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A constitucionalidade da taxa de juros segundo o Sistema Especial de Liquidação e Custódia (SELIC) em matéria tributária

A constitucionalidade da taxa de juros segundo o Sistema Especial de Liquidação e Custódia (SELIC) em matéria tributária

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Sumário: 1. Introdução – histórico. 2. O Art. 192, § 3.º. 3. Princípio da legalidade tributária. 4. Recomposição do patrimônio do Estado. 5. Princípio da indelegabilidade da competência tributária. 6. Art. 161 do CTN. 7. Conclusão.


1. INTRODUÇÃO – HISTÓRICO

Já não é recente a discussão acerca da utilização de determinadas taxas de juros, principalmente no que diz respeito à taxa SELIC. Têm sido acalorados os debates a respeito do tema em apreço, estendendo-se por diversas disciplinas do arcabouço jurídico pátrio, principalmente no que tange ao direito tributário.

A confirmar o que as asserções supra discorridas indicam, tem-se o fato de a inconstitucionalidade da taxa SELIC ter sido argüida, há pouco, no Egrégio Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial 215.881 – PR, relatado pelo eminente Ministro Domingos Franciulli Neto. É o que consta da locução da ementa da referida insurgência recursal:

"TRIBUTÁRIO. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO. APLICAÇÃO DA TAXA SELIC. ART.39, § 4O, DA LEI 9.250/95. ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE.

(...)

II – Taxa SELIC, indevidamente aplicada como sucedâneo de juros de moratórios, quando na realidade possui natureza de juros remuneratórios, sem prejuízo de sua conotação de correção monetária.

III – impossibilidade de se equiparar os contribuintes com os aplicadores; estes praticam ato de vontade; aqueles são submetidos coercitivamente a ato de império.

IV – Aplicada a Taxa SELIC há aumento de tributo sem lei específica a respeito, o que vulnera o art. 150, inciso I, da Constituição Federal.

(...)."

(Resp. 215.881 – 1a Turma – Relator: Min. Franciulli Neto)

Cumpre, pois, elucidar que o objeto do presente ensaio repousa no exame da taxa em questão em matéria tributária, a fim de que seja consolidada posição dissonante em relação ao entendimento acostado à ementa acima transcrita. Para tanto, é de se argüir questões referentes à criação do Sistema Especial de Liquidação e Custódia – SELIC, sua consagração no ordenamento jurídico brasileiro e, ademais, a sua conformidade com o que estatuem as regras insculpidas nos princípios constitucionais que informam o direito tributário nacional.

Desta feita, convém ingressar no exame do histórico da taxa SELIC, a fim de fixar-se um espeque temporal a ser utilizado no decorrer deste estudo, colimando-o, por conseguinte, com sua conceituação. Com efeito, a Resolução n.º 1.124/86 do Conselho Monetário Nacional a instituiu, dispondo que é o rendimento definido pela taxa média ajustada dos financiamentos apurados no Sistema Especial de Liquidação e Custódia, calculado sobre o valor nominal e pago no resgate do título.

É verdadeira "questão de ordem" aferirmos a sistemática pela qual se chega ao valor da taxa SELIC, posto que conducente à negociação de títulos públicos, motivo pelo qual é regulada pelo Banco Central do Brasil jungido ao seu Comitê de Política Monetária.

Mister se faz, pois, verificarmos que duas são as maneiras de negociação de títulos públicos. A primeira condiz ao mercado primário, caracterizada pela emissão pelo próprio Estado. É, por conseguinte, a negociação básica dos títulos públicos, onerada pelo próprio Estado, a fim de estabilizar as intempéries das operações financeiras, como medida de estratégia econômica. Mormente, esses título emitidos são adquiridos por instituições financeiras, fazendo com que exsurja o mercado secundário.

O mencionado mercado secundário, por seu turno, é composto por títulos já emitidos, porém negociados entre instituições financeiras, através do Banco Central. É também conhecido como open market. Nessas operações o investidor compra o título para revendê-lo no dia seguinte. O valor dos juros pagos forma o juro primário da economia, valendo de referência para todas as demais taxas de juros. De outro lado, a taxa que é diária no overnight é acumulada dentro do mês para obtenção da taxa mensal.

Assim, a taxa SELIC é conformada pelo valor mensal dos juros pagos na negociação dos títulos emitidos pelo Estado e negociados por instituições financeiras. É de se asseverar que a referida taxa obtida, conforme observou-se, pela negociação entre as instituições financeiras dos títulos emitidos pelo Estado, remunera o capital, como é basilar em se tratando de uma taxa de juros e, ademais, financia o déficit Estatal, quando da emissão dos valores titulares pelo ente público.

Ultrapassada a questão condizente à criação e sistemática da taxa, cumpre aduzir que o próprio BACEN definiu a SELIC, por intermédio de suas circulares de n.º 2868/99 e 2900/99. O § 1.º do art. 2.º da Resolução n.º 2.868, extraída de sessão realizada em 04 de março de 1999, na Diretoria do Banco Central, define a taxa em questão:

"Art. 2.º - omissis

Par. 1.º Define-se Taxa SELIC como a taxa media ajustada dos financiamentos diários apurados no Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC) para títulos federais."

A Resolução n.º 2.900 de 24 de junho de 1999, também em seu art. 1.º, §2.º, dá a mesma definição para a taxa de juros segundo o Sistema Especial de Liquidação e Custódia – SELIC, constante do dispositivo supra transcrito.

Desse modo, a taxa de juros criada em 1986 e devidamente regrada e conceituada em 1999, conforme a exegese acima realizada, tem se prestado a fundamentar os juros em diversas situações da atividade econômica e, em especial, no cotidiano tributário. Assim, é passível de sobrevir certa indagação a respeito da legitimidade, maxime da constitucionalidade do "índice" em tela, vez que abrange certos campos do direito positivo brasileiro que, não poucas vezes, são brindados com discussões acerca da utilização de tal taxa.


2. O ART. 192, § 3.º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

É mister, antes de quaisquer outras elucidações, obtemperar o motivo pelo qual fala-se em "constitucionalidade" no presente ensaio. O objeto dos esclarecimentos infra dispostos dizem respeito à conformidade com o que consagra a Carta Magna de 05 de outubro de 1988. Assim, cumpre examinar, a priori, a questão em plano estritamente constitucional, cotejando o objeto dessa impugnação com o que estatui o artigo 192, § 3º. da Constituição Federal, visto que tal dispositivo faz menção expressa às taxas de juros.

Convém apor o que o referido dispositivo estabelece:

"Art. 192 – omissis

§ 3º - As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar." (grifo nosso)

A inteligência do dispositivo supra transcrito deflagra situação peculiar e específica, qual seja a concernente à concessão de crédito. É hialino, pois, que em referida operação deve imperar o mandamento constitucional contido na norma em apreço. Todavia, as relações jurídicas erigidas de obrigações tributárias inadimplidas, não condizem à concessão de crédito. A relação Estado – contribuinte é estritamente tributária, emergindo do não pagamento de tributos que, por seu turno, não representam, em hipótese alguma, "concessão de crédito". Pelo contrário, a obrigação tributária, constituída em crédito tributário através do lançamento, é que não foi satisfeita pelo sujeito passivo da relação, pelo contribuinte.

Desta feita, resta por autorizada a incidência de taxa de juros diversa da que consta do dispositivo supra mencionado, por ocasião de a relação que se observa na cobrança de tributos não configurar a concessão de crédito, expressa na norma em apreço.

O § 3.º do art. 192 da CF/88 refere-se, expressamente, à concessão de crédito, o que leva à conclusão de se tratar de "empréstimo pecuniário". Nesta acepção, não abrange cobrança, restituição, ou compensação de tributo, o que enseja outras situações jurídicas e limites diversos.

Por razões de autenticidade de significado, princípio que é da interpretação constitucional, não é razoável estender o mandamento consignado na referida norma às relações nas quais os pólos são preenchidos pelo Estado, de um lado, e o contribuinte impontual de outro.

A complementar nosso entendimento, vale lembrar que o STF, ao julgar a Adin 4-7-DF, decidiu que o § 3º do artigo 192 não é auto-executável, necessitando de regulamentação. Consequentemente são admissíveis quaisquer índices de juros. E, pois, quem se sentir prejudicado pela inexistência de norma regulamentadora do referido dispositivo magno, deve fazer uso da via adequada a propiciar o respaldo normativo, do qual a mencionada norma constitucional ainda não foi investida. Assim, os instrumentos hábeis a resguardar tal situação seriam a ação direta de inconstitucionalidade por omissão e o mandado de injunção, e não o constante constrangimento da utilização da taxa de juros segundo o SELIC, através de fundamentações malogradas.

