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Responsabilidade civil das incorporadoras decorrente da morosidade na entrega da obra

Responsabilidade civil das incorporadoras decorrente da morosidade na entrega da obra

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O setor econômico imobiliário é hoje de tamanha relevância para o Brasil. Tanto é assim, que o País já enfrentou grande crise econômica devido a infortúnios no referido setor, sobretudo no que diz respeito à alienação de imóveis em planta.

Resumo: O presente trabalho foi realizado tendo em vista a grande relevância do setor econômico imobiliário hodierno no Brasil. O mercado imobiliário é hoje um dos maiores setores econômicos do país. Tanto é assim, que no ano de 2001, conforme se verificará ao longo do presente estudo, o Brasil passou por uma grande crise econômica devido a infortúnios no setor imobiliário, sobretudo no que diz respeito à alienação de imóveis em planta. Este estudo, portanto, trata de maneira sistemática, de todo o arcabouço jurídico condizente à alienação de imóveis em planta. Partiu-se da análise do nascedouro constitucional do tema, fazendo um enfoque principiológico do instituto da incorporação imobiliária, instituto esse, obrigatório para aqueles que pretendem alienar imóveis em planta. Logo após, passou-se à tratativa do procedimento pelo qual se regulariza um empreendimento imobiliário submetido ao regime da incorporação no Cartório de Imóveis. Verificou-se, ainda, a relação contratual existente no procedimento da incorporação. Em seguida, analisou-se o instituto da responsabilidade civil, para que, finalmente, se chegue à conclusão de quais os danos são ocasionados aos adquirentes de imóveis na planta quando há o efetivo atraso na entrega da obra e como devem ser responsabilizadas as incorporadoras nos casos desse atraso.

Palavras-chave: Incorporação imobiliária. Unidades autônomas. Responsabilidade civil.

Sumário:

Introdução. 1. Natureza constitucional do tema. 1.1. Direito de propriedade. 1.2. Função social da propriedade. 2. Incorporação imobiliária. 2.1. Origem. 2.2. Instituto jurídico da incorporação imobiliária. 2.3. Passos preponderantes para a evolução histórica da incorporação. 2.4. O patrimônio de afetação. 2.5. O contrato de incorporação e seus objetivos. 2.6. Distinção entre construtor e incorporador. 2.7. O registro da incorporação. 2.8. Da publicidade do registro. 2.9. Fé pública do registro. 2.10. Regularização da construção e a entrega da obra. 2.11. A morosidade na entrega da obra. 3. Responsabilidade civil – noções gerais. 3.1. Espécies de responsabilidade civil. 3.1.1. Responsabilidade civil subjetiva e objetiva. 3.1.2. Responsabilidade civil contratual e extracontratual. 3.2. Pressupostos gerais da responsabilidade civil. 3.2.1. Conduta. 3.2.2 Dano. 3.2.3. Nexo de causalidade. 3.2.4. Culpa. 4. A responsabilidade civil das incorporadoras decorrente da morosidade na entrega da obra.

INTRODUÇÃO

Hodiernamente, ao sair de casa é evidentemente comum se deparar com inúmeros anúncios acerca de novos empreendimentos imobiliários. O momento é de superaquecimento no setor. Ocorre que a atividade midiática traz várias informações publicitárias de novos imóveis, comercializando e fomentando, portanto, o sonho da casa própria.

A aquisição de imóvel na planta traz vantagens aos adquirentes, sobretudo sob o ponto de vista econômico, tornando-se ainda mais rentável e interessante quando se está diante de uma incorporadora de renome e confiável.

Com tamanha demanda, porém, não é raro vislumbrar casos em que incorporadoras não conseguem executar o empreendimento dentro do prazo preestabelecido contratualmente. É, neste ínterim, que o sonho do lar, doce lar, se torna verdadeiro pesadelo, trazendo aos adquirentes transtornos variados como, frustração, indignação e prejuízos. Em sendo assim, diante da grande repercussão social que atrasos na entrega de obras provocam, buscou-se dissertar acerca da responsabilidade civil das incorporadoras decorrente da morosidade na entrega de obras.                                                                                              

Apenas a título introdutório, visto que se tratará das minúcias do tema mais adiante, em tempos não muito longínquos, mais precisamente no ano de 2001, a demora das incorporadoras e construtoras na entrega de determinadas obras contratadas e a posterior decretação de falência destas, fez com que o Brasil enfrentasse uma avassaladora crise no setor da construção civil, o qual, por sua vez, perdeu a sua credibilidade frente a mutuários, investidores e financiadores de obras. (ALMEIDA, 2005).

 Prejuízos incalculáveis causados a diversos mutuários; sonho da casa própria “engolido”[1] pela irresponsabilidade de administradores das empresas que objetivavam a execução de obras e à comercialização das mesmas em planta; e  possível crise instalada no âmbito econômico brasileiro, tratam-se de problemáticas que objetivou-se analisar ao longo dessa pesquisa.

A presente obra é dividida em quatro capítulos, dentre os quais no primeiro pretendeu-se analisar a constitucionalização do tema, isto é, o nascedouro constitucional do tema sob uma perspectiva principiológica, averiguando o direito de propriedade e a função social da propriedade.

O segundo capítulo, por sua vez, foi elaborado com o intento de realizar uma análise acerca da incorporação imobiliária, instituto, através do qual, empreendedores buscam efetuar a comercialização de imóveis em planta. No presente capítulo, partiu-se da origem do instituto, passando pela análise de suas características, evolução histórica, a relação contratual existente entre incorporador e adquirentes, o procedimento registral da incorporação, as maneiras mais comuns de alienar unidades de um empreendimento em planta, as obrigações do incorporador, até chegar, finalmente, na regularização da construção e entrega da obra avençada.

Por seu turno, no terceiro capítulo foi abordado o instituto da responsabilidade civil, partindo também de sua origem, averiguando suas noções gerais, suas espécies e seus pressupostos gerais.

Por fim, no derradeiro capítulo foram sustentados fundamentos pertinentes à responsabilização civil das incorporadoras quando ocorre, por parte destas, o efetivo atraso na entrega das obras aos seus respectivos adquirentes.

Utilizou-se durante essa pesquisa uma metodologia de vertente jurídico-dogmática, vez que se objetivou trazer à baila legislações, jurisprudências provimentos e entendimentos doutrinários que dizem respeito ao direito de propriedade, à incorporação imobiliária, ao registro público, às relações contratuais e à responsabilidade civil, para confrontá-los e chegar à conclusão de como devem ser responsabilizadas as incorporadoras em razão da demora na entrega de imóveis comercializados em planta.

Valeu-se de um raciocínio dialético onde se buscou apresentar opiniões e argumentos dos mais variados estudiosos do tema visando alcançar, de maneira crítica, um entendimento o qual se julga mais apropriado.

Neste diapasão, com o trabalho em voga, o que se pretendeu foi enxertar acerca de como se dá o procedimento de comercialização de imóveis na planta, e chegar a qual(is) responsabilidade(s) pode(m) ser atribuída(s) à(s) incorporadoras nos casos em que há a efetiva morosidade na entrega da obra, para que cada vez mais os adquirentes de imóveis em planta sejam informados, esclarecidos e tutelados, tudo para que tenham maior segurança jurídica, estímulos para realizar a aquisição de imóveis e haja uniforme imposição, aos incorporadores, da obrigação de reparar os danos oriundos do atraso na conclusão do empreendimento contratado.

1- Natureza constitucional do tema

Assim como acontece com todo instituto jurídico, deve-se começar a analisar o presente tema de acordo com os princípios constitucionais existentes.

Aquele que pretende promover e realizar determinada construção composta de unidades autônomas, que podem consistir em apartamentos, salas, escritórios, garagens, mercados, estações rodoviárias, shoppings centers etc, com o intuito de aliená-las, antes mesmo de concluída a edificação, deve-se se submeter ao instituto de incorporação imobiliária (BRASIL, 1964), que por sua vez, é ladeado de princípios existentes em normas constitucionais que devem ser verificados (VARGAS, 2010).

Registram-se na Carta Constitucional de 1988 algumas previsões importantes em sede de incorporação imobiliária, as quais devem ser observadas para que não se dirija, posteriormente, a equívocos que por sua vez podem levar a flagrantes inconstitucionalidades, o que acabaria por ferir o ordenamento jurídico brasileiro sob um prisma jurídico-principiológico.

Portanto, partindo de uma análise principiológica, há de se observar as previsões constitucionais que ladeiam o instituto da incorporação imobiliária, mormente o direito de propriedade e a função social da propriedade, princípios que se passam a observar.

1.1 Direito de propriedade          

A Constituição da República Federativa de 1988, ao tratar dos direitos e garantias fundamentais, estabelece em seu art. 5º, caput, que é garantido a todos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país o direito à propriedade. Tanto é assim, que o inciso XXII do referido artigo insculpe ipsis literis que “é garantido o direito de propriedade”. (BRASIL, 2014, p. 10).

Ao elevar o direito à propriedade a status constitucional, quis o legislador constituinte garanti-lo a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no País como direito fundamental e pétreo, que constitui em instrumento hábil a limitar a atuação estatal frente aos indivíduos, bem como instituir a sua inviolabilidade. (VARGAS, 2010).

De acordo com Orlando Gomes, o conceito de Direito de propriedade deve ser feito à luz dos critérios sintético, analítico e descritivo, senão veja-se: “Sinteticamente, é de se defini-lo, com Windscheid, como a submissão de uma coisa, em todas suas relações, a uma pessoa. Analiticamente, o direito de usar, fruir e dispor de um bem, e de reavê-lo de quem injustamente o possua. Descritivamente, o direito complexo, absoluto, perpétuo e exclusivo, pelo qual uma coisa fica submetida à vontade de uma pessoa, com as limitações da lei.” (GOMES, 2007, p. 109).

Por outro lado, de acordo com o refinamento técnico que o Código Civil lhe deu, o direito de propriedade consiste na faculdade em que o proprietário tem em usar, gozar e dispor da coisa que encontra em seu poder, bem como reivindicá-la de quem quer que injustamente a possua ou detenha[2]. (BRASIL, 2013).

O proprietário de um terreno, portanto, tem a faculdade de usá-lo da maneira que melhor lhe aprouver, devendo, contudo, observar as diversas limitações que o direito à propriedade sofre.

Conforme ensinamentos de Sílvio de Salvo Venosa, “são muitas e cada vez mais numerosas as leis que interferem na propriedade. A exigência de limitação decorre do equacionamento do individual e do social” (VENOSA, 2014, p.177).

São inúmeras as naturezas das limitações que sofre o direito de propriedade. Pode-se citar, por exemplo, limitações de natureza administrativa, tais como a desapropriação e a requisição; de natureza voluntária, tal como a imposição de cláusula de inalienabilidade em doações ou testamentos; dentre outras tantas (GOMES, 2007).

Mas de todo modo, é indubitável a possibilidade de construção de unidades autônomas, no terreno a que se exerce o domínio, com o intuito de aliená-las, como ocorre com o regime jurídico da incorporação imobiliária, devendo, o proprietário, para tanto, observar as limitações administrativas decorrentes da legislação municipal.

1.2- Função social da propriedade

Como visto alhures, o direito de propriedade é um direito fundamental garantido a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país (BRASIL, 2014) através do qual o proprietário possui faculdades jurídicas, de índole subjetiva, consistentes em usar, gozar e dispor da coisa que encontra em seu poder bem como reivindicar a coisa de quem quer que injustamente a possua ou detenha. (BRASIL, 2013).

Entretanto, vale dizer que, de um lado, o Estado garante o direito fundamental à propriedade ao particular, mas, em via oblíqua, limita a atuação dos indivíduos frente a esse direito (VENOSA, 2014). Isso equivale a dizer que as faculdades de usar, gozar, dispor e reaver a coisa que o proprietário domina, não são absolutas, eis que, o Estado, inspirado no critério da predominância do interesse público, impõe algumas medidas para que o proprietário exerça o seu direito. Destarte, o proprietário é sacrificado em algumas das suas faculdades, contra a sua vontade, no interesse da coletividade (GOMES, 2007).

É nesse diapasão, que o legislador constituinte originário, insculpiu no art. 5º, inciso XXIII, da Carta Magna de 1988, que “a propriedade atenderá a sua função social.” (BRASIL, 2014, p. 11).

O legislador constituinte, diante da redação do dispositivo acima, buscou fazer com que o proprietário desse à sua propriedade, uma destinação capaz de atender uma finalidade social. Conforme ensina José Mário Delaiti de Melo, “a locução função social traduz o comportamento regular do proprietário, exigindo que ele atue numa dimensão na qual realize interesses sociais, sem a eliminação do direito privado do bem que lhe assegure as faculdades de uso, gozo e disposição. Vale dizer, a propriedade mantém-se privada e livremente transmissível, porém detendo finalidade econômica adequada às atividades urbanas e rurais básicas” (MELO, 2013).

As constantes limitações que o direito de propriedade vem sofrendo, por intervenção estatal, de interesse social e do bem público é que passaram a desenvolver a diretriz da chamada função social da propriedade. Atender a função social da propriedade traduz em dar uma destinação à coisa de que é proprietário, de maneira a respeitar os direitos da coletividade. O proprietário, ao exercer suas faculdades jurídicas, não o pode fazer de maneira a prejudicar a comunidade, seja de forma direta ou indireta. (VARGAS, 2010).

Em sendo assim, deve-se observar o § 1º, artigo 1.228, do Código Civil de 2002, o qual traz à baila que o “direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas”. (BRASIL, 2013).

Vê-se, então, que o proprietário de determinada coisa, deve exercer os direitos que a lei lhe confere, de maneira a respeitar, de todo modo, os interesses da coletividade, se valendo da coisa que detém o domínio, empregando-a para o crescimento da riqueza e solidariedade sociais, não prejudicando os demais direitos da comunidade. (FIUZA, 2004).

Portanto, aquele que detenha o direito de propriedade sobre um determinado terreno, e deseja exercê-lo construindo uma edificação composta de plurais unidades autônomas, com o intuito de aliená-las, pode assim proceder, desde que o faça em consonância com a função social da propriedade de que é titular (FARIAS; ROSENVALD, 2006). E é indubitável que a intenção de edificar atende a função social da propriedade. Tanto é assim, que o proprietário do terreno se vale de sua propriedade, para construir, geralmente, novas moradias, proporcionando, nesta esteira, maiores unidades habitacionais para população em geral.

Noutro giro, quando se dá a construção e a efetiva alienação de cada unidade autônoma, há uma grande arrecadação por parte do fisco municipal quando do recolhimento de impostos necessários à regularização do empreendimento, o que pode traduzir em novas implementações a toda coletividade por parte do governo municipal. Importante salientar, que até o Poder Judiciário arrecada com a regularização do empreendimento quando do recolhimento das taxas cartorárias[3] no momento em que os adquirentes das unidades autônomas registram em seus respectivos nomes suas novas propriedades, o que, em tese, daria a esse poder uma maior condição de oferecer uma melhor prestação jurisdicional aos seus jurisdicionados. (COÊLHO; SANTIAGO, 2010).

2-  Incorporação imobiliária

2.1 Origem

A origem do instituto da incorporação imobiliária remonta à época da Revolução Industrial. (ÂNGELA, 2009).

Com a grande transformação nos métodos de trabalho que a Revolução Industrial contemplou, mormente a transição de métodos de produção artesanais para a produção por máquinas, isto é, a fabricação de produtos por novos procedimentos de produção em massa, trouxe para as cidades grande quantidade da população rural em busca de empregos e melhores condições de vida. (CAMPOS; MIRANDA, 2005).

Nesse diapasão, têm-se os ensinamentos de Maria Ângela: “Com o êxodo rural, necessário se fez buscar moradia para estas pessoas e assim adotou-se a superposição habitacional, a princípio chamados sobrados, onde o proprietário de um terreno pequeno e estreito podia construir lateralmente sobre a casa do vizinho ao lado sob o regime de servidão. Todas as casas eram consideradas térreas por não serem individualizadas. Mesmo assim faltavam imóveis e a migração continuava grande provocando crise habitacional nas cidades o que fez com que se projetassem construções com mais pavimentos superpostos com proprietários diversos compartilhando o mesmo prédio. Surgiu assim o Condomínio que precisando receber normatização acabou por dar surgimento à incorporação imobiliária destinada a criar propriedades imóveis submetidas ao regime de condomínio especial”. (ÂNGELA, 2009).

Finalmente, em 1964 foi elaborada e aprovada a Lei federal 4.591, que, de maneira específica, veio regrar o regime construtivo por Incorporação Imobiliária, visando à venda de unidades autônomas na planta em fase de construção. (ROSSI, 2004).

2.2 Instituto jurídico da incorporação imobiliária

A palavra incorporação deriva-se do latim e forma-se da junção do sufixo in (em) e do verbo corporare (corporar), levando a entender-se como “colocar no corpo” ou “unir a um só corpo”. Incorporare veio expressar a junção de coisas na formação de uma realidade (RIZZARDO, 2012). É justamente aí que reside a idéia de incorporação imobiliária.

A Lei 4.591/64, no parágrafo único do art. 28, define o conceito de incorporação imobiliária, senão veja-se: “Considera-se incorporação imobiliária a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações, ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas” (BRASIL, 1964).

Repara-se, então, que, com o instituto jurídico da incorporação imobiliária, o incorporador tem o ânimo de criar, num determinado terreno, várias unidades autônomas, que podem consistir em apartamentos, salas, escritórios, garagens, mercados, estações rodoviárias, shoppings centers etc, que juntas, formarão um único corpo, denominado edifício. São, portanto, várias unidades as quais, juntamente, formam um único corpo, e serão alienadas na planta, antes mesmo de efetivada suas respectivas construções.

O incorporador que pretende edificar um prédio composto de 9 (nove) unidades residenciais autônomas num determinado terreno, como por exemplo, 9 (nove) apartamentos, aliena as frações ideais deste terreno, para os nove adquirentes que pretendem comprar estes apartamentos na planta. Estabelece-se, assim, um condomínio geral sobre o terreno, onde os nove adquirentes são proprietários de suas frações ideais, que futuramente corresponderão seus respectivos apartamentos. Mais tarde, o que era condomínio geral exercido sobre esse terreno, se torna condomínio edilício quando da conclusão do empreendimento, onde cada proprietário exercerá o domínio de seu respectivo apartamento. (RIZZARDO, 2012).

Caio Mário da Silva Pereira, traz em sua obra “Condomínio e Incorporações”, uma situação hipotética em que leva à constituição do contrato de incorporação imobiliária: “Um indivíduo procura o proprietário de um imóvel bem situado, e incute-lhe a idéia de realizar ali a edificação de um prédio coletivo. Mas nenhum dos dois dispõe de numerário e nenhum deles tem possibilidade de levantar por empréstimo o capital, cada vez mais vultoso, necessário a levar a termo o empreendimento. Obtém, então, opção do proprietário, na qual se estipulam as condições em que este aliena o seu imóvel. Feito isso, vai o incorporador ao arquiteto, que lhe dá o projeto. De posse dos dados que lhe permitem calcular o aspecto econômico do negócio, participação do proprietário, custo da obra, benefício do construtor e lucro, oferece à venda as unidades. Aos candidatos à aquisição, não dá um documento seu, definitivo, ou provisório, mas deles recebe uma “proposta” de compra, em que vêm especificadas as condições de pagamento e outras minúcias. Somente quando já conta com o número de subscritores suficientes para suportar os encargos da obra é que o incorporador a inicia.” (PEREIRA, 1999, p. 231).

Noutra análise, acerca do contrato de incorporação imobiliária tem-se o magistério de Orlando Gomes, segundo o qual “Obriga-se uma pessoa a promover a construção de um edifício dividido em unidades autônomas para distintos adquirentes da respectiva fração ideal do terreno, sob o regime de condomínio especial, com a sua transferência antes de concluída a sua construção. Trata-se de um negócio jurídico que tem o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, da edificação composta de unidades autônomas” (GOMES, 2001, p. 441).

Na incorporação aqui estudada, portanto, há um imóvel, em cima do qual se pretende construir. Para tanto, o incorporador aliena as frações ideais do terreno, que futuramente corresponderão, cada qual, a uma unidade autônoma específica, quando do término do empreendimento.

2.3 Passos preponderantes para a evolução histórica da incorporação

O tratamento legislativo sobre a incorporação imobiliária no Brasil se dá pela Lei nº 4591/64. Houve modificações trazidas pela Lei nº 4864/65, e, dentre outros diplomas, pela Lei nº 10931/04. Está a Lei 4591/64 regulamentada pelo Decreto nº 55815/65. (ROSSI, 2004).

A modificação mais importante trazida à Lei 4591/64, se refere à Lei 10.931/04. Antes do advento desta, havia inúmeros casos de incorporadoras que se encontravam em dificuldades financeiras, comprometendo-se os recursos financeiros de um empreendimento, com outros anteriormente iniciados, o que o mercado imobiliário chamou naquela época de “efeito bicicleta”[4]. Essa denominação surgiu pelo círculo vicioso que se formou em razão deste comprometimento do patrimônio de um novo empreendimento com o patrimônio do empreendimento anterior, o que deixava os adquirentes de imóveis na planta numa situação notória de vulnerabilidade. (FANTI e outros, 2011)

Como exemplo, tem-se o famoso e memorável caso da construtora Encol, que, para levantar inicialmente um novo empreendimento, alienava unidades do empreendimento anterior, e ainda em fase de conclusão, junto a bancos e fornecedores para gerar recursos, já tendo, porém, comercializado tais unidades com os respectivos adquirentes. E o final, todos que militam na área imobiliária já conhecem: milhares de mutuários (adquirentes) até hoje não receberam suas unidades autônomas, tampouco a restituição do que pagaram, e a incorporadora acabou por falir[5]. (ALMEIDA, 2005).

Após o episódio, poucos consumidores se arriscavam a comprar imóvel na planta, o que estagnou o mercado de incorporação, levando o Brasil a enfrentar uma excessiva crise nos setores imobiliário e da construção civil.

Prejuízos incalculáveis causados a diversos mutuários; sonho da casa própria engolido pela irresponsabilidade dos incorporadores; e a grande crise instalada no âmbito econômico brasileiro, fez com que o então presidente Fernando Henrique Cardoso editasse a Medida Provisória nº 2.261, de 04 de setembro de 2001, que instituiu o importante instituto jurídico do Patrimônio de Afetação (ALMEIDA, 2005), que tem por finalidade precípua, resguardar os adquirentes de imóveis na planta, dando-lhes mais segurança e estimulando-lhes a uma aquisição desta envergadura.

Após a iniciativa do então presidente Fernando Henrique, através da Medida Provisória sobredita, a qual não fora convertida em Lei, foi a vez de Luiz Inácio Lula da Silva, editar, sob a égide de seu mandato presidencial, em agosto de 2004, uma nova medida provisória sobre o tema, que, por sua vez, fora convertida posteriormente na Lei 10.931/04 (ROSSI, 2004), a qual, o então presidente Lula, intitulou de “pacote da construção”[6].

De acordo com os ensinamentos de Luciano Garcia Rossi, “na matéria de incorporações imobiliárias, a nova Lei 10.931 manteve algumas das inovações trazidas pela Medida Provisória 2.221, que consistiam basicamente na definição e caracterização do patrimônio de afetação. As novas regras de patrimônio de afetação são bastante completas, regulando seus efeitos com relação ao incorporador imobiliário, tanto na situação normal de adimplência como nos casos de insolvência ou paralisação da obra. A nova Lei também trata dos efeitos do patrimônio de afetação com relação ao cumprimento de obrigações perante credores previdenciários, trabalhistas e fiscais.” (ROSSI, 2004).

Está saliente que todos esses atos legislativos estruturam um sistema de proteção ao adquirente. (ALMEIDA, 2005).

Com as inovações trazidas pela legislação, os adquirentes de unidades autônomas saíram da posição de vulnerabilidade em que se encontravam, pois as modificações na legislação os amparam com várias garantias. Mesmo assim, ainda são presas fáceis de emboscadas, já que acabam sendo influenciáveis pela farta publicidade pertinente aos inúmeros empreendimentos trazidos pelo mercado imobiliário, levando-os a dar credibilidade a anúncios que prometem lhes dar facilidades que, na prática, tornam inexeqüíveis os projetos.

Mas de todo modo, e finalmente, é inquestionável que em tempos hodiernos há uma série de garantias aos adquirentes que pretendem adquirir imóveis na planta e submeterem-se ao regime de incorporação, visto que a legislação os tirou daquela vulnerável situação, o que acabou por fomentar novamente a economia brasileira no setor da construção civil, que, como já demonstrado, encontra-se superaquecido.

2.4 O patrimônio de afetação

Como visto[7], o patrimônio de afetação teve sua origem na Medida Provisória nº 2.261, de 04 de setembro de 2001, editada pelo então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, onde sua finalidade precípua e sinteticamente consistia em resguardar os adquirentes de imóveis na planta, visando, ainda, frear a crise econômica existente, naquela época, no cenário econômico brasileiro. (ALMEIDA, 2005).

O instituto buscou separar o patrimônio pessoal do incorporador do patrimônio destinado à consecução do empreendimento que o mesmo visa efetivar, evitando que, em caso de dívida pessoal, o patrimônio destinado ao empreendimento não seja atingido.

O art. 31-A da Lei 4591/64 traz que a incorporação imobiliária poderá ser submetida ao regime do patrimônio de afetação, “pelo qual o terreno e as acessões objeto de incorporação imobiliária, bem como os demais bens e direitos a ela vinculados, manter-se-ão apartados do patrimônio do incorporador e constituirão patrimônio de afetação, destinado à consecução da incorporação correspondente e à entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes.” (BRASIL, 1964).

Portanto, o regime de afetação constitui um patrimônio autônomo, separado do patrimônio geral do incorporador e destinado especificamente à consecução da incorporação, não podendo ser agredido por credores do incorporador e não sendo contaminado pelos efeitos da falência[8]

Nesse sentido assevera Luciano Garcia Rossi: “Os recursos necessários à execução do empreendimento objeto do patrimônio de afetação deverão ser mantidos em conta de depósito aberta especificamente para esse empreendimento. Além disso, o incorporador deverá manter uma escrituração contábil completa, independentemente da obrigação de fazê-lo nos termos da legislação tributária.” (ROSSI, 2004).

Importante ferramenta de fiscalização do incorporador pelos adquirentes também fora trazida pela lei 10.931/04, que consiste na possibilidade de se constituir a Comissão de Representantes que poderá ter acesso às informações comerciais, tributárias e de qualquer outra natureza referentes ao patrimônio afetado. Destarte, uma vez determinado quais serão os adquirentes de cada unidade autônoma que o incorporador pretende construir, estes adquirentes poderão eleger três representantes escolhidos entre os mesmos, para compor a Comissão de Representantes, a qual, por seu turno, poderá exigir informações referentes aos recursos destinados à construção do empreendimento, bem como fiscalizar se efetivamente fora separado o montante dos recursos destinados a tal construção, tudo nos moldes do art. 31-C da Lei 4.591/64. (BRASIL, 1964).

É sem sombra de dúvidas uma maneira de deixar bem esclarecido os custos do empreendimento aos adquirentes, bem como uma maneira de garantir aos mesmos que receberão suas futuras unidades, tendo em vista que mesmo em caso de falência do incorporador, o patrimônio necessário a construção do empreendimento já está reservado aos adquirentes, bastando a estes contratar com um novo incorporador. (ALMEIDA, 2005).

Mister se faz salientar, que, conforme artigo 31-A, da Lei 4.591/64[9], o critério para se constituir uma incorporação sob o regime do patrimônio de afetação é exclusivo do incorporador. Não se trata de regime obrigatório, onde, em verdade, a discricionariedade em submeter o empreendimento ao regime de afetação é do incorporador. Somente este pode decidir se o seu empreendimento será submetido ao patrimônio de afetação ou não. Cumpre aos adquirentes verificar, antes de contratar com o incorporador, se o empreendimento a que ele se propõe realizar, será ou não realizado se valendo do instituto da afetação. (BRASIL, 1964).

Consoante art. 31-B da Lei 4.591/64, fica constituído o patrimônio de afetação mediante averbação de termo firmado pelo incorporador, a qualquer momento, no Registro de Imóveis competente. (BRASIL, 1964).

É de suma importância, portanto, que ao contratar com um incorporador, o adquirente verifique se o regime da incorporação é submetido ao patrimônio de afetação, pois, se assim não o for, não fará jus aos direitos e às garantias a que este instituto se presta.

2.5 O contrato de incorporação e seus objetivos

Quem se submete ao instituto jurídico da incorporação imobiliária, nada mais realiza do que um contrato de incorporação (GOMES, 2001), o qual tem por objeto a realização de um empreendimento pelo incorporador e a alienação das unidades autônomas, total ou parcialmente, aos adquirentes, sem entrar nas minúcias de outros profissionais que podem fazer parte do contrato, como sabido, por exemplo, o construtor, o financiador, engenheiros, arquitetos, etc.

Tem-se, portanto, um contrato cujas partes, são o incorporador e os adquirentes. (NADER, 2010a).

Quantos às classificações desse contrato se pode dizer que ele é oneroso, sinalagmático, comutativo, formal e, geralmente, de adesão.

É oneroso porque ambas as partes têm sacrifício em seu patrimônio. Conforme leciona César Fiúza, os contratos onerosos “são contratos em que ambas as partes suportam um ônus correspondente à vantagem que obtêm” (FIUZA, 2004, p. 437). Ou seja, o incorporador sacrifica seu terreno e demais recursos destinados a erigir o empreendimento e recebe, por outro turno, os valores quando da alienação das unidades as quais se construiu. De outro lado, os adquirentes destinam o valor e recebem suas novas propriedades.

O contrato de incorporação é também sinalagmático. De acordo com os ensinamentos de Paulo Nader, “sinalagmáticos são os contratos em que as partes assumem, reciprocamente, direitos e obrigações [...]. Cada qual se obriga em face da outra”. (NADER, 2010a, p. 36). No contrato de incorporação, portanto, se de um lado os adquirentes devem confiar o valor, de outro o incorporador deve edificar o empreendimento e entregar as unidades aos mesmos adquirentes.

É comutativo, pois as obrigações de cada parte são preestabelecidas desde o momento da feitura do contrato. Farias e Rosenvald asseveram que “os contratos onerosos comutativos ou pré-estimados são aqueles em que a correspectividade é fixada pelas partes, infensa a variações. A prestação de ambas as partes é determinável de início, sendo os resultados econômicos previstos desde a formação, mantendo-se uma relação de equivalência imediata.” (FARIAS; ROSENVALD, 2014, p. 255).

Destarte, em sede de incorporação imobiliária, as partes contratantes no momento do pacto já conhecem a que cada qual se obriga a realizar. No momento da realização contratual, ambas as prestações já estão definidas e determinadas.

Tal contrato é, ainda, formal, ao passo que deve obedecer a uma série de requisitos e “dependem de forma especial” (CASSETARI, 2011, p. 180). Seus requisitos formais estão delineadas na Lei nº 4.591/64.

Finalmente, esse contrato, na maioria dos casos, é de adesão, o qual se caracteriza pela peremptoriedade de suas cláusulas, isto é, não há possibilidade de debate ou discussão sobre os seus termos; um dos contratantes se limita a aceitar as cláusulas e condições previamente redigidas pelo outro. Nesse sentido, ministram Washington de Barros Monteiro, Carlos Alberto Dabus Maluf e Regina Beatriz Tavares da Silva asseverando que “no tipo tradicional de contrato, as partes discutem ampla e livremente suas cláusulas, aceitando-as ou não. Existe, porém, outra categoria contratual, em que não ocorre tal liberdade, devido à preponderância de um dos contratantes, que, por assim dizer, impõe ao outro sua vontade. Compreendem essa categoria os chamados contratos de adesão.” (MONTEIRO; MALUF; SILVA, 2012, p. 50).

Na prática, o incorporador já tem o contrato de incorporação com as cláusulas previamente estabelecidas, restando aos adquirentes exercerem suas autonomias de vontade no momento da aderência, isto é, suas liberdades de contratar se limitam a aderir, ou não, o contrato da maneira com que fora elaborado pelo incorporador. É claro que incorporador e adquirentes podem sentar e, juntamente, estabelecer as cláusulas contratuais, mas não é o que vem acontecendo praticamente.

O artigo 31 da Lei 4.591/64 determina quem poderá ser incorporador, os quais são: o proprietário do terreno, o promitente comprador, o cessionário deste ou promitente cessionário, o construtor e o corretor de imóveis. (BRASIL, 1964).

Por outro lado, qualquer pessoa poderá ser adquirente no contrato de incorporação imobiliária, desde que capaz para realizar o negócio jurídico, nos moldes do art. 104 do Código Civil de 2002.

Demonstradas as características e classificações do contrato de incorporação imobiliária, passará a análise dos objetivos desse contrato.

De modo geral, o objetivo de todo contrato é delinear um acordo de vontades entre duas ou mais pessoas, onde cada qual possa exercer determinada conduta no sentido de que satisfaça o objeto daquele pacto estabelecido. (NADER, 2010a).

Com o contrato de incorporação imobiliária não é diferente. Tem-se o incorporador e os adquirentes, os quais estabelecem um acordo de vontades, qual seja a consecução de um empreendimento por parte daquele e a confiança dos valores por parte desses, a qual é exteriorizada de maneira solene, isto é, de acordo com a forma prevista na legislação pertinente à matéria, visando com que cada um exerça suas obrigações, para que o contrato atinja a finalidade desejada por ambos.

Conforme leciona Arnaldo Rizzardo, “através da incorporação, os contratantes entabulam a construção de uma edificação dividida em certa quantidade de porções que serão utilizadas para a moradia ou para exploração econômica, como escritórios, lojas, salas de serviços, centros comerciais, depósitos e garagens. O incorporador tem a iniciativa de comprar o imóvel e de organizar o grupo que adquirirá as unidades, recebendo um pagamento pela sua venda.” (RIZZARDO, 2012, p. 247).

Conclui-se, pois, que quem se submete ao instituto jurídico da incorporação imobiliária, realiza nada mais nada menos que um contrato de incorporação, cujas partes são o incorporador e os adquirentes, e cujo objetivo constitui, sinteticamente, na consecução e alienação de unidades imobiliárias em construção por parte daquele e o pagamento do preço por parte destes. (GOMES, 2001).

2.6 Distinção entre construtor e incorporador

Muitos confundem o papel e até mesmo o significado de incorporador e construtor, chegando os mais desavisados até afirmarem que sejam as mesmas figuras. Entretanto, cumpre estabelecer a diferença de ambos, tendo em vista as diversas maneiras que pode se dar um contrato de incorporação imobiliária.

O construtor tem como obrigação preponderante erigir o empreendimento. É este o responsável por realizar a construção do empreendimento propriamente dito. Suas obrigações consistem, sinteticamente, em zelar pela qualidade e solidez da obra. Normalmente é contratado pela incorporadora para prestar esta espécie de serviço (TREVISAN, 2010).

Já a figura do incorporador abrange responsabilidades e obrigações mais amplas (RIZZARDO, 2012). É o incorporador o responsável pela realização do empreendimento e a entrega das unidades aos adquirentes dentro do prazo preestabelecido. É o incorporador que, geralmente, deve contratar com a construtora para que esta realize a edificação, e pactuar ainda, com o financiador, caso necessite levantar recursos para concluir sua pretensão, com consultorias de planejamento imobiliário, engenheiros e arquitetos, empresas de marketing, publicidade, propaganda e até mesmo com os adquirentes. (TREVISAN, 2010).

Nesse diapasão, é válido verificar o que diz Arnaldo Rizzardo: “Não se confunde a idéia de construtor com a de incorporador, já que a última abrange aspectos bem mais amplos, de organização e administração, de venda de frações ideais, com a elaboração de projetos e encaminhamento ao registro imobiliário. Viável que o incorporador contrate um construtor, o qual não se vincula ao plano de venda, nem se articula com os adquirentes.” (RIZZARDO, 2012, p. 244).

Mas é mister salientar, que em tempos mais atuais, há empresas que têm como objeto social tanto a realização da incorporação quanto a da construção, o que evidentemente faz com que a figura do incorporador seja a mesma do construtor, mas não é o que sempre ocorre. Portanto, tecnicamente, tem-se que imprimir essa distinção.

Diante do exposto, cumpre dizer que o construtor se obriga precipuamente a realizar a construção, não tendo, em regra, relação jurídica com os adquirentes. Sua única relação jurídica é para com o incorporador que o contratou, devendo executar a obra nos moldes pactuados com o mesmo. (TREVISAN, 2010).

Já o incorporador, que é quem toma a iniciativa da realização do empreendimento, possui obrigações mais amplas, visto que ele é o responsável por todo o negócio. É ele quem administra e contrata todas as prestações de serviço necessárias à consecução do seu fim almejado, tendo, portanto, obrigações com todos os profissionais que pactuar. (RIZZARDO, 2012).

3- Responsabilidade civil – noções gerais

A responsabilidade civil é instituto jurídico que sempre existiu e desde os primórdios até os dias hodiernos sofreu constantes mutações (GONÇALVES, 2012).

O instituto em tela se assenta na ideia obrigacional de reaparar o dano ocasionado a outrem, de modo que este não fique prejudicado injustamente, pela conduta danosa do agente transgressor. (TEPEDINO, 2004).

Nos primórdios, mais precisamente no Direito Romano, em se tratando de responsabilidade civil, vigorava a regra da vingança pessoal, onde aquele que sofreu o dano imediatamente o repelia de maneira instintiva e brutal. Era uma maneira um tanto quanto rudimentar e selvagem, mas era a maneira espontânea e natural que todos os povos, em sua origem, se valiam para reparar o mal sofrido. (CASSETTARI, 2011).

Nesse sentido, têm-se os ensinamentos de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho: “A origem do instituto da responsabilidade civil parte do Direito Romano, e esta calcada na concepção de vingança pessoal, sendo uma forma por certo rudimentar, mas compreensível do ponto de vista humano como lídima reação pessoal contra o mal sofrido.” (GAGLIANO; FILHO, 2004, p. 21).

Mesmo após a Lei das XII tábuas vigorar, permaneceu a vingança pessoal como a maneira legítima de repelir o mal causado por outrem. (TEPEDINO, 2004). Nesse passo, pode-se dizer que a vindita veio a ser regulamentada pelo Direito, o que resultou na famosa pena de Talião, com sua velha expressão “olho por olho, dente por dente”[10]. (TARTUCE, 2014).

Posteriormente, ainda com a Lei das XII tábuas em vigor, mas num estágio mais avançado da sociedade, no qual o Poder Público é quem ditava as regras legiferantes, o legislador proíbe a vingança privada, dando ensejo à composição tarifada. O instituto da composição tarifada era aquele, através do qual, o ofensor havia que pagar uma indenização à vítima da conduta danosa. Substituiu-se a rