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Marketing multinível.

Entendendo a coisa para não ser enrolado

Marketing multinível. Entendendo a coisa para não ser enrolado

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Antes de iniciar qualquer atividade no dito marketing multinível, é extremamente importante conhecer os golpes camuflados nesta área. Apresenta-se um estudo minuncioso do funcionamento desses mercados.

1 – Os motivos, a título de Prólogo

A razão de se produzir um artigo sobre o tema do marketing multinível se dá especialmente por sua visibilidade notadamente sob consideração dos acontecimentos jurídicos vinculados à empresa de marketing multinível Telexfree (MMN Telexfree). Para os que não estavam presentes no planeta nos últimos tempos, esclarecemos que ao nome Telexfree é de fantasia para a Ympactus Comercial S/A. A empresa foi denunciada pelo Ministério Público e Ministério da Justiça de operar um esquema piramidal, razão suficiente para que o assunto fosse submetido ao crivo do Poder Judiciário.

A empresa acusada defendeu-se de diversas maneiras e contou com grande apoio daqueles que participavam dos negócios que seriam vinculados à venda de telefonia VoIP (ou seja, feita por meio da conexão à internet). Aqui, há um problema relativo a este tipo de operação, eis que a Anatel é órgão competente para regular as telecomunicações no Brasil e outro concernente à logomarca da empresa. Abstemo-nos, destes dois problemas, fixando-nos na questão piramidal porque exatamente este é o ponto crítico do caso.

Sob o manto judicial, o feito comportou decisão primeira proferida pela Juíza Thais Queiroz Borges Abou Khalil, da 2ª Vara Cível de Rio Branco no Acre que impedia a captação de novos clientes para o empreendimento Telexfree. Esta decisão se deu 13 de junho de 2013. Evidentemente, como aliás, prevê a legislação aplicável à matéria, diversas tentativas recursais objetivaram caçar a medida e não houve reversão. Isto significa que, desde junho de 2013, a Telexfree estava com a vida complicada, isto se já não estava antes.

Esta empresa Telexfree teria sido fundada por James Merrill e no Brasil, Carlos Costa seria o seu representante. Ao que se aponta, haveriam outros envolvidos na Telexfree, notadamente Carlos Wanzeler (presidente da empresa) além de Sanderley Rodrigues de Vasconcelos e Meire Alves de Vasconcelos (estes já eram indicados como proprietários da Disk à Vontade). Sanderley Rodrigues é conhecido como Sann Rodriguez nos Estados Unidos[3] e, naquele país, fora investigado pelo FBI nos idos de 2006 por explorar tipo de empreendimento de grande similitude ao que fazia a Telexfree.[4]

Evidentemente, a decisão da Justiça do Acre envolveu questões complexas. Uma destas é que as razões da intervenção judicial deveriam, de algum modo, justificar-se. Afinal de contas, determinar que qualquer empresa pare de funcionar e crescer significa, na verdade, um tiro fatal. Então, presume-se, por conta da gravidade da decisão, que o caso seja também, suficientemente grave.

Logo no mês de agosto de 2013, tendo sido submetido o caso à apreciação do STJ, mais outro golpe recebeu a Telexfree. Desta vez, o recurso impetrado pela Telexfree foi indeferido por parte da ministra Maria Isabel Galloti. O indeferimento se deu sem exame de mérito, evidentemente, porque as preliminares suscitadas pela Telexfree mostraram-se, de plano, inviáveis. Ou seja, a Telexfree, já estava, de fato, indo de mal a pior.

Dentro de todo este imbróglio, há algo curioso e que deve ser considerado. Um advogado, Renato Dias Coutinho, que atuara no PROCON da cidade de Dom Aquino (MT) em 2008 e 2010, conseguiu a seu favor, decisão judicial que determinou a paga de 176 mil reais que haviam sido investidos na Telexfree. Ora, se o advogado estivera em algum momento vinculado ao PROCON, seria de se imaginar que soubesse e estivesse ciente de que casos piramidais não têm possibilidades de se realizar a médio e longo prazo. Tal crítica se fez, inclusive, pela Superintende do PROCON-MT, Gisela Simona.[5]

Ora, o caso é bem mais complexo do que se poderia imaginar porque este advogado não foi, nem o primeiro nem o último dos cidadãos que fizeram investimentos, seja na Telexfree, seja em esquemas piramidais mais antigos.[6] Ser advogado não é garantia de que alguém deixe de investir dinheiro em qualquer empresa que se apresente como de marketing multinível. E, não nos surpreenderia que a Telexfree tenha entre os seus investidores alguns juízes de direito. Então, o caso é que o enquadramento do marketing multinível como esquema piramidal não é algo tão simples de ser detectado.

Além da Telexfree, a BBom também enfrenta dificuldades de monta. Trata-se, também, de uma empresa que se apresenta como de marketing multinível. E, não são apenas estas duas não. Há centenas de empresas que invadem os espaços cibernéticos. Inclusive, a caixa postal por vezes se enche de alvissareiras notícias de marketing multinível. Temos um exemplo que segue nas cores e texto tal qual foi recebido (sic). Fazemos propaganda e repasse gratuito para quem quiser investir no que propõe o amigo Vinicius que se apresenta ao final do email. Há, inclusive um vídeo para ser visto para quem dispuser 17 minutos de tempo.

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Por ora e provisoriamente, deixamos a proposta do Vinicius do Talk Fusion de lado porque precisamos retornar à Telexfree. Nos Estados Unidos consta haver dois registros de nomes vinculados e semelhantes à Telexfree. Um deles tinha originalmente o nome de Common Cents Communications, Inc., empresa que teve seu nome mudado para TelexFree, Inc (fevereiro de 2012). A outra empresa foi registrada como TelexFree, LLC (julho de 2012) junto ao Estado de Nevada.[7] Ocorre que, nos Estados Unidos, houve pedido feito pela Securities and Exchance Commision (SEC), órgão de controle das operações financeiras, para que fossem tomadas providências em relação a Telexfree yanque. E, a decisão do dia 16 de abril de 2014 foi de congelar os bens da empresa.[8]

Pois bem, o que realmente interessa é que a Telexfree de lá foi congelada porque era manifesto esquema piramidal que teria movimentado 1,2 bilhão de dólares no mundo todo. Não restava à Telexfree outro caminho além do pedido de concordata. O que ainda convém destacar é que a SEC explicou que “(...)no clássico esquema de pirâmide, a Telexfree está pagando investidores anteriores não com a receita com a venda de seu VoIP, mas com dinheiro recebido de investidores mais recentes.”


2 – Ser ou Não Ser, eis a Questão

Ser pirâmide ou não ser pirâmide... Parece que diferenciar o que seja uma pirâmide de algo diferente, um tal de marketing multinível seria algo simples. Neste sentido, a Revista Veja pretendeu informar e dar a entender “porque as pirâmides financeiras são insustentáveis”.[9] Explicação simplória e até tosca porque, no mundo real, as coisas não são simples como mostradas no vídeo que haveria de ser esclarecedor.

Também a apresentadora Ana Maria Braga pretendeu explicar as diferenças entre pirâmide e marketing multinível.[10] E, note que a palavra pirâmide vem seguida do adjetivo financeira. Esta adjetivação é contraproducente. Não ajuda, confunde e atrapalha. O apresentador Celso Freitas também faz esclarecimentos sobre o tal marketing multinível.[11] Apresentação bacana. A pergunta que pretende responder é sobre o fim do emprego. A solução estaria em se ter a sorte de trabalhar na indústria certa no momento certo. E, o que subjaz a tal solução seria estar no marketing multinível no tempo certo, notadamente vinculado ao corpo e bem-estar.

Por tal sistema, de marketing multinível, haveria supressão do intermediário, razão pela qual grande parte dos rendimentos seriam direcionados para os que se vinculam diretamente ao sistema. Marketing multinível seria, então, uma nova forma de trabalhar. O exemplo que se dá nos vídeos citados sobre o caso é de supressão do funcionário pela criação de diversos representantes autônomos do produto ou serviço. Tratar-se-ia, então, de paga de comissões sobre vendas. Tudo muito bom, bacana mesmo porque o representante autônomo torna-se vendedor da coisa divulgada e pretende-se assim que os que compram a coisa tornem-se também seus divulgadores.

É evidente que tudo isto somente tem sentido se o comprador também estiver motivado a tornar-se divulgador do produto que compra. O tema foi assim proposto nas diversas audiências públicas havidas junto à Câmara dos Deputados. Veja-se o caso da BBom que contou com platéia de pessoas interessadas no caso.[12] Na audiência, mais uma vez, a distinção entre pirâmide financeira e marketing multinível foi devidamente destacada. Este último seria diferente de pirâmide [financeira] porque o marketing multinível teria produto ou serviço e a pirâmide [financeira] não.

Este senhor, que tem o dom da oratória e considerado um dos “papas” do sistema, tem longa história envolvida com o marketing multinível.[13] E, não só ele, porque em torno do marketing multinível ter-se-ia criado uma verdadeira teia de conexões para manter o esquema de vendas funcionando.[14] Como a entrada no sistema não depende apenas de que haja venda e sim, de que o comprador se torne um divulgador, é importante que as empresas de marketing multinível tenham em seus quadros gente que tenha bom papo para convencer as pessoas. Este trabalho de convencimento fundamenta enriquecimento rápido e vertiginoso.

Temos de abrir aqui um parênteses para mencionar que o esquema de marketing multinível é algo que se pode considerar antigo. Existia no milênio passado e pode ser aprendido pelo trabalho das inúmeras representantes dos produtos da Amway. Estas pessoas eram estimuladas a tornarem-se representantes autônomas da Amway. Vendiam os mais diversos produtos em reuniões de pessoas convidadas a conhecerem os maravilhosos produtos Amway. Só que havia um problema nisto tudo. A representante precisaria dispor dos produtos para entrega porque assim, as vendas e o retorno seria mais rápido. Não era incomum encontrar pessoas que, depois de anos, acumulavam armários cheios de produtos Amway e, por meio deste trabalho ganhavam a vida. Mas, quem realmente enriquecia? A empresa, fundada em 1959 certamente, porque seus fundadores, Jay Van Andel e Richard DeVos, de ascendência holandesa chegaram a ter uma das maiores empresas de vendas diretas do planeta.

Estes dois empreendedores iniciaram vendendo produtos nutricionais e lodo depois passaram à importação de produtos produzidos em países sul americanos. E, o x do negócio estava em promover as vendas diretamente, pagando comissões aos vendedores, tanto sobre as vendas próprias dos vendedores primeiros quanto sobre as vendas de terceiros. Como os produtos nutricionais estavam apresentando problemas de preço e rentabilidade, os sócios começaram a procurar outro produto para vender no esquema que tinha dado certo. E, o produto encontrado foi de limpeza, inventado por um cientista de Ohio. Comprados os direitos autorais, colocaram-se a vender o limpador. Depois do limpador, compraram a empresa que produzia o nutriente antes vendido e passaram a comercializar em seu próprio nome a partir de 1994.[15]

Aparentemente esta história de sucesso da Amway poderia ser utilizada como modelo para o marketing multinível. Aliás, os proprietários da empresa têm fortes vínculos com o conservadorismo de direita dos EEUU. Defendem e apóiam financeiramente o Partido Republicano e o jargão da livre iniciativa como forma adequada à expansão do capitalismo no mundo. E, tal qual se aponta nas audiências públicas da Câmara de Deputados, a Amway seria o exemplo perfeito de empresa bem-sucedida graças ao marketing multinível. Vendeu produtos baseado no esquema de rede. Isto significa que existe, em tese, uma distinção possível entre o esquema de rede e a venda de produtos. Estando vinculados esquema de rede e venda de produtos (ou serviços) ter-se-ia marketing multinível. Sem produto ter-se-ia pirâmide [financeira].

Entrementes, por que a Amway foi investigada pelo FTC (Federal Trade Commission) sob acusação de promover um esquema de pirâmide [financeira]? De fato, pelos idos de fins da década de 1970, a Amway esteve sob investigação federal. Conseguiu escapar da acusação de ser uma empresa criadora de pirâmide [financeira] porque não efetuava pagamentos para os representantes por produtos vendidos por terceiros. O que ganhavam os representantes era um tipo de bônus, um tipo de prêmio, por vendas efetuadas. Então, aparentemente não tinha pirâmide na coisa.[16] Havia outros tipos de problema. No caso, basicamente dois:

1 - Amway praticamente forçava que os seus representantes adquirissem os estoques de produtos que haveriam de representar.

2 - Os preços dos produtos, dada sua exclusividade ou unicidade, eram fixados em níveis extremamente elevados (fator que permite a paga de comissões elevadas).

O significado disso era que apenas os grandes representantes ganhavam muito dinheiro e a grande maioria dos distribuidores autônomos ficava com bonificações extremamente baixas. A Amway fazia repasses diretos para que, depois de tais repasses se iniciasse o repasse indireto. Os distribuidores pequenos recebiam os produtos Amway de outro distribuidor. Então, o que importava era tornar-se um distribuidor mais forte. Em 2006, na Índia, o esquema da Amway levou ao fechamento de diversos escritórios de distribuidores da marca e a acusação de que as vendas se processavam ilegalmente. E lá, William S. Pinckney, diretor de operações da Amway India Enterprises e dois outros diretores foram presos.

Em 3 de novembro de 2010, a Amway concordou em pagar 56 milhões de dólares para resolver uma lide interposta contra distribuidores top. As alegações eram de fraude, malandragem e, curiosamente, de que a empresa operava uma pirâmide. Outros detalhes sobre a empresa ou aprofundamento sobre o teor das acusações não vem mais ao caso. As razões para tal afastamento da discussão são diversas. Primeiro porque a Amway, que já ganhou a sua fatia do bolo da riqueza, atualmente tem outros tipos de atividade. Se fez ela pirâmide no passado, atualmente aprendeu a lidar com a venda de seus produtos de outras maneiras. A Amway, por exemplo, encontrou o caminho da venda direta via internet.[17] E, a internet acabou matando o modelo do distribuidor que fez a riqueza da empresa no passado.

Ainda, mesmo que eventualmente haja algum ramo da empresa operando desta forma (o que se admite apenas pelo amor ao argumento), a Amway é hoje um conglomerado gigantesco de empresas. Não há como atribuir a um ou outro ramo problema tal que venha afetar o tronco. Amway são diversos nomes; Alticor (hotel, produtos de maquiagem Laura Mercier e RéVive),[18] Amway Corporation, Nutrilite (vitaminas, sais minerais e dietas suplementares), Quixtar (empresa de vendas on line), Access Business (cosméticos, aerosóis, plásticos, impressão de catálogos, produtos alimentícios). Então, de fato, se torna irrelevante saber como foi o passado da empresa porque a situação presente não mais se afeta pelo passado.

Por tais ponderações, para saber se algo é ou não pirâmide é preciso saber o que seja uma pirâmide. Melhor agora, começar pela pirâmide financeira. Esta é também conhecida como corrente, esquema Ponzi[19] ou também HYIP (High-Yeld Investiment Program) Há diversas maneiras pelas quais se tenta induzir o novo participante a confiar no esquema. Mais ou menos, diz-se assim. Há 7 nomes (pode ser outro número) numa lista. Quando se entra, envia-se R$ 10,00 (exemplarmente) para o primeiro nome da lista, retira-se tal nome e coloca-se o nome do entrante como último da lista e depois, acha-se outros 10 que comprem a ideia daquele que é novo participante. Afinal de contas, R$ 10,00 é pouco e valeria a pena o risco.

Nomes lista

 lista 1

 lista 2

 lista 3

 lista 4

1

fulano

Sicrano

golpista 1

golpista 2

2

sicrano

golpista 1

golpista 2

golpista 3

3

golpista 1

golpista 2

golpista 3

golpista 4

4

golpista 2

golpista 3

golpista 4

golpista 5

5

golpista 3

golpista 4

golpista 5

eu

6

golpista 4

golpista 5

Eu

10 recrutados

7

golpista 5

Eu

10 recrutados

100 recrutados

Tabela 1: Pirâmide Financeira

Observe atentamente o que apresenta a Tabela 1. O golpista 1, chamamos assim porque aqui se trata de legítima pirâmide financeira, cria uma lista contendo 7 nomes. O nome dele em conluio aparece do terceiro ao sétimo lugar. Digamos 5 pessoas em conluio sob as expressões golpista n. O golpista 1 precisa encontrar alguém para passar a lista. No caso, encontra o eu que ouve o maravilhoso plano de ganhar muito dinheiro a partir de R$ 10,00.

Manda-se os R$ 10,00 para o fulano, primeiro nome na lista, e se coloca o nome eu como sétimo da lista. O fulano, some da lista. Agora, o eu que mandou R$ 10,00 precisa encontrar outros 10 participantes que se disponham a mandar R$ 10,00 para o sicrano. Este eu encontra outros 10 com amigos e pessoas que são crédulas no poder da fé da multiplicação do dinheiro. Observe que, a partir deste ponto, não se tem mais uma lista e sim dez listas, uma vez que a introdução dos nomes destes 10 novos participantes cria listas diferentes; apenas o topo com o nome do sicrano é o mesmo; na base, estarão os nomes dos 10 amigos que o eu tiver encontrado.

Estes 10 novos, fazem o mesmo e, cada um arrumando 10, resulta em 100 participantes que enviam R$ 10,00 para o golpista 1. Ou seja, este golpista 1 ganha R$ 1.000,00 apenas por ter a brilhante ideia de criar a lista. Tudo que vier adiante, é lucro. Se qualquer destes 100 participantes encontrar mais outros crédulos, começará a vir dinheiro para os golpistas seqüenciais. Provavelmente, antes que o “eu” receba qualquer coisa, a pirâmide já terá sido esgotada. A pirâmide se esgota porque não é possível encontrar indefinidamente gente disposta a entrar no esquema. Muitos até entram. Mas, não têm forças para convencer outros e ficam rodando o círculo de amizades tentando empurrar a lista para mais gente. Depois de algum tempo, ocorrem desistências e o movimento estagna. Só que isso não tem importância porque o esquema previa que se haveria de chegar até o golpista 1 ou, no máximo até o golpista 2. Interessante que o link para se chegar ao criador do esquema seria o golpista 1. Só que este nome desaparece tão logo se ultrapasse a marca dos 100 participantes.

Mas, pode ser indagado, quem haveria de entrar num esquema destes? Não seriam pessoas muito ingênuas? Não, não é o caso. As pessoas entram pela fascinação, pela hipótese, pelo sonho de ganharem dinheiro de pessoas desconhecidas, amigos virtuais que se unem em torno de algum objetivo de ajuda mútua. Estas correntes se utilizam de linguajar próprio para falar à credulidade das pessoas. Você pode sonhar. O investimento é muito pequeno, afinal de contas, R$ 10,00 é o preço de uma refeição simples. Por aí vai...

Ou, também é possível cercar o esquema de supostas garantias de que o negócio funciona. Na década de 1980, o anúncio era que a lista era produzida e gerenciada por computador. Era infalível. E, mais recentemente, a lista vinha produzida em papel com timbre do Banco da Alemanha. Não poucos descendentes de alemães entraram no negócio por ligarem as expressões Banco da Alemanha como sinal de confiança e garantia de sobriedade ao empreendimento.

Uma pirâmide financeira não tem jeito de funcionar. Há de parar um momento e as diversas listas que se produzem jamais chegarão a pagar o eu que entrou no último lugar. O truque é colocar o “eu” no terceiro lugar, no lugar do golpista, e encontrar alguém que seja dinâmico e crédulo suficiente para entrar no esquema e encontrar 10 outras pessoas para fazerem o mesmo. Agora, porque este esquema é chamado pirâmide? Simplesmente porque é uma função exponencial que agrega número de participantes à base 10 (no caso, porque se iniciou com 10 participantes). Veja como os números se expressam sob a forma de pirâmide.

1

10

100

1.000

10.000

100.000

1.000.000

10.000.000

Observe ainda que em dois níveis já se chegaria ao bilhão e, com 3 níveis a mais, seria necessário contar com alienígenas eis que a população da terra não chega a tal número de habitantes. Pois bem. Tudo isto dito, fica perceptível que o pessoal do Marketing Multinível até pode falar em pirâmide mas, cuida de rejeitar a qualificação de pirâmide financeira. Ou seja, o Marketing Multinível seria diferente da pirâmide financeira porque não trabalharia com dinheiro e sim, com produtos e serviços. Haveria venda de algum produto e, ou, serviço e a proposta seria envolver o adquirente e divulgador no mesmo esquema.

Mas, imagine o leitor que, ao invés de solicitar R$ 10,00 a título de corrente de amizade ou ajuda mútua ou ainda programa fique rico sem esforço, houvesse algum produto vinculado a estes R$ 10,00. Por exemplo, um chiclete que faz uma superbola e tem gosto, à escolha, de lagosta, filé mignon, morangos ou pêssegos. A pessoa estaria comprando o tal chiclete por R$ 10,00 e também estaria se comprometendo a vender os chicletes a outras pessoas. Para ter os chicletes, paga determinado valor de aquisição (nem importa qual) e dá os R$ 10,00 a título de qualquer coisa (filiação, cadastro, taxa alegria, ...).

Pergunta-se, a introdução de um produto ou serviço na pirâmide desnatura ou modifica a pirâmide e os seus objetivos? Evidente que não. O produto é apenas um ingrediente de distração para o que vai acontecer depois, que é, conseguir que outros entrem no esquema. O segredo não é o produto ou serviço e sim, que mais pessoas passem para as compras e vendas dos produtos vendidos. É por isso que o problema a ser destacado neste momento é que o produto ou serviço pode se tornar apenas o detalhe em relação à pirâmide que se forma pela exponencial dos novos entrantes. A questão é, de fato, analisar o significado econômico do produto ou serviço em si mesmo e este significado é distinto dos ganhos que advém do sistema de rede.

A proposta multinível, inclusive, tem sido debatida na Câmara Federal e há um Projeto de Lei sobre a matéria. Na verdade, há 2 Projetos de Lei, um que visa o empreendimento e outro que visa o operador do negócio (PLs nºs 6170/2013 e 6667/2013). Vejamos estes projetos antes de analisar a questão do marketing multinível.


2 – Regulamentar para Complicar

O PL 6667/2013 tem por autores, Acelino Popó (PRB/BA), Ângelo Agnolin (PDT/TO), Renato Molling (PP/RS), Perpétua Almeida (PCdoB/AC)[20] e Marcelo Matos (PDT/RJ).[21] O tal projeto pretende regulamentar o marketing multinível. Há um problema crucial e crítico na proposta que “pula” as questões relativas à licitude da coisa. Seria algo como se estivesse a regulamentar e normatizar a prática do estupro ou, seria algo como estabelecer um contrato prévio em torno do estupro. Antes de haver o estupro, o estuprador convence a vítima a firmar o contrato que venha estabelecer a licitude da operação.

Por isso, antes de que fosse possível legislar sobre o tema é preciso ver se o que se propõe é lícito. Ou, de modo transverso, se pretende legitimar a prática por meio da regulamentação. Infelizmente, muitas coisas no Brasil se fazem deste modo e por isso se instala o caos legislativo. Note bem o leitor, que, por ora, não se faz apreciação de juízo de valor sobre a licitude da coisa e sim, se faz apreciação sobre o falho processo gerador das normas legais. Pois bem, passemos à análise do PL 6667/2013.

O art. 1º §3º do referido projeto lista o rol de produtos comercializados (comercializáveis) pela rede que, desde que lícitos, integrariam, i – bens de consumo, ii – prestação de serviços em geral, iii – produtos virtuais e iv – outros que vierem a ser criados com base em novas tecnologias. Para o bom leitor, significa isto que qualquer coisa pode ser objeto de exploração por meio do marketing multinível.

O art. 2º prevê que a atividade de marketing multinível deve depositar junto ao Poder Executivo, “plano de viabilidade econômico-financeira endossado por ao menos um banco comercial (...)” Ora, estabelecer ou endossar plano de viabilidade econômico-financeira não é de competência dos Bancos.[22] Quem faz isso são os economistas que tem a prerrogativa legal de apor sua firma e sua responsabilidade no que apresentam os pretendentes a tal atividade econômica. O problema de competência já se inicia intrincado porque os Bancos são interessados diretos no negócio eis que por meio dos tais é que ocorrerá a movimentação financeira do empreendimento.

O artigo 2º em seus incisos, pretende estabelecer a fixação de garantias ao empreendimento. Estas garantias se dariam pela constituição de um fundo que injetaria 1% das receitas. Evidentemente, este fundo haveria de assegurar o equilíbrio econômico-financeiro da operação. Isto significa dizer que, mais uma vez, se demanda o trabalho de economistas e se repassa o tema aos Bancos, diretamente interessados em qualquer movimentação de dinheiro. Observe-se que o artigo 2º, § 5º menciona a existência de “contrato entre a operadora e o banco comercial, para fins do disposto neste artigo, terá a duração mínima de 12 (doze) meses, (...)” Ora, que contrato? Só pode referir-se à criação do fundo garantidor. E aí, é evidente que os Bancos firmarão contrato de recepção de valores para a constituição do fundo. Mas, o que se quer ver é se os Bancos firmarão contrato de responsabilidade sobre as operações do marketing multinível na forma que se propõe. Ou seja, o fundo garantidor serve para garantir que, em caso de quebra, os participantes recebam. Mas, isto já ocorre a partir do patrimônio das empresas. É o caso da Telexfree que tem grande volume de ativo mas, muito maior passivo. Se fosse criado um fundo garantidor, isto em nada modificaria os problemas que levaram ao seu estrangulamento.

O artigo 5º lista as obrigações do empreendimento. Estas seriam: i) a prática de preços compatíveis com o mercado, ii) treinamento dos divulgadores (chamados de empreendedores), iii) comprovação da presença e aproveitamento do empreendedor num curso com nota de suficiência,[23] iv) promoção de entrevista individual para alertar o candidato sobre os riscos e possibilidades do negócios; v) devolução dos valores pagos (exceto taxa de adesão), vi) atuação preventiva e cautelosa, “limitando a duração dos contratos com os empreendedores sempre que isto for recomendado para que não dê ensejo a pirâmide financeira ou qualquer outra modalidade de crime contra a economia popular;[24] e por fim, vii) disponibilizar amplo e permanente serviço de atendimento, (um tipo de SAC regulamentado).

Muito interessante o artigo 6º que preconiza, ser vedado “divulgar, por qualquer meio, a idea ou possibilidade de ganho como o principal negócio da operação, da rede ou de qualquer componente do empreendimento ...”. Já o artigo 8º prevê que o empreendedor deve (a ele caberá) “se utilizar de todos os meios lícitos para comercializar os bens ou serviços da operadora à qual se filiou (...)”.

Já o PL 6170/2013, de autoria do Deputado Silas Câmara (PSD/AM) por seu turno, pretende regulamentar as atividades do operador de marketing multinível. Assim, depois de fixar os requisitos, se prevê que a relação entre operadora e empreendedor seja “relação empregatícia”. E, além disso, que o empregador (presumo que seja a operadora) tenha responsabilidade solidária pelo ressarcimento de danos e pagamento de prejuízos (art. 3º, § único). E, o artigo 4º quer que o operador deva dispor, direta ou indiretamente, dos produtos oferecidos e tenha capacidade plena de entrega.

É constrangedor ler os PLs que se mostram à análise. Constrangedor não apenas pela constatação da verdadeira miséria técnica e jurídica dos referidos textos como, especialmente, pela evidente percepção de que os deputados pouco compreendem o que seja o tal marketing multinível.

De fato, há determinados pontos fundamentais no estabelecimento deste marketing os quais, se forem removidos, fazem desmoronar o prédio. Um destes pontos fundamentais diz respeito ao modo de relação entre empresa e operador. O operador é um divulgador autônomo. A herbalife, que trabalha neste sistema tem sido cuidadosa em passar a informação de que conta com divulgadores autônomos. Não pode utilizar-se da palavra representante. Há lei e conselho para reger a atividade dos representantes autônomos. Então, em que sentido o divulgador difere do representante comercial? Em muitos sentidos, especialmente em relação às contribuições previdenciárias e fiscais. Se for para enquadrar o trabalho do divulgador como de representante comercial, ou mesmo empregado, estará feito o caos.

Ainda, o texto do PL 6170/2013 se utiliza das expressões “relação empregatícia”, “empregador” e prevê responsabilização “solidária”. Ora, estas questões jurídicas inviabilizam completamente o espírito de liberdade de trabalho que existe nos Estados Unidos. No Brasil, a relação de emprego é tutelada. Se for para falar em emprego, o Marketing multinível vai cair fora. A questão é saber se, de fato, o marketing multinível vai continuar a ser operado independente das amarras legais. Muito provavelmente sim. O texto dos Projetos de Lei são meros enfeites para o real funcionamento do marketing multinível.

Tome-se o exemplo de tentativas de se estabelecer o trabalho das igrejas com base na colportagem (original do francês, portar no pescoço e se refere à maleta presa ao pescoço). Este termo se originou por parte dos Adventistas do 7º Dia. O primeiro colportor foi marido de Ellen G. White. Pois bem, editoras religiosas de origem estadunidense, a exemplo da Editora Betânia entre outras, tentaram introduzir no Brasil o trabalho de venda de livros por meio de colportores. O problema se deu pela tutela da Justiça do Trabalho. Veja-se algumas decisões:

Ementa: RELAÇÃO DE EMPREGO. COLPORTOR. TRABALHO VOLUNTÁRIO. INEXISTÊNCIA. A prestação de serviços na condição de colportor - vendedor de publicações religiosas - na forma desencadeada nos autos, configura relação de emprego, eis que cabalmente demonstrada a presença de todos os elementos a que alude o art. 3º da norma celetária, ou seja, pessoalidade, subordinação, onerosidade e não eventualidade, não há falar em trabalho voluntário. Recurso improvido. TRT 6ª Região, RO 10992000600806009.

Ementa: COLPORTOR. TRABALHO AUTÔNOMO. O labor do autor consistia na colportagem, isto é, na venda, de porta em porta, de livros de conteúdo ligado à doutrina espiritual da ré, visando a sua divulgação: o chamado colportor. O autor era um integrante da igreja não podendo ser considerado exercente de uma profissão no sentido técnico do termo. É que, em princípio, não há relação de emprego no compromisso que une o religioso e a sua instituição que integra.O contrato de trabalho tem um traço marcante que o distingue das demais relações de trabalho, a subordinação jurídica que Amauri Mascaro Nascimento, no seu "CURSO DE DIREITO DO TRABALHO", 17ª edição, página 422, define "como uma situação em que se encontra o trabalhador, decorrente da limitação contratual da autonomia da sua vontade, para o fim de transferir ao empregador o poder de direção sobre a atividade que desempenhará......". Na vendagem de livro da ré, mantinha o autor o poder de direção sobre a sua atividade, auto-organizando-se e não se submetendo ao poder diretivo e disciplinar da reclamada, pelo que forçoso é concluir tratar-se ele, verdadeiramente, de um trabalhador autônomo. Recurso conhecido e não provido. TRT 19ª Região, RO 1115200200419003.

Ementa: RELAÇAO DE EMPREGO. COLPORTOR. É cabível o reconhecimento de vínculo de emprego quando, comprovada a prestação de serviço do colportor como vendedor de periódicos de organização religiosa, da qual era a virtual beneficiária, de forma pessoal e subordinada, preenchidos estão os requisitos arts. 2º e 3º da CLT . TRT 4ª Região, RO 552003119955040551.

A relação de trabalho encontra-se vinculada à reprodução da vida. Então, se o trabalho é livre e autônomo, há certa presunção de que não seja oneroso. Se por exemplo, trabalho para lavar meu automóvel, é certo que realizo trabalho livre e autônomo. Evidente que pago (no sentido do tempo despendido) para realizar aquela tarefa. Mas, na lavagem do carro não estou buscando ganhar o pão de cada dia. É por isso que, no marketing mutinivel não é possível ignorar ou desvencilhar-se da existência de um determinado tipo de relação de trabalho.[25]

Só que, relação de trabalho vai contra a essência do marketing multinível que requer trabalhadores que se empoderam da ideia de que são donos do seu próprio negócio. Em sendo donos, trabalham para si mesmos e, por tais motivos, estariam libertos das amarras da lei e da Justiça Federal do Trabalho.

Caso se voltem os olhos para o PL 6667/2013, os problemas não terminam. Tal qual o PL 6170/2013, este mantém grave confusão e conflitos com legislação federal. Querer que os Bancos façam ou endossem plano de viabilidade econômico-financeira fere as competências e atribuições dos economistas, conforme fixadas em Lei. E, na verdade, nem se tem clareza quanto às razões de se invocar a chancela bancária sobre assunto do plano financeiro das empresas de marketing multinível.

Ainda, há resquícios de problemas que se percebem no artigo 5º. De fato, deveria haver “limitação na duração dos contratos com os empreendedores” e isto para que não haja ensejo de pirâmide financeira... O que tem a ver a DURAÇÃO dos contratos com pirâmide [financeira]? Qual o problema da vigência contratual e, como esta vigência tem algo a ver com alguma possibilidade de se ensejar alguma pirâmide [financeira]?

É deprimente isso. A depressão decorre da constatação de que os ilustres Deputados Federais de fato desconhecem tanto o funcionamento do marketing multinível quanto o sistema legal brasileiro e os esquemas piramidais. Aqueles que fazem as leis desconhecem as leis e o seu funcionamento e pretendem legislar sobre coisas que não compreendem. Vamos então, ver se é possível clarificar adequada e suficientemente o que venha a ser o tal marketing multinível para responder às indagações sobre sua regulamentação e funcionamento.


3 – Exatamente, trata-se do que?

No ano de 1974, Bob Woodward e Carl Bernstein escreveram a obra All the President’s Men. Estes autores eram jornalistas do Washington Post. Quase por acaso, descobriram uma intrincada rede de espionagem e lavagem de dinheiro em que estava envolvida a Casa Branca. O tema das investigações levou à renúncia do presidente Richard Nixon. No cinema, esta obra de investigação jornalística foi vivida por Robert Redford e Dustin Hoffman. Trata-se de um filme “meio parado” para os padrões do cinema movimentado de hoje. Mas, é um grande filme. As denúncias se vão aprofundando e os jornalistas encontram um informante a quem chamam garganta profunda (nada a ver com o filme homônimo). Trata-se de um informante que fornece as dicas para que o fio da meada seja encontrado. E, no meio da conversa, sob o risco dos repórteres perderem-se na confusão (criação da cortina de fumaça), diz o informante: “Follow the money”.

Siga o dinheiro, esta é a questão. Na pirâmide financeira, as pessoas perdem a compreensão das coisas porque ficam fascinadas com as possibilidades de ganho. Invista R$ 10,00 e ganhe 10 milhões. A mágica é que a pessoa perde o dinheiro de vista e se concentra no resultado. A isca é a possibilidade de se ganhar 10 milhões. Quando o “eu” chegar ao topo da lista, o valor doado será 1 milhão. Por isso, a possibilidade de ganho é de 10 milhões. E aí, se demonstra matematicamente como isso ocorre. E, a conta é simples; é 10 elevado a 7, significando que o 10 (no caso, R$ 10,00) será multiplicado por ele mesmo à sétima potência (o número de elementos da lista). Entende-se, então, por que os juros compostos usados no sistema bancário redundam em volume verdadeiramente fantástico de dinheiro?

A questão aqui não é a matemática e sim, compreender, seguir, atentar para o que acontece com o dinheiro. E aí, vem o artigo 6º do PL 6667/2013 dizendo que é vedado à operadora, “divulgar, por qualquer meio, a ideia ou possibilidade de ganho como o principal negócio da operação, (...)” Ora, se não fosse para ser sério, haveria de ser hilário. Pretende-se que seja retirado do negócio a isca, o elemento da fascinação que atrai as pessoas para a rede. Ora, o fundamento último de alguém entrar num sistema de multinível é, exatamente, a mágica da exponencial. Alguém se dispõe a trabalhar agregando outras pessoas vê neste tipo de trabalho uma real possibilidade de ganhar dinheiro. E não apenas ganhar dinheiro e sim, muito dinheiro. E para isto servem de vitrine aquelas pessoas que podem exibir o seu extrato bancário e as suas posses. Estas ostentações são a isca, o chamariz para que alguém se digne a divulgar o que quer que seja.

Sigamos o dinheiro e não o percamos de vista. Evite-se a fascinação. Se houver fascinação, não tem jeito. Querer alertar o cego que não quer ver o perigo iminente é coisa fadada ao fracasso. Então, quem quer ver, precisa ligar as antenas de sua atenção. Nos idos dos anos 90, uma febre tomou conta de muitos investidores. A oferta era muito crível, a cortina de fumaça estava densamente montada. A pessoa investia em bezerros e, à medida do crescimento do boi, crescia também o dinheiro investido. Entenda-se que o cérebro liga uma coisa que nada tem a ver com outra e se convence de uma fantasia.[26] E, gente esclarecida ligou a ideia do crescimento do bezerro com o crescimento do dinheiro. Dinheiro não é boi. Não cresce, entende? Siga o dinheiro.

Entre os investidores do tal negócio podem ser contados Luiz Felipe Scolari, Marisa Orth, Hans Donner e o advogado, contador e administrador Rogério Buratti.[27] Tais nomes apontam para um singelo fato. A formação e mesmo o preparo em diversas ciências não protege o investidor de perder o rumo do dinheiro. Mais uma vez, não percamos o dinheiro de vista. A promessa de retorno sobre o investimento do boi era de 42% para o período de 18 meses.[28]

A empresa em questão é a Boi Gordo do empresário Paulo Roberto de Andrade. A lesão da empresa se deu com mais de 30 mil pessoas como informara a reportagem de O Estado de São Paulo.[29] O montante das dívidas chegou a R$ 2,5 bilhões. Este mesmo empresário, que fora lisonjeado pela Gazeta Mercantil como guru dos negócios, era, na verdade, alguém conhecido e reiteradas vezes processado por estelionato. A conclusão é que este empresário nada pagou a seus investidores, não amargou prisão ou punição e encontra-se livre, feliz e rico.[30] O STF preocupou-se muito mais com a farsa política do mensalão do que com os problemas relativos ao boi gordo. Este Paulo Roberto de Andrade tinha grande movimento de recursos financeiros junto a bancos de Miami nos EEUU mas, inacreditavelmente, estes valores não foram inclusos na conta da concordata feita para pagar os credores. Afinal de contas, por que o boi gordo não funciona? Não funciona porque as pessoas passam a olhar o boi e não o dinheiro. Ficaram olhando a cortina de fumaça.

A coisa funciona da seguinte maneira. O dinheiro de investimento em bois servia para alimentar as contas do dono da empresa. Ao invés de receber um boi, o investidor recebia e pagava por papel, promessa de paga futura. Era um negócio fiduciário. Ao receber o papel, ficava a esperar o tempo de maturação do investimento, ou seja, ficava esperando o boi crescer. Como é que se poderia saber que aquele determinado boi ligado ao papel não seria vendido a inúmeras outras pessoas? Note que, como a pessoa não recebe o boi, há uma relação de confiança (fidúcia) que pode não tem qualquer liame com a realidade fática. O empresário, caso fosse sério e organizado, teria de parar as vendas quando o número dos bois vendidos tivesse sido alcançado.[31]

Sim, mas por que parar? Parar por que se o negócio vai rendendo muita grana? Como o negócio é fiduciário, rola-se o problema dos pagamentos para o futuro. Então, no futuro, isto é, quando os resgates ocorrerem, se haverá de resolver a questão do pagamento dos investidores. E, pior, o pagamento dos investidores que chegaram ao ponto de maturação pode fazer-se com as receitas provenientes dos investimentos presentes. Ou seja, mais uma vez, posterga-se o problema da maturação do investimento. Evidentemente, seria possível, mesmo que improvável, imaginar que os acontecimentos em torno da Boi Gordo tenham sido imprevistos ou de desconhecimento dos seus operadores. Contra isto milita o fato de que Paulo Roberto de Andrade já tinha sido anteriormente acusado de estelionato. Só que o problema sempre esbarrou na falta de provas. Por crime de assalto a mão armada, Paulo teria ficado preso no Carandiru no anos de 1968 e 1972. Mas, os dados são precários, isto se for possível confiar nas informações da Revista Veja.[32]

Pois bem. O caso é que é extremamente difícil seguir o dinheiro. Quando o investidor coloca seu dinheiro num Banco, mesmo assim, não consegue saber para onde o dinheiro vai. E, volta e meia, quebram bancos. Só que a atividade bancária é regulamentada e rigorosamente fiscalizada. Para outras atividades que se utilizam de captação de recursos no mercado aberto, é impossível saber o que ocorre com o dinheiro. O investidor da Boi Gordo entregou o seu dinheiro. Recebeu em troca, papéis. E, quando os primeiros foram resgatar seu investimento, como poderiam saber que estavam sendo pagos, não com dinheiro proveniente dos bois engordados, e sim com dinheiro proveniente de outros investidores? Não teriam como saber. Apenas quem opera o sistema fica de olho no dinheiro. E onde foi o dinheiro dos primeiros investidores? Na paga das altas bonificações aos divulgadores e no sustento da luxuosa vida que levavam os administradores do negócio. A exponencial faz entrar dinheiro aos borbotões, muitas vezes superior ao lastro que encetou o negócio e, não raras vezes este interesse financeiro é o único interesse dos administradores do negócio.


4 – Marketing Multinível é sempre golpe?

Pois é, esta é a questão que deveria ter ocupado a atenção dos senhores Deputados na elaboração de um PL sobre o marketing multinível. Eles, mais do que ninguém, deveriam preocupar-se com a poupança pública. Mas, parece que desviar a atenção dos políticos para outras coisas, a exemplo dos seus próprios ganhos, é mais fácil do que estes manterem-se preocupados com o dinheiro da população. Mas, deixemos estas questões de lado porque alguém poderia fazer ilações maldosas sobre isto...

A resposta à pergunta feita no título deste subitem, depende de que sejam esclarecidos diversos fatores. O mais importante de todos diz respeito ao seguimento do dinheiro. Para seguir o dinheiro, vamos colocar a questão de como e porque o marketing multinível pode ser um excelente e sério negócio. Vamos exemplificar o caso.

Digamos que alguém tenha investido muito dinheiro numa fazenda de criação de ostras. Esta fazenda é muito grande e já se iniciou o trabalho de agregação de impurezas para que a ostra produza pérolas. Este trabalho, aliás, se faz com grande habilidade na Índia e no Sri Lanka. Pois bem, digamos que a fazenda das madrepérolas exista e esteja toda “fertilizada”. O problema é que há um longo tempo de espera para a maturação no negócio. Afinal de contas, as ostras precisam de tempo para produzirem madrepérolas de beleza ímpar.

Mas, depois de tudo pronto, o tempo de espera para a colheita é muito dilatado e o proprietário enfrenta dificuldades financeiras de fluxo de caixa. Normalmente para resolver seus problemas poderia: a) vender o negócio; b) emprestar dinheiro dos bancos ou c) lançar ações da empresa no mercado de ações.

Infelizmente, todas estas alternativas não são boas e nem vem ao caso esclarecer tal afirmativa. Então, alguém pode sugerir ao fazendeiro madreperólico que recrute divulgadores por meio do marketing multinível. Os divulgadores conseguiriam proceder adiantamento de dinheiro que se haveria de realizar no futuro. Seria uma forma de receber os recursos financeiros adiantadamente e também de conseguir dinheiro para investimentos na produção. Só que isto também é difícil porque, o valor das pérolas precisa ser alto o suficiente para atrair pessoas que não sejam vendedores profissionais (representantes comerciais). Como o valor das pérolas é alto, seria possível estipular valores elevados de comissões.

Estas comissões se fariam tanto com base naquilo que o divulgador vender quanto sobre as vendas feitas por terceiros, no caso novos divulgadores. Digamos, para fins de exemplo, que as comissões pagas sejam de 20% e que o lote mínimo de pérolas seja vendido a R$ 3.000,00 (três mil reais). Para cada lote vendido a receita do divulgador (chamemo-lo de primus) seria de R$ 600,00. E, digamos que, caso haja nova venda, a receita seja de 40% sobre o que o novo divulgador (chamemos de secundus) venha a obter. Se este último faz uma venda de R$ 30.000,00, recebe este R$ 6.000,00 e o primeiro divulgador recebe R$ 2.400,00. E se um novo divulgador, chamemo-lo de tertius fizesse uma nova venda, de R$ 30.000,00, receberia este R$ 6.000,00, secundus receberia R$ 2.400,00 e primus receberia R$ 840,00. E, para aumentar a cadeia até o quarto nível, para uma venda de R$ 60.000,00 feita pelo quartius, as comissões seriam de R$ 12.000,00 para quartius, R$ 4.800,00 para tertius, R$ 1.920,00 para secundus e R$ 768,00 para primus.

Bacana, não é? Há uma objeção e uma observação a serem feitos aí. A objeção é a de que primus estaria recebendo um valor muito pequeno em comparação com os outros abaixo dele. Mas, o que precisa ser considerado é que a recepção de valor pequeno se faz sobre uma venda. O tal primus estaria recebendo seus valores de todos os outros vendedores. Haveriam, muitos quartius vendendo de sorte que ele estaria recebendo sobre as vendas de todos. Agora, a segunda observação a ser feita é a de que não faltaria dinheiro para pagar os divulgadores porque, observe bem, ser o valor das entradas muitas vezes superior às saídas. E, as entradas de receita servem para pagar o trabalho dos divulgadores. O fazendeiro de ostras, vai estar com os cofres cheios em pouco tempo e poderá pagar, com folga as comissões sobre as vendas efetuadas.

Mas, lembremo-nos que o caso é de prestar atenção ao dinheiro. É o caminho do dinheiro que importa. Então, a pergunta que devemos fazer é, exatamente, qual é o valor em termos percentuais é possível que possa ser suportado para o pagamento das comissões sobre vendas? Evidente que o lote de pérolas, no valor de R$ 3.000,00 tem um determinado custo de produção e de reprodução do negócio. A arrecadação de dinheiro deve pagar, tanto os custos de produção das ostras (ou seja, pagar os investimentos feitos na fazenda de ostras) quanto bancar os lucros do empreendimento e a permanência do negócio. Ou seja, apenas determinado percentual da receita total pode ser empregada para a paga das bonificações. E este percentual não pode ser ultrapassado sob pena de introduzir para o fazendeiro de ostras, prejuízo futuro.

Só que isto pode não ficar claro na época da enchente de dinheiro, quando muitos estão comprando os títulos dos lotes de ostras a serem comercializadas no futuro. Neste ponto, de enchente de dinheiro, o fazendeiro pode pensar que o dinheiro recebido resolverá todos os seus problemas presentes e futuros. Mesmo que não seja por si evidente, é possível perceber que a paga das comissões em cadeia (os chamados binários ou pernas) se fará com aumento do percentual abocanhado das pérolas a serem colhidas no futuro. Se a cadeia de pagamentos for muito longa (binários infinitos), o valor das comissões pode (e comumente acontece) ultrapassar o valor do bem vendido.[33] Ou seja, o dinheiro se desloca do bem vendido para o bolso dos elementos que se encontram no topo da cadeia de marketing.

Note-se bem, sobre a fazenda das ostras, que utilizamos a expressão “alguém pode sugerir” para que houvesse adoção do marketing multinível. Isto nos abre um novo horizonte de reflexão ao se perceber que os lucros ou o filé mignon do empreendimento podem não ficar realmente com o fazendeiro de ostras e sim, com os que sugerem a adoção do esquema ao proprietário. Isto significa que, muito provavelmente, primus haveria de ser um dos que tenha indicado o sistema ao fazendeiro. Afinal de contas, ele pode ser um consultor de negócios que apresenta ao fazendeiro a solução dos seus problemas. No futuro, quando for a época da colheita, quem haverá de se tornar responsável pela paga dos títulos emitidos será, exatamente o empresário fazendeiro. E, primus, seja qual for o número de tais pessoas nesta condição, simplesmente pode desaparecer. Afinal de contas, teriam tais consultores ajudado o empresário a captar dinheiro. Mas, não pertenceriam ao quadro de proprietários da fazenda.[34]

Veja só que interessante. No caso do boi gordo, o proprietário das fazendas era ele próprio o gerenciador do negócio. Mas, ele poderia ter sido apenas o dono da fazenda e o negócio poderia ter sido gerenciado por primus diversos que, tão logo desfeito o negócio do boi gordo, poderiam partir para outros negócios que mantivessem o multinível funcionando. Então, surge a figura do estelionatário que se utiliza tanto de empresas quanto de clientes desta empresa para manterem um esquema de altos ganhos. O problema é que a responsabilização criminal e civil (restituição de valores) se dará sobre os proprietários da empresa e não sobre os gerentes ou consultores do negócio.[35]

É muito melhor ser estelionatário deste tipo. E mais chique e pode significar aumentos consideráveis de renda pela exploração de diversos sistemas piramidais além do que, é bem possível escapar ileso dos problemas futuros com a justiça. Isto porque, o Direito Penal tem grandes dificuldades de enquadramento típico para este indutor do golpe. Em geral, as responsabilidades se apuram contra o dono do negócio que seria enquadrado como estelionatário. Os indutores não aparecem. Teriam de ser, também, enquadrados como estelionatários, no exato e rigoroso sentido do conceito. E, o Código Penal tipifica que a prática é de “obter, para si ou para outro, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento.”

