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Ações afirmativas, justiça e igualdade

Ações afirmativas, justiça e igualdade

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É dever do Estado atuar positivamente para a redução das desigualdades sociais e as ações afirmativas, como políticas públicas fundadas na justiça e na igualdade, são instrumentos para tanto.

Sumário:. As ações afirmativas são justas? 2. O princípio constitucional da igualdade. 3. Referências bibliográficas.


1. As ações afirmativas são justas?

A Constituição de 1988 define o Estado brasileiro como um Estado Democrático de Direito.[2] Ora, o Estado Democrático de Direito deve ser compreendido como um Estado de Justiça. Não de qualquer justiça, subjetiva e arbitrariamente orientada, ou idealisticamente deduzida de parâmetros residentes fora ou sobre a Constituição, mas sim de uma justiça historicamente determinada e juridicamente conformada pela própria Constituição. O ordenamento jurídico do Estado Democrático de Direito há de ser apreendido não apenas como aquele formalmente desenhado pela ação dos órgãos legislativos. Trata-se, antes, de apreendê-lo como bloco de ordenação normativa proveniente da ação daqueles órgãos, mas dotado de um sentido substantivo determinado. A ordenação jurídica desse Estado haverá de ser, necessariamente, uma ordenação justa.

O conteúdo das emanações normativas do Estado brasileiro encontra-se orientado para produzir uma ordem jurídica justa. Nos termos do Preâmbulo da Carta de 1988, os Constituintes reuniram-se para “instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, na ordem interna e internacional (...)”. Não cabe, aqui, discutir o valor normativo do Preâmbulo.[3] É suficiente verificar que o Preâmbulo, no mínimo, presta-se para informar a principiologia que orienta o Estado brasileiro e a produção normativa desse Estado.

Da atenta leitura da Constituição, é possível deduzir uma série de princípios e objetivos indicadores do conteúdo da dinâmica de conformação legislativa. Referido conteúdo se expressa mediante regras ou princípios plasmados na Constituição (democracia, república, legalidade, segurança, justiça social e igualdade, entre outros) que, agrupados em torno dos direitos fundamentais, produzem o núcleo substantivo da ordem jurídica brasileira. Ora, a reserva de justiça condensada na Constituição vincula todos os órgãos constitucionais.[4] Embora ela autorize várias leituras (comunitária, republicana e liberal igualitária), repelindo outras (libertária, anárquica, perfeccionista ou comunista), condensa um núcleo substantivo compartilhado pelas mais importantes teorias da justiça. Além disso, cumpre reconhecer que as diferentes concepções de justiça, no sentido de Perelman e John Rawls, plurais e substantivas, implicam cosmovisões singulares sobre o que é justo, completando com conteúdo o conceito formal, para fornecer critérios de escrutínio para a qualificação ou justificação de situações (normativas ou fáticas) como justas ou injustas. Ora, numa sociedade aberta e democrática, “na medida em que sabemos onde residem os desacordos, mais possibilidades haverá de superá-los”.[5] De qualquer modo, há na reserva de justiça plasmada na Constituição um núcleo duro que aponta para a igualdade, inclusive fática, simultaneamente direito, princípio e objetivo, enquanto critério para o escrutínio da justiça das posições sociais. De modo que, a conexão entre justiça e igualdade deve estar presente não apenas no momento da aplicação do direito, mas também no anterior identificado com a sua construção normativa e institucional. A igualdade, na hipótese, é “um ideal a ser alcançado, e está implícito em toda e qualquer concepção plausível de justiça política”.[6] Nesse caso, a sociedade é justa porque considera os cidadãos iguais. Ora, “isso exige instituições e normas que promovam a igualdade factual, isto é, políticas sociais de igualação ou equiparação”.[7]

Falemos um pouco sobre a mais conhecida teoria da justiça inscrita no campo liberal igualitário. Para John Rawls, é possível imaginar um acordo hipotético – um contrato social – em função do qual as pessoas escolheriam, a partir de uma posição original, os princípios reitores da sociedade.[8] Rawls chama este artifício de “véu de ignorância”. As pessoas desconhecendo a posição futura na qual residirão e também quais bens e princípios seriam disputados no meio social, consentem – previamente – sobre a ordenação da sociedade.

Como lembra Michael Sandel, ao ocultar a posição das pessoas na sociedade “suas forças e fraquezas, seus valores e objetivos, o véu de ignorância garante que ninguém possa obter vantagens, ainda que involuntariamente, valendo-se de uma posição favorável de barganha”.[9] Em verdade, Rawls manifesta oposição tanto ao utilitarismo como ao intuicionismo na sua teoria da justiça.[10] No seu sentir, sob o “véu de ignorância”, desconhecida pelos contratantes a posição social que cada um ocupará, é possível escolher um conjunto de princípios para a ordenação da sociedade, implicando, para todos, a livre busca de objetivos e o tratamento com igual consideração e respeito.

Sobre a escolha dos princípios de justiça, para Rawls, as condições procedimentais imparciais conduziriam à formação da “justiça como equidade”. Ora, os princípios de justiça imparciais são aqueles que resultam das escolhas realizadas por pessoas livres, racionais, interessadas em si mesmas, situadas na posição original de igualdade. Nesta posição, os indivíduos escolheriam “bens primários”, como anota Roberto Gargarella:

“Os ‘bens primários’ que Rawls supõe são de dois tipos: a) os bens primários de tipo social, que são diretamente distribuídos pelas instituições sociais (como a riqueza, as oportunidades, os direitos); e b) os bens primários de tipo natural, que não são distribuídos diretamente pelas instituições sociais (como, por exemplo, os talentos, a saúde, a inteligência etc.).”[11]

A oposição ao utilitarismo[12] fica evidente quando Rawls sustenta que, diante da “loteria natural” uma minoria religiosa, étnica ou econômica, não pode ser oprimida, mesmo em nome do “bem comum” ou da “felicidade” da maioria.

Nuclear para a teoria de Rawls é o “princípio da diferença”, segundo o qual as desigualdades sociais e econômicas só podem ser toleradascaso promovam o benefício dos que ocupam as posições menos vantajosas dentro da comunidade. O princípio da diferença substancia, de certa maneira, um corretor das desigualdades naturais. Nos termos do princípio, a distribuição de renda e de oportunidades não pode ser fundada em pautas arbitrárias.

Explica Sandel que:

“Permitir que todos participem da corrida é uma coisa boa. Mas se os corredores começarem de pontos de partida diferentes, dificilmente será uma corrida justa. É por isso, argumenta Rawls, que a distribuição de renda e fortuna que resulta do livre mercado com oportunidades formalmente iguais não pode ser considerada justa. (...) Uma das formas de remediar essa injustiça é corrigir as diferenças sociais e econômicas. Uma meritocracia justa tenta fazer isso, indo além da igualdade de oportunidades meramente formal. Ela remove os obstáculos que cerceiam a realização pessoal ao oferecer oportunidades de educação iguais para todos, para que os indivíduos de famílias pobres possam competir em situação de igualdade com os que têm origens mais privilegiadas.”[13].

A igualdade de posições – para além da perspectiva da igualdade formal de oportunidades – exige a implementação de políticaspara compensar ou assistir minorias, adotando meios para que todos os membros de uma determinada comunidade possam, ao menos, ter a mesma situação para o desenvolvimento de suas habilidades, implicando isso análogo “ponto de partida”[14] para todos.

Na obra “Uma teoria da justiça”,[15] Rawls afirma como não defensáveis as teses que argumentam no sentido de que as instituições são sempre falhas, pois a distribuição dos talentos naturais e as contingências advindas das condições sociais são injustas. Se, em verdade – é o que sustenta –, a distribuição natural, per se, não pode ser avaliada como justa ou injusta, a avaliação da justiça ou injustiça da sociedade decorre da forma como as instituições lidam com os fatos naturais. E é justamente neste registro que sua obra se desenvolve ao defender que as instituições elementares da sociedade devem ser justas. Portanto, a justiça política supõe um conjunto de princípios que, incidindo sobre as instituições básicas da sociedade, reclamam uma distribuição adequada das cargas e dos benefícios da cooperação social.

A preocupação de Rawls com a implementação da justiça autoriza, portanto, o manejo deinstrumentos adequados visando uma justa distribuição de direitos e recursos, sempre escassos e custosos.[16] Por isso, as ações afirmativas constituem uma forma de correção das desigualdades naturais em sociedades atravessadas por disparidades de diversas ordens. A sociedade igualitária poderia ser alcançada, sustenta o autor, “se cada pessoa contasse com o mesmo conjunto de bens primários – entendendo por tais aqueles bens que todo mundo gostaria de ter porque constituem meios indispensáveis para realizar qualquer plano de vida.”[17] Ora, Rawls inclui entre eles as liberdades e direitos, as oportunidades e a renda ou riqueza.

Também Dworkin, compartilhando vários dos pressupostos de Rawls, embora mais preocupado com a distribuição de recursos e a questão da responsabilidade pessoal das pessoas em relação às escolhas que fazem,desenvolve esforços para desenhar uma concepção liberal e igualitária da justiça política.[18]

As concepções igualitárias de Rawls e Dworkin, substanciando contribuições inestimáveis para o debate contemporâneo, são, todavia, ainda prisioneiras da ideia de justiça de meios, que implicam, de certa forma, manifestação de certo desinteresse pelos resultados da ação humana.[19] Ora, Amartya Sen desenvolve um pensamento que ultrapassa a dicotomia justiça dos meios/justiça dos resultados, de modo que “a essência da justiça não repousa nem sobre a igualdade de meios (direitos e recursos), nem sobre a igualdade de resultados (nível de bem estar), mas sobre a igual capacidade dos indivíduos de fazer com os meios os resultados que reclamam a sua concepção de vida”.[20] A proposta de Amartya Sen aponta, portanto, para uma crítica das concepções de justiça marcadas pelo compromisso exclusivamente redistributivista. Ora, os mesmos recursos serão convertidos em resultados de maneira distinta, por pessoas diferentes, conforme as condições concretas que experimentem. Daí a preocupação com a capacidade e, mais do que isso, com a igual capacidade de todos para o exercício efetivo das liberdades.[21] Ora, as pessoas reúnem um conjunto muito diferente de condições para transformar meios em resultados. Sen pensa em funcionamentos (condições) muito diferentes, desde os “mais elementares, tal como conseguir um nível nutricional adequado, até os mais complexos, como alcançar o autorrespeito ou o reconhecimento em sociedade”.[22] A satisfação das capacidades para o exercício efetivo das liberdades, supõe, obviamente, um atuar positivo do Estado concretizado através da adoção de políticas públicas capacitantes. Nesse sentido, as ações afirmativas e, entre elas, as cotas são apenas algumas das políticas que podem ser adotadas.

Neste ponto, importa ir além da polêmica desenvolvida há algum tempo entre os que propõem políticas públicas de redistribuição e aqueles que defendem ações concebidas a partir da lógica do reconhecimento. Talvez seja o caso de concordar com Axel Honneth, para quem a justiça distributiva é, ao fim e ao cabo, também uma forma de reconhecimento.[23] Ou mesmo de admitir, com Nancy Fraser, que a justiça requer, simultaneamente, políticas de distribuição e de reconhecimento, políticas estas que podem ser conciliadas.[24] Aliás, devem ser conciliadas, convém acrescentar, quando se está a cuidar da Constituição brasileira.

Os Estados Unidos buscaram, ao longo das últimas décadas, promover a correção de injustiças sociais decorrentes de uma história marcada pela segregação racial através da implementação de ações afirmativas.[25] Por isso, o “Caso Bakke” é tratado como paradigmático nas questões referentes às ações afirmativas.

Ronald Dworkin relata que:

“Em 1978, no famoso processo Bakke, a Suprema Corte decretou que os planos de admissão sensíveis à raça não violam a 14ª Emenda da Constituição dos Estados Unidos, que declara que ‘nenhum estado poderá negar a qualquer pessoa a igual proteção das leis’, contanto que tais planos não estipulem quotas fixas para qualquer raça ou grupo, porém considerem a raça somente como um fator entre outros. Em 1996, porém, no processo Hopwood, o Quinto Tribunal Itinerante de Apelação declarou inconstitucional o programa de admissões da Faculdade de Direito da Universidade do Texas, e dois dos três juízes que constituíram a maioria desse processo declararam que o veredicto de Bakke fora anulado, embora não expressamente, por decisões mais recentes da Suprema Corte.”[26]

As polêmicas envolvendo as ações afirmativas são múltiplas. Enquanto os defensores insistem na importância da adoção de políticas sensíveis para diminuir ou extinguir o impacto da condição vulnerável no longo prazo, seus críticos entendem que a ação afirmativa, ao invés de emancipar os negros, os “sacrificou” ao perpetuar a noção de inferioridade perante os brancos, resultando em novas tensões envolvendo a questão racial e não sendo capaz de os integrar de maneira efetivaa uma comunidade “indiferente à cor” (color blind).

No campo universitário, duas propostas relativas às ações afirmativas merecem ser lembradas. A primeira é a da promoção da igualdade de posições, ou seja, mesmo que um diploma universitário não constitua garantia de uma carreira de sucesso, tem o forte potencial de “abrir portas” e auxiliar a superação de estereótipos negativos. A segunda trata da necessidade de formação de lideranças, pessoas que possam ocupar postos privilegiados na comunidade e também mitigar a perspectiva preconceituosa do determinismo racial.

Nas sociedades com minorias sub-representadas, é importante a adoção de medidas tendentes a remediar as desigualdades e impedir a perpetuação da estratificação social, ou seja, a dominação de um grupo hierárquico que se consolida em função de determinado arranjo desigual nas divisões de poder e renda na comunidade.

A sub-representação social de uma minoria, por consequência, afetará o acesso desta aos bens sociais disponíveis. No caso, a educação superior é tratada como um recurso valioso e escasso. As ações afirmativas motivadas por fatores raciais são defendidas por Dworkin da seguinte maneira:

“(...) é possível distinguir a ação afirmativa do uso maligno da raça, pelo menos em princípio, de duas maneiras. Em primeiro lugar, podemos definir um direito individual que as formas malignas de descriminação violam, mas em programas bem elaborados de ação afirmativa não o fazem: esse é o direito fundamental que cada cidadão tem de ser tratado pelo governo, como igualmente dignos de consideração e respeito. Nega-se esse direito ao cidadão negro quando as escolas justificam a discriminação contra ele recorrendo ao fato de que outras pessoas têm preconceito contra membros de sua raça.”[27].

Nos Estados Unidos, a cláusula da igual proteção visa proteger os cidadãos de discriminações ou classificações desvantajosas. Contudo, não há violação da referida cláusula quando um grupo de interesse, um coletivo, não é favorecido por determinada decisão política, manifestando-se violação apenas quando o fato implicar redução a uma posição desvantajosa.

Para Dworkin, a cláusula não constitui uma garantia de que todos serão contemplados pelos benefícios das decisões políticas, mas de tratamento igualitário – com igual consideração e respeito – nas deliberações e nos processos políticos que produzem tais decisões.[28]

Ademais, de acordo com o autor citado, a adoção do critério da raça na promoção das ações afirmativas não viola qualquer direito individual daqueles que pleiteiam ingresso na universidade. Logo, Cheryl Hopwood, a estudante preterida que reivindicou vaga na Faculdade de Direito da Universidade do Texas, para Dworkin, não teria razão ao defender o critério do mérito como único a autorizar o acesso ao ensino superior. Nenhum candidato teria o direito de compelir a universidade a conformar sua política de admissão de modo a prestigiar determinadas características em detrimento de outras (no caso, o mérito).[29]

O último caso em debate nos Estados Unidos cuidandodas ações afirmativas envolveu demanda proposta por Abigail Fisher contra a Universidade do Texas, na qual a autora alegou ter sido preterida em razão da cor de sua pele, fato que violaria a cláusula de igual proteção dos cidadãos da 14ª Emenda da Constituição dos Estados Unidos. A Universidade do Texas, em sua defesa, lembrou que a instituição utilizou critério de segregação racial por 70 anos e que seu primeiro aluno negro, Heman Sweatt, só foi admitido em 1950, de acordo com o precedente Sweatt vs. Painter. Mais do que isso, sustentou que em 2003, no caso Grutter vs. Bollinger –através do qual foi revisto o entendimento anterior derivado de Hopwood vs. Univeristyof Texas School of Law(1996) –, foi reconhecida a constitucionalidadedas admissões baseadas em raça.

No Brasil, o Supremo Tribunal Federal teve a oportunidade de se manifestar sobre a questão no julgamento da ADPF 186, aforada pelo Partido Democratas contra a política de cotas étnico-raciais para o ingresso de estudantes na Universidade de Brasília – que reservava 20% das vagas para negros e um pequeno percentual para indígenas pelo prazo de 10 anos. O STF julgou a ADPF 186 improcedente por unanimidade em abril de 2012, criando, desta forma, um importante precedentereferente à constitucionalidade das ações afirmativas no Brasil.[30]

Forma de ação afirmativa voltada para a ampliação das possibilidades de ingresso de grupos vulneráveis nas universidades federais e instituições federais foi previsto pela Lei 12.711/2012, nos termos da qual:

“Art. 1º As instituições federais de educação superior vinculadas ao Ministério da Educação reservarão, em cada concurso seletivo para ingresso nos cursos de graduação, por curso e turno, no mínimo 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas. Parágrafo único.  No preenchimento das vagas de que trata o caput deste artigo, 50% (cinquenta por cento) deverão ser reservados aos estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo (um salário-mínimo e meio) per capita. (...) Art. 3º  Em cada instituição federal de ensino superior, as vagas de que trata o art. 1º desta Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e indígenas, em proporção no mínimo igual à de pretos, pardos e indígenas na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Parágrafo único.  No caso de não preenchimento das vagas segundo os critérios estabelecidos no caput deste artigo, aquelas remanescentes deverão ser completadas por estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.”

A lei também prevê a revisão periódica do programa de inclusão social, do seguinte modo:

“Art. 7º  O Poder Executivo promoverá, no prazo de 10 (dez) anos, a contar da publicação desta Lei, a revisão do programa especial para o acesso de estudantes pretos, pardos e indígenas, bem como daqueles que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas, às instituições de educação superior.”[31]

A lei em questão foiregulamentada pelo Decreto 7.824/2012 que previu a criação do “Comitê de Acompanhamento e Avaliação das Reservas de Vagas nas Instituições Federais de Educação Superior e de Ensino Técnico de Nível Médio”, bem como privilegiou o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) como critério de avaliação dos estudantes para o ingresso nas instituições federais de educação superior.[32]

Deve-se tomar o cuidado de não reduzir a abrangente questão das ações afirmativas (que se manifestam de diversas formas e através de distintas políticas) com a utilização de cotas nas universidades para a admissão de minorias social e economicamente segregadas. As ações afirmativas, afinal, se encaixam numa perspectiva mais ampla da busca por remediar as desigualdades existentes na sociedade (boa parte proveniente da loteria natural). De qualquer modo, a utilização das ações afirmativas é emblemática e pode servir de modelo para outras tentativas de correção de distorções injustas das posições ocupadas pelas pessoas originariamente.

Existem vários mecanismos de ações afirmativas e o uso de cotas é apenas um deles. No caso das pessoas com deficiência, o art. 37, VIII da Constituição Federal prevê a reserva de percentual dos cargos e empregos públicos,[33] enquantoa Lei 7.853/1989 foi um importante marco regulador, com a previsão de políticas afirmativas de direitos em diversos setores como na educação, na saúde, na formação profissional, nos recursos humanos e nas edificações.[34]

No que tange à proteção dos idosos, o Estatuto do Idoso, Lei 10.741/2003, protege o direito ao atendimento prioritário aos idosos, nos órgãos públicos e privados prestadores de serviços à população, a prioridade no recebimento da restituição do imposto de renda bem como na formulação e execução de políticas públicas específicas.

Em ADI aforada no ano de 2006, a Associação Nacional das Empresas de Transporte Urbano – NTU alegou inconstitucionalidade do art. 39 da referida Lei que assim dispõe: “Art. 39.Aos maiores de 65 (sessenta e cinco) anos fica assegurada a gratuidade dos transportes coletivos públicos urbanos e semi-urbanos, exceto nos serviços seletivos e especiais, quando prestados paralelamente aos serviços regulares.”. A ADI 3.768-4/DF em questão teve o seguinte julgamento:

“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 39 DA LEI N. 10.741, DE 1º DE OUTUBRO DE 2003 (ESTATUTO DO IDOSO), QUE ASSEGURA GRATUIDADE DOS TRANSPORTES PÚBLICOS URBANOS E SEMI-URBANOS AOS QUE TÊM MAIS DE 65 (SESSENTA E CINCO) ANOS. DIREITO CONSTITUCIONAL. NORMA CONSTITUCIONAL DE EFICÁCIA PLENA E APLICABILIDADE IMEDIATA. NORMA LEGAL QUE REPETE A NORMA CONSTITUCIONAL GARANTIDORA DO DIREITO. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. 1. O art. 39 da Lei n. 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) apenas repete o que dispõe o § 2º do art. 230 da Constituição do Brasil. A norma constitucional é de eficácia plena e aplicabilidade imediata, pelo que não há eiva de invalidade jurídica na norma legal que repete os seus termos e determina que se concretize o quanto constitucionalmente disposto. 2. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente.”           

Ainda, pode-se colacionar a questão referente à Cota de no mínimo 30% de candidaturas de gêneros distintos, conforme disposto pela Lei 9.504/1997:

 “Art. 10. Cada partido poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, Câmara Legislativa, Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais, até cento e cinqüenta por cento do número de lugares a preencher. (...)§ 3º  Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo. (Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009)”.[35]

Com a Resolução 23.373/2011, do Tribunal Superior Eleitoral, houve mudança importante em relação ao entendimento da referida Lei, implicando passagem da simples reserva de 30% das vagas para um mínimo obrigatório.Cabe ao Ministério Público Eleitoral a fiscalização do devido cumprimento deste percentual pelos partidos nas eleições, sendo oportuna a informação e conscientização dos partidos da importância da pluralidade de gênero no pleito eleitoral.


2. O princípio constitucional da igualdade.

Afirmativas, portanto, são chamadas as ações e políticas públicas implementadas para a efetivação do princípio constitucional da igualdade. Este, um dos pilares da democracia moderna, substancia direito fundamental, princípio, objetivo e elemento nuclear da reserva de justiça[36] plasmada na Constituição Federal. A propósito, assevera Joaquim Barbosa Gomes:

“Concebida para o fim específico de abolir os privilégios característicos do ancien régime e para dar cabo às distinções e discriminações baseadas na linhagem, na posição social, essaconcepção de igualdade jurídica, meramente formal, firmou-se como idéia-chave do constitucionalismo que floresceu no século XIX e prosseguiu sua trajetória triunfante por boa parte do século XX.”[37]

Mais do que igualdade perante a lei, trata-se de exigir consideração isonômica na lei, de modo a superar a inconsistência da proclamação meramente formal. Como bem observa Fábio Konder Comparato, “sempre se suspeitou que a abstração isonômica servisse apenas para encobrir as terríveis desigualdades de fortuna e condição material, no seio do povo”.[38]

Carmem Lúcia Antunes Rocha, aliás, assevera que:

“(...) o Direito Constitucional acanhava-se em sua concepção meramente formal do princípio denominado da isonomia, despojado de instrumentos de promoção da igualdade jurídica como vinha até então cuidado. Conclui-se, então, que proibir a discriminação não era bastante para se ter a efetividade do princípio da igualdade jurídica. O que naquele modelo se tinha e se tem é tão-somente o princípio da vedação da desigualdade, ou da invalidade do comportamento por preconceito manifesto ou comprovado (ou comprovável), o que não pode ser considerado o mesmo que garantir a igualdade jurídica”.[39]

Há, hoje, no Brasil, consenso a respeito da necessidade de uma concepção substantiva do princípio da igualdade, implicando olhar atento sobre as diferentes condições reais que apartam os seres humanos na concretude de suas existências, de sorte a exigir quesituações dessemelhantes sejam tratadas, por meio de políticas públicas especialmente concebidas, de forma adequada, tudo para a superação das heranças trágicas que, desgraçadamente, entre nós abraçam a muitos. Concorda-se, portanto, que do Estado cabe exigir mais do que a satisfação formal do direito fundamental ou a ação, omissiva ou comissiva, para prevenir ou a reprimir inaceitável discriminação. É dever do Estado atuar positivamente para a redução das desigualdades sociais.

Cumpre, na altura, lembrar que Celso Antônio Bandeira de Mello formula teoria que possibilita observar os casos em que a atuação do Estado para a equalização das desigualdades é pertinente. Observa o jurista que existem três tópicos a serem considerados no momento do reconhecimento das diferenciações:

“a) a primeira diz com o elemento tomado como fator de desigualação; b) a segunda reporta-se à correlação lógica abstrata existente entre o fator erigido em critério de descrímen e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado; c) a terceira atina à consonância desta correlação lógica com os interesses absorvidos no sistema constitucional e destarte juridicizados.”[40]

Deve-se, diante do exposto, investigar o critério adotado como discriminador, se o mesmo atende a uma justificativa racional, para a edição de tratamento jurídico específico para o caso objeto da desigualdade e, ainda, observar se não ocorre qualquer conflito com os axiomas dispostos na Lei Fundamental.[41]

Por outro lado, sustenta Joaquim Barbosa Gomes:

“Como se sabe, a ideia de neutralidade estatal tem-se revelado um formidável fracasso, especialmente nas sociedades que durante muitos séculos mantiveram certos grupos ou categorias de pessoas em posição de subjugação legal, de inferioridade legitimada pela lei, em suma, em países com longo passado de escravidão. Nesses países, apesar da existência de inumeráveis dispositivos constitucionais e legais, muitos deles promulgados com o objetivo expresso de fazer cessar o status de inferioridade em que se encontravam os grupos sociais historicamente discriminados, passaram-se os anos (e séculos) e a situação desses grupos marginalizados pouco e quase nada mudou. Esse mesmo fenômeno de inefetividade constitucional ocorre igualmente no que diz respeito ao status da mulher na sociedade. Tal estado de coisas conduz a duas constatações indisputáveis. Em primeiro lugar, a certeza de que proclamações jurídicas por si sós, revistam elas a forma de dispositivos constitucionais ou normas de inferior hierarquia normativa, não são suficientes para reverter um quadro social que finca âncoras na tradição cultural de cada país, no imaginário coletivo, em suma, na percepção generalizada de que a uns devem ser reservados papéis indicativos do status de inferioridade, de subordinação. Em segundo lugar, o reconhecimento de que a reversão de um tal quadro só será viável com a renúncia do Estado à sua histórica neutralidade em questões sociais, devendo assumir, ao contrário, uma posição ativa.”[42]

Com efeito, o constitucionalismo emancipatório, comprometido com a dignidade da pessoa humana, propugna por uma fórmula jurídica do princípio da igualdade suficiente para, através de uma política de desigualação positiva, promover a igualação efetiva.

Neste ponto, importa apontar possível incompreensão relativa ao art. 3º, IV da CF que prevê como objetivo fundamental da República a promoção do bem de todos, sem qualquer forma de discriminação. Trata o referido dispositivo constitucional de garantia da igualdade, que se conecta ao reconhecimento de todas as pessoas como sujeitos de direitos, não tolerando, no ordenamento jurídico brasileiro, discriminações injustificadas. O mesmo pode ser depreendido da leitura do art. 5º, XLI, que trata da punição de discriminações que violem os direitos e garantias fundamentais. Ou seja, a previsão de punição para o ato discriminatório e preconceituoso é reflexo de uma das dimensões da igualdade, de modo que, sendo todos iguais perante a lei, no contexto da sua aplicação não pode haver discriminação sob pena de violação direta da Constituição. Contudo, a dimensão da igualdade referida não é suficiente para o reconhecimento e emancipação de grupos com diferenças e especificidades circunscritas. Aqui emerge a exigência da igualdade material, como observa Luiza Cristina Fonseca Frischeisen:

“E somente ações políticas, aplicadas ou reguladas pelo Estado, em suas diversas esferas da administração, podem garantir a efetividade da igualdade material, corrigindo desigualdades. E é neste contexto que se situam as políticas públicas que estabelecem discriminações positivas, as ações afirmativas.”[43]

Nesse intento de concretização do princípio da igualdade substancial, a ação afirmativa, verdadeiro modo de discriminação positiva ou reversa, apresenta-se como “o mais ousado e inovador experimento constitucional concebido pelo Direito no século XX, como instrumento de promoção da igualdade e de combate às mais diversas formas de discriminação”.[44] Nos termos do magistério de Carmem Lúcia Antunes Rocha, “a ação afirmativa emergiu como a face construtiva e construtora do novo conteúdo a ser buscado no princípio da igualdade jurídica”.[45]

Ora, esse conteúdo deve ser desenhado com os insumos residentes na Lei Fundamental. O artigo 1º, inciso III, da Constituição, erige como fundamento da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana. O artigo 3º, inciso IX, constitui, como um dos objetivos fundamentais da República, “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

Além disso, o caput do artigo 5º estabelece que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”.

Analisando os apontados dispositivos constitucionais, Carmem Lúcia Antunes Rocha, com perspicácia, ressalta:

“(...) não apenas ali se reiterou o princípio da igualdade jurídica, senão que se refez o seu paradigma, o seu conteúdo se renovou e se tingiu de novas cores, tomou novas formas, construiu-se, constitucionalmente, de modo inédito.A passagem do conteúdo inerte a uma concepção dinâmica do princípio é patente em toda estrutura normativa do sistema constitucional brasileiro fundado em 1988. A ação afirmativa – está inserida no princípio da igualdade jurídica concebido pela Lei Fundamental do Brasil, conforme se pode comprovar de seu exame mais singelo.(...) O princípio da igualdade resplandece sobre quase todos os outros acolhidos como pilastras do edifício normativo fundamental alicerçado. É guia não apenas de regras, mas de quase todos os outros princípios que informam e conformam o modelo constitucional positivado, sendo guiado apenas por um, ao qual se dá a servir: o da dignidade da pessoa humana (art. 1o, III, da Constituição da República).(...) Se a igualdade jurídica fosse apenas a vedação de tratamentos discriminatórios, o princípio seria absolutamente insuficiente para possibilitar a realização dos objetivos fundamentais da Repúblicaconstitucionalmente definidos.(...) Somente a ação afirmativa, vale dizer, a atuação transformadora, igualadora pelo e segundo o Direito possibilita a verdade do princípio da igualdade, para se chegar à verdade do princípio da igualdade, para se chegar à igualdade que a Constituição Brasileira garante como direito fundamental de todos.”[46]

Como se vê, o princípio da igualdade, previsto no caput do artigo 5o, reclama a redução das desigualdades. Razão pela qual não basta que o Estado proíba a discriminação ou se abstenha de discriminar.Importa, também, atuar positivamente no sentido da redução das desigualdades, até porque a mera vedação de tratamentos discriminatórios, conforme já acentuado, não tem o condão de realizar os objetivos fundamentais da República constitucionalmente definidos.

Destarte, é indubitável que a Constituição de 1988 operou a transformação da igualdade, implicando a passagem de um conceito constitucional estático e negativo para outro dinâmico e positivo, de sorte que o princípio constitucional supõe também satisfação de obrigação positiva cuja expressão democrática mais atualizada é a ação afirmativa.

Nesta esteira, convém citar outra vez Carmem Lúcia Antunes Rocha para quem:

“(...) a ação afirmativa constitui, portanto, o conteúdo próprio e essencial do princípio da igualdade jurídica tal como pensado e aplicado, democraticamente, no Direito Constitucional Contemporâneo. (...) é um dos instrumentos possibilitadores da superação do problema do não cidadão, daquele que não participa política e democraticamente como lhe é na letra da lei fundamental assegurado, porque não se lhe reconhecem os meios efetivos para se igualar com os demais. Cidadania não combina com desigualdade. República não combina com preconceito. Democracia não combina com discriminação.”[47]

É irrefutável, portanto, que a Constituição vigente conferiu novo conteúdo ao princípio da igualdade, autorizando a adoção de ações afirmativas quando necessárias. Convém realçar que a ação afirmativa– na terminologia europeia discriminação positiva– surgiu nos Estados Unidos como política pública ou privada que visa não só à concretização do princípio da igualdade material, mas também à mitigação e neutralização dos efeitos da discriminação racial, de gênero, de idade, de nacionalidade.

Nas palavras de Joaquim Barbosa Gomes, a discriminação positiva ou ação afirmativa:

“(...) consiste em dar tratamento preferencial a um grupo historicamente discriminado, de modo a inseri-lo no ‘mainstream’, impedindo assim que o princípio da igualdade formal, expresso em leis neutras que não levam em consideração os fatores de natureza cultural e histórica, funcione na prática como mecanismo perpetuador da desigualdade. Em suma, cuida-se de dar tratamento preferencial, favorável, àqueles que historicamente foram marginalizados, de sorte a colocá-los em um nível de competição similar ao daqueles que historicamente se beneficiaram da sua exclusão. Essa modalidade de discriminação, de caráter redistributivo e restaurador, destinada a corrigir uma situação de desigualdade historicamente comprovada, em geral se justifica pela sua natureza temporária e pelos objetivos sociais que se visa com ela a atingir.”[48]

Saliente-se, por oportuno, que as ações afirmativas substanciam medidas excepcionais, temporárias, adequadas e, por isso, suficientes (e, então, proporcionais) para a garantiada igualação almejada com a ruptura dos preconceitos ou para a superação da discriminação.

Aliás, como bem ressalta Fábio Konder Comparato, a acusação geral feita às affirmative actions “é a de que esse tipo de remédio jurídico, quando admitido como algo de normal e rotineiro e não como medida excepcional, acaba por instaurar uma discriminação inversa, isto é, da minoria contra a maioria, numa negação prática da igualdade perante a lei”.[49]

Adverte Carmem Lúcia Antunes Rocha que não se pretende com a ação afirmativa dar azo a novas discriminações, agora em desfavor das maiorias; os planos e programas de discriminação positiva devem, portanto, primar sempre pela adoção e fixação de percentuais mínimos garantidores da presença das minorias que por eles se buscavam igualar, com o objetivo de romper os preconceitos contra elas ou pelo menos de propiciar as condições para sua superação em face da convivência juridicamente obrigada.[50]

Entre as três grandes nações ocidentais (Estados Unidos, África do Sul, Brasil) marcadas pela agudeza das desigualdades sociais fundadas no fator racial, o Brasil não é o país que apresenta menos desigualdades.

Diante da situação, é não só justificável, mas exigível, a implementação de ações afirmativas (temporárias e proporcionais), não implicando necessariamente a adoção de cotas. Tais mecanismos, reitere-se, indiscutivelmente contribuem, quando bem geridos, para mitigar a desigualdade escandalosa e superar o apartheid informal ainda encontrável na sociedade brasileira, tudo conforme exige a Constituição compreendida como reserva de justiça.[51]


4. Referências bibliográficas

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Notas

[2] Conforme o artigo 1º, caput, da Constituição Federal de 1988. A Constituição Alemã, promulgada em maio de 1949, dispõe no art. 20.1. “A República Federal da Alemanha é um Estado Federal, democrático e social”. Na Constituição de 1978, art. 1º, o Constituinte espanhol fixou que a “Espanha se constitui em um Estado Social e Democrático de Direito (...)”. Quanto à Constituição Portuguesa de 1976, no art. 2º, preceitua que “A República Portuguesa é um Estado de direito democrático (...)”.

[3] Sobre o tema, conferir: CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição de 1988. São Paulo: Forense Universitária, 1989. p. 74-80. Tomo I, arts. 1º a 5º, LXVII.

[4] Sobre a questão ver nosso posicionamento em: CLÈVE, Clèmerson Merlin. Atividade legislativa do poder executivo. 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 138-139.

[5] VELASCO, Marina. O que é Justiça. O justo e o injusto na pesquisa filosófica. Rio de Janeiro: Vieira & Lent, 2009. p. 55.

[6] VELASCO, Marina. O que é Justiça. p. 91.

[7] VELASCO, Marina. O que é Justiça. p. 91.

[8] Cf. RAWLS, John. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

[9] SANDEL, Michael J. Justiça: o que é fazer a coisa certa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012. p. 188.

[10] Como relata Will Kymlicka: “Rawls, porém, começa seu livro queixando-se de que a teoria política estava presa entre dois extremos: o utilitarismo, por um lado, e uma mixórdia incoerente de idéias e princípios, por outro lado. Rawls chama ‘intuicionismo’ esta segunda opinião, uma abordagem que é pouco mais do que uma série de anedotas baseadas em intuições específicas a respeito de questões específicas” (KYMLICKA, Will. Filosofia política contemporânea: uma introdução. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 64). Expõe Roberto Gargarella que: “Rawls, como muitos outros liberais, defenderá uma concepção não-conseqüencialista (‘deontológica’), isto é, uma concepção segundo a qual a correção moral de um ato depende das qualidades intrínsecas dessa ação – e não, como ocorre nas posturas ‘teleológicas’, de suas conseqüências, de sua capacidade para produzir certo estado de coisas previamente avaliado” (GARGARELLA, Roberto. As teorias da justiça depois de Rawls: um breve manual de filosofia política. São Paulo: Martins Fontes, 2008. p. 3-4).

[11] GARGARELLA, Roberto. As teorias da justiça depois de Rawls. p. 23.

[12] De acordo com Kymlicka: “O utilitarismo, na sua formulação mais simples, afirma que o ato ou procedimento moralmente correto é aquele que produza a maior felicidade para os membros da sociedade” (KYMLICKA, Will. Filosofia política contemporânea. p. 11).

[13] SANDEL, Michael J. Justiça.  p. 191.

