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A interferência do direito público no direito privado: desapropriação

A interferência do direito público no direito privado: desapropriação

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O trabalho dispõe sobre a desapropriação em defesa do direito social sobre o privado, aborando diversas concepções autorais sobre o conceito de desapropriação e a caracterização do objeto suscetível à desapropriação

1.     INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objetivo discorrer sobre a desapropriação como um instituto de Direito, ao qual insita uma interferência do Direito Público no Direito Privado. De modo óbvio, tal instituto nada mais é, do que uma das formas mais drásticas de intervenção do Estado na propriedade privada. Enfocou-se, sobretudo, os aspectos pertinentes à desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária.

Em primeiro momento por se tratar de um assunto bastante controverso, imprescindível faz-se demonstrar algumas noções sobre o que venha a ser a desapropriação, mesmo destacando o seu conceito. Posteriormente, preocupa-se em esclarecer os aspectos históricos da propriedade, sua concepção em diferentes períodos e a evolução do conceito de função social da propriedade.

Do exposto, faz-se necessária a pesquisa da qual se pretende conhecer, ainda que não esgotasse o tema, além do conceito e desenvolvimento histórico, ora supracitados, também dos seus pressupostos, características, legislações vigentes, cabimentos e procedimentos conforme se verá. Por outro lado, cumpre ressaltar a importância do respectivo tema, visto ser esta uma forma de dar um fim social à propriedade, bem como, um modo pelo qual pode-se tentar solucionar as grandes desigualdades sócio econômicos existentes no Brasil.

2.     CONCEITO E ORIGEM DA DESAPROPRIAÇÃO

O conceito concernente à desapropriação é um assunto muito controverso, apresentando variações de um autor para outro. Segundo Hely Lopes Meirelles:

Desapropriação ou expropriação é a transferência compulsória da propriedade particular (ou pública de entidade de grau inferior para o superior) para o Poder Público ou seus delegados, por utilidade ou necessidade pública ou, ainda, por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro (CF, art. 5º, XXIV), salvo as exceções constitucionais de pagamento em títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal de área urbana não edificada, subutilizada ou não utilizada (CF, art. 183, § 4º, III), e de pagamento em títulos da dívida agrária, no caso de Reforma Agrária, por interesse social (CF, art. 184) (MEIRELLES, 2002).

          

   Na lição de José Carlos de Moraes Salles, ao qual exprimiu o conceito, tendo em vista o ordenamento brasileiro:

(...) desapropriação é instituto de direito público, que se consubstancia em procedimento pelo qual o Poder Público (União, Estados-membros, Territórios, Distrito Federal e Municípios), as autarquias ou as entidades delegadas autorizadas por lei ou contrato, ocorrendo caso de necessidade ou de utilidade pública, ou ainda, de interesse social, retiram determinado bem de pessoa física ou jurídica, mediante justa indenização, que, em regra, será prévia e em dinheiro, podendo ser paga, entretanto, em títulos da dívida pública ou da dívida agrária, com cláusula de preservação do seu valor real, nos casos de inadequado aproveitamento do solo urbano ou de inadequado aproveitamento do solo rural ou de reforma agrária rural, observados os prazos de resgate estabelecidos nas normas constitucionais respectivas (SALLES, 2000).

  Na definição de José Cretella Júnior, onde a desapropriação é: “O ato pelo qual o Estado, necessitando de um bem particular, para fins de interesse público, obriga o proprietário a transferir-lhe a propriedade desse bem, mediante prévia e justa indenização” (CRETELLA JÚNIOR, 1998). E por fim, Kiyoshi Harada, que após confrontar as inúmeras conceituações dadas por diversos autores, sustenta a luz da constituição, que a desapropriação como um instituto de direito público consiste na retirada da propriedade privada pelo Poder Público ou seu delegado, por necessidade ou utilidade pública, ou interesse social, mediante o pagamento prévio da justa indenização em dinheiro (art. 5º, XXIV, da CF), por interesse social para fins de reforma agrária (art. 184 da CF), por contrariedade ao plano diretor da cidade (art. 182 § 4º, III, da CF), mediante prévio pagamento do justo preço em títulos da dívida pública, com cláusula de preservação de seu valor real, e por uso nocivo da propriedade, hipótese em que não haverá indenização de qualquer espécie (art. 243 da CF).

Kiyoshi Harada, assim como alguns doutrinadores brasileiros, trata do art. 243, caput, da CF, que prevê a expropriação das glebas utilizadas para o cultivo de plantas psicotrópicas, sem qualquer indenização ao proprietário, como uma hipótese de exceção da desapropriação, a qual será, neste caso, feita sem indenização. Conquanto, mister se faz ressalvar que o artigo supracitado, trata-se da expropriação, quando não há indenização por decorrer de ato ilícito.

Ademais, a análise dos conceitos retro, concernente à desapropriação, nos permite a identificar traços comuns entre eles, pois em todos eles a desapropriação repousa na utilidade, necessidade pública ou interesse social, que indique a conveniência de apropriação do bem particular em nome do interesse coletivo, sem que se deva falar, entretanto, em conflito entre interesses particulares e públicos.

O instituto da desapropriação, sempre esteve presente desde os mais remotos tempos, e tal desencadeou uma série de interpretações no decorrer das civilizações, em virtude das diferenças existentes nos aspectos políticos, econômicos e jurídicos contidos em cada período da humanidade. Num primeiro momento, a propriedade imobiliária não era individualmente considerada, sendo que recaia sobre utensílios domésticos e armas, ou seja, os bens necessários à subsistência do homem.

Na Grécia começou a surgir uma consolidação da idéia de propriedade individualmente considerada, em que ocorreu a prática da divisão e a atribuição das terras entre os vários grupos familiares existentes. Este fato ocorreu entre o final do século VII antes de Cristo (a. C.), e início do século VI a.c., e naquela sociedade, em tal época, três valores eram consagradamente estabelecidos, quais sejam: a religião, a família e o direito de propriedade. A religião era o principal cerne da sociedade, e a propriedade assumia um papel de local onde as famílias cultuavam os seus antepassados. Assim, a propriedade se tornou um local amplamente respeitado e resguardado, não podendo ser alienável, pois este local propunha a se fazer de um espaço tumular para o culto dos antepassados.

Em Roma, também se vislumbrou o caráter da inalienabilidade do espaço tumular, embora permitisse a venda da parte do terreno do cultivo, disciplinado na Lei das Doze tábuas. Importante lembrar, que nesta fase, dívidas eram pagas mediante o próprio corpo do devedor, sendo que os credores poderiam até matá-lo, ou vendê-lo como escravo, ficando explícito que era proibido a expropriação por dívida, conforme a manus injectio (Tábua III- Dos Créditos, da Lei das XII Tábuas). Somente em 428 a.C., é que tal execução por dívida se converteu de um caráter patrimonial, com a denominada Lex Poetellia. Presume-se que nesta época, com a Lei das Doze Tábuas, ocorreram limitações ao direito de propriedade que foram aumentando nos Períodos Clássico e Pós-Clássico, e pode-se dizer que em tal época houve a ocorrência da desapropriação.

No período Pós-Clássico começaram a surgir leis para disciplinar a propriedade. Na idade média, o que predominava era um regime feudal, onde a propriedade passou a representar um valor político, sendo que neste período as terras ficaram mais concentradas nas mãos da nobreza e da igreja. Ocorria muito a relação de vassalagem, onde o detentor da terra alugava-a em troca de serviços do vassalo. A expropriação fundava-se no poder do soberano e era oposto a todos os particulares. Quanto à indenização paga, esta é uma questão controversa, alguns afirmavam que a expropriação tratava-se de uma venda forçada, e o dinheiro pago poder-se-ia dizer que era a indenização, enquanto outros defendiam que se devia pagar para assim criar obstáculos para a aquisição de terras por parte da igreja.

Outorgada por João Sem Terra, em 15 de dezembro de 1215, surgiu a Magna Carta, em que no seu artigo 39, foi imposta uma limitação ao poder do soberano, em que para este expropriar bens dos homens livres deveria ter a antecedência de um julgamento regular, nos ditames da lei do país, contrapondo assim a ideia do poder absoluto do soberano. Começaram-se a surgir movimentos sociais, e a propriedade passou a tingir contornos mais morais e socialmente corretos com a Bill of Rights de 1.689 e a Declaração de Virgínia de 1.776.

E, finalmente com a Revolução Francesa, cominando com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, elaborada pela Assembléia Nacional em 26 de agosto de 1.789, passou a considerar o direito à propriedade como inerente à natureza humana, sendo que a expropriação só poderia ser aceita em caso de necessidade pública e com justa e prévia indenização. O mesmo posicionamento foi seguido pelas diversas legislações que a precederam, como exemplo, podemos citar: Código Napoleônico de 1.804, Código Civil da Bélgica de 1.807, o Código Austríaco de 1.811, Constituição da Espanha de 1.837 e as Constituições Portugueses de 1.822 e 1.838, dentre inúmeros outros conjuntos de leis.

Posteriormente, com a Revolução Industrial, novos conceitos foram se moldando, e a população começou a aclamar posicionamentos sociais econômicos mais condizentes. Tal mudança pode-se falar que culminou com as Constituições do México de 1.917 e de Weimar de 1.919, e ao observarmos tais dizeres, chega-se à conclusão acerca da função social da propriedade, em que a terra só deveria permanecer nas mãos do dono, caso este satisfizesse a função social da mesma. Deste modo, passou-se a explicitar os dizeres da sociedade. Assim, a partir de tais constituições, outras seguiram o mesmo posicionamento, como a brasileira, em que a propriedade passou a ser um direito assegurado ao ser humano.

3.     DESAPROPRIAÇÃO E INTERESSE SOCIAL

     

Para adentrar ao tema, insta notar que, quanto ao objeto da desapropriação, o artigo 2º do Decreto-lei nº 3.365/41, estabelece que, todos os bens, Mediante declaração de utilidade pública, poderão ser desapropriados pela União, pelos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios.  Compreendendo para tanto, as coisas móveis, imóveis, corpóreas, incorpóreas, consumíveis e inconsumíveis, públicas ou privadas. Assim, poderá incidir sobre gêneros alimentícios, direitos autorais, patentes de invenção, sobre o solo, o espaço aéreo e área ocupada pelo imóvel. Incidindo sobre o imóvel poderá abranger sua totalidade ou apenas parte do mesmo bem, como poderá se estender à área adjacente, necessária ao desenvolvimento da obra a que se destina o imóvel desapropriado.

As autoridades públicas estão também autorizadas a expropriar as zonas que valorizem extraordinariamente em conseqüencia da realização de obra pública. Entretanto, apesar desta amplitude, existem alguns bens que são inexpropriados, como: os direitos personalíssimos, direito pessoal do autor, direito à vida, à imagem, aos alimentos e a integridade moral.

Quanto aos bens públicos mencionados no Decreto-Lei 3.365/41, no parágrafo 2º são estabelecidos dois requisitos: “Os bens do domínio dos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios poderá ser desapropriados pela União, e os dos Municípios pelos Estados, mas, em qualquer caso, ao ato deverá preceder autorização legislativa”.

O parágrafo 3º acrescentado ao artigo 2º do Decreto-Lei acima, pelo Decreto-Lei 856, de 11.09.69, proíbe a desapropriação, pelos Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios, de ações, cotas e direitos representativos do capital de instituições e empresas cujo funcionamento dependa de autorização do Governo Federal e se subordine à sua fiscalização, salvo mediante prévia autorização, por decreto do Presidente da República.          No que se refere aos bens pertencentes às entidades da administração indireta, aplica-se, por analogia, o artigo 2º do Decreto-Lei nº 3.365, sempre que se trate de bem afetado a uma utilidade pública. Tais bens, enquanto mantiverem essa afetação, são indisponíveis e não podem ser desafetados por entidade política menor.

A Carta Política conferiu ao Município o poder de desapropriar para fins urbanísticos tanto os imóveis que não cumprem a função social quanto aqueles que estão desempenhando essa função inerente à propriedade. Para os imóveis que cumprem sua função social, a constituição exige o pagamento prévio da justa indenização em dinheiro e só pode ser decretada a desapropriação nos casos previstos no art. 5º do Decreto-lei nº 3.365/41. Já nos casos do imóvel que não cumpre a função social, é conferida ao poder público municipal como instrumento ordinatório da política de desenvolvimento urbano, exigindo uma série de restrições constitucionais. Essa desapropriação é feita com pagamento mediante títulos de dívida pública, com prazo de resgate de até 10 anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.

Importa lembrar que a propriedade urbana cumpre a função social, de acordo com a CF de 1988, quando atende as exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no Plano Diretor. Permitindo assim uma flexibilização do conceito de função social da propriedade urbana de conformidade com as peculiaridades e necessidades de cada município, segundo o que for estabelecido na lei do Plano Diretor (Kiyoshi Harada, 2002).

No que concerne à desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, esta espécie de desapropriação, prevista pelo art. 184 da CF, só poderá atingir o imóvel rural que não esteja cumprindo a função social, e a justa indenização é paga em títulos da dívida agrária, resgatáveis em até 20 anos, com exceção das benfeitorias úteis e necessárias, que serão indenizadas em dinheiro. Estão excluídas da desapropriação a pequena e média propriedade rural, assim definidas em lei, desde que seu proprietário não possua outra.

A Constituição Federal, através do seu art. 184, dá Competência à União para desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social. Ademais, ainda garante um tratamento especial à propriedade produtiva e estabelece normas para o cumprimento dos requisitos relativos à sua função social, elencados pelo art. 186 versado da seguinte maneira:

“Art. 186 da CF. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

I - aproveitamento racional e adequado;

II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.”

Contudo, a principal característica para que ocorra a “reforma agrária” é a inobservância da função social rural, isso porque os bens que atinge são, exclusivamente, imóveis rurais improdutivos de grande extensão. Além do mais, deverá ser motivada por interesse social, inclusive, o prazo para desapropriação é de 2 (dois) anos a contar da declaração de interesse social. Uma lei complementar deixa muito claro qual deverá ser o interesse social, para que ocorra a desapropriação, é a Lei 4.132/62, que dispõe da seguinte maneira:

Art. 1º A desapropriação por interesse social será decretada para promover a justa distribuição da propriedade ou condicionar o seu uso ao bem estar social, na forma do art. 147 da Constituição Federal.

Art. 2º Considera-se de interesse social:

I - o aproveitamento de todo bem improdutivo ou explorado sem correspondência com as necessidades de habitação, trabalho e consumo dos centros de população a que deve ou possa suprir por seu destino econômico;

II - VETADO;

III - o estabelecimento e a manutenção de colônias ou cooperativas de povoamento e trabalho agrícola:

IV - a manutenção de posseiros em terrenos urbanos onde, com a tolerância expressa ou tácita do proprietário, tenham construído sua habilitação, formando núcleos residenciais de mais de 10 (dez) famílias;

V - a construção de casa populares;

VI - as terras e águas suscetíveis de valorização extraordinária, pela conclusão de obras e serviços públicos, notadamente de saneamento, portos, transporte, eletrificação armazenamento de água e irrigação, no caso em que não sejam ditas áreas socialmente aproveitadas;

VII - a proteção do solo e a preservação de cursos e mananciais de água e de reservas florestais.

VIII - a utilização de áreas, locais ou bens que, por suas características, sejam apropriados ao desenvolvimento de atividades turísticas. (Incluído pela Lei nº 6.513, de 20.12.77)

§ 1º O disposto no item I deste artigo só se aplicará nos casos de bens retirados de produção ou tratando-se de imóveis rurais cuja produção, por ineficientemente explorados, seja inferior à média da região, atendidas as condições naturais do seu solo e sua situação em relação aos mercados.

§ 2º As necessidades de habitação, trabalho e consumo serão apuradas anualmente segundo a conjuntura e condições econômicas locais, cabendo o seu estudo e verificação às autoridades encarregadas de velar pelo bem estar e pelo abastecimento das respectivas populações.

Art. 3º O expropriante tem o prazo de 2 (dois) anos, a partir da decretação da desapropriação por interesse social, para efetivar a aludida desapropriação e iniciar as providências de aproveitamento do bem expropriado.

Parágrafo único. VETADO.

Art. 4º Os bens desapropriados serão objeto de venda ou locação, a quem estiver em condições de dar-lhes a destinação social prevista.

Art. 5º No que esta lei for omissa aplicam-se as normas legais que regulam a desapropriação por unidade pública, inclusive no tocante ao processo e à justa indenização devida ao proprietário.

         

Mas, como se observa nem todos os incisos do art. 2º relacionam-se com propriedade que não estão cumprindo função social. Lado outro, a hipótese do inciso I, que cuida de desapropriação de bem improdutivo ou explorado sem correspondência com as necessidades de habitação, trabalho e consumo, está absorvida pela desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária.                                                   

Os casos, mais comuns de desapropriação por interesse social são os dois incisos IV e V. No primeiro, foi editada para impedir a reintegração de posse por parte do proprietário do imóvel, do qual geraria serio transtornos para sociedade. O segundo, as desapropriações intensificam-se em períodos de governos comprometidos com a melhoria de condições de vida dos hipossuficientes.

Basicamente, o interesse social ocorre quando as circunstâncias impõem a distribuição ou o condicionamento da propriedade para seu melhor aproveitamento, utilização ou produtividade em benefício da coletividade, ou de categorias sociais merecedoras de amparo específico do Poder Público, isto é, aqueles diretamente atinentes às classes pobres, aos trabalhadores e à massa do povo. Objetiva-se, no geral pela melhoria nas condições de vida, pela mais equitativa distribuição de riqueza, levando a atenuação das desigualdades sociais, enfim, pela solução dos chamados problemas sociais.   

4.     FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

O direito de propriedade é sem dúvida o mais importante de todos os direitos subjetivos do qual o proprietário dispõe da coisa como bem lhe aprouver, sujeitando-se, apenas a determinadas limitações impostas em prol do interesse social.

A noção de propriedade definiu-se no sentido individual para social. Conforme estabelece o Código Civil Brasileiro de 1916 (art. 1.228), “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.” Observa-se que a princípio o proprietário poderá dispor ou usufruir da coisa como bem lhe couber, por conseguinte, em seu parágrafo 3º a lei conclui, que o “proprietário poderá ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social...”.

Dentro desta consideração, os limites impostos são apenas meros instrumentos para o cumprimento do interesse público sobre o particular, do qual enseja que o proprietário tem direito à propriedade, mas para adquirir a real efetivação deste direito, deve exercê-lo de forma a atender aos interesses sociais.  Vislumbrando que, o direito à propriedade só irá efetivar na presença de sua função social.

Tal prerrogativa deve ser analisada através da incorporação do princípio da função social da propriedade no ordenamento jurídico brasileiro.

Na constituição brasileira de 1988, a República inscreveu em seu art. 5º, inciso XXII, o direito de propriedade entre os direitos e garantias fundamentais, e no inciso XXIII, dispôs que a propriedade atenderá a sua função social. O parágrafo único do art. 185 da CF, fixou que a lei garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e fixará normas para o cumprimento dos requisitos relativos à função social.

Pode-se dizer que o princípio da função social da propriedade é o ponto de convergência de todas as gradativas evoluções alcançadas pelo conceito de propriedade ao longo do tempo.

         A respeito deste tema, preleciona Manoel Gonçalves Ferreira Filho.

“O quarto dos princípios fundamentais da ordem econômica, segundo a Constituição vigente, é o da função social da propriedade. Com isso, condena ela, a concepção absoluta da propriedade segundo a qual esta é o direito de usar, gozar e tirar todo o proveito de uma coisa de modo puramente egoísta, sem levar em conta o interesse alheio e particularmente o da sociedade.” (1967,p. 267).

           

A função social da propriedade tem natureza de norma de preceito jurídico e portanto, seu papel é além de um comando constitucional generalista. Ao contrário, a função social da propriedade é uma espécie de norma jurídica superior à hegemônica em relação as demais regras do ordenamento jurídico que dispõe sobre propriedade, pois faz parte do elenco das opções políticas fundamentais do constituinte que congregam os valores éticos e sociais mais elevados de um Estado e de uma sociedade.  

5.     COMPETÊNCIA

Conforme mencionado no texto anterior, o Poder Público à vista do interesse social poderá retirar alguém de sua propriedade mediante indenização prévia. Mas para que ocorra este procedimento, o ato deve ser realizado pelo órgão competente, do qual subdividem-se em três tipos: segundo José dos Santos Carvalho Filho em, Competência Legislativa, Competência Declaratória e Competência Executória.

A Legislativa é de competência da União, conforme art. 22, II, da Constituição: “compete privativamente à União Legislar sobre desapropriação”. No entanto, o parágrafo único deste mesmo artigo, completa que caso exista Lei complementar autorizando os Estados, este poderá legislar sob toda matéria citada no art. 22, inclusive desapropriação.  Então a princípio, a competência legislativa será privativamente da União, mas caso haja autorização por lei complementar, esta poderá ser prorrogada a tão somente os Estados, excluindo os outros entes da república.            

A declaratória, do qual o próprio nome discorre, é aquela que irá declarar o interesse social do bem a ser desapropriado. No tocante da Lei nº 4.132, de 10 de Dezembro do ano de 1962, foi omisso dizer a competência declaratória, portanto, conforme art. 5º da própria lei, usa-se subsidiariamente a legislação da utilidade pública (3.365 de 21 de Junho de 1941), que dispõe em seu art. 2º, “Mediante declaração de utilidade pública, todos os bens poderão ser desapropriados pela União, pelos Estados, Municípios e Distrito Federal”.

Portanto, podemos entender que em competência declaratória, todos os entes federativos poderão utilizar-se da declaração para impor a desapropriação do bem, conclui-se que nesta, a competência será concorrente.        

No último tipo, a competência executória, que mais uma vez foi omissa pela lei de interesse social e de forma subsidiária será utilizada a lei da utilidade pública, que editou, art. 3º: “Os concessionários de serviços públicos e os estabelecimentos de caráter público ou que exerçam funções delegadas de poder público poderão promover desapropriações mediante autorização expressa, constante de lei ou contrato”. Ou seja, qualquer concessionária à serviço público, ou que exerçam funções delegadas, e os estabelecimento de caráter publico, poderão, mediante autorização expressa em lei, ou contrato, promover a desapropriação, para que possam providenciar medidas necessárias para atingir a finalidade da função social.

Por fim, a última competência também será concorrente entre os entes, União, Estados, Municípios e Distrito Federal, que terão supremacia em autorizar a administração, norteada pelas concessionárias de serviços públicos, sociedades  de economia mista, empresa pública, fundações, à realizarem estas funções em nome dos mesmos, deste que autorizadas em lei ou em contrato.

Contudo, podemos finalizar da seguinte forma: A União será a única que terá competência, legislativa, declaratória e executória.  O Estado, Distrito Federal e o Município acumulam as competências  declaratória e executória, e soblei complementar o Estado poderá legislar sobre competência.

O STJ publicou em recurso especial, 20896 SP 1992/0008260-2, que a desapropriação pode ser por utilidade pública, regida pelo DL. N. 3.365/41, ou por interesse social (Lei. n. 4.132/62). E, que a desapropriação por interesse social abriga não somente aquela que tem como finalidade a reforma agrária, de competência privativa da União, como também aquela que objetiva melhor utilização da propriedade para dar à mesma, uso de interesse coletivo.  E, em decreto estadual que pautou-se no art. 2º da Lei n. 4.132/62, tendo o Estado absoluta competência para a expropriação. 

6.     CONCLUSÃO

A propriedade não é absoluta, pois sua limitação é instruída pela função social. O proprietário privado deverá utilizar-se de seu bem conforme a lei determina para que seu direito não seja abrangido pela lei do interesse social.

Então enfatiza-se que a desapropriação deverá ser promovida para uma justa distribuição ou, condicionar seu uso ao bem estar social. Do qual, o próprio Estado deverá utilizar-se desta premissa para fazer o uso da propriedade em defesa da população carente.

Contudo, o Estado ao desapropriar, exerce um direito não só fundamental, mas também constitucional, por mais que a lei disponha que todos são iguais ao que concerne a propriedade e aos direitos sociais, o direito privado sempre irá recair sobre o interesse coletivo. Mas cabe enfatizar que o proprietário não irá perder seu bem, apenas será transferida a propriedade para outro titular para satisfazer a necessidade de ordem pública, porquanto, o Estado não retira o proprietário sem nenhum crédito, este, conforme a lei deverá ser indenizado, ou por quantia certa ou conforme a desapropriação para reforma agrária, que será indenizada por títulos da dívida agrária resgatáveis em até 20 anos, com exceção das benfeitorias úteis e necessárias, que serão indenizadas em dinheiro.   

Dessa forma, conclui-se que atualmente é de suma importância a desapropriação, pois numa atualidade tão desigual, é necessária a intervenção estatal para defesa do interesse social. No mundo dos grandes, dificilmente os pequenos irão ganhar, porquanto, a retirada do bem particular apenas demonstra a efetiva aplicação de sanção para aqueles que descumprem a função social de sua propriedade.

7.     REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

     

CARVALHO FILHO, José dos SantosManual de Direito Administrativo. 11. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2004.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo. Saraiva, 1967.

HARADA, Kiyoshi. Desapropriação: Doutrina e Prática. 4ed. São Paulo: Editora Atlas, 2002.

LIMA ROCHA, Olavo acyr. A Desapropriação no Direito Agrário. São Paulo. Editora Atlas. 1992.

MATTOS, Portilho Liana. A efetividade da função Social da propriedade urbana à Luz do Estatuto da Cidade. Rio de Janeiro. Editora Temas e Ideias. 2003

MEIRELLES, Hely Lopes. L. Direito Administrativo Brasileiro. 27ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2.002.

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 13 ed. São Paulo. Malheiros Editores, 2001.

SANTOS, Weliton Militão dos. Desapropriação, Reforma Agrária e Meio Ambiente. Belo Horizonte: Mandamentos 2001.

SALLES, José Carlos de Moraes. A Desapropriação: À luz da Doutrina e da Jurisprudência. 4ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais LTDA, 2000.

WHITAKER, Firmino. Desapropriação. São Paulo. Editora Atlas, 1925.


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