Ora, se nem os ilustres Deputados conseguiram ver no marketing multinível que o caso estava perigosamente deslocado em direção ao estelionato, como é que se pode esperar que a população em geral consiga perceber o problema? Aliás, observe-se que o crime econômico de estelionato, depende de que os 4 elementos do tipo estejam evidenciados. E, o problema consiste, exatamente em reunir todos estes 4 elementos de prova típica na relação do marketing multinível. O agente passivo do delito é o investidor do esquema, aquele que, induzido por ardil, compra o produto ou serviço vendidos. Havendo produto ou serviço entregue, fica mais difícil enquadrar o tipo porque o cidadão investidor torna-se cúmplice de ocasião (outro inocente útil) da ação engendrada por outros. Trata-se de um crime tão desconsiderado no Brasil, que falar em 171 (refere-se ao artigo do Código Penal) é quase sinônimo de ninharia, de crime de menor repercussão, de, apenas, malandragem.

Distribuir cheques furtados ou sem fundos é também crime de estelionato, evidentemente. Como também é crime da mesma natureza aproveitar-se da boa fé das pessoas para furtar Este, o furto, é um crime menos sofisticado exceto, é claro, tratar-se de Arsène Lupin, o ladrão de casaca dos romances de Maurice Leblanc. A sofisticação do marketing multinível é impressionante e, sob a carapuça da respeitabilidade se perpetuará o estelionato que se pretende legalizar e normatizar.[36]

E, os senhores Deputados, estão a fazer exatamente isto. Preocupam-se em regulamentar algo que beira e namora, perigosamente, o estelionato, o nascido camaleão, sob o falso argumento de que, estando regulamentado, haveria de deixar de ser uma atividade ilegal e criminosa. O fato de haver produto ou serviço não elimina os problemas do marketing multinível nem o torna diferente da pirâmide e do estelionato. Pirâmide é um método de angariar fundos e isto está na essência do marketing multinível. Mas, a pirâmide, entendida a partir do conceito de exponencial, se encontra intrincada nos serviços financeiros bancários. Se encontra na base do sistema capitalista. Então, pretender acabar com o aproveitamento de uns sobre o trabalho alheio é uma pretensão que transcende a discussão posta neste artigo e se espraia para o campo da discussão social e política. Foge de nossos objetivos no espaço restrito que se nos dá o papel. Então, de algum modo é preciso encontrar o ponto de legitimidade e legalidade entre os mundos da licitude e ilicitude absolutas. É preciso encontrar o ponto de relatividade da ilicitude. Quem sabe, se Al Capone tivesse contado com a assessoria parlamentar brasileira, poderia ter regulamentado a sua atividade mafiosa sem precisar ir para a prisão.


5 – O que é necessário fazer

De tudo isto, parece ser o caso de não haver qualquer salvação para o marketing multinível. Não! Se esta foi a impressão que se tem até aqui, é preciso desfazer e colocar as coisas de volta no rumo certo. Primeiro, vamos explicitar sob que condições o marketing multinível pode funcionar. Depois, vamos explicitar nos pontos de abordagem o que se deveria fazer para frear a expansão golpista e estelionatária no Brasil. Vamos, pois, às condições de viabilidade do marketing multinível e de prevenção ao golpismo.

O marketing multinível como visto, pode ser uma alternativa criativa importante para que sejam alavancados recursos da poupança pública com o fim de estimular o crescimento das empresas. De modo especial, pode ser uma alternativa ao seleto grupo das empresas que apostam no mercado acionário ou a outras tantas que se vêm obrigadas a recorrer aos empréstimos bancários. Mas, tudo isto somente tem sentido se o centro das atenções for, de fato, a empresa. O que for vendido pertence à empresa que assume as responsabilidades de repasse de bonificações aos seus divulgadores. Mas, mesmo que assim proceda, o foco deve estar na empresa. Isto significa que o fazendeiro de ostras tem limite máximo possível a pagar a título de prêmios a seus divulgadores. Este limite máximo tem de estar de antemão calculado, razão pela qual é necessário o trabalho e responsabilidade de economista.

Digamos que o limite do que se possa pagar para o caso que demos de exemplo, seja de 40% sobre o valor do lote. Isto significa que a totalidade dos valores desembolsados a título de marketing multinível em todos os seus níveis pode atingir até, no máximo, R$ 1.200,00. O que disto passar foge ao interesse da empreendimento porque haveria deslocamento de recursos da empresa para o bolso dos divulgadores.

Então, o que é preciso verificar é, seguramente, se o total máximo de bonificações é suficientemente atrativo para o marketing multinível. Admitamos bonificações de 20% sobre as vendas diretas e de 40% sobre as vendas de terceiros. Teríamos um esquema piramidal, com limite de restrição imposto. Ou seja, a pirâmide não seria infinita e sim, finita e restrita. Veja a Tabela 2 que pressupõe vendas de lotes de R$ 3.000,00 para os diversos níveis.

Líder

Bonificações

600,00

segundo

240,00

600,00

Terceiro

96,00

240,00

600,00

quarto

38,40

96,00

240,00

600,00

Quinto

15,36

38,40

96,00

240,00

600,00

sexto

6,14

15,36

38,40

96,00

240,00

600,00

sétimo

2,46

6,14

15,36

38,40

 96,00

240,00

600,00

oitavo

0,98

2,46

6,14

15,36

38,40

96,00

240,00

600,00

nono

0,39

0,98

2,46

6,14

15,36

38,40

96,00

240,00

600,00

décimo

0,16

0,39

0,98

2,46

6,14

15,36

38,40

96,00

240,00

600,00

undécimo

0,06

0,16

0,39

0,98

2,46

6,14

 15,36

38,40

96,00

240,00

600,00

Totais

999,96

999,90

999,74

999,34

998,36

995,90

989,76

974,40

936,00

840,00

600,00

% com.

33,33%

33,33%

33,32%

33,31%

33,28%

33,20%

32,99%

32,48%

31,20%

28,00%

20,00%

Tabela 2: Pirâmide com limite restritivo

Observe atentamente os dados da Tabela 2. Há, nesta tabela, um sistema de rede em diversos níveis. O primeiro (líder) que faz a venda recebe comissão de 20% (R$ 600,00) sobre o lote das ostras que vendeu e passa a receber 40% sobre o valor percebido pelas vendas do segundo e assim sucessivamente. Note-se que o valor das comissões é sempre calculado sobre o valor percebido pelas vendas feitas por aqueles que se encontram abaixo na linha piramidal. O diferencial para este modelo de rede é que há fixação de um limite restritivo, qual seja, o valor percebido a título de bonificação, no máximo, vai tender a 33,33% do valor do lote (em matemática, trata-se do conceito de limite das variações), ou seja, R$ 1.000,00 de comissões. Para as vendas realizadas pelo undécimo vendedor, recebe o líder R$ 0,06 e a tendência é o limite de R$ 1.000,00 em bônus, isto a realizar-se pelas vendas de, digamos, 12 lotes de pérolas distribuídos na linha de venda.

Isto quer dizer, em outras palavras, que, para o total de vendas de R$ 36.000,00 seriam repassados a título de comissão, no limite, R$ 10.800,00, valor este a ser distribuído entre todos os doze participantes da rede envolvidos com as vendas e que constam no exemplo da Tabela 2. O remanescente não pago a título de bonificações, ou seja, R$ 25.200,00, pertenceria à empresa para administrar o negócio e garantir a paga das pérolas aos compradores.[37]

Notou bem a questão? A empresa retém R$ 25.200,00 para si mas, apenas pequena parte deste dinheiro lhe pertence como valor disponível. Digamos que sua taxa de lucro líquido seja de 40%. Então, a empresa dispõe de R$ 25.200,00 dos quais lhe pertencem, como lucro, apenas R$ 10.080,00. O restante serve para pagar tanto a continuidade do negócio (produção de mais ostras ou seja, faz parte dos custos da produção) quanto as prevenções de reembolso dos investimentos feitos e garantias a serem suportadas por flutuações relativas ao valor futuro das pérolas. Mas, penso que não seja difícil perceber que o proprietário da fazenda de ostras vai pensar que o dinheiro que tem em mãos lhe pertence e que a paga dos clientes se vai dar com as pérolas a serem processadas no futuro. Gasta-se, então, dinheiro que foi apenas adiantado em vista de utilização futura. Pode ficar difícil ao operador do sistema perceber as relações temporais entre presente e futuro porque o dinheiro que tem em mãos é presente[38] e existe apenas como adiantamento de renda futura.

Isto tudo seria ruim para o marketing multinível? Provavelmente sim porque o interesse do líder (aquele que passa a ideia ao fazendeiro de ostras e inicia o processo de vendas) não é trabalhar com algum limite máximo de entrada. O esquema haveria de ser montado de forma tal que não haja limites nem nas receitas auferidas nem nos ganhos nos diversos níveis de vendas. As comissões incidiriam sempre sobre as vendas até o infinito (sob a forma de pontuação) e seriam pagas, não pelos reais valores de vendas efetuadas por estes novos divulgadores e sim, pela entrada de novos recursos pelas vendas efetuadas. Sem limite na bonificação, o limite vai ser dado pela receita e aí depende do volume de base da pirâmide.

Mas, isto estaria longe de significar o fim do marketing multinível. Pelo contrário. Se for admitido que o líder tenha grande capacidade para as vendas e que consiga recrutar boa equipe de vendedores, sua receita pode alcançar volume de dinheiro bastante elevado. Note-se que o grosso das comissões se realiza até a terceira geração no exemplo apresentado na Tabela 2. Então, o dinheiro passa pelo trabalho de vendas e de conquista de bons vendedores ou parceiros de vendas.

Também fica claro que o estabelecimento de tantos níveis quanto os propostos pela Tabela 2 não é interessante. Perde o sentido persistir a receber bônus por vendas distanciadas do líder do grupo. Por isso, ao invés de se pretender que o marketing multinível se faça a partir de grandes pirâmides de base infinita, é melhor, para a empresa (lembre-se do foco, da direção que deve o dinheiro seguir) ter pequenas pirâmides controladas em que, até o terceiro ou quarto níveis já ocorra o grosso da remuneração bonificadora. Para cada empresa, é preciso que haja o trabalho de se determinar os níveis máximos de bonificações e os níveis máximos da base das pirâmides. Um sistema multinível somente pode funcionar a longo prazo se for composto de múltiplas pirâmides de limite restringido. O foco não são os distribuidores e sim, a empresa. Este trabalho de planejamento econômico do multinível requer seja feito por economista, eis que os temas envolvidos são afetos à matéria própria de competência dos economistas. Esta situação não está contemplada nos PLs já citados.

Mas, quando se desloca o foco para as empresas, isto traz o (in)conveniente de evitar a cortina de fumaça em torno da remuneração do líder e de seus seguidores próximos. O líder somente vai ganhar muito dinheiro se conseguir, além de ele próprio vender muito, cooptar boa equipe de vendedores. E isso, nem sempre é fácil de se conseguir. De outro lado, trabalhar com muitos ou infinitos níveis na rede esconde outro truque (ardil) do multinível. Quando se fala em vendas do segundo, na verdade, poder-se-ia estar pensando em vendas de n novos divulgadores. Isto significa que o líder pode estar captando comissões de R$ 240,00 versus n divulgadores que ele tenha recrutado. Evidentemente que isto não é ruim, em absoluto. Apenas indica que teriam ocorrido vendas de n lotes de pérolas. As bonificações devem pagar-se, sempre, sobre as vendas efetuadas até o nível predeterminado pelo esquema de rede.

Em sendo assim, é muito mais conveniente encontrar formas de distribuir melhor as rendas percentuais entre os diversos níveis piramidais restritos. Para o exemplo apresentado na Tabela 2, caso houvesse uma diminuição percentual nas bonificações, o resultado financeiro pode ser visto na Tabela 3

lider

Bonificações

600,00

segundo

120,00

600,00

terceiro

24,00

120,00

600,00

quarto

4,80

24,00

120,00

600,00

Quinto

0,96

4,80

24,00

120,00

600,00

sexto

0,19

0,96

4,80

24,00

120,00

600,00

Sétimo

0,04

0,19

0,96

4,80

24,00

120,00

600,00

oitavo

0,01

0,04

0,19

0,96

4,80

24,00

120,00

600,00

nono

0,00

0,01

0,04

0,19

0,96

4,80

24,00

120,00

600,00

Totais…

750,00

750,00

749,99

749,95

749,76

748,80

744,00

720,00

600,00

%com.

25,00%

25,00%

25,00%

25,00%

24,99%

24,96%

24,80%

24,00%

20,00%

Tabela 3: Pirâmide com limite restritivo – diminuição das comissões

Observe agora, que a Tabela 3 estipula bonificação de 20% em paridade para as vendas diretas e para as vendas de terceiros. Veja que, em tal caso, as comissões se direcionam para o limite de 25% sobre cada lote, significando isto, R$ 750,00 de comissões contra receita originária de R$ 3.000,00. Evidente que isto produz alteração profunda na remuneração do líder. Mas, a vantagem perceptível é que as comissões estarão melhor distribuídas. Também fica claro que os níveis piramidais de remuneração diminuem; de 12, para 8.

Mesmo assim, o grande problema jaz, não no valor unitário percebido e sim, que este valor se multiplica por n, ou seja, se multiplica pela quantidade de pessoas abaixo do nível do líder. Se houver 1.000 pessoas vendendo o lote mínimo no terceiro nível, o líder recebe R$ 24.000,00 sobre tais vendas. E, se supusermos que o líder seja um vendedor convincente, poderíamos pensar em 500 pessoas no nível 2 e, digamos, 2.500 pessoas no nível 3 e 7.500 pessoas no nível 4. Observe que o multiplicador (fator da exponencial) não é fixo.

Os primeiros (nível 2) têm contato com o líder e são convencidos por ele a entrar no negócio. Mas, estes têm menor capacidade de convencimento e por isso ponderamos 1 para 5 (500 * 5 = 2.500) e, depois, 1 para 3 (2.500 * 3 = 7.500). Admitamos que estes 7.500 vendam um lote de pérolas cada um. O líder receberia renda de 7.500 * R$ 4,80 = R$ 36.000,00 (trinta e seis mil reais). Se os 2.500 venderem um lote de pérolas cada, a bonificação do líder será R$ 60.000,00 (sessenta mil reais). E, ainda, se os caras do nível 2 venderem também um lote cada um, o líder receberá outros R$ 60.000,00 (sessenta mil reais). É por isso que os “gargantas” do marketing multinível (MMN) apostam e defendem vigorosamente o sistema. Todo dia recebem bonificações daqueles que passam a trabalhar dentro do sistema.[39] Trata-se da maravilha da multiplicação do dinheiro. E, de onde ele vem? Simplesmente das vendas de 10.500 trabalhadores engajados, entusiasmadas e com vontade de vender o produto ou serviço que tem para vender.

Por isso, a grande questão é encontrar a fórmula adequada para que os ganhos dos distribuidores sejam limitados e que estes sejam melhor distribuídos.[40] Está será a melhor maneira de manter a empresa com adequada lucratividade e manter os divulgadores entusiasmados com o negócio e com as vendas. Mais uma vez, lembremo-nos do foco; é a empresa que importa e não o ganho dos divulgadores. O ganho dos divulgadores somente se torna principal quando se imaginar que o ganho deixe de vir da rentabilidade da empresa.

A priori, não é possível identificar, para a empresa hipotética das pérolas qual seria o suporte de bonificação máximo tolerável. Para cada caso, sempre haveria a necessidade do trabalho econômico de mensuração dos fatores de bonificação. Este trabalho se demanda porque é preciso que haja laudo de viabilidade do negócio e projeção de preço das pérolas na antecipação e na maturidade. Além disto é preciso calcular a perda estimada e também os investimentos necessários à reprodução do negócio. Vê-se, claramente, que no esquema de pirâmide com limite restritivo da Tabela 3, ocorre cessação de paga das comissões caso haja parada nas vendas. Se o líder parar de trabalhar, deixa de auferir a maior parcela dos seus ganhos que se dão pelas vendas diretas que faz. E o líder nada ganha depois do último nível. Por isso, a empresa precisa encontrar meios de conter a paga de comissões sem que haja trabalho. Não é preciso que haja um Projeto de Lei (PL) que imponha sobre o distribuidor o ônus de ter de trabalhar e de se esforçar. Tal fiscalização há de ser feita pelas próprias empresas.

Ainda considerando o caso das ostras e pérolas, é preciso ver que as ostras atualmente preparadas fazem parte de um determinado estoque que se pode colocar à venda. Evidentemente, no transcurso do tempo, o valor dos lotes de ostras mais recentes há de se alterar por conta dos descontos que se devem dar para o tempo de espera. Tudo isto requer que a fazenda tenha rigoroso controle de lotes e que as informações quanto aos lotes disponíveis e novos seja devidamente auditada, preferencialmente por especialistas da área. Além do economista, para o caso da pérolas, certamente que se demandaria os conhecimentos de um expert profissional da área de biologia marinha. Evidentemente, tais questões terão de ser definidas para cada empreendimento. Daí dizer que qualquer empreendimento de tipo multinível requer, pelo menos a presença e acompanhamento de economista e de outro profissional ou outros profissionais como se fizer necessário.

Outros pontos são importantes quando se analisa o sistema do marketing multinível. Muito provavelmente, o marketing multinível não poderá ser aplicado para a maior parte dos negócios disponíveis e que se dizem vinculados às vendas de rede. A Telexfree jamais poderia ser considerada empresa de marketing multinível. Era, apenas e no máximo, empresa perigosamente inclinada ao estelionato. Daí que vender coisas virtuais como propõe o PL que já analisamos é legislar e regulamentar o estelionato. Para que alguém entre no marketing multinível deve acreditar no produto vendido.[41] Deve, acreditar, por exemplo, que as pérolas têm o valor de mercado elevado e que o pagamento adiantado (!) de R$ 3.000,00 por lote é um bom preço e que será lucrativo com as vendas futuras.

Depois, deve acreditar que o valor das pérolas no momento da colheita compensará o investimento feito. Se não compensar, não haverá investimento e o dispêndio de dinheiro na aquisição do produto se fará por outras razões, muito provavelmente ligadas às vantagens que se anuncia pela entrada no sistema de divulgação.[42] O investimento, num sistema de multinível sério, siga o dinheiro (!), se faz no produto e não no esquema de rede.[43]

Então, perguntamos, quantos produtos existem à disposição para venda e que poderiam atender os refinados critérios econômicos de valorização do produto? Olha, o caso das ostras parece-nos um dos poucos que se pode compreender como viável para o marketing multinível. E mesmo este, a rigor do exemplo, nem tem produtos a oferecer; apenas, promessa de produto futuro. Por tal razão, todo empreendimento de rede e multinível deve contar com suporte profissional econômico-financeiro. Comprar rastreadores de veículos (BBom) ou mesmo tecnologia VoIP e serviços quaisquer não parece ser um tipo de investimento que atende a qualquer critério razoável de rentabilidade baseada na venda de produtos economicamente atrativos.[44] Depois, as comissões que se pagam têm de encontrar teto definido pela margem agregada ao preço do produto. Sem teto, se está no reino da fantasia ou, na pirâmide que realiza a paga das bonificações não a partir das receitas unitárias de margem econômica do produto vendido e sim pela entrada de novos integrantes ao sistema.

De tudo isto é possível chegar a algumas conclusões e sugestões concretas para a discussão política do marketing multinível.

  1. O marketing multinível apresenta vantagens interessantes do ponto de vista da captação, movimentação de recursos e alavancagem financeira. De fato, estas vantagens estão vinculadas à multiplicação de vendedores que se entusiasmam pelo produto ou pela promessa (implícita ou explícita) de ganhos elevados. Estes vendedores não apenas vendem como também são compradores dos produtos vendidos. Estes dois fatores combinados aumentam substancialmente a receita de quem se lança ao MMN.[45]

  2. O funcionamento do sistema é piramidal. Por isso é fundamental que o desenho da pirâmide seja sustentável e que haja controle e eficiência do dinheiro que entra para a empresa. A empresa deve ter transparência, especialmente com seus divulgadores e aqueles que pretendem vincular-se ao multinível. Do ponto de vista da sustentabilidade do empreendimento, é preferível prever um esquema de funcionamento de restrição piramidal do que um sistema de base alargada.[46]

  3. O foco de qualquer sistema de marketing multinível tem de ser a empresa. Qualquer desvio de foco gera empreendimentos de caráter aleatório, tendentes ao ilícito. A ilicitude, no caso, se dá pela formação de avançadas práticas estelionatárias.

  4. Qualquer empreendimento de marketing multinível precisa contar com regras de funcionamento. Este regramento difere muito do que se propõe nos PLs comentados no presente artigo. É inviável pretender regulamentar a prática do estupro ou de outro crime qualquer. As regras para o marketing multinível precisam atender os interesses de crescimento e manutenção das empresas; jamais o ganho dos divulgadores. Se este ganho dos divulgadores ocorrer, será em conseqüência do que produz e vende a empresa e não por atração de novos clientes e investidores. É preciso prever auditoria econômica regular nas empresas e, mais uma vez, requer-se trabalho do economista.[47]

  5. Qualquer empreendimento de marketing multinível deve contar com a chancela de um economista, da mesma maneira como ocorre com as postulações em JUÍZO que requerem a presença do advogado. Infelizmente, os textos dos PLs citados são toscos sobre o tema e pretendem que a chancela se faça pelos bancos, situação completamente inadequada e absurda; fora da competência atribuída às entidades de intermediação financeira e alheio à competência privativa da profissão de economista. Iniciado o empreendimento, é preciso que o negócio seja periodicamente auditado quanto à sua matriz econômica. E, insistentemente, isto se faz por economistas, conforme previsão legal de competência, e não por qualquer tipo de endosso bancário como pretende o PL 6667/2013 em seu artigo 2º.

  6. É preciso ter em mente que a experiência da Amway ensina que o marketing multinível encontra maior facilidade de operacionalização nos EEUU. Especialmente porque lá a legislação quanto ao trabalho não tem a tutela de uma justiça especializada do trabalho. Adaptar um esquema alienígena, se for feito, precisa contar com o necessário suporte quanto à terminologia[48] e enquadramento jurídico, razão pela qual melhor seria arquivar, por completa insuficiência, ambos os PLs e começar tudo de novo.

  7. Não é possível ter ilusões a respeito do marketing multinível. Trata-se de empreendimento que se aproxima perigosamente da ilegalidade e do estelionato. De fato, muitas pessoas não teriam hesitação em qualificar este tipo de empreendimento como algo mafioso. Não se pode brincar com a máfia nem pensar que a atividade da máfia seria boa se pudesse ser regulamentada.

  8. No exemplo dado no presente artigo, note o leitor, que se trata de uma fazenda de pérolas. Mas, também para este caso, no presente das vendas não há produto ou serviço vendido. Há, sim, uma relação fiduciária que deve encontrar formas de se viabilizar. Isto porque, até certo ponto, tratar-se-ia de encontrar um modo de preservar e manter os investimentos já feitos na fazenda de ostras (presumindo-se que esta já exista, tal qual apresentado) e também manter, preservar e valorizar os investimentos daqueles que adiantaram as rendas da produção futura.

  9. A pretensão de se estabelecer um fundo garantidor (artigo 2, §1º do PL 6667/2013) é completamente inócua se as bases do que seja um esquema piramidal não ficarem perfeitamente esclarecidas, situação que passa bem longe do que propõe o PL em comento. O problema não é de estabelecer um fundo porque isto apenas poderia postergar a quebra irremediável e aumentar o tamanho do rombo. O que funciona é a auditoria e laudo econômico em intervalos de tempo regulares. Estes laudos devem ser disponibilizados sem restrições aos interessados (divulgadores).

  10. Também insuficiente que o PL pretenda fundamentar a venda de qualquer coisa completamente irrelevante (produtos e serviços virtuais por exemplo) para torná-la suscetível de ser vendida via marketing multinível. Qualquer empreendimento deste tipo, para ser viável, necessita de análise de viabilidade econômica. Fora disso se estaria no mais completo caos da pirâmide sob pretexto de qualquer bugiganga.

Eventualmente, podemos ter esquecido alguma questão importante sobre o marketing multinível. Mas, do que foi exposto já se pode reclamar: a) que haja maior (tanto do ponto de vista quantitativo quanto qualitativo) discussão política sobre o problema; b) que haja maior zelo por parte da Polícia Federal e da Receita Federal sobre as atividades daqueles que são notórios empreendedores deste tipo de negócio (topo das pirâmides), especialmente considerando a proximidade com a atividade estelionatária e mafiosa; c) que o público em geral possa ser mais esclarecido, inclusive pela formação nos bancos universitários, sobre o funcionamento das pirâmides e funções exponenciais; d) que sejam respeitados e valorizadas pelo Legislativo (nem se deveria dizer isto !!!!) as competências profissionais definidas em lei e) que o Poder Judiciário se sinta prestigiado e valorizado por decisões como a proferida pela Juíza Thais Queiroz Borges Abou Khalil a respeito da Telexfree.[49]

O presente artigo se faz à vista do necessário esclarecimento sobre um tema que está em franca fervura. Em meio a muitas incompreensões e muito interesse (também no sentido pejorativo do termo), impende tratar com seriedade o multinível. Também se faz o artigo, em vista do debate político sobre questões que se podem considerar importantes e que constam listadas até nos motivos ensejadores dos PLs analisados. O Estado deve existir para o bem do seu povo e não para dar garantias de sucesso a quaisquer práticas fraudulentas e ardis dos mais diversos tipos, movidos por espertalhões e profissionais de ilusão da fé pública. Há que distinguir-se, cuidadosamente e tecnicamente, o trigo do joio sob pena de, em todos os níveis, adotar-se a prática de engolir sapos por lebres.


Notas

[3]       Curiosamente, este mesmo Sann Rodrigues faz parte da Igreja Universal do Reino de Deus. Tornou-se mendigo até ter descoberto o jeito de ganhar dinheiro por meio do marketing multinível. Numa entrevista, vinculada à TV Universal (veja http://www.youtube.com/watch?v=uXV8ID4kqhQ [internet], acesso em abril de 2014), observe o leitor que a apresentação do sucesso do empresário se faz desde o pulso. No caso, pulso envolto em um relógio Rolex. Nos Estados Unidos, mostra veículos diversos. Lamborghini, Ferrari, Mercedes e uma casa avaliada em 2 milhões de dólares. A conquista de toda esta riqueza é atribuída à crença na profecia da fogueira santa de Israel. Isto significa dizer que a divindade pretende criar milionários no planeta por meio do uso do sistema piramidal.

[4]       Veja a reportagem da Gazeta do Povo, disponível em http://gazetaonline.globo.com/_conteudo/2013/07/noticias/dinheiro/1454676-empresas-acusadas-de-serem-piramides-tem-ligacoes-suspeitas-com-outros-esquemas.html [internet], acesso abril de 2014. Note que a Telexfree tinha iniciado com o nome fantasia e slogan “Disk a vontade”. Ter um nome de produto chamativo é fundamental, coisa evidente por si mesma.

[5]       Este caso se noticia no sitio http://archive.today/1DFRq [internet], acesso abril de 2014.

[6]       É, também, o caso noticiado pela Revista Veja a respeito do advogado Samir Badra Dib, isto conforme as informações disponíveis em http://veja.abril.com.br/noticia/economia/advogado-entra-na-justica-e-consegue-que-telexfree-o-reembolse-r101-mil [internet], acesso abril de 2014.

[7]       Sobre tais questões, veja as informações disponíveis na Wikipédia, projeto enciclopédico muito interessante, no endereço http://pt.wikipedia.org/wiki/Telexfree [internet], acesso abril de 2014.

[8]       Informações em http://g1.globo.com/economia/negocios/noticia/2014/04/justica-dos-eua-determina-congelamento-dos-bens-da-telexfree.html e http://economia.ig.com.br/empresas/2014-04-22/telexfree-bloqueio-nos-eua-pode-beneficiar-brasileiros-diz-autoridade.html, acesso abril de 2014.

[9]       Disponível em http://veja.abril.com.br/noticia/economia/saiba-o-numero-crucial-que-revela-que-a-telexfree-tem-caracteristicas-de-piramide [internet], acesso abril de 2014.

[10]      Veja o video http://www.youtube.com/watch?v=ixNCnfI3G0c [internet].

[11]      Vídeo em http://www.youtube.com/watch?v=WnxPAclZ73I [internet]. Este e o vídeo anterior foram acessados em abril de 2014.

[12]      Veja o vídeo http://www.youtube.com/watch?v=HIK4hXXSkOc [interne], acesso em abril de 2014.

[13]      É possível encontrar vídeos vinculados à Telexfree, à BBom e outras tantas empresas que adotam o marketing multinível.

[14]      Antes de pertencer aos quadros da Telexfree, teria feito parte da Evoxclub que vendia rastreadores para veículos. São pessoas que movimentam cifras de dinheiro milionárias. Além disso, a pesquisa na própria internet há de confirmar que o trabalho por meio do marketing multinível faz parte do histórico de vida, eis que seu nome é ligado aos empreendimentos My Travel and Cash, Telextreme, Telmax, mixphone clube, Evoxclub, BBom e Telexfree.

[15]      Informações sobre a Amway estão disponíveis, em inglês, no site http://en.wikipedia.org/wiki/Amway [internet}, acesso em abril de 2014.

[16]      E note o leitor, que o tema da pirâmide vem aparecendo junto com a palavra financeira, esta normalmente grafada entre parênteses. De fato, é preciso que seja esclarecido o exato significado da expressão pirâmide e o seu qualificativo financeira. Por ora, pedimos um pouco de paciência para o desvelo desta questão.

[17]      Veja http://www.amway.com/ [internet], site em inglês e http://www.amway.com.br/  para o site em português. Ambos sites, acessados em abril de 2014.

[18]      Ambos e muitos outros produtos são marcas registradas. Isto significa dizer, que também a Amway aprendeu o caminho do registro de marcas como forma de ganhar e aumentar a riqueza.

[19]      A falcatrua é velha e Charles Ponzi (Carlo Pietro Giovanni Guglielmo Tebaldo Ponzi, descendente de italianos), nascido em Lugo em 3 de março de 1882 e falecido no Rio de Janeiro em 19 de março de 1949, a tornou famosa. Ponzi encontrou a solução mágica para enriquecer por meio de uma correspondência que recebeu. Ele percebeu que podia vender os selos de resposta recebidos pelo correio internacional mais caro nos EEUU do que eles valiam no mercado externo. Muita gente viu que o negócio seria lucrativo e entregou a Ponzi o dinheiro para que ele comprasse os selos. Só que não foi preciso comprar selos, bastava pagar os primeiros com o que ele recebia dos novos interessados. Em pouco tempo ele movimentava milhões de dólares. Mas, a desgraça começou com uma denúncia feita pelo Boston Post. O Estado, como quase sempre é devagar para reagir, resolveu intervir para paralisar a captação de dinheiro. Evidentemente que aí, o esquema se estraçalha. Como Ponzi tinha muito lastro financeiro, devolveu o dinheiro a quem reclamava muito e com isso, sua popularidade se manteve elevada. Ponzi vivia rodeado pelo luxo e extravagância. Mas, em 1920, foi declarada a bancarrota de Ponzi. O que realmente é interessante constatar é que Ponzi reteve sua popularidade e, mesmo depois de descoberta a fraude, contava com muitas pessoas que acreditavam nele. Veja as informações em http://pt.wikipedia.org/wiki/Esquema_Ponzi [internet], acesso em abril de 2014. Adicionalmente há informações sobre o esquema de Maria Branca dos Santos da década de 1980 em Portugal. Este esquema da Maria era interessante porque ela se tornou uma banqueira para todos, ricos e pobres. E, mais interessante é que o esquema vigiu durante décadas, especialmente porque as autoridades e o Poder Judiciário eram facilmente subornáveis, problema realmente complexo e que deve ser levado em consideração com as pirâmides. Também é importante o esquema montado pelo empresário Ioan Stoica na Romênia nos anos de 1992-4 chamado caritas. Na virada para o modelo capitalista, Stoica introduziu a pirâmide na Romênia. Belo jeito de se começar o capitalismo. Por fim, temos Bernard Madoff na década 2000 nos EEUU. Este Madoff, com 71 anos de idade foi condenado em 2009 a 150 anos de prisão e movimentou algo em torno de 50 bilhões de dólares. Interessante mesmo, é saber que o Banco JP Morgan Chase, maior banco dos EEUU mantinha com Madoff relações financeiras. Isto a ponto do Banco JP Morgan Chase ter sido condenado e concordar em pagar 1,7 bilhão de dólares aos clientes lesados por Madoff. Madoff tentou preservar o patrimônio para os familiares. Seu irmão mais novo, foi condenado a pena de 10 anos de prisão e o filho mais velho, Mark, cometeu suicídio enquanto o pai permanecia preso. O próprio Madoff entendeu que envergonhara sua família e, em certo sentido, sentiu-se responsável pela morte do filho. Informações sobre ele estão disponíveis em http://en.wikipedia.org/wiki/Bernard_Madoff [internet], acesso em abril de 2014.

[20]      O que essa comunista faz no meio disso aí não é fácil explicar.

[21]      No Projeto de Lei conexo, aparecem os nomes de Afonso Florence, Marcelo Matos e Rosinha Adefal. Estes não constam na relação de outros nomes no link de chamada do PL. Veja http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=598956 [internet], acesso em abril de 2014.

[22]      Leia a nota de rodapé 17, p. 9 supra. Note o envolvimento bancário com os esquemas piramidais.

[23]      Vamos falar o português bem claro. Esta obrigatoriedade é completamente estapafúrdia.

[24]      Aqui, dada a completa indefinição do que se pretende, é de se presumir que tenha sido produzido este texto em algum período de intenso desvairo porque é quase impossível explicar como é que foi produzido texto tão cheio de nada quanto o que se está a citar.

[25]      Alice Monteiro de BARROS, Trabalho Voluntário e Trabalho Religioso, In: Academia Paranaense de Estudos Jurídicos, http://www.trt9.jus.br/apej/artigos_doutrina_amb_07.asp [internet], acesso em abril de 2014.

[26]      Peter A. UBEL, Loucura do Livre Mercado, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014, 280 pp., aponta diversos exemplos e descobertas científicas concernentes aos mecanismos de engano cerebral no capitalismo, isto a ponto de justificar o título da obra.

[27]      Quanto a este, há outras questões e acusações de envolvimento com desvios de fundos. Mas, não é este o tom do que ora se apresenta, vinculado à formação das pessoas e vínculo com o esquema da Boi Gordo.

[28]      Mas, não interessa em absoluto a promessa de rentabilidade. Mesmo se esta fosse de apenas 6% ao ano (fato que diminuiria a capacidade de atração ao investimento), o fato é que dever-se-ia calcular e apontar a rentabilidade do boi apenas. Mas, a questão não estava vinculada ao boi e sim, ao mecanismo de angariação de novos investidores. É de lá que vem o dinheiro. Siga o dinheiro e não o boi.

[29]      David FRIEDLANDER, Criador da Boi Gordo, que lesou mais de 30 mil, se livra da prisão, In: O Estado de São Paulo, caderno notícias de 13 de agosto de 2009.

[30]      Reportagem de Rui MARTINS, Dono da Boi gordo Rico, Feliz e Livre, In:  http://www.noticiasagricolas.com.br/noticias/boi/43664-dono-da-boi-gordo-rico--feliz-e-livre.html#.U15sM1fO_90 [nternet], acesso em abril de 2014.

[31]      E, é impossível que se colocassem novos bois no negócio. Os bois se reproduzem em tempo muito mais dilatado do que as vendas. De fato, é possível vender milhares de bois in advance. Isto significa que o boi pode nem existir.

[32]      Confira a reportagem de Muilo RAMOS, no site http://veja.abril.com.br/141101/p_118.html [internet], acesso em abril de 2014.

[33]      Note que na apresentação do Talk Fusion feita anteriormente, se fala em “residual até infinito do binário. Não limita em 6 níveis como nas outras empresas.” Ora, exatamente esta ilimitação é o estopim para a inviabilização do negócio. Uma cadeia de binário infinita significa uma pirâmide de base infinita de sorte que o valor pago ultrapassa o valor da venda. A bonificação somente pode ser honrada se houver transferência de pagamento dos setores mais largos da base da pirâmide para setores mais elevados. Por isso, os do topo da pirâmide sempre haverão de receber volumes muito maiores de recursos financeiros.

[34]      O proprietário da BBom, por exemplo, é o Sr. João Francisco de Paulo. Em entrevista a Vitor SORANO do iG São Paulo, diz que, “se soubesse, teria usado o modelo antes” (veja http://economia.ig.com.br/2013-07-11/caso-bbom-se-soubesse-tinha-usado-o-modelo-antes-afirma-proprietario.html [internet], acesso em abril de 2014. Pelo menos em hipótese de trabalho é possível presumir que este empresário não sabia do modelo antes. Depois de saber, achou o modelo fantástico, evidentemente, pela renda auferida. Ele próprio, conforme a entrevista, disse que o sucesso “foi muito maior do que a gente imaginava e também nos assustou (...)” Ora, pelo menos em hipótese e por amor ao argumento, poderia ser imaginado que o proprietário foi levado ao sistema por outros e que, tal qual os divulgadores do negócio, tenha ficado fascinado pelos resultados. Pode até ser que este empresário, mais uma vez, em hipótese de argumento e conforme o que estamos abordando, seja apenas culpado, sem qualquer intenção de dolo em relação ao negócio implantado. O proprietário pode ser um inocente útil e é isto que transparece em sua entrevista. Veja que dizemos pode; não se diz que seja inocente. O que interessa é a montagem do esquema piramidal; os produtos e serviços são a cortina de fumaça. Só que o proprietário não percebe para onde vai o dinheiro. E, perguntamos de modo claro. Para onde vai o dinheiro? Boa parte é deslocado para o pagamento do topo da pirâmide. Na verdade, quando a empresa começa a enfrentar dificuldades, não consegue realmente explicar quais as causas dos seus problemas. Estas podem ser atribuídas à maldade da concorrência ou mesmo o desconhecimento por parte do Poder Judiciário em torno do marketing multinível. As empresas podem se constituir em veículos perfeitamente adaptados ao aparelhamento piramidal. E, quem vende a ideia às empresas encontrou o melhor negócio do planeta que é aproveitar-se da ingenuidade alheia.

[35]      Se é assim, porque o empresário das pérolas manteria tais consultores do sistema multinível em suas empresas? Simplesmente porque a exponencial gera faturamento inicial absurdamente elevado e os consultores são os principais responsáveis pela modelagem do sucesso financeiro. A empresa de pérolas, por ter um produto atrativo, provavelmente iria receber enorme volume de dinheiro. O problema de caixa apareceria depois, na hora da devolução da grana investida. Então, sem produto que mantenha o valor investido, a empresa rapidamente se torna inadimplente. Por exemplo, se investir o dinheiro recebido em aplicação financeiras (é o que Carlos Ponzi fez), receberá a paga de juros em valor muito inferior ao que foi prometido aos investidores. Em suma, se o produto não permitir valorização, não haverá venda de produto ou investimento e sim, ingresso em um sistema piramidal.

[36]      E, quem assume a vida de estelionatário assume viver desde a enganação. O estelionatário sabe o que faz e se utiliza de meios para enganar suas vítimas. O estelionatário é o esperto contra a multidão de simplórios que ele engana. Tal esperto não tem escrúpulos. Sente-se bem com sua própria esperteza. É típico do estelionatário a boa aparência, a boa conversa, a inteligência notável. Tudo isto é posto a serviço do benefício próprio.

[37]      Na verdade, esclareçamos bem. O dinheiro pertence à empresa porque se está adiantando os investimentos feitos para que se tenha a fazenda de ostras. O que pertence aos investidores são as ostras e as pérolas. Mas, se não houver reinvestimento dos valores percebidos (ampliação do negócio), estará ocorrendo pura e simples venda do negócio aos investidores. Supondo-se que se esgote a fazenda de ostras e as vendas tenham parado na quantidade de ostras disponíveis, o negócio ter-se-á esgotado. Para evitar que isso ocorra, boa parte da receita deve ser reinvestida no negócio; ou seja, o foco do dinheiro é a empresa e não os investidores.

[38]      O correto seria que a empresa de pérolas fosse em busca de negócios de boa lucratividade para garantir o retorno esperado para o valor das pérolas na colheita. Digamos assim, que se imaginou haver uma valorização média das pérolas de 10% ao ano. Em 5 anos se poderia esperar que o valor investido pelo divulgador sofreria valorização de 50%. Então, se investiu R$ 3.000,00, esperará reaver, depois de 5 anos (hipótese aleatória para o tempo de maturação das pérolas), R$ 4.500,00. Ora, isto quer dizer que o valor inicial precisa, de algum modo, valorizar-se. Vamos admitir que o valor das pérolas tenha declinado. Então, o que sobra como valor da empresa tem de garantir a rentabilidade pretendida ou esperada pelo investidor / divulgador. Se isso não ocorrer, o negócio, a médio prazo não se sustenta. Isto também significa que a empresa que opta pelo marketing multinível se posiciona em franca concorrência com o sistema bancário no que diz respeito à valorização dos ativos. Se não houver entendimento perfeitamente claro sobre este tópico, não é possível seguir adiante, razão pela qual o marketing multinível necessita do trabalho de economistas.

[39]      Evidentemente, a empresa recebeu muito mais dinheiro pelas vendas. Na hipótese mencionada (cada um da rede vende um lote), o faturamento da empresa seria de R$ 31.500.000,00 (trinta e um milhões e quinhentos mil reais). O segredo do dinheiro está aí. De repente, sem muito esforço, a empresa passa a contar com 10.500 vendedores entusiasmados em vender o produto que a empresa tem à disposição. Este batalhão de recrutas se torna em batalhão agressivo de vendas porque percebem, ao olhar o líder e os que estão no topo da pirâmide, que podem também, ganhar dinheiro. Então, os líderes vendem, não apenas a ideia do sucesso quanto a prática concreta da vida nababesca.

[40]      Dificilmente um negócio de rede pode ser sustentável com mais de 4 níveis. Evidente que a apresentação das pessoas com muito sucesso na rede é um forte atrativo para os incautos. Mas, provavelmente a educação e consciência sobre o funcionamento do sistema e a manutenção de um efetivo esquema de premiação (distinto da bonificação) seja uma forma mais eficiente de manter as pessoas envolvidas e engajadas no trabalho distribuidor.

[41]      E, note bem que os divulgadores da Telexfree defendiam a empresa, não pelo produto que tinham comprado e sim, pelas rendas que auferiam. A empresa já estava pagando as bonificações com a receita originada com a entrada de novos divulgadores. O produto vendido não tinha margem suficiente para o pagamento da bonificação.

[42]      Por essa razão, é muito difícil compreender o modo pelo qual os investidores podem esperar que determinados produtos tragam retorno de investimento. Por exemplo, se apresenta a Embrasystem Tecnologia em Sistemas, Importação e Exportação Ltda (BBom) como fonte de renda e não como venda de produto. Veja as explicações sobre o produto e sobre as vendas depois da liberação (provisória) concedida pela justiça em http://www.youtube.com/watch?v=FBtlUfupBcE [internet], acesso em abril de 2014. Neste mesmo vídeo, em certo momento, se fala em ganhos possíveis de até R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) ao dia (!). Ora, a pergunta a ser feita é simplória. De onde vem o dinheiro para pagar tais bonificações? Evidentemente, não vem das vendas diretas e sim, das vendas que se efetuarem para os novos integrantes do sistema. Cuidado com a fascinação. Siga o dinheiro de entrada e se pergunte de onde vem o dinheiro de saída (bonificação). Sobre a BBom, interessante notar que quase 40% dos associados não conseguiram recuperar o seu investimento inicial. Este volume de dinheiro representa algo em torno de R$ 130 milhões (veja a reportagem de Vitor SORANO, BBom está devendo R$ 130 milhões a Associados e Devolução pode ser Parcial, In: http://www.tribunadabahia.com.br/2013/11/10/bbom-esta-devendo-r$-130-milhoes-associados-devolucao-pode-ser-parcial [internet]. Pois bem, a pergunta a ser feita é, onde foi o dinheiro prometido? E a resposta é simples, serviu para, em parte, pagar os mais bonificados no topo da pirâmide. A decisão de bloqueio e suspensão das atividades se deu no âmbito da 4ª Vara Federal de Goiás e foi parcialmente revista pelo TRF da 1ª Região (Brasília). Na decisão se determinou que a continuidade das operações privilegiasse o pagamento dos atrasados (devolução do capital investido) com as receitas das vendas diretas.

[43]      E, para ser mais claro. Ninguém vai comprar um lote de ostras com as respectivas madrepérolas para ficar aguardando 5 anos (tempo de exemplo) se o valor atual das pérolas não for atrativo. Se o valor atual do lote de pérolas for 5 mil, a venda pelo preço de 3 mil representa bom negócio porque o comprador espera que tenha uma colheita de valor maior do que o investimento feito. Então, colocar as ostras no multinível significa depreciar o valor atual do produto. O dono da fazenda, ao invés de pagar juros ao banco, passa a conceder vantagens aos seus investidores.

[44]      Marcos Duda, professional de marketing que sofre campanha difamatória por ter-se posicionado sobre empresas de marketing multinível confiáveis e não confiáveis, elaborou uma lista em que aparecem 23 empresas que ele julga confiáveis contra 91 não-confiáveis. Veja http://www.marcosduda.com.br/empresas-confiaveis-de-marketing-multinível/ [internet], acesso em abril de 2014. Provavelmente nós retiraríamos algumas das 23 empresas confiáveis desta lista. Talk Fusion, por exemplo, não classificamos como empresa de marketing multinível. Mas, seria preciso investigar com extrema atenção e cuidado o que se promete e o que se oferece por parte de tais empreendimentos para que se possa dizer, precisamente, se são ou não empresas que têm algo real a oferecer.

[45]      Entenda-se que se criam, do nada, milhares de vendedores do produto sem que sejam computados ai quaisquer custos de vínculo empregatício pelos novos “divulgadores”. Estes, na verdade, acabam nada sendo. Não têm direitos previdenciários, por exemplo. Estas questões relativas aos custos (ou no caso, não ter tais custos) de se agregar milhares de vendedores a qualquer empresa não fazem parte do horizonte da empresa autônoma; o divulgador é sempre autônomo, trabalha porque está entusiasmado com a empresa e dela recebe sua remuneração que pode ser grande ou, apenas o complemento da renda familiar.

[46]      Particularmente, entendemos que o limite máximo da rede para cada indivíduo que entra no sistema deve ter base reduzida. Sem restrição, o sistema piramidal tende a sucumbir por seu próprio peso. De outro lado, não se alegue que um sistema de nível é completamente ilegal ou inviável porque, em certa medida, todas as empresas costumam adotar sistemas de remuneração piramidal. O supervisor e o gerente deixam de fazer vendas e retiram a sua remuneração das vendas que outros efetuam. Deixam de efetuar vendas porque assumem os encargos de supervisão e gerência. Então, recebem pelo trabalho de outros. E, no sistema capitalista, o mesmo ocorre com os donos do negócio. A vantagem do MMN neste sentido é a desburocratização empresarial. O MMN é ágil e as possibilidades de ganho pela supressão de entidades intermediárias e investimento em propaganda é algo que se pode compreender sem grande dificuldade.

[47]      E, esta auditoria não trata de contabilização de fatos passados (atribuição do contabilista) e sim, de análise de fluxos financeiros futuros e disponibilidades futuras. É trabalho de economista.

[48]      E, o negócio MMN é extremamente rápido e criativo na criação de termos descritivos do funcionamento da rede. Por exemplo, fala-se em derramamento (entrada de novos integrantes na perna do patrocinador), patrocinador (aquele que processa indicação ou venda de produtos a você), sistema binário (criação de rede a partir de binários, gente que entra numa das “pernas”; uma decorrente do derramamento e outra que representa o cadastro próprio de quem entra). Muitos termos são meras traduções do inglês e, seria muito mais adequado reescrever completamente a terminologia utilizada por empresas que seriamente pretendem trabalhar com o multinível. Até a palavra multinível poderia encontrar outra melhor.

[49]      Importante destacar que a Juíza mencionada, pelas imagens televisivas e disponíveis na internet é jovem. Mesmo assim, mostrou suficiente coragem para enfrentar as adversidades. Mexer com vespeiro geralmente pode ser perigoso. Agora, não tinha outra opção para o caso, eis que a Telexfree, já amargava grande rombo em suas contas e nos Estados Unidos a situação também não era a melhor.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KRUSE, Bárbara Cristina; KRUSE, Marcos. Marketing multinível. Entendendo a coisa para não ser enrolado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5118, 6 jul. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/36355. Acesso em: 28 mar. 2024.