[14] Cf. DUBET, François. Repensar la justicia social: contra el mito de la igualdad de oportunidades. Buenos Aires: Siglo XXI, 2011. De acordo com Kylimcka: “A visão prevalecente sugere que remover as desigualdades sociais dá a cada pessoa uma oportunidade igual de adquirir benefícios sociais e, portanto, sugere que quaisquer diferenças de renda entre indivíduos são obtidas pelo trabalho, o produto do esforço ou das escolhas das pessoas. Os naturalmente deficientes, porém, não têm uma oportunidade igual de adquirir benefícios sociais e sua falta de sucesso não tem nenhuma relação com suas escolhas ou esforço. Se estamos genuinamente interessados em remover desigualdades imerecidas, então, a visão prevalecente de igualdade de oportunidades é inadequada” (KYMLICKA, Will. Filosofia política contemporânea. p. 72).

[15] Cf. RAWLS, John. Uma teoria da justiça.

[16] Cf. HOLMES, Stephen; SUNSTEIN, Cass R. El costo de los derechos. Buenos Aires: Siglo Veintiuno, 2011.

[17] VELASCO, Marina. O que é Justiça. p. 95.

[18] Possivelmente, o aspecto mais original na teoria da justiça de Ronald Dworkin seja sua proposta de uma comunidade liberal, em que se forma a figura do “liberal integrado”, o qual não separa sua vida privada da vida pública. “Ele considera a própria vida desvalorizada – uma vida menos virtuosa do que poderia ter – se vive em uma comunidade injusta, por mais que tente fazê-la justa. Essa fusão de moralidade política e interesse próprio crítico parece constituir o verdadeiro ponto nevrálgico do republicanismo cívico, a maneira importante como os indivíduos devem fundir seus interesses e sua personalidade à comunidade política. Ela afirma um ideal nitidamente liberal, que só pode florescer dentro de uma sociedade liberal. Não posso garantir, obviamente, que uma sociedade de cidadãos integrados gere inevitavelmente uma sociedade mais justa do que uma comunidade não integrada. A injustiça é conseqüência de muitos outros fatores – de falta de energia ou esforço, fraqueza de vontade, erro filosófico” (DWORKIN, Ronald. A virtude soberana: a teoria e a prática da igualdade. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 324). Ainda, sobre sua tese conciliadora do republicanismo e do liberalismo, trata o autor: “Uma ética geral competente precisa reconciliar esses dois ideais. Eles só podem ser adequadamente reconciliados, porém, quando a política tiver êxito na distribuição dos recursos da maneira que a justiça exige. Realizada a distribuição justa, então os recursos controlados pelas pessoas são moral e também legalmente seus; usá-los como desejam, e como os apegos e os projetos especiais requerem, não deprecia seu reconhecimento de que todos os cidadãos têm direito a um quinhão justo. Porém, quando a injustiça é substancial, as pessoas que se sentem atraídas por ambos os ideais – dos projetos e apegos pessoais de um lado, e a igualdade de consideração política do outro – são colocadas em uma espécie de dilema ético. Precisam comprometer um dos ideais, e cada direção dessa transigência obstrui o êxito crítico de sua vida” (DWORKIN, Ronald. A virtude soberana. p. 327-328).

[19] GÉNÉREUX, Jacques. Les vrais lois de l’économie. Paris: Éditions du Seuil, 2005. p.116.

[20] GÉNÉREUX, Jacques. Les vrais lois de l’économie. p. 116-117. (tradução livre).

[21] SEN, Amartya. Repenser l’inegalité. Paris: Éditions Le Seuil, 2000. Também: SEN, Amartya. Desigualdade reexaminada. Rio de Janeiro: Record, 2008 e SEN, Amartya. A ideia de Justiça. Coimbra: Almedina, 2010.

[22] VELASCO, Marina. O que é Justiça. p. 101.

[23] HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: Editora 34, 2003.

[24] FRASER, Nancy. Redistribuição, reconhecimento e participação. Por uma concepção integrada da Justiça. In: SARMENTO, Daniel, IKAWA, Daniela e PIOVESAN, Flávia (Coords.). Igualdade, diferença e direitos humanos. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. p. 167-189.

[25] Veja-se o caso Sweatt vs. Painter (1950), proveniente de um caso de segregação racial da Faculdade de Direito da Universidade do Texas em que foi negada, no ano 1946, a admissão a Heman Marin Sweatt pelo fato da universidade não admitir alunos negros. Este caso se tornou um marco para a Suprema Corte e junto com outras ações como Brown vs. Board of Education (1954), em que a Suprema Corte declarou inconstitucionais as leis que estabeleciam escolas públicas separadas para negros e brancos, com fundamento na 14ª Emenda da Constituição dos Estados Unidos que prevê a igual proteção aos cidadãos, nos seguintes termos: “Todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos, e sujeitas a sua jurisdição, são cidadãos dos Estados Unidos e do Estado onde tiver residência. Nenhum Estado poderá fazer ou executar leis restringindo os privilégios ou as imunidades dos cidadãos dos Estados Unidos; nem poderá privar qualquer pessoa de sua vida, liberdade, ou bens sem processo legal, ou negar a qualquer pessoa sob sua jurisdição a igual proteção das leis.”.

[26] DWORKIN, Ronald. A virtude soberana. p. 544-545.

[27] DWORKIN, Ronald. A virtude soberana. p. 574.

[28] DWORKIN, Ronald. A virtude soberana. p. 584.

[29] DWORKIN, Ronald. Why Bakke has no case. In: New York Review of Books, vol. 24, 1977. Segundo Sandel: “Candidatos preteridos como Hopwood podem não considerar essa distinção satisfatória, mas ela realmente demonstra certa força moral. A faculdade de direito não afirma que Hopwood seja inferior ou que a minoria dos alunos admitidos em seu detrimento mereça o privilégio que ela não mereceu. Ela diz apenas que a diversidade racial e étnica em sala de aula e nos tribunais serve aos propósitos educacionais da faculdade de direito. E, embora a realização de tais propósitos viole de certa forma os direitos dos perdedores, os candidatos preteridos não podem alegar legitimamente que foram tratados de forma injusta” (SANDEL, Michael J. Justiça. p. 219).

[30] Segundo o relator Ministro Ricardo Lewandowski: “Para possibilitar que a igualdade material entre as pessoas seja levada a efeito, o Estado pode lançar mão seja de políticas de cunho universalista, que abrangem um número indeterminado de indivíduos, mediante ações de natureza estrutural, seja de ações afirmativas, que atingem grupos sociais determinados, de maneira pontual, atribuindo a estes certas vantagens, por um tempo limitado, de modo a permitir-lhes a superação de desigualdades decorrentes de situações históricas particulares. (...) Dentre as diversas modalidades de ações afirmativas, de caráter transitório, empregadas nos distintos países destacam-se: (i) a consideração do critério de raça, gênero ou outro aspecto que caracteriza certo grupo minoritário para promover a sua integração social; (ii) o afastamento de requisitos de antiguidade para a permanência ou promoção de membros de categorias socialmente dominantes em determinados ambientes profissionais; (iii) a definição de distritos eleitorais para o fortalecimento minorias; e (iv) o estabelecimento de cotas ou a reserva de vagas para integrantes de setores marginalizados. (...) Isso posto, considerando, em especial, que as políticas de ação afirmativa adotadas pela Universidade de Brasília (i) têm como objetivo estabelecer um ambiente acadêmico plural e diversificado, superando distorções sociais historicamente consolidadas, (ii) revelam proporcionalidade e a razoabilidade no concernente aos meios empregados e aos fins perseguidos, (iii) são transitórias e prevêem a revisão periódica de seus resultados, e (iv) empregam métodos seletivos eficazes e compatíveis com o princípio da dignidade humana, julgo improcedente esta ADPF.”.

[31] Nos Estados Unidos há mais de cinco décadas admitiu-se que a raça seja utilizada como critério para o ingresso nas universidades, contudo, esta ação afirmativa foi vetada em alguns estados (Washington, 1998; Califórnia, 1997; Arizona, 2010; Michigan, 2001; Nebraska, 2008), enquanto que em outros a questão está em discussão (Nebraska).

[32] Sobre a questão remete-se a artigo de Daniela Ikawa que defende um direito à redistribuição por políticas de ação afirmativa para negros em universidades: IKAWA, Daniela. Direito às Ações Afirmativas em Universidades Brasileiras. In: SARMENTO, Daniel; IKAWA, Daniela; PIOVESAN, Flávia (Coords.). Igualdade, Diferença e Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

[33] Luiz Alberto David Araujo observa que: “Trata-se de política pública bem determinada, que viu na possibilidade de as pessoas portadoras de deficiência ingressarem no serviço público uma forma de compensação pelas gerações de discriminados, marginalizados pelas políticas governamentais. E uma forma de incluir esse grupo de pessoas. Por tal razão, a Constituição tratou de garantir o direito material à igualdade. Criou distinção para permitir que, com o tempo, haja a integração desse grupo de pessoas.” (ARAUJO, Luiz Alberto David. A Proteção Constitucional das Pessoas Portadoras de Deficiência: Algumas Dificuldades para Efetivação de Direitos. In: SARMENTO, Daniel; IKAWA, Daniela; PIOVESAN, Flávia (Coords.). Igualdade, Diferença e Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.  p. 915).

[34] De acordo com a Lei 7.853/1989: “Art. 2º Ao Poder Público e seus órgãos cabe assegurar às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive dos direitos à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à previdência social, ao amparo à infância e à maternidade, e de outros que, decorrentes da Constituição e das leis, propiciem seu bem-estar pessoal, social e econômico. Parágrafo único. Para o fim estabelecido no caput deste artigo, os órgãos e entidades da administração direta e indireta devem dispensar, no âmbito de sua competência e finalidade, aos assuntos objetos esta Lei, tratamento prioritário e adequado, tendente a viabilizar, sem prejuízo de outras, as seguintes medidas: I - na área da educação: a) a inclusão, no sistema educacional, da Educação Especial como modalidade educativa que abranja a educação precoce, a pré-escolar, as de 1º e 2º graus, a supletiva, a habilitação e reabilitação profissionais, com currículos, etapas e exigências de diplomação próprios; b) a inserção, no referido sistema educacional, das escolas especiais, privadas e públicas; c) a oferta, obrigatória e gratuita, da Educação Especial em estabelecimento público de ensino; d) o oferecimento obrigatório de programas de Educação Especial a nível pré-escolar, em unidades hospitalares e congêneres nas quais estejam internados, por prazo igual ou superior a 1 (um) ano, educandos portadores de deficiência; e) o acesso de alunos portadores de deficiência aos benefícios conferidos aos demais educandos, inclusive material escolar, merenda escolar e bolsas de estudo; f) a matrícula compulsória em cursos regulares de estabelecimentos públicos e particulares de pessoas portadoras de deficiência capazes de se integrarem no sistema regular de ensino; II - na área da saúde: a) a promoção de ações preventivas, como as referentes ao planejamento familiar, ao aconselhamento genético, ao acompanhamento da gravidez, do parto e do puerpério, à nutrição da mulher e da criança, à identificação e ao controle da gestante e do feto de alto risco, à imunização, às doenças do metabolismo e seu diagnóstico e ao encaminhamento precoce de outras doenças causadoras de deficiência; b) o desenvolvimento de programas especiais de prevenção de acidente do trabalho e de trânsito, e de tratamento adequado a suas vítimas; c) a criação de uma rede de serviços especializados em reabilitação e habilitação; d) a garantia de acesso das pessoas portadoras de deficiência aos estabelecimentos de saúde públicos e privados, e de seu adequado tratamento neles, sob normas técnicas e padrões de conduta apropriados; e) a garantia de atendimento domiciliar de saúde ao deficiente grave não internado; f) o desenvolvimento de programas de saúde voltados para as pessoas portadoras de deficiência, desenvolvidos com a participação da sociedade e que lhes ensejem a integração social; III - na área da formação profissional e do trabalho: a) o apoio governamental à formação profissional, e a garantia de acesso aos serviços concernentes, inclusive aos cursos regulares voltados à formação profissional; b) o empenho do Poder Público quanto ao surgimento e à manutenção de empregos, inclusive de tempo parcial, destinados às pessoas portadoras de deficiência que não tenham acesso aos empregos comuns; c) a promoção de ações eficazes que propiciem a inserção, nos setores públicos e privado, de pessoas portadoras de deficiência; d) a adoção de legislação específica que discipline a reserva de mercado de trabalho, em favor das pessoas portadoras de deficiência, nas entidades da Administração Pública e do setor privado, e que regulamente a organização de oficinas e congêneres integradas ao mercado de trabalho, e a situação, nelas, das pessoas portadoras de deficiência; IV - na área de recursos humanos: a) a formação de professores de nível médio para a Educação Especial, de técnicos de nível médio especializados na habilitação e reabilitação, e de instrutores para formação profissional; b) a formação e qualificação de recursos humanos que, nas diversas áreas de conhecimento, inclusive de nível superior, atendam à demanda e às necessidades reais das pessoas portadoras de deficiências; c) o incentivo à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico em todas as áreas do conhecimento relacionadas com a pessoa portadora de deficiência; V - na área das edificações: a) a adoção e a efetiva execução de normas que garantam a funcionalidade das edificações e vias públicas, que evitem ou removam os óbices às pessoas portadoras de deficiência, permitam o acesso destas a edifícios, a logradouros e a meios de transporte.” Guilherme José Purvin de Figueiredo relata que: “No âmbito do Direito do Trabalho, com base na Lei n. 7.853/89, a partir de 1989 tornou-se possível a propositura de ação civil pública (ou coletiva) em defesa de trabalhadores portadores de deficiência, objetivando, por exemplo, a construção de rampas para acesso de trabalhadores paraplégicos ao local de trabalho” (FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. A pessoa portadora de deficiência e o princípio da igualdade de oportunidades no direito do trabalho. In: FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Direitos da pessoa portadora de deficiência. São Paulo: Max Limonad, 1997. p. 58). No Estado do Paraná, há um anteprojeto de Lei do Estatuto da Pessoa com Deficiência, o qual foi amplamente debatido com a comunidade em geral e com o grupo específico de interessados. O anteprojeto de lei e seu processo de discussão se encontram no procedimento administrativo 11.167.114-1/PR.

[35] Um exemplo relativo à questão de gênero pode ser observado na Corte Constitucional Alemã: “O Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Federal Alemão), em decisão de 28 de janeiro de 1987, julgou conforme à Constituição um dispositivo legislativo que previa que as mulheres poderiam se aposentar na idade de 60 anos, ao passo que os homens só se aposentariam aos 65 anos, sob o fundamento de que a diferença de tratamento seria necessária para compensar a dupla jornada a que estão submetidas: a de seus trabalhos assalariados e a familiar, como mães e donas de casa. Em outra oportunidade, em aresto de 28 de janeiro de 1992, o Tribunal declarou a constitucionalidade de uma discriminação positiva favorável às mulheres que consistia na proibição de trabalho feminino noturno, fundado no art. 3º, alínea II da Constituição (...)” (SILVA, Fernanda D. L. Lucas da. Princípio Constitucional da Igualdade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 69).

[36] Como anota Oscar Vilhena Vieira: “Caso se aceite a idéia da Constituição como ‘reserva de justiça’, como ponto de encontro entre a moralidade política e o direito positivo, então seus intérpretes e aplicadores serão obrigados a utilizar métodos jurídicos e argumentativos de interpretação toda vez que se virem frente a um caso regido por princípios não plenamente densificados pelo processo de positivação constituinte, toda vez que tiverem que decidir se uma determinada reforma favorece ou desfavorece a realização do princípio da separação dos Poderes ou dos direitos fundamentais. Assim, após levar em consideração a Constituição como lei, por intermédio dos diversos métodos de interpretação que auxiliam na redução da discricionariedade judicial, a doutrina e os precedentes, deve o intérprete constitucional recorrer aos princípios da argumentação racional para alcançar a devida compreensão do conteúdo aberto das cláusulas superconstitucionais, que constituem aspirações a uma ordem justa incorporadas pela própria Constituição” (VIEIRA, Oscar Vilhena. A Constituição e sua reserva de justiça: um ensaio sobre os limites materiais ao poder de reforma. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 237-238).

[37] BARBOSA GOMES, Joaquim B. Ação afirmativa & principio constitucional da igualdade. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 2.

[38] COMPARATO, Fábio Konder. Igualdade, desigualdades. In: Revista Trimestral de Direito Público, v. 93. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 69.

[39] ANTUNES ROCHA, Carmem Lúcia. Ação afirmativa: o conteúdo democrático do princípio da igualdade jurídica. In: Revista Trimestral de Direito Público, n. 15, 1996. p. 86.

[40] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. São Paulo: Malheiros, 1999.p. 21.

[41] Deve-se ter o cuidado de não confundir as discriminações positivas, que procuram emancipar minorias marginalizadas, com as discriminações sem justificativas, também chamadas de “odiosas”, como observa Fernanda D. L. Lucas da Silva: “(...) o leading case nesse campo é Skinner versus Oklahoma, 313 U.S. 535 (1942): (...) no qual a Suprema Corte dos Estados Unidos invalidou lei estadual de odiosa inspiração ‘lombrosiana’ que estabelecia a esterilização dos condenados reincidentes por crimes apenados com reclusão e que envolvessem torpeza moral (felonies involving moral turpitude). Ao declarar a inconstitucionalidade de tal estatuto o órgão máximo do Judiciário americano entendeu que o direito de procriar configura uma liberdade individual insubtraível e que, portanto, qualquer interferência legislativa em seu domínio somente pode justificar-se por motivos superiores e imperiosos, o que, à evidência não ocorria na espécie. Registra Hall (...) que a Suprema Corte determinou que algumas classificações são suspeitas, como, por exemplo, raça e religião, e portanto legislação discriminatória contra minorias raciais e grupos religiosos dificilmente são sustentáveis” (SILVA, Fernanda D. L. Lucas da. Princípio Constitucional da Igualdade. p. 96-97.).

[42] BARBOSA GOMES, Joaquim B. Ação afirmativa & principio constitucional da igualdade.p. 36-37.

[43] FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. A Construção da Igualdade e o Sistema de Justiça no Brasil: alguns caminhos e possibilidades. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 54.

[44] BARBOSA GOMES, Joaquim B. Ação afirmativa & principio constitucional da igualdade. p. 8. No mesmo sentido veja-se a lição de Fernanda D. L. Lucas da Silva: “Desde então, ação afirmativa passou a significar a exigência de favorecimento de algumas minorias socialmente inferiorizadas, vale dizer, juridicamente desigualadas, por preconceitos arraigados culturalmente e que precisavam ser superados para que se atingisse a eficácia da igualdade preconizada e assegurada constitucionalmente na principiologia dos direitos fundamentais. Com efeito, a mutação produzida no conteúdo daquele princípio, a partir da adoção da ação afirmativa, determinou a implantação de planos e programas governamentais e particulares pelos quais as denominadas minorias sociais passavam a ter necessariamente, percentuais de oportunidades, de empregos, de cargos, de espaços sociais, políticos, econômicos, enfim nas entidades públicas e privadas” (SILVA, Fernanda D. L. Lucas da. Princípio Constitucional da Igualdade. p. 63).

[45] ANTUNES ROCHA, Carmem Lúcia. Ação afirmativa: o conteúdo democrático do princípio da igualdade jurídica. p. 90.

[46] ANTUNES ROCHA, Carmem Lúcia. Ação afirmativa: o conteúdo democrático do princípio da igualdade jurídica. p. 91-92.

[47] ANTUNES ROCHA, Carmem Lúcia. Ação afirmativa: o conteúdo democrático do princípio da igualdade jurídica. p. 99.

[48] BARBOSA GOMES, Joaquim B. Ação afirmativa & principio constitucional da igualdade. p. 22.

[49] BARBOSA GOMES, Joaquim B. Ação afirmativa & principio constitucional da igualdade. p. 77-78.

[50] ANTUNES ROCHA, Carmem Lúcia. Ação afirmativa: o conteúdo democrático do princípio da igualdade jurídica. p. 88.

[51] A Lei 12.990, sancionada em 09 de junho de 2014, complementa a política de ações afirmativas inaugurada com o Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288, de 20 de julho de 2010). A referida lei dispõe sobre a obrigatoriedade da previsão da reserva de 20% das vagas em editais de concursos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União. Nota-se que a instituição dessa política de cotas é restrita à Administração Pública Federal, não alcançando os Poderes Judiciário e Legislativo da União, nem os demais entes federativos. Novos diplomas legislativos, certamente, mais adiante, contemplarão os demais Poderes da União e os Estados e Municípios com iniciativas análogas. A lei em questão, temporária nos termos do que prescreve o art. 6º, é evidentemente constitucional.


Autor

  • Clèmerson Merlin Clève

    Professor Titular de Direito Constitucional da Universidade Federal do Paraná. Professor Titular de Direito Constitucional do Centro Universitário Autônomo do Brasil - UniBrasil. Professor Visitante dos Programas Máster Universitario en Derechos Humanos, Interculturalidad y Desarrollo e Doctorado en Ciencias Jurídicas y Políticas da Universidad Pablo de Olavide, em Sevilha, Espanha. Pós-graduado em Direito Público pela Université Catholique de Louvain – Bélgica. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Doutor em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Líder do NINC – Núcleo de Investigações Constitucionais em Teorias da Justiça, Democracia e Intervenção da UFPR. Autor de diversas obras, entre as quais se destacam: Doutrinas Essenciais - Direito Constitucional, Vols. VII - XI, RT (2015); Doutrina, Processos e Procedimentos: Direito Constitucional, RT (Coord., 2015); Direitos Fundamentais e Jurisdição Constitucional, RT (Co-coord., 2014) - Finalista do Prêmio Jabuti 2015; Direito Constitucional Brasileiro, RT (Coord., 3 volumes, 2014); Temas de Direito Constitucional, Fórum (2.ed., 2014); Fidelidade partidária, Juruá (2012); Para uma dogmática constitucional emancipatória, Fórum (2012); Atividade legislativa do poder executivo, RT (3. ed. 2011); Doutrinas essenciais – Direito Constitucional, RT (2011, com Luís Roberto Barroso, Coords.); O direito e os direitos, Fórum (3. ed. 2011); Medidas provisórias, RT (3. ed. 2010); A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, RT (2. ed. 2000). Foi Procurador do Estado do Paraná e Procurador da República. Advogado e Consultor na área de Direito Público.

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Informações sobre o texto

A primeira versão deste texto deriva de parecer elaborado para o Instituto dos Advogados do Brasil e foi, originalmente, publicada na A&C. Revista de Direito Administrativo e Constitucional (Impresso), Belo Horizonte, v. 1, n. 11, p. 29-38, 2003. Posteriormente, o trabalho serviu de base para Conferência proferida no Congresso Brasileiro de Direito Administrativo realizado em Belo Horizonte no ano de 2010 e para a obra Temas de Direito Constitucional, 2.ed., Belo Horizonte: Fórum, 2014, do mesmo autor. A presente versão incorpora valiosas sugestões dos professores e advogados Melina Breckenfeld Reck, Ana Lúcia Pretto Pereira e Bruno Meneses Lorenzetto.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CLÈVE, Clèmerson Merlin. Ações afirmativas, justiça e igualdade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4416, 4 ago. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/36521. Acesso em: 26 abr. 2024.