Talvez, seria mais frutífera a impugnação das taxas de juros bancários, uma vez que perfazem percentuais absurdos e desregrados. Ad argumentandum tantum, deve ser lembrado tais taxas situam-se presentemente em uma média de 8,76% ao mês e não em 12%. Cite-se o resultado de pesquisa realizada pelo Procon/SP, publicada no site da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo [1]:

"O levantamento de taxa de juros bancários feito pela Fundação Procon-SP, órgão da Secretaria da Justiça do Governo do Estado de São Paulo, nos dias 7 e 8/10/2002 detectou que no caso do cheque especial a taxa média dos bancos 13 pesquisados manteve-se em 8,76% ao mês (sem alterações desde maio/2002) e a taxa média para o empréstimo pessoal foi de 5,68% ao mês (superior à de setembro, que foi de 5,63% ao mês, significando um acréscimo de 0,05 pontos percentuais).

A maior taxa mensal constatada para o cheque especial foi de 9,50 (BCN) e a menor foi de 7,95% (Nossa Caixa).

Com relação ao empréstimo pessoal a maior taxa mensal foi de 6,95% (Itaú) e a menor foi de 3,95% (Nossa Caixa). As altas verificadas foram promovidas no BBV e no Banco Real. O BBV alterou a taxa mensal de 4,40% para 4,80% (acréscimo de 0,40 pontos percentuais, representando variação de 9,09% em relação à taxa praticada em setembro). Já o Banco real modificou a taxa de 5,75% ao mês para 5,90% (acréscimo de 0,15 pontos percentuais, implicando em variação de 2,61%)."

Mormente, a oscilação de que é dotado o Sistema Especial de Liquidação e Custódia – SELIC, não se tem demonstrado tão volátil, perfazendo percentuais razoáveis, ante as constantes mudanças pelas quais passa, diariamente, o mercado financeiro. Vejamos:

Mês de referência

Fator mensal

Taxa anual equivalente

Fator acumulado do ano

Novembro/2001

1,01393438

19,05

1,15704991

Dezembro/2001

1,01393541

19,05

1,17317389

Janeiro/2002

1,01533959

19,05

1,01533959

Fevereiro/2002

1,01248215

18,97

1,02801321

Março/2002

1,01371332

18,72

1,04211070

Abril/2002

1,01483567

18,38

1,05757111

Maio/2002

1,01414989

18,37

1,07253563

Junho/2002

1,01329032

18,10

1,08678998

Julho/2002

1,01535434

18,17

1,10347693

Agosto/2002

1,01443404

17,84

1,11940456

Setembro/2002

1,01381266

17,89

1,13486652

Outubro/2002

1,01645925

19,59

1,15354557

Novembro/2002

1,01461167

20,05

1,17040080

FONTE: Banco Central do Brasil.


3. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA

Ultimamente, muito se tem discutido acerca da utilização da taxa SELIC na aplicação dos juros moratórios oriundos do não pagamento dos tributos devidos na data aprazada. O ponto de partida das considerações a respeito da taxa, reside no fato de que sua instituição não se deu por lei destinada a fins tributários.

O espeque magno de que se utiliza a corrente que impugna a constitucionalidade da SELIC, se reporta ao que estatui o princípio da legalidade tributária, consagrado no dispositivo do inciso I do artigo 150 da Constituição Federal, in verbis:

"Art. 150 – Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça."

Com efeito, o Poder Constituinte Originário destinou a lavratura de tal dispositivo a garantir que, sempre que o Poder Público almeje instituir ou majorar tributo, haja concordância, mesmo que indireta, do povo em relação à prática de tal ato. Corrobora o eminente Hugo de Brito Machado [2]:

"O princípio da legalidade pode ser entendido em dois sentidos, a saber: (a) o de que o tributo deve ser cobrado mediante o consentimento daqueles que o pagam, e (b) o de que o tributo deve ser cobrado segundo normas objetivamente, de sorte a garantir plena segurança nas relações entre o fisco e o contribuinte."

Assim, excetuadas as hipóteses de majoração de II, IE, IPI e IOF e instituição e majoração de impostos extraordinários, todos esses podendo ser objeto de Decreto, somente a lei configura o instrumento hábil à imposição de tal situação perante o contribuinte. E lei no sentido estrito da expressão, enquanto norma de caráter genérico e abstrato.

Porém, convém elucidar o fato de a taxa em apreço não conformar espécie de tributo. O Sistema Especial de Liquidação e Custódia não diz respeito à figura da taxa constante do dispositivo do artigo 5º. do Código Tributário Nacional, ficando excluído da abrangência do princípio constitucional da legalidade tributária. É o que consta do referido artigo do Diploma Tributário de 1966:

"Art. 5º. – Os tributos são impostos, taxas e contribuições de melhoria."

Aproveitando da inteligência do dispositivo supra transcrito, observa-se então, dentre as espécies de tributos, a taxa. Todavia, tal figura diz respeito a tributo que "é de competência comum federal, estadual ou municipal, mas somente pode ser arrecadada para custear o gasto com o exercício regular do poder de polícia ou com serviços públicos de respectiva atribuição, específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos efetivamente à sua disposição" [3].

Ademais, o próprio inciso II do art. 145 de nossa Carta Política esclarece o que é a taxa, enquanto espécie do gênero tributo:

"Art. 145 – A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição."

No entanto, se fosse possível enquadrar a taxa de juros em tela na figura constante do dispositivo supra transcrito, continuaria a não ocorrer violação ao princípio da legalidade tributária, posto que houve a devida regulação legislativa acerca da utilização da taxa SELIC em matéria tributária.

Demais disso, os que enveredam pela crítica da taxa de juros em questão costumam, afora a tentativa de configurá-la segundo a figura insculpida no inciso II do art. 145 da Constituição Federal, argumentar que a SELIC majora o tributo por modificar sua respectiva base de cálculo. Lançam mão, pois, do §1.º do art. 97 do CTN.

Todavia, é de se salientar que tal argumento é rechaçado pelo simples confronto com o que dispõe o dispositivo seguinte, qual seja o § 2.º do mesmo art. 97 do CTN. Disciplina:

"§ 2.º Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo."

Ora, é inconteste o intuito do legislador de 1966 ao confeccionar o dispositivo supra. Os juros, juntamente com a correção monetária, representam equiparação à situação que vigia ao tempo em que deveria ter sido adimplida a obrigação tributária. Alterados os valores pelo decurso do tempo, resultado da mora do contribuinte, há que se resguardar o direito do fisco de receber integralmente, de acordo com os valores atualizados.

Desta feita, não se nos revela possível enquadrar a taxa de juros segundo o SELIC como sendo espécie de tributo, comprometida com o mandamento do princípio da legalidade tributária. A oscilação de seu percentual, portanto, não configura majoração de tributo. Já no que tange à sua instituição, doravante, elucidaremos os diplomas normativos nos quais há a previsão da utilização do índice em apreço e, ademais, o fim a que se destinam.

Prosseguindo, no que diz respeito ao fim a que se destinou o ato normativo que instituiu a SELIC, cumpre lembrar o advento das leis 9.065/95 e 9.250/95, respectivamente em seus artigos 13 e 39:

Lei 9.065/95:

"Art. 13. A partir de 1º de abril de 1995, os juros de que tratam a alínea c do parágrafo único do art. 14 da Lei nº 8.847, de 28 de janeiro de 1994, com a redação dada pelo art. 6º da Lei nº 8.850, de 28 de janeiro de 1994, e pelo art. 90 da Lei nº 8.981, de 1995, o art. 84, inciso I, e o art. 91, parágrafo único, alínea a.2, da Lei nº 8.981, de 1995, serão equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC para títulos federais, acumulada mensalmente." (grifo nosso)

Lei 9.250/95:

"Art. 39 – (...)

§ 4º A partir de 1º de janeiro de 1996, a compensação ou restituição será acrescida de juros equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC para títulos federais, acumulada mensalmente, calculados a partir da data do pagamento indevido ou a maior até o mês anterior ao da compensação ou restituição e de 1% relativamente ao mês em que estiver sendo efetuada." (grifo nosso)

Ora, não há que se indagar a falta do ato normativo hábil (lei), nem o fim a que se destina uma lei que altera a legislação conducente ao IRPF – Imposto sobre a Renda da Pessoa Física. Demais disso, determina que eventuais compensações e restituições sejam acompanhadas da incidência de juros moratórios calculados segundo a SELIC.

É de se extrair tal entendimento, segundo o qual a mencionada lei se destina a regular situações que envolvem a disciplina tributária, através da simples leitura da ementa do referido ato normativo. Dela consta a seguinte expressão: "Altera a legislação do imposto de renda das pessoas físicas e dá outras providências".

Convém, pois, esclarecer trecho de manifestação provinda da respeitada Subprocuradora Geral da República, Yedda de Lourdes Pereira, aposta ao Recurso Especial n. 215.881/PR, do qual foi relator o Min. Domingos Franciulli Neto:

"7) A inconstitucionalidade do § 4º do artigo 39 da Lei 9.250, de 26.12.1995, que enseja a aplicação da Taxa Selic à compensação ou restituição de tributos seria, em resumo, formal e material. Tenta-se aplicar os princípios que regem os tributos à Taxa Selic, como se ela fosse dessa espécie.

8) Tributo, a toda evidência, são impostos, taxas e contribuição de melhoria, de competência concorrente da União, Estados e Municípios, com iniciativa privativa do Presidente da República, Governadores e Prefeitos (art. 24, I, e 145, § 1º, da C.F.). Taxa de juro é índice que tem sua criação sem o rigorismo exigido para os tributos, com respeito rígido apenas aos princípios da legalidade e anterioridade.

9) Se os dispositivos, ao disporem sobre a competência e iniciativa para criação de tributos, não condicionaram a atividade legislativa à lei complementar, deixando-a à legislação ordinária, como fazer tal exigência para a fixação de taxa de juros?

10) A resposta é dada pelo artigo 146 da Constituição, quando discrimina as hipóteses de exigência obrigatória de lei complementar.

Estas hipóteses se limitam a:

- dispor sobre conflitos de competência;

- limitações constitucionais ao poder de tributar;

- normas gerais em matéria de legislação tributária.

Em relação ao último item, estabelece o que deve integrar as normas gerais em matéria de legislação tributária e, em nenhum momento, condicionou a criação de tributos, de índices inflacionários ou de juros à lei complementar.

11) Roque Carraza, com sua autoridade, ao falar sobre criação de tributos, oportunamente declarou:

‘Para afugentarmos, desde já, possíveis dúvidas, é bom dizermos que criar um tributo é descrever abstratamente sua hipótese de incidência, seu sujeito ativo, seu sujeito passivo, sua base de cálculo e sua alíquota. Em súmula: é editar, pormenorizadamente, a norma jurídica tributária. Esta norma, por injunção do princípio da legalidade, repitamos, há que ser sempre veiculada por meio da lei ordinária’.

12) Juros são apenas os frutos acessórios da utilização do principal, que é o capital alheio, e a este se agregam (art. 59 e 60 CC, 293 CPC e Súmula 254 STF). Pontes de Miranda ao abordar os juros, afirmou:

‘Dois elementos conceituais dos juros são o valor da prestação, feita ou a ser recebida, e o tempo em que permanece a dívida. Daí o cálculo percentual ou outro cálculo adequado sobre o valor da dívida, para certo trato de tempo. É o fruto civil do crédito. No plano econômico, renda do capital.’

Como se pode constatar, o critério de fixação de juros é livre, podendo fugir ao cálculo percentual."

Mormente, não bastasse a adoção da SELIC no âmbito da legislação tributária federal, o Poder Legiferante do Estado de São Paulo brindou nosso ordenamento jurídico com o seguinte dispositivo que inaugura o texto da lei 10.705/00:

"Artigo 1.º - Os impostos estaduais, não liquidados nos prazos previstos na legislação própria, ficam sujeitos a juros de mora.

§ 1º - A taxa de juros de mora equivalente:

1 - por mês, à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia- SELIC, para títulos federais, acumulada mensalmente;

(...)

§ 7º - A Secretaria da Fazenda divulgará, mensalmente, a taxa a que se refere este artigo." (grifo nosso)

Através da análise da inteligência dos dispositivos legais transcritos, tem-se que tanto o legislador pátrio federal quanto o do Estado de São Paulo, preconizaram a utilização da taxa de juros em apreço, qual seja a SELIC.

Neste diapasão, através da análise das mencionadas leis ordinárias federais, poderia advir certo posicionamento no sentido de que a taxa SELIC somente se aplica aos casos em que os juros sejam oriundos de compensação ou restituição de tributos por parte do Estado. Todavia, tal extração do texto normativo não nos parece ser a mais acertada.

Os juros moratórios configuram, em matéria tributária, verdadeira indenização oferecida ao Estado pelo não cumprimento da obrigação tributária na data correta. No mesmo sentido, se observa tal indenização quando da compensação ou restituição de tributos por parte da pessoa jurídica de direito público interno em relação ao contribuinte.

Em outro dizer, a recomposição do patrimônio, pela cobrança de juros quando do pagamento posterior de determinado tributo, também se observa na situação em que ele se apropria indevidamente de quantia referente a alguma prestação tributária em seu favor. Assim, há a recomposição do patrimônio do contribuinte lesado pelo pagamento indevido.

Conforme se pode verificar pela análise do que determina o dispositivo do artigo 39, § 4º. da lei 9.250/95, a taxa SELIC deve ser utilizada quando da compensação ou restituição de tributo por parte do Poder Público. Tal fato é confirmado reiteradamente pela jurisprudência:

"TAXA SELIC - JUROS DE MORA. ‘Os valores recolhidos indevidamente ao PIS devem sofrer a incidência de juros de mora até a aplicação da taxa Selic, ou seja, os juros de mora deverão ser aplicados no percentual de 1% ao mês, com incidência a partir do trânsito em julgado da decisão. Todavia os juros pela taxa Selic devem incidir somente a partir de 1º/1/1996’ (EDcl no REsp 397.586-PR, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 20/6/2002) (Informativo STJ 139, de 17 a 21.6.2002).

EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA – CORREÇÃO MONETÁRIA – HONORÁRIOS – 1 – A partir da Lei nº 9.250/95 aplica-se a taxa SELIC na restituição de valores recolhidos indevidamente (art. 39, § 4º). 2 – Havendo sucumbência recíproca a verba honorária deve ser compensada (art. 21 – CPC). (TRF 4ª R. – AC 98.04.01.009153-4 – PR – 2ª T. – Rel. Juiz Jardim de Camargo – DJU 08.07.1998)

EMPRESAS PRESTADORAS DE SERVIÇO: NOVA ORIENTAÇÃO DO STF – COMPENSAÇÃO: PRECEDENTES DO STJ – DECRETO Nº 2.138/97 – CORREÇÃO MONETÁRIA – JUROS SELIC – LEI 9.250/95 – 1. O STF, em recente precedente – RE nº 187.436-8/RS – considerou a legalidade das majorações do FINSOCIAL ocorridas após a Lei nº 7.738/89 (leis nºs 7.787/89 e 8.147/90). 2. Diferentemente, para as empresas comerciais, manteve o entendimento de que são inconstitucionais as majorações ocorridas por leis ordinárias, após a CF de 88, fazendo retornar a alíquota aos valores do DL. 1.940/82. 3. A compensação, segundo precedente da Corte Especial do STJ, é forma de extinção examinável na esfera administrativa, cabendo ao Judiciário declarar se os créditos são compensáveis. 4. Disciplina jurídica da compensação pelo Decreto nº 2.138, de 29/01/97, que autoriza o entendimento jurisprudencial. 5. Juros moratórios devidos de acordo com o Sistema SELIC, nos termos do art. 39, § 4º da Lei nº 9.250/95. 6. Juros compensatórios incabíveis em repetição de indébito. 7. Remessa oficial e recurso das autoras parcialmente providos. (TRF 1ª R. – AC 1997.01.00.036551-7 – DF – 4ª T. – Relª. Juíza Eliana Calmon – DJU 19.03.1998)" (grifo nosso)

Com efeito, é de se concluir que, uma vez havendo restituição de tributos indevidos, por parte do Estado em relação aos contribuintes, nada mais justo que os juros moratórios sejam calculados tendo por paradigma índice que acompanhe as oscilações do mercado financeiro. Isto porque o dinheiro que, porventura, ficou retido nos cofres públicos, poderia estar sendo objeto de rendimentos "interessantes" se aplicado em tal mercado.

Desta feita, porque não utilizar tal taxa (SELIC), quando o cálculo dos juros seja referente à mora do contribuinte em relação ao Estado? O ente Público não se vê envolto pelas constantes intempéries financeiras ocorrentes em nosso País?


4. A RECOMPOSIÇÃO DO PATRIMÔNIO DO ESTADO

Ao que se nos antolha, a situação em que se encontra o Estado, diante do inadimplemento do sujeito passivo da relação jurídica tributária, é mais gravosa que a do contribuinte que tem parte de seus recursos retidos indevidamente nos cofres públicos. Vejamos o porquê.

É incontroverso que incumbe ao Estado o dever de oferecer, de proporcionar aquilo que configura o objeto de sua atuação moderna, sua finalidade, qual seja o bem comum. No dizer do Papa João XXIII, em sua encíclica Pacem in terris, o conjunto de condições necessárias ao desenvolvimento dos indivíduos.

Ademais, como é sabido, o texto de nossa Carta Magna estabelece o âmbito de atuação do Estado, no que tange aos seus direitos e deveres em relação ao povo. Todavia, para que se torne possível o cumprimento do rol de prestações com que se comprometeu o ente público para com os indivíduos, mister se faz a existência de recursos financeiros. Para tanto, os tributos conformam a forma pela qual se observa a aferição das maiores quantias de que dispõe o Estado, sendo, pois, destinadas ao cumprimento de seus deveres face às pessoas que dele necessitam.

Por conseguinte, não há que se exigir que o Estado experimente o prejuízo de não ver os tributos corrigidos de acordo com as oscilações pelas quais passa o mercado financeiro. E mais, de ter que observá-las quando da restituição de tributos por ele arrecadados indevidamente.

Em síntese, ao Estado é determinada a utilização da taxa SELIC quando restitua valores ao contribuinte. Todavia, almejam alguns ver vedada a utilização de tal taxa de juros quando o contribuinte não cumpra com suas obrigações tributárias na data aprazada.

Ora, é vítreo que tal situação não deve prosperar. O ente público conta com a pontualidade do contribuinte para o oferecimento do mínimo necessário à dignidade dos indivíduos, entre os quais se encontra o próprio contribuinte. Quando este prescinde do pagamento no tempo devido, tais prestações por parte do Estado continuam a ensejar cumprimento e, pois, recursos à sua realização.

Assim, se a quantia dos tributos a serem arrecadados pelo Estado não são cumpridas na data adequada, este se vê compelido a buscar recursos em outras fontes, pois as necessidades dos indivíduos são ilimitadas e, para que sejam devidamente satisfeitas pelo Poder Público, este haverá que dispor de empréstimos, internos ou externos.

Neste compasso, mister se faz aduzir que a devolução das quantias "emprestadas" pelo Poder Público é corrigida por índices utilizados no mercado financeiro. Por vezes, tais índices são dotados de maior "hostilidade" que a taxa SELIC.

Reiterando, o Estado planeja os gastos públicos de acordo com o que se extrai do binômio RECEITA – DESPESA. Se aquela não é auferida a contento, por ocasião da impontualidade dos contribuintes, esta obriga a Administração Pública a emprestar a quantia necessária à sua satisfação, dotada de taxa de juros apurada, no mínimo, segundo o SELIC.

Eis, pois, outro fato pelo qual se vislumbra a necessidade de que os juros de mora sejam corrigidos de acordo com os índices da taxa SELIC.

Portanto, se a taxa é eivada de desconformidade com o que consagra o texto constitucional, em suas regras princípios e valores, deve sê-lo em ambos os casos, quais sejam da aplicação dos juros de mora e da restituição e compensação de tributos. O eminente Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Domingos Franciulli Neto, em ensaio no qual demonstra almejar a inconsitucionalidade da SELIC, corrobora:

"A Taxa SELIC é uma via de mão dupla. Se, de um lado, dela serve-se o Fisco para cobrar tributos, usado o termo em seu sentido amplo, de outro, desembolsa-a o Erário Público, nas hipóteses de compensação e restituição de tributos.."

Entretanto, ao que parece, a opção pela utilização da SELIC em ambas as situações elucidadas se mostraria mais acertada. O que não se pode admitir é a complacência com o fato de o Poder Público experimentar prejuízo por ocasião da falta de pontualidade do contribuinte, uma vez que é compelido a restituir e compensar tributos com a observância de taxa que, por vezes, não pode utilizar na recomposição do erário público encarcerado pela mora do mesmo.


5. PRINCÍPIO DA INDELEGABILIDADE DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA

Prosseguindo, cumpre abordar a questão no âmbito da indelegabilidade da competência tributária. É, pois, outro dos argumentos utilizados pelos que consideram a taxa SELIC inconstitucional.

Com efeito, tem-se argüido que a taxa é controlada pelo Banco Central do Brasil. Assim, não seria legítima a delegação de competência para que tal entidade federal, ligada ao Poder Executivo, controle os altos e baixos da referida taxa de juros.

No entanto, é hialino que não incumbe ao Poder Legislativo a tarefa de exercer o efetivo controle sobre índice de juros que acompanha as oscilações do mercado financeiro. Nem seria razoável eventual atribuição neste sentido.

Resta, pois, à Administração Pública atuar na fixação da SELIC, uma vez que a ela é que se encontra vinculado o BACEN. Ademais, é o órgão apropriado para o trato da questão, conforme o que consagra o dispositivo do § 2º. do artigo 164 da Constituição Federal, in verbis:

"Art. 164 – (...)

§ 2º O Banco Central poderá comprar e vender títulos de emissão do Tesouro Nacional, com o objetivo de regular a oferta de moeda ou a taxa de juros."

Não há falar, pois, que tal prerrogativa atribuída ao Banco Central e, por conseguinte, ao Poder Executivo, decorre do que estatui o dispositivo do artigo 2º. da Constituição Federal [4]. Nele se encontra consagrada a separação de funções, preconizada por Charles de Secondat (Barão de Montesquieu).

Conforme o exposto, resulta inoperante a argüição de ofensa à indelegabilidade da competência tributária, por ocasião de competir ao Poder Executivo regular o regime das taxas de juros que, por sua vez, conforme supra esclarecido, não conformam a espécie de tributo referente à taxa.


6. O ARTIGO 161 DO CTN

Ponto finalizando, cumpre verificar eventual divergência referente ao exame do que dispõe o artigo 161 do Código Tributário Nacional, em seu § 1.º. Reza o referido dispositivo:

"Art. 161 – O crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo determinante da falta, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas nesta Lei ou em lei tributária.

§ 1º. Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de um por cento ao mês." (grifo nosso)

Ao analisar o dispositivo supra, extrai-se que o legislador de 1966 previu a possibilidade de estipulação diversa à da que institui os juros de um por cento. Mormente, autorizou que tal disposição divergente seja veiculada por meio de lei ordinária, uma vez que não se reportou exaustivamente ao diploma complementar, visto, também, que grande parte dos tributos atualmente recolhidos foram instituídos pro lei ordinária.

Neste sentido, a Subprocuradora Geral da República, já citada, continua a corroborar com nossa exegese:

"20) A sua vez, o Código Tributário Nacional, que é lei complementar dos princípios gerais tributários por força do ADCT, art. 34, § 5º, estabelece em seu artigo 161, § 1º, que a taxa de juros é de 1% ao mês, se de modo diverso não dispuser a lei.

E aqui não previu lei complementar, deixando à legislação ordinária a fixação de outro percentual. Como se vê, as taxas de juro podem ser alteradas para mais ou menos por lei ordinária, diria até, salvo exame mais aprofundado em questão específica, da acumulação de juros nas hipóteses admissíveis na doutrina e jurisprudência."

Assim, não há que se falar que não é absoluta a previsão da aplicação de juros moratórios até o limite de um por cento constante do CTN. A lei pode modificar tal quantificação, como o fizeram os diplomas legais supra mencionados e transcritos, tanto na esfera federal quanto na estadual.


7. CONCLUSÃO

Seja sob o prisma do princípio da legalidade tributária, da indelegabilidade da competência desta natureza, de sua atribuição ao Poder Executivo; seja sob o paradigma do que estabelece o artigo 161 do CTN, exsurge o fato de restar por resolvidas as questões constantes das atuais críticas à utilização da SELIC como taxa de juros incidente em caso de não pagamento de tributos.

É o próprio interesse público que enseja o extermínio da incerteza emergida da mora do contribuinte, uma vez que prejudica a arrecadação da receita necessária à liquidação da despesa Estatal. Para tanto, o instrumento que ameniza tal incerteza é a aplicação de juros segundo o regime de apuração atualizado, recompondo, assim, efetivamente, o patrimônio lesado do Estado.

Por conseguinte, é de se almejar que vigore o objeto do presente estudo, qual seja o que prima pela constitucionalidade da taxa de juros segundo o SELIC. Pelos fundamentos acostados a esta exegese, espera-se que a taxa continue sendo passível de ser utilizada, vez que condiz com exatidão à realidade das intempéries do mercado financeiro. É como já dizia o eminente Konrad Hesse: "a constituição é uma via de duas mãos. De um lado, conforma a realidade; de outro, pois, é também pela realidade conformada".


NOTAS

01. http://www.justica.sp.gov.br/noticias/noticia77.htm

02. Os princípios jurídicos da tributação na Constituição de 1988, 3ª. ed., revista e ampliada, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994, p. 17.

03. NOGUEIRA, Ruy Barbosa, Curso de direito tributário, 10ª. ed., São Paulo: Saraiva, 1990, p. 164.

04. CF, "Art. 2º. – São poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário".


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AFFONSO, Gustavo Marcondes Cesar. A constitucionalidade da taxa de juros segundo o Sistema Especial de Liquidação e Custódia (SELIC) em matéria tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. -151, 1 fev. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3700. Acesso em: 26 abr. 2024.