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UM EXEMPLO DA TEORIA DA INTEGRAÇÃO E O PARLAMENTARISMO

UM EXEMPLO DA TEORIA DA INTEGRAÇÃO E O PARLAMENTARISMO

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O ARTIGO DISCUTE ASSUNTO CONCRETO ENVOLVENDO A REALIDADE NACIONAL E ESTUDA OS INSTITUTOS DO PARLAMENTARISMO E DO SEMIPRESIDENCIALISMO.

UM EXEMPLO DA TEORIA DA INTEGRAÇÃO E O PARLAMENTARISMO

ROGÉRIO TADEU ROMANO

Procurador Regional da República aposentado

Rudolph Smend, jurista alemão a que se deve a chamada teoria da integração, procurando assentar as bases de uma nova teoria do Estado, eminentemente social-democrática, dizia que “o Estado é uma permanente realidade que se renova com a participação e a adoção de todas as consciências, as quais, enquanto partícipes da finalidade comum e em seu sentido orientadas, representam a própria realidade do Estado expressa em atos e funções”.

Dizia ele:  “O Estado vive de um plebiscito que se repete todos os dias. Este fato da vida estatal é, por assim dizer, a sua substância medular, e é este fato que eu denomino integração”.

Ou seja: o governante deve se legitimar junto ao povo, todos os dias.

Com o termo integração, no estudo de uma democracia social, Smend indicou a adequação constantemente renovada pelos indivíduos e grupos, por meio de atos e funções, à ideia diretora da comunidade, aos valores ou às “imagens espirituais coletivas”.

Pois bem: como cidadãos brasileiros, poucos meses após as eleições gerais de 2014, grupos de oposição ao governo com discurso de esquerda, que foi reeleito, voltaram às ruas, no dia 12 de abril do corrente, para protestar contra a corrupção, a Presidente da República e seu Partido.

O Governante  não pode ficar acomodado e sentado no louro dos   votos que conquistou e ficar alheio à realidade social, perdendo a dinâmica do dia a dia da administração.

As manifestações são  um verdadeiro exercício de democracia, algo  que deve ser saudado de forma independente do ideal partidário de quem o defenda. É certo que  fala-se, por outro, num movimento de centro-direita que teria eclodido.

Na base desses protestos há, sem dúvida, uma irresignação diante da  ruína ética, econômica, politica, trazida pelo governo.

É sabido que empresas e as famílias estão sofrendo com a alta dos custos financeiros, que são consequência de uma má administração econômica. Com isso a degradação da renda e do emprego já são vistos à olhos vistos. Se bastasse, dados do IBGE, verdadeiramente preocupantes, revelam aumento de pessoas procurando trabalho, fruto da deterioração geral da economia doméstica. Isso é fato.

A Administração da Economia foi entregue, após as eleições, diante dos erros cometidos pelo governo no mandato anterior, a uma equipe de pensamento neoliberal, que contrasta com aquela outra, de pensamento econômico de esquerda.

Nesse bojo de medidas, está um aumento de contribuição sob a folha, com adoção de alíquota visivelmente desproporcional, ferindo os princípios da segurança jurídica e da proporcionalidade.

Há nítidos sinais de dificuldades nas relações institucionais entre o Executivo e o Parlamento, de sorte que, hoje, a chefia do Executivo, que deveria estar governando, ocupa um papel de “monarca que senta no trono e não governa”.

Assiste-se a um verdadeiro parlamentarismo branco. Não como aquele que tivemos, sob a Constituição de 1824, sob o poder do Imperador  chamado de moderador. Não  sob a solução arquitetada em 1961, num regime de emenda parlamentar à Constituição de 1946, e que vigorou até janeiro de 1963, edificado para impedir o Presidente João Goulart, de governar, em afronta à Constituição liberal-populista  que era vigente.

Ora, não há renúncia da chefe do Poder Executivo, que é um ato sabidamente unilateral; não há que falar de impeachment diante dos ditames da Constituição e da Lei 1.079, de 10 de abril de 1950, em face da noticiada inexistência de provas contra a Presidente, diante de fatos ocorridos no exercício do mandato, de participação no escândalo do lava-jato que trouxe prejuízos inestimáveis á Petrobras, dentro de um contexto de responsabilidade política. Por fim, impor o impeachment contra a Constituição  é golpismo, atitude que afronta o Estado Democrático de Direito, que é abraçado pela Constituição-cidadã de 1988. 

Não se pode falar na atuação de institutos como recall, próprios de uma democracia semidireta, que o Brasil não adota, como fórmula para retirada de governantes incompetentes e despreparados pelo povo, através do exercício do voto.

O recall é instituto onde se atribui ao povo o poder de suprimir os efeitos(revogar) os mandatos de seus representantes.

Já houve no Brasil essa experiência com o recall, na República Velha, do que se vê das redações das Constituições dos Estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Goiás, de 1891, e ainda de Santa Catarina, em 1892, onde o eleitorado podia votar objetivando  interromper o mandato de um parlamentar.

Mas o que preocupa é esse surgimento noticiado de parlamentarismo branco, que se faz, à margem da Constituição, que adota o sistema presidencialista no Brasil, dentro de uma tradição republicana. Assim, segundo se fala, os presidentes das duas casas parlamentares estariam dando a agenda governativa do país juntamente com o vice-presidente, que ficaria com as responsabilidades com relação às chamadas relações institucionais. Ora, o Vice-Presidente, a teor do artigo 79 da Constituição, substituirá o Presidente, em caso de impedimento, e suceder-lhe-á no de vaga.

Tal fenômeno existiria em face da perda de legitimidade da Presidência diante  das inquietações acima expostas.

A Constituição de 1988  não fala num modelo próprio francês, a partir de 1958, semipresidencial(onde, na França, o Presidente é responsável pela politica externa e o primeiro-ministro pela política interna). É frequente o fenômeno da coabitação no qual o chefe de governo(Primeiro-ministro) e o chefe de Estado(Presidente) são eleitos separadamente num mecanismo de freios e contrapesos. Ficou na França, o chamado sistema gaullista, com mais de quarenta anos de existência, que corresponde a um sistema semipresidencial, por o governo, livremente nomeado pelo Chefe do Estado(mas não livremente demitido), ser responsável politicamente perante o Parlamento. Ali o centro principal da decisão politica tem residido desde o inicio, no Presidente da República, por virtude da autoatribuição de um “domínio reservado”, como revelou Jorge Miranda(Teoria do Estado e da Constituição, 2003, pág. 105), em política externa e da defesa, da subalternização do Primeiro-Ministro, do apelo ao referendo e do exercício do poder de dissolução. Esse sistema se distancia do chamado semipresidencialismo português, onde o presidente preside, não governa, tendo poderes para dissolver o Parlamento, só com condicionamentos temporais, demitir o governo quando o exija o regular funcionamento das instituições, decidir sobre a convocação dos referendos, exercer o poder de veto por inconstitucionalidade etc. Já, na França, o Presidente tem o poder de submeter a referendo projetos de lei relativos à organização dos poderes e à ratificação dos tratados(artigo 11 da Constituição de 1958) e o de assumir, embora com consulta prévia de outros órgãos, poderes excepcionais em caso de estado de necessidade(artigo 16).

 Não temos um parlamentarismo como o alemão, surgido com a chamada Constituição de Bonn, onde o governo é composto por um Chanceler e por Ministros da sua escolha, que passa a ser responsável perante a Assembleia Federal. É a esta que, sob proposta do Presidente da República, compete eleger o Chanceler(artigo 63); e, se lhe manifestar desconfiança, ele terá de ser substituído(artigo 67). No entanto, a censura do Chanceler deverá ser acompanhada da indicação do seu sucessor. Em muito se aproxima ao parlamentarismo inglês.

O que pode acontecer com o chamado “parlamentarismo branco” é o distanciamento do presidencialismo, adotado pela Constituição, em ferimento à própria Constituição, em afronta: à separação dos poderes(os três poderes devem ser vistos como independentes); legitimação; governo(O Presidente da República é, simultaneamente, chefe de estado e chefe de governo, daí a ausência de um gabinete ministerial e a existência de secretarias de Estado, subordinadas ao Presidente, pois não há falar em governo colegial, permanecendo a definição de programas e a preparação das políticas públicas nos  esquemas organizativos da presidência ou até em  assistentes pessoais da mesma); ao Poder judiciário(um importante contra-poder) e ao controle(há controles dos poderes, uns sobre os outros, como se vê da atuação procedimental das duas casas legislativas no  impeachment, no  poder de veto do presidente com relação às leis que são emanadas  do Poder Legislativo etc).

Lembre-se que a harmonia entre os órgãos do poder exterioriza-se pelas seguintes notas, como lembrou Uadi Bulos(Constituição Federal anotada, 6ª edição, pág. 90): cortesia e trato respeitoso entre os órgãos do poder, no que concerne à manutenção das prerrogativas. Isso não impede, de modo algum, a interferência de um órgão no outro, a fim de assegurar a manutenção de mecanismos de freios e contrapesos, para garantir as liberdades públicas, evitando o arbítrio e o autoritarismo.

A independência a que se refere o artigo 2º da Constituição delineia-se: pela investidura e permanência das pessoas num dos órgãos do governo, as quais ao exercerem as atribuições que lhes foram conferidas, atuam num raio de competência próprio, sem a ingerência de outros órgãos, com total liberdade, organizando serviços e tomando decisões livremente, sem qualquer interferência alheia, mas permitindo colaboração quando a necessidade o exigir. A independência das funções do poder político(São poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário), uno e indivisível, exterioriza-se pelo impedimento de uma função se sobrepor à outra, admitidas as exceções participantes do mecanismo do sistema de freios e contrapesos.

Na linha histórica, já registrada no artigo 6º, parágrafo único da Emenda Constitucional n.1/69, salvo exceções previstas na Constituição, dir-se-á que é vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições.

Estipula o artigo 9º, IV, da Lei 1079, de 10 de abril de 1950, que é crime de responsabilidade do Presidente da República,   expedir ordens ou fazer requisição de forma contrária às disposições expressas da Constituição. 


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