tribunal, e na imputação de inelegibilidade e inabilitação para a prática de atos de natureza patrimonial. Isto posto, Voto no sentido de que Tribunal adote a Decisão que ora submeto à deliberação deste Plenário.

A aludida Decisão autorizou a Presidência do TCU a encaminhar ao Congresso Nacional sugestão de emenda constitucional, propondo nova redação ao § 3º do art. 71, nos seguintes termos (grifo nosso):

As decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo judicial, ficando o respectivo responsável inelegível e inabilitado para praticar atos de natureza patrimonial, enquanto não comprovar perante aquele órgão o ressarcimento do débito e o pagamento da multa.

A sugestão do Egrégio Plenário do TCU surtiu inicialmente algum efeito na Câmara dos Deputados, haja vista a apresentação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 535, de 1997, propondo nova redação ao § 3º do art. 71 nos exatos termos sugeridos pelo Tribunal. Nada obstante isto, a proposta restou arquivada pela Câmara dos Deputados em 31/01/2011, nos termos do art. 105 de seu Regimento Interno[14].

A visão segundo a qual às decisões condenatórias deveria ser atribuída eficácia de título executivo judicial é perfilhada por Martinez (2006). Após destacar que, sob o prisma do pluralismo jurídico, o dogma da exclusividade do Poder Judiciário para a resolução de conflitos deve ser afastado, o autor cita os casos da justiça desportiva – cujas instâncias devem ser esgotadas em ações relativas à disciplina e às competições esportivas antes do acesso ao Judiciário, conforme o art. 217, § 1º, do texto constitucional – e dos juizados arbitrais[15], cuja sentença é considerada, por força de lei, título executivo judicial, conforme previsto no inciso IV do art. 475-N do CPC, incluído pela Lei nº 11.232, de 2005.

A partir de tais exceções, o referido autor entende que os acórdãos condenatórios dos tribunais de contas deveriam ser dotados da qualidade de títulos executivos judiciais, de vez que a jurisdição especial de contas decorre expressamente da CF.

Com a devida vênia aos respeitáveis entendimentos acima, cujo escopo de valorização dos julgados dos Tribunais de Contas revela-se extremamente louvável, entende-se – como já mencionado – que, não pertencendo os Tribunais de Contas ao Poder Judiciário, as decisões por eles proferidas não são judiciais, mas extrajudiciais, o que inobstante não significa equipará-las a todo e qualquer título extrajudicial, sob pena de se transformar todo o esforço procedimental de autêntico cunho jurisdicional das Cortes de Contas em um nada, mormente quando se tem em vista o disposto no art. 745, V, do CPC, segundo o qual, diante dos títulos executivos extrajudiciais, pode o devedor alegar qualquer matéria que lhe seria lícito deduzir no processo de conhecimento.


4. CONCLUSÃO

Conforme restou demonstrado no decorrer deste artigo, as competências atribuídas constitucionalmente aos Tribunais de Contas de “julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos [...] e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público” (art. 71, II, da CF) e de “aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas [...] multa proporcional ao dano causado ao erário” (art. 71, VIII, da CF) correspondem a funções de caráter jurisdicional outorgadas constitucionalmente às Cortes de Contas, que podem resultar na prolação de acórdãos condenatórios com eficácia de título executivo, nos termos do art. 71, § 3º, da CF.

Tais decisões condenatórias são proferidas em processos administrativos de contas, em cujo bojo são amplamente assegurados aos responsáveis o contraditório e a ampla defesa, inclusive mediante a interposição de recursos, muitos dos quais com efeito suspensivo. Em que pese tais decisões serem prolatadas em processos administrativos, os julgamentos de contas proferidos por estes órgãos representam autêntico exercício da jurisdição estatal, pois a mesma Constituição que estabeleceu o princípio da unicidade da jurisdição em favor do Poder Judiciário também pode excepcioná-lo em certas hipóteses, de que é exemplo o exercício da jurisdição constitucional de contas.

De forma consentânea com a competência judicante atribuída às Cortes de Contas pela CF, e considerando o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário, a este cabe apreciar as decisões proferidas em processos de contas, mas tão somente no que se refere a seus aspectos extrínsecos, verificando a presença de ilegalidade manifesta ou de irregularidades de caráter formal. Tal é o entendimento do STF, segundo o qual os julgamentos de contas revestem-se de caráter definitivo, não competindo ao Poder Judiciário adentrar o mérito das decisões para modificá-las.

A revisibilidade judicial, portanto, deve-se ater à verificação do respeito ao devido processo legal, o qual – se não observado – deve levar à restituição do caso à Corte de Contas competente, para novo julgamento.


5. REFERÊNCIAS

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Notas

[1] Em verdade, tal questão surge por ocasião da própria criação do Tribunal de Contas no Brasil. Rui Barbosa, na exposição de motivos do Decreto nº 966-A, de 7 de novembro de 1890, define o órgão como corpo de magistratura intermediária à administração e à legislatura, não pertencendo, portanto, nem a uma, nem a outra, mas colocado em posição autônoma, com atribuições de revisão e julgamento, cercado de garantias contra quaisquer ameaças.

[2] Embora até hoje ainda haja tal celeuma, a função jurisdicional exercida pelos Tribunais de Contas já é defendida por seus membros há mais de cinquenta anos. Nesse sentido, em 1959, por ocasião do 1º Congresso de Tribunais de Contas do Brasil, em São Paulo, foi aprovada a Resolução nº 02, segundo a qual “Os Tribunais de Contas funcionam como Tribunais de Justiça, no julgamento dos processos de tomada de contas; suas decisões devem ter força operante, em todos os casos sujeitos à sua alçada, sobretudo quando dos seus efeitos resultarem ressarcimento a favor da Fazenda Pública” (COSTA JÚNIOR, 2001).

[3] A competência para ordenar a prisão dos responsáveis com alcance julgado em sentença definitiva do Tribunal encontrava-se prevista na antiga Lei Orgânica do TCU (Lei nº 830, de 1949). Tal previsão não subsiste no ordenamento em vigor.

[4] Sobre a questão da capacidade postulatória ativa e da autoexecutoriedade dos Tribunais de Contas, conferir a obra de Nascimento (2012, p. 91-97).

[5] Este é exatamente o caso do TCU, cujos membros não são subordinados ao Congresso Nacional, carecendo este de competência para rever as decisões proferidas pelo Tribunal. O TCU é órgão autônomo que não pertence nem é subordinado a nenhum dos três Poderes clássicos. Nos termos da teoria do policentrismo institucional, perfilhada por Canotilho (1991 apud ZYMLER E LA ROCQUE ALMEIDA, 2008, p. 136), este fenômeno acarreta a distribuição de funções políticas para vários órgãos e entidades públicos, os quais passam a atuar como centros de poder.

[6] Como ponto de partida para se pensar os limites aplicáveis à revisibilidade judicial, faz-se oportuna a abordagem de Barroso (2011), que diferencia o “ativismo judicial” da “autocontenção judicial”. Para o autor, aquele é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo seu sentido e alcance, estabelecendo-se via de regra em situações de retração do Poder Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil. Seu oposto é a autocontenção judicial, conduta pela qual o Poder Judiciário procura reduzir suas interferências nas ações dos outros Poderes.

[7] A apreciação, pelo Judiciário, de aspectos atinentes a nulidade formal ou ilegalidade manifesta, a exemplo da não observância de quórum mínimo nas sessões colegiadas, da inclusão de processo em pauta sem a devida publicidade, da citação inválida e do cerceamento à ampla defesa e ao contraditório, ocorre por meio de ação ordinária, não tendo a natureza de recurso (CHAVES, 2009). 

[8] O TCU julga contas que envolvam recursos públicos federais e o TCE julga aquelas que envolvam recursos públicos estaduais e municipais, ressalvados os recursos públicos municipais cariocas e paulistanos, cujo julgamento de contas compete ao TCM-RJ e ao TCM-SP, respectivamente, bem como os recursos públicos pertencentes a Municípios localizados nos Estados da Bahia, Ceará, Goiás e Pará, cujos julgamentos competem, respectivamente, ao TCM-BA, ao TCM-CE, ao TCM-GO e ao TCM-PA.

[9] Conforme já mencionado, a discussão sobre a natureza jurídica do julgamento de contas não é recente, havendo se debruçado sobre ela inclusive o eminente Ministro Victor Nunes Leal. Ao analisar o inciso II do art. 77 da Constituição de 1946, Leal (2003) constata que, enquanto alguns veem no julgamento de contas um puro ato administrativo, sujeito portanto à revisão judiciária, outros entendem que tal função é substancial e formalmente jurisdicional, escapando ao reexame por parte da justiça civil ou criminal.

[10] Para mais detalhes, consultar a obra “O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário”, 4ª ed, Rio de Janeiro: Forense, 1984.

[11] Para um maior aprofundamento, consultar a obra “Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda nº 1, de 1969”. Revista dos Tribunais: São Paulo, 1970.

[12] Segundo Costa (2003, p. 68), “as decisões proferidas em tomadas de contas já se entendia assim no antigo Direito Imperial e, hoje por melhores razões, têm a autoridade e força de sentença dos tribunais de justiça e são executórias desde logo contra os mesmos responsáveis”.

[13] O art. 584 do CPC foi revogado pela Lei nº 11.232, de 2005.

[14] O art. 105 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados determina que, finda a legislatura, arquivar-se-ão todas as proposições que, no seu decurso, tenham sido submetidas à deliberação da Câmara e ainda se encontrem em tramitação. Conforme o parágrafo único do mesmo artigo, a PEC 535, de 1997, poderia ter sido desarquivada mediante requerimento do Autor, dentro dos primeiros cento e oitenta dias da primeira sessão legislativa ordinária da legislatura subsequente.

[15] O enquadramento das decisões proferidas pelos juizados arbitrais, no inciso IV do art. 475-N do CPC, como títulos executivos judiciais é, no mínimo, uma imprecisão técnica. Todos os demais incisos do mencionado artigo trazem títulos decorrentes de decisões proferidas por órgãos do Poder Judiciário. Como os juizados arbitrais não pertencem ao Poder Judiciário, o mais adequado seria classificar tais títulos como extrajudiciais, em que pese o disposto no art. 31 da Lei nº 9.307, de 1996, segundo o qual a “sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo”.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NASCIMENTO, Rodrigo Melo do. Decisões condenatórias proferidas pelos Tribunais de Contas: natureza, revisibilidade judicial e eficácia jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4271, 12 mar. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/36280. Acesso em: 28 mar. 2024.