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A falácia da redução da maioridade penal no ordenamento jurídico brasileiro

A falácia da redução da maioridade penal no ordenamento jurídico brasileiro

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Muito se discute acerca da redução da maioridade penal. Há uma percepção errônea de que os adolescentes autores de atos infracionais não podem ser punidos, e que somente a redução da maioridade penal é capaz de sanar o problema da criminalidade.

1. Introdução

​Ao longo dos últimos anos, com o aumento dos índices de criminalidade, muito se discute acerca da redução da maioridade penal, principalmente quando algum ato infracional de natureza mais grave é cometido por um adolescente, demonstrando tratar-se de um grave problema social.

​Acontece que o tema divide opiniões dos operadores do Direito e da sociedade como um todo, já que traz à baila questões afetas à segurança pública, a eficácia das medidas socioeducativas, a criminalidade que assola o país, dentre outras, sem ignorar que faz também questionar a experiência de outros países que apesar de terem reduzido a idade para a responsabilização penal, convivem com a criminalidade.

Os debates ganham força quando os meios de comunicação, de forma não raras vezes sensacionalista, se põem a difundir a errônea mensagem de que os adolescentes não são punidos pela prática dos atos infracionais, ignorando as medidas socioeducativas e também as medidas protetivas consagradas no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Não bastasse isso, o senso comum preconiza a redução da maioridade penal se a certeza de que esta efetivamente contribuirá para diminuir os índices de criminalidade, defendendo, por conseguinte, que o aprisionamento é a resposta para a violência, argumentos estes desprovidos de comprovação científicos, mas que contribuem para o debate.

Acontece que o ordenamento jurídico brasileiro consagra a doutrina da proteção integral à criança e ao adolescente, e por isso consagra uma gama de princípios norteadores dos direitos das crianças e dos adolescentes, sem prejuízo dos institutos constitucionais e estatutários, em virtude da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, à qual não se aplica o Código Penal Brasileiro.

Porém, impulsionados pela mídia sensacionalista de alguns segmentos da sociedade, e mesmo alguns doutrinadores, e considerando que a idade para a responsabilização criminal foi estabelecida pelo Código Penal de 1940, o debate acerca da redução da maioridade penal ganha evidência, aos mais variados argumentos.

Assim, este estudo busca analisar a problemática da redução da maioridade penal, de modo a demonstrar a inadequação dos discursos que buscam diminuir a idade para a responsabilização penal do adolescente autor de atos infracionais, à luz da evolução a proteção conferida às crianças e aos adolescentes no ordenamento jurídico brasileiro.  


2. Desenvolvimento

 ​Abordar as questões afetas à redução da maioridade penal no ordenamento jurídico brasileiro é uma das questões mais complexas, principalmente porque traz à baila institutos afetos ao Direito Constitucional, ao Estatuto da Criança e do Adolescente, ao Direito Penal e Processual Penal, aos Tratados e Convenções de Direito Internacional, dentre outras. Logo, não se pretende, nesse breve estudo, esgotar a problemática afeta à (im)possibilidade de redução da maioridade penal no Brasil, até mesmo porque discussões são constantes nessa seara, e demonstram a necessidade de aprofundar na análise da temática.

​No Brasil a proteção à criança e ao adolescente, enquanto sujeitos de direito, é recente, porque somente com o advento da Constituição da República de 1988 é que se consagrou a doutrina da proteção integral, adequando as normas de direito interno às Convenções Internacionais, e rompeu-se definitivamente com a doutrina da situação irregular, que perdurou na vigência dos Códigos de Menores de 1927 e 1979.

​Anote-se, ainda, que antes do advento do primeiro Código de Menores, em 1927, era aplicado ao público infanto-juvenil a teoria do Direito Penal do Menor (ou Direito Penal Juvenil), como salientam Barbosa e Souza (2013, p. 102), período em que inexistia tratamento que considerasse as peculiaridades destes seres em desenvolvimento.

​Desta feita, é possível afirmar que no Brasil três são os períodos históricos de tratamento dispensado às crianças e adolescentes em situação de conflito com a lei, a saber: “de caráter penal indiferenciado, de caráter tutelar e de caráter garantista. A terceira etapa dá origem ao Direito penal juvenil” (BARBOSA; SOUZA, 2013, p. 102).

​Vistos como objeto de direito, já que eram tidos como “menores delinquentes”, “menores em situação irregular”, “menores em conflito com a lei”, às crianças e aos adolescentes não era destinada qualquer medida protetiva; e em que pese a inexistência de sancionamento semelhante àquele dispensado aos adultos, também não lhes era dispensado tratamento voltado à reeducação, até mesmo porque o Estado objetivava, como enfatiza Farrandin (2009, p. 41), afastá-lo do convívio social, e assim resguardar os interesses da sociedade.

​Em se tratando dos denominados “menores delinquentes”, como ressalta Pachi (1998, p. 178-179), a legislação pátria, até a consagração da Doutrina da Proteção Integral, estabelecia uma divisão clara em três grupos: os menores de 14 anos, no primeiro grupo; os menores com idade entre 14 e 18 anos; e, no terceiro grupo, os menores de 16 a 18 anos de idade, intitulados de perigosos, por terem cometidos delitos considerados mais graves.

​Acrescenta o autor que somente os menores com idade entre 14 e 18 anos de idade é que se submetiam a processo especial, período em que poderiam receber pena de cumplicidade que era cumprida em estabelecimento para menores ou separados dos maiores (PACHI, 1998, p. 179).

​Liberati (2006, p. 44) pontua que em virtude de tais características, os procedimentos destinados aos menores de 18 anos de idade era alvo de várias críticas, já que inexistia qualquer garantia de direitos, pois mesmo diante da absolvição lhe eram impostas medidas outras, o que não ocorria com os adultos acusados da prática de algum delito.

​Nessa esteira também é a lição de Barbosa e Souza (2013, p. 106), os quais pontuam que a gravidade do tratamento dispensado aos adolescentes era tamanha que a medida de internação era utilizada de forma desmedida, chegando a ser imposta ainda que nenhum ato infracional fosse praticado, mas simplesmente por se encontrar o adolescente em situação de abandono ou em estado de pobreza, o que, segundo o Código de Menores de 1927, justificada o recolhimento do menor à internação.

​Com o advento do Código Penal de 1940, o legislador adotou, no art. 27, a idade de 18 (dezoito) anos para a responsabilização penal, limite este que vigora até a atualidade, como é sabido. Assim, restou revogada as discrepâncias quanto as faixas etárias fixadas no Código de Menores de 1927, já que não mais se justificava o estabelecimento de distinção de tratamento entre os adolescentes de 14, 16 e 18 anos.

​Cumpre salientar que o legislador Código Penal de 1940 considera o menor de 18 anos inimputável penalmente, em virtude de condição pessoal de sujeito em desenvolvimento físico, mental, espiritual, emocional e social. Logo, o início da maioridade penal se dá quando o agente atinge a idade estabelecida em lei, estando os infratores sujeitos à legislação especial, como preconiza o art. 228 da Constituição da República de 1988.

​Também o Código de Menores de 1979, embora tenha mantido em seu bojo a Doutrina do Menor em Situação Irregular, consagrou, como limite para a responsabilização penal, a idade de 18 anos, criando a figura do “menor em situação irregular”.

​Ocorre que na atualidade crianças e adolescentes possuem cada vez mais acesso ao conhecimento, e isso também alcança a noção de lícito e ilícito, tornando-os, por conseguinte, seres com mais maturidade, com capacidade para compreender o conteúdo de suas ações, motivo pelo qual ganha força os argumentos em prol da redução da idade para a responsabilização penal do agente infrator.

​Esse é talvez o principal argumento dos defensores da redução da maioridade penal, já que na atualidade é facultado ao menor de 18 anos de idade, por exemplo, participar do processo eleitoral, lhe é assegurado o direito à emancipação e, por conseguinte, à participação em uma sociedade empresarial, dentre outras medidas, embora não possa responder penalmente por seus atos.

​De acordo com Nucci (2011, p. 294), não mais se justifica manter a idade de 18 anos para a responsabilização do jovem pela prática de crimes, principalmente porque este limite foi fixado no início do século passado, quando a realidade era outra. E acrescenta o autor que esta é uma necessidade natural, uma vez que o adolescente “não é mais o mesmo do início do século”, no que tange o amadurecimento e, consequentemente, o conhecimento dos fatos e da responsabilização pela prática de ilícitos.

​Em que pese tal argumento, fato é que diversas consequências podem advir da redução da maioridade penal, principalmente porque a consagração da doutrina da proteção integral à criança e ao adolescente é reflexo de normas de Direito Internacional, a exemplo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, bem como o Pacto de San José da Costa Rica, que em seu art. 19, por exemplo, preconiza que se deve assegurar a “toda criança as medidas de proteção que sua condição de menor requer, devendo ser promovidas pelas seguintes instituições: família, sociedade e Estado”.

​Anote-se, ainda, que documentos internacionais, a exemplo do Pacto de San José da Costa Rica, de 1969, as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça de Menores (Beijing Rules), a Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU, de 1989, bem como o VII Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção do Delito e tratamento do Delinquente, realizado em 1985 em Milão, recomendam que a fixação da idade penal não se dê em faixa demasiado baixa, estando o ordenamento jurídico brasileiro, portanto, em consonância com as normas de Direito Internacional no tocante a fixação da imputabilidade penal aos 18 anos de idade.

​Tem-se, ainda, a Convenção Internacional dos Direitos da Criança de 1989 – Convenção de Nova York, a qual consagrou expressamente, como dissertam Cunha, Lépore e Rossato (2012, p. 63), a criança como “todo ser humano com menos de 18 anos de idade, a não ser que pela legislação aplicável, a maioridade seja atingida mais cedo”, ainda representou grande avanço no tocante à proteção dos direitos humanos de crianças, principalmente pela adoção da doutrina da proteção integral.​

​Na linha evolutiva, consagrando a supracitada doutrina, veio a lume o Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei n° 8.069/1990, que adequou a legislação a nova ordem constitucional, sendo considerada pelos estudiosos um marco histórico no tratamento conferido às crianças e aos adolescentes, mormente porque consagra uma série de garantias.

​Importa registrar que o legislador não foi alheio à prática dos atos infracionais, sendo estes concebidos como a conduta descrita como crime ou contravenção. Assim, implica em responsabilizar os seus sujeitos por atos análogos a crime ou contravenção penal, aplicando a eles a responsabilização juvenil prevista na referida lei especial, culminando na incidência de medidas socioeducativas, podendo inclusive enseja em privação de liberdade.

​Não é demais esclarecer que nos termos da legislação vigente – Estatuto da Criança e do Adolescente, a criança não pode ser autor de atos infracionais, pois a estas se aplicam as medidas de proteção, elencadas no art. 101 do diploma legal em comento. Assim, apenas aos adolescentes, entre 12 e 18 anos de idade, será imputada a prática de ato infracional, e por isso estão sujeitos às medidas socioeducativas, previstas no art. 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente, a saber:  advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviço à comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de semiliberdade; internação; qualquer uma das medidas protetivas previstas nos incisos I a VI do art. 101 do ECA.

​Ocorre que os meios de comunicação, não raras vezes, difundem a errônea ideia de que os adolescentes autores de atos infracionais não podem ser punidos, e que somente a redução da maioridade penal é capaz de sanar o problema da criminalidade que assola o país.

​O senso comum ignora, ainda, o caráter diferenciado da adolescência, e preconizam a aplicação da pena de prisão, pois ao defender a redução da maioridade penal clamam, por conseguinte, sejam os adolescentes levados ao cárcere, dependendo da natureza do delito praticado, como se a prisão fosse efetivamente sanar o problema da criminalidade.

​Nesse contexto esquecem, de igual forma, os graves problemas que assolam o sistema prisional brasileiro, e que a pena privativa de liberdade não vem atendendo aos fins que se propõem, já que na ressocializa o apenado. Logo, levar ao cárcere adolescentes, seres em desenvolvimento, é medida que pode agravar ainda mais o problema, pois contribuiria para a superlotação dos estabelecimentos prisionais.

​De acordo com D’Urso (2007, p. 25), levar à prisão o jovem infrator para cumprir pena privativa de liberdade seria contribuir para “piorar essa criatura”, porque os estabelecimentos prisionais brasileiros não apresentam condições de recuperar ninguém.

​Também Santos (2007, p. 46) critica aqueles que defendem o encarceramento do adolescente autor de atos infracionais, pois aponta que o sistema prisional, que graves problemas apresentam, se apresentaria como verdadeira escola do crime para os jovens infratores, agravando ainda mais o problema.

​Não bastasse isso, inexistem estudos que comprovam que a redução da maioridade penal efetivamente contribuirá para reduzir os índices de criminalidade, até mesmo porque também não se investe em estudos acerca do número de delitos praticados por adolescentes.

​Contudo, basta que um ato infracional de natureza mais grave seja praticado por um menor de 18 anos para que os meios de comunicação veiculem a notícia de forma reiterada, atribuindo o fato a inimputabilidade, e esta é relacionada imediatamente a noção de impunidade.

​Contudo, como bem lembra Saraiva (2006, p. 48), “a circunstância de o adolescente não responder por seus atos delituosos perante a Corte Penal não o faz irresponsável”.

​De igual forma, não se pode justificar a redução da maioridade penal ao argumento de que resta impune o adolescente que pratica um ato infracional, até mesmo porque as sanções previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente são tão ou mais severas que as penas previstas para as mesmas condutas tipificadas como crimes no Código Penal. O que ocorre é a não-aplicação das medidas previstas pelo Estatuto, do mesmo modo como muitas penas previstas pelo Código Penal não são aplicadas em virtude de deficiências no funcionamento da Justiça Criminal ou na aplicação defeituosa da Lei de Execução Penal (PEREIRA, 2008, p. 18).

Desta feita, repita-se, o que ocorre é que da mesma forma que o sistema prisional brasileiro apresenta problema, as medidas socioeducativas também não vêm sendo aplicadas de forma adequada, e a reeducação do adolescente autor de ato infracional acaba corroborando para a reincidência, e principalmente para que os direitos e garantias sejam mitigados.

​Basta lembrar que as duas medidas socioeducativas mais gravosas – semiliberdade e internação, podem retirar o adolescente infrator do convívio social, a exemplo do que ocorre com a pena de prisão, tolhendo o bem jurídico mais precioso que o adolescente possui, qual seja, a sua liberdade, seja de forma ampla ou limitada.

​O que não se pode perder de vista, ao tratar do tema, como salienta Pereira (2008, p. 26), é que a criança e o adolescente, na atualidade, são sujeitos de direito, titulares de direitos fundamentais, e como tais devem ser tratados. E aplicar-lhes a pena de prisão vai de encontro ao disposto no art. 27 do Código Penal.

​Segundo Zaffaroni e Pierangeli (2007, p. 535), a imputabilidade penal é a “imputação física e psíquica, mas nem a lei e nem a doutrina a utiliza com tamanha amplitude. Em geral, com ela se pretende designar a capacidade psíquica de culpabilidade”.

​Acrescenta Fragoso (2006, p. 242) ser a condição de maturidade que confere ao agente a capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de se determinar segundo esse entendimento. Trata-se da capacidade genérica de entendimento da ilicitude do seu comportamento e de autogoverno, que tem o maior de 18 anos de idade.

​De acordo com Costa (2002, p. 27), deve-se ter muita cautela ao fixar a idade para a responsabilização penal, pois o fato de se encontrar em desenvolvimento biopsicossocial clama atenção especial para fins de reprovação sancionatória, assim como se observa com cautela a forma e intensidade das penas impostas aos adultos.

Ademais, inexiste comprovação de que a redução da maioridade penal contribuirá para diminuir os índices de criminalidade que assola o país, e muito menos reduzirá a violência. Levar ao cárcere o adolescente infrator não parece ser o acertado, pois as medidas socioeducativas se encontram previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, e ao lado das medidas de proteção são capazes de proporcionar a reeducação do infrator sem, contudo, afrontar as garantias e direitos fundamentais desses seres em desenvolvimento.

​Vale lembrar, ainda, que o disposto no referido dispositivo encontra amparo, ainda, no art. 228 da Constituição da República, o qual consagra a inimputabilidade penal dos sujeitos com idade inferior a 18 anos, o que é repetido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que em seu art. 104 expressamente dispõe que “são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei” (BRASIL, 1990).

​Não é demais salientar a questão da inimputabilidade do menor de 18 anos de idade não se limita à capacidade de discernimento do adolescente em conflito com a lei, pois o tratamento diferenciado é fruto, também, da evolução histórica dos diretos humanos.

​Desta feita, quando o legislador brasileiro adota a idade de 18 anos como marco de desenvolvimento mínimo para atribuir ao agente a capacidade de culpabilidade, considera determinados níveis de desenvolvimento biológico e de normalidade psíquica, necessários para compreender a natureza proibida de suas ações e orientar o comportamento de acordo com essa compreensão, sem que isso implique, como já pontuado alhures, a impunidade do adolescente infrator.


3. Conclusão

​A maioridade penal, tema sempre em voga, e que pode ser abordado sobre diversos prismas, demonstra que as discussões quanto a inimputabilidade penal do menor de 18 anos de idade é questão complexa, e que apesar da presunção legal de que a criança e o adolescente, por se encontrarem em fase de desenvolvimento, não possuem condições de serem responsabilizados pela prática de atos infracionais, de forma semelhante aos adultos, divide a opinião não apenas dos operadores do Direito, mas da sociedade como um todo.

​Não obstante, grande parte dos argumentos levantados são desprovidos de comprovação científica, e se devem ao clamor social de ver diminuídos os índices de criminalidade que assolam o país.

​Um dos grandes problemas é o fato de ser a inimputabilidade do adolescente relacionada à noção de impunidade, o que ignora o fato de serem os menores de 18 anos responsabilizados nos termos da legislação especial, qual seja, o Estatuto da Criança e do Adolescente, que impõe ao infrator as medidas socioeducativas, dentre elas medida semelhante a pena de prisão, já que a liberdade do adolescente infrator também pode ser tolhida com a internação.

​Há de se observar, contudo, que a sociedade de outrora, quando o legislador fixou o limite de 18 anos para a responsabilização penal do agente era outra, e o que refletia no desenvolvimento físico e psíquico das crianças e dos adolescentes, muito embora a legislação da época não tenha se mostrado eficaz.

​Porém, se faz necessário reconhecer que a consagração da doutrina da proteção integral decorre da evolução dos direitos da criança e do adolescente, não apenas no âmbito interno, mas também reflete os direitos e garantias fundamentais consagradas nos Tratados e Convenções de Direito Internacional, dos quais o Brasil é signatário, e que preconizam a necessidade de proteção à criança e ao adolescente, esteja ele em conflito com a lei ou não.

​Se faz necessário, portanto, que o Estado implemente políticas públicas para que as medidas socioeducativas sejam eficazes, posto que a alteração da idade para imputabilidade penal não solucionará o problema da violência e da criminalidade, problemas estes cíclicos, de cunho social, e que não serão resolvidos com o encarceramento dos adolescentes infratores, até mesmo por que o sistema prisional apresenta graves problemas.

​Ademais, países que adotaram limites mais baixos para a responsabilização penal dos adolescentes não apresentaram resultados significativos no tocante à redução da maioridade penal, o que implica dizer que inexiste comprovação de que reduzir a idade para a responsabilização penal contribuirá, de forma eficaz, para a redução dos índices de criminalidade.

​A reeducação do adolescente infrator, e a adoção de medidas preventivas é, portanto, medida que se impõe, pois a idade para a responsabilização penal, hoje fixada em 18 anos, nos termos do art. 27 do Código Penal, em consonância com as normas e princípios constitucionais, atende a critérios biopsicossociais, não se justificando um retrocesso, com a aplicação do Direito Penal ao público juvenil, principalmente porque este não demonstrou-se eficaz no passado.

​Conclui-se, portanto, que a redução da maioridade penal é uma falácia, discurso imediatista e que na verdade, se implementado, pode acabar por contribuir para o agravamento do complexo problema da violência, já que contribuirá para levar ao cárcere um número ainda maior de pessoas, ignorando o fato de se tratar de seres em desenvolvimento, que precisam ter suas peculiaridades observadas, sem que isso implique em impunidade. ​


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Joao Ricardo Papotto. A falácia da redução da maioridade penal no ordenamento jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4300, 10 abr. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/37650. Acesso em: 29 mar. 2024.