Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/37452
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

DA REJEIÇÃO E DO NÃO RECEBIMENTO DA PEÇA ACUSATÓRIA

DA REJEIÇÃO E DO NÃO RECEBIMENTO DA PEÇA ACUSATÓRIA

Publicado em . Elaborado em .

O ARTIGO DISCUTE A DECISÃO QUE REJEITA A DENÚNCIA E A ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA.

DA REJEIÇÃO E DO NÃO RECEBIMENTO DA PEÇA ACUSATÓRIA.

ROGÉRIO TADEU ROMANO

Procurador Regional da República aposentado

Estuda-se a questão da rejeição da peça acusatória.

Diante do artigo 395 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.719/2008, aponto as causas para rejeição da denúncia:

a)      Quando a denúncia for manifestadamente inepta;

b)      Faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal;

c)       Falta justa causa para o exercício da ação penal.

Anoto que a rejeição prevista no artigo 395, caput, corresponde aquilo que grande parcela da doutrina e da jurisprudência chamava de ¨não recebimento¨, com a finalidade de distinguir o ato de ¨rejeição¨, por razões de mérito(materiais), do indeferimento da inicial fundado em aspectos processuais(formais ou preliminares de mérito). Era o que se tinha da Súmula 60 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região quando se dizia: ¨da decisão que não recebe ou que rejeita a denúncia cabe recurso em sentido estrito.¨ Não é, à toa, que, ainda na vigência do antigo artigo 43 do Código de Processo Penal, antes da edição da Lei 11.719/08, muitos faziam a dicotomia: não recebimento(recurso em sentido estrito); rejeição(apelação).

 O mais correto é: encerrando-se o feito, seja por decisão terminativa, seja por decisão definitiva(que enfrenta o mérito), o recurso é apelação. Tal se vê da decisão que rejeita a denúncia ou queixa nos Juizados Especiais(artigo 82 da Lei 9.099/95).

O antigo não-recebimento – agora rejeição – sempre foi insuscetível de gerar coisa julgada material. Assim, sanado o vício, era perfeitamente possível a repropositura da demanda, tantas vezes quantas necessárias fossem. É o que  se via, por exemplo, com relação a pouca atenção dada à descrição da conduta dos acusados, como a falta de menção às características que compõem a narrativa dos fatos. Era o caso, outrossim, da descrição genérica na conduta dos acusados, nos crimes societários.

Toda decisão que rejeita a peça acusatória será uma decisão interlocutória mista.

Com a redação que se deu ao artigo 395 do Código de Processo Penal, a peça acusatória será rejeitada por questões processuais; já quando a questão for de mérito(atipicidade e extinção da punibilidade), o dispositivo da decisão indicará absolvição sumária, que será impugnável pelo recurso de apelação(artigo 416, CPP). Não se rejeita a denúncia por questões de mérito: absolve-se.

 A antiga rejeição – hoje, absolvição sumária – faz, atualmente, como antes fazia, coisa julgada material, como se dá com o julgamento antecipado do mérito(artigo 330 do Código de Processo Civil), impedindo a rediscussão dos fatos após a preclusão da sentença ou o exaurimento das vias recursais. Era o caso da atipicidade de conduta, a existência de obstáculo à ilicitude ou à culpabilidade, a extinção da punibilidade – por morte, reparação do dano, pagamento de tributo, nos crimes tributários, onde a acusação não poderia reiterar em nova demanda o pedido de condenação.

Penso ser mister atentar para tais distinções.

A esse respeito, pronunciou-se o Ministro Sepúlveda Pertence:

EMENTA: Inquérito policial: decisão que defere o arquivamento: quando faz coisa julgada.

A eficácia preclusiva da decisão que defere o arquivamento do inquérito policial, a pedido do Ministério Público, é similar à daquela que rejeita a denúncia e, como a última, se determina em função dos seus motivos determinantes, impedindo – se fundada na atipicidade do fato – a propositura ulterior da ação penal, ainda quando a denúncia se pretenda alicerçada em novos elementos de prova.

Recebido o inquérito – ou, na espécie, o Termo Circunstanciado de Ocorrência – tem sempre o Promotor a alternativa de requisitar o prosseguimento das investigações, se entende que delas possa resultar a apuração de elementos que dêem configuração típica ao fato (C.Pr.Penal, art. 16; L. 9.099/95, art. 77, § 2º).

Mas, ainda que os entenda insuficientes para a denúncia e opte pelo pedido de arquivamento, acolhido pelo Juiz, o desarquivamento será possível nos termos do art. 18 da lei processual.

O contrário sucede se o Promotor e o Juiz acordam em que o fato está suficientemente apurado, mas não constitui crime.

Aí – a exemplo do que sucede com a rejeição da denúncia, na hipótese do art. 43, I, C.Pr.Penal – a decisão de arquivamento do inquérito é definitiva e inibe que sobre o mesmo episódio se venha a instaurar ação penal, não importa que outros elementos de prova venham a surgir posteriormente ou que erros de fato ou de direito hajam induzido ao juízo de atipicidade.

(HC 80.560-4/GO, rel. Min. Sepúlveda Pertence, T1, 20.02.01; DJ 30.03.2001)

Passo a discussão sobre a justa causa.

A justa causa è a necessidade de lastro mínimo para o exercício da ação, onde se exigem indícios[1] de autoria e de materialidade, que são coligidos, geralmente de inquérito policial aberto para tanto, ou ainda um procedimento, como, por exemplo, investigação ministerial.

Se o crime deixar vestígios é necessário que a petição inicial se faça acompanhar de laudo pericial. Não sendo possível a sua utilização a hipótese é de apresentação de prova testemunhal.

Para NUCCI,[2] o ideal, na redação do artigo 395 do Código de Processo Penal, teria sido reduzir todo o quadro da rejeição a um só parâmetro: falta de justa causa para a ação penal que abrangeria todas as situações relevantes.

Discute-se o recurso para combater a rejeição da denúncia.

O recurso cabível para combater a rejeição da denúncia ou queixa, como se lê do artigo 581, I, do Código de Processo Penal, é o recurso em sentido estrito. Se for recebida, caberá da parte do réu a impetração de habeas corpus, se for o caso, objetivando trancar o processo.

No caso de denúncias ajuizadas, perante os Juizados Especiais Criminais, caberá, a teor do artigo 82 da Lei 9.099/95, o ajuizamento de recurso de apelação.

Já no que concerne às denúncias ajuizadas perante os tribunais de justiça ou ainda os tribunais regionais federais, a teor da Lei 8.038/90, caberá, seja se houver violação a norma infraconstitucional(recurso especial) ou violação a constituição(recurso extraordinário).

Lembro a Súmula 709 do Supremo Tribunal Federal para que salvo quando nula a decisão de primeiro grau, o acórdão que provê o recurso contra a rejeição da denúncia vale pelo recebimento dela.

Por sua vez, o artigo 397 do Código de Processo Penal aproxima-se do que temos no Processo Civil, com o julgamento antecipado da lide. É  a absolvição sumária.

O juiz recebe a denúncia ou queixa e determina ao réu que faça a sua defesa. Este oferece em sua argumentação documentos ou preliminares de conteúdo convincente para que o juiz possa absolvê-lo sumariamente.

Antes de tomar tal decisão, deve o juiz determinar a oitiva do órgão acusatório, garantindo-lhe a aplicação do contraditório.

Estamos diante das seguintes situações:

a)  Existência manifesta de excludente de ilicitude(artigo 23 do Código Penal);

b)  Existência manifesta de exclusão de culpabilidade;

c)   Fato narrado evidentemente não constitui crime: trata-se de atipicidade, evidenciado em solido argumento de prova documental;

d)  Extinção da punibilidade: para NUCCI[3], lembrando a aplicação do artigo 61 do CPP, que determina que o juiz pode, em qualquer fase do processo, reconhecer a extinção da punibilidade, se trata de decisão declaratória de extinção da punibilidade e não uma hipótese de absolvição.

É o julgamento antecipado da  lide no procedimento penal.

A sentença que reconhece a absolvição sumária, de cunho tipicamente declaratório, é sentença definitiva que faz coisa julgada material ao contrário da decisão que rejeita a peça acusatória. É decisão de mérito que se dá diante de prova indiscutível.

Da decisão que absolver sumariamente o acusado cabe apelação.


[1] Indícios são certas circunstâncias que permitir chegar à verificação da existência de um fato. Indício é uma circunstância certa e que se realizou ao passo que na presunção considera como realizado um fato não provado, fundando-se, entretanto, na experiência. Por um raciocínio intelectual a partir de um fato conhecido e demonstrado(indício), chega-se, por presunção, à demonstração de outro fato. 

[2] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado, 10ª edição, São Paulo, RT, pág. 751.

[3] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado, 10ª edição, São Paulo, RT, pág. 769. 


Autor


Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelo autor. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi.