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Breve exposição dos interesses ou direitos tutelados na ação civil pública

Breve exposição dos interesses ou direitos tutelados na ação civil pública

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É necessário entender e delimitar cada tipo de interesse tutelados pela ação civil pública, também denominados de interesses metaindividuais, previstos no Código de Defesa do Consumidor, no art. 81, parágrafo único, incisos I, II e III.

1. Interesses ou direitos tutelados na Ação Civil Pública

A ação civil pública está regida pela Lei 7.347/85, assim como também em legislações complementares. De forma simples, pode-se afirmar que a ação civil pública serve de instrumento para a defesa das pessoas portadoras de deficiência; ao meio-ambiente; ao consumidor; ao patrimônio público e social; os bens e direitos de valor artístico, estético e histórico turístico, paisagístico; contra infrações à ordem econômica e a economia popular; e também de outros interesses difusos e coletivos.

A Lei 8.078/90 ampliou de maneira considerável os interesses que podem ser tutelados, porque abarcou os difusos, coletivos e inovou trazendo também os direitos individuais homogêneos. Este último é objeto de grande divergência doutrinária e jurisprudencial, sobretudo do STJ que entende que a tutela dos direitos individuais homogêneos aplica-se no âmbito das relações consumeristas, apenas. Com a devida, data venia, a defesa dos direitos individuais homogêneos devem ser estendidas além da relação de consumo para que se possa atingir a finalidade desse instrumento que é a proteção da coletividade, em todos os seus aspectos.

É necessário entender e delimitar cada tipo de interesse tutelados pela ação civil pública, também denominados interesses metaindividuais, previstos no Código de Defesa do Consumidor, no art. 81, parágrafo único, incisos I, II e III. Prima facie, o art. 81, parágrafo único da Lei 8.078/90 traz em seus incisos a expressão “interesses ou direitos”. A diferença entre estes, reside no fato de como se refere a grupos de pessoas, muitas vezes até indeterminadas, não tem como saber de forma cabal quais os direitos subjetivos de cada um, bastando, apenas, chegar aos interesses desse grupo. Portanto, preferimos adotar ambas as terminologias.

Os direitos difusos são “interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato” (CDC, art. 81, parágrafo único, inc. I). Ou seja, há uma grande quantidade de sujeitos, mas estes são indeterminados. Se o sujeito for determinado, não se trata de direitos difusos. Nos direitos difusos, o bem jurídico é indivisível, porque não é possível delimitar a quota de cada um. Então o que importa é a proteção do grupo de pessoas, sendo esta a finalidade das ações coletivas. O direito em pauta também deve ser considerado unitário.

Nos interesses coletivos em sentido estrito o bem da vida também está em estado de indivisão. Outra característica, a respeito dos interesses difusos é que os interessados estão ligados por circunstancias de fato (relação fática), diferente do que ocorre nos interesses coletivos, no qual as pessoas são determinadas ou determináveis já que estão ligadas por uma relação jurídica anterior a lesão ou ameaça de lesão. São direitos/ interesses provenientes de grupos, categorias ou classe de pessoas ou ligadas à parte contrária, como se percebe da definição legal do art. 81, parágrafo único, inc. II, CDC.

Como é cediço, o legislador no art. 81, parágrafo único, inc. III do Código de Defesa do Consumidor, permitiu que os interesses individuais homogêneos fossem tutelados por meio da ação civil pública, influenciado de certa forma pela class action.

Entretanto, os interesses individuais homogêneos já se encontravam presentes no direito processual, e.g. litisconsórcio facultativo. A inovação advém da possibilidade de uma defesa coletiva, o que significa que “eles são verdadeiros interesses individuais, mas circunstancialmente tratados de forma coletiva.” [1]

Nos interesses individuais homogêneos todos os sujeitos são identificáveis e a natureza do direito é divisível; a homogeneidade está no fato gerador ser único. Não é preciso uma relação jurídica-base anterior a lesão, já que pode vir a surgir do próprio ato lesivo. Tanto é, que publica-se um edital convocando os interessados para que venham a intervir no processo como litisconsortes (CDC, art. 94). É permitido que a pessoa que tenha demandado individualmente sobre o mesmo direito possa requerer a suspensão deste processo para integrar a ação coletiva (CDC, art. 104).

Há alguns critérios trazidos pela doutrina para diferenciar os tipos de interesses ou direitos presentes no caso concreto. Pelo caráter da tutela pleiteada pode ser afirmado que nos direitos difusos a tutela será preferencialmente inibitória ou preventiva, já o pedido normalmente, consiste numa obrigação de fazer ou não fazer, na impossibilidade destas, e cabível a conversão em perdas e danos. Na tutela de direitos coletivos strictu sensu é de maior incidência a obrigação de fazer do que a de não fazer. Nas de interesses individuais homogêneos é a condenação pecuniária porque a satisfação do direito na fase de execução será concretizada individualmente. Por fim, há ainda outro critério bastante útil e didático nas palavras do professor Ronaldo Cunha Campos[2]:

Se o objeto for divisível, o interesse será sempre individual homogêneo. Já se for indivisível, poderá ser difuso ou coletivo em sentido estrito. Nesse caso deve ser analisado o sujeito, pois, se ele for indeterminado, o interesse é difuso; sendo ele determinável, o interesse é coletivo.

2. Legitimidade para agir.

De acordo com o art. 5º da i da Ação Civil Pública têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: o Ministério Público; a Defensoria Pública; a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; a associação que, concomitantemente: esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil e que inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

Entretanto, será objeto de enfoque a legitimidade do Ministério Público na Lei 7.347/1985. Este tem legitimidade extraordinária já que tem como finalidade a defesa do interesse público primário. Conforme a interpretação do art. 6º do Código de Processo Civil surge à legitimidade extraordinária quando for possível uma pessoa defender direito alheio em nome próprio, já que não são partes os sujeitos da relação jurídica de direito material objeto da lide. O Parquet tem legitimidade para tutelar direitos difusos e coletivos, e como é notório, nos direitos difusos estes não possuem titulares determinados e os bens são indivisíveis.

É de suma importância caracterizar a natureza jurídica da legitimação para a ação civil pública, e conforme os ensinamentos do mestre Pedro Lenza[3]:

Pode-se dizer, então, por todo o exposto, que a legitimação para a tutela coletiva é extraordinária, autônoma, exclusiva, concorrente e disjuntiva: a) extraordinária, já que haverá sempre substituição da coletividade; b) autônoma, no sentido de ser a presença do legitimado ordinário, quando identificado, totalmente dispensada; c) exclusiva em relação à coletividade substituída, já que o contraditório se forma suficientemente com a presença do legitimado ativo; d) concorrente em relação aos representantes adequados, entre si que concorrem em igualdade para a propositura da ação; e e) disjuntiva, já que qualquer entidade poderá propor a ação sozinha, sem a anuência, intervenção ou autorização dos demais, sendo o litisconsórcio, eventualmente formado, sempre facultativo.

Todavia, o Ministério Público antes de ajuizar determinada ação civil pública verificará a existência de interesse público, pois se assim não ocorresse, acabaria sendo imposto ao Ministério Público ajuizar diversas ações coletivas, como se fosse um único legitimado, ou como outro efeito uma quantidade enorme de demandas coletivas ajuizadas de maneira repentina que levariam a sociedade ao descrédito na seriedade da tutela coletiva e por via reflexa na própria instituição. Em outros termos, o promotor não será considerado sujeito ativo do crime de prevaricação (art. 319 CP).

Por conseguinte, os direitos individuais homogêneos, desde que sejam indisponíveis podem ser tutelados pelo Parquet, já que estão em conformidade com o caput do art. 127 da Carta Magna que assim dispõe: “O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.

São princípios basilares do Parquet: a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional, mas é cabível a atuação conjunta do Ministério Público Federal e Estadual, através da assistência litisconsorcial ou litisconsórcio ulterior, como modo mais amplo e eficaz de proteção dos interesses coletivos.

No processo civil, em regra, o Ministério Público pode atuar como parte, fiscal da lei ou auxiliar da parte. O art. 5°, § 1° da Lei 7.347/85 estabelece que “O Ministério Público, se não intervier no processo como parte, atuará obrigatoriamente como fiscal da lei”, mas essa divisão simétrica de função (parte ou custus legis) para o professor Vicente Greco Filho[4] estaria defasada e incorreta, porque é parte todo aquele que atua no contraditório perante o juiz; sendo assim, o Ministério Público pode defender um interesse público determinado ou indeterminado.

Sobre a função de fiscal da lei é esclarecedora a seguinte afirmação de Galeno Lacerda[5]:

 Assim como ele pode recusar a representação que lhe for encaminhada por qualquer povo, como consta adiante na lei, assim também, no momento em que ele ingressa, como fiscal da lei, numa ação proposta por outro órgão legitimado, ele poderá também se opor a ela, entender que não é o caso de deferimento ou de procedência daquela pretensão.

Então, a função de custus legis está baseada no livre convencimento do promotor para saber se há ou não direitos metaindividuais sofrendo lesão ou ameaça de lesão. Agir de forma oposta a essa levaria a inconstitucionalidade, já que feriria a garantia constitucional da independência do Ministério Público e da sua autonomia funcional prevista no art. 127, §§ 1° e 2° da CRFB/88. Pela interpretação gramatical do art. 5°, § 3° da Lei 7347/85, o Parquet sempre irá assumir a legitimidade da ação quando houver desistência ou abandono da ação pela associação legitimada, mas para isso, é imprescindível a existência de relevante interesse social e a desistência ou abandono seja infundada.

Ajuizada a ação civil pública pelo Ministério Público, e por ser o objeto indisponível, não poderá vir a desistir da demanda, mas apenas opinar pela improcedência da ação, através do exame das provas colhidas no processo. Se for autora da ação uma associação e esta após 60 dias da sentença condenatória não vier a promover a execução, cabe ao Parquet promovê-la, e por fim, não há incidência o ônus da sucumbência nas ações civis propostas por essa Instituição.

Por fim, tem legitimidade passiva na propositura da ação civil pública qualquer pessoa, seja física ou jurídica, e até mesmo entes da Administração Pública direta e indireta, que sejam responsáveis pela ofensa ou ameaça de lesão aos interesses transindividuais.


[1] CAMPOS, Ronaldo Cunha. Ação civil publica. Rio de Janeiro: Aide, 1995, p. 60.

[2] Ibidem, p. 67.

[3] LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 193.

[4] GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 17. ed. atualizada São Paulo: Saraiva, 2003,  v. 1, p. 156.

[5] LACERDA, Galeno. Ação Civil Pública.  Revista do MP do Rio Grande do Sul, n. 19, 1986 (conferência produzida em 17.10. 1985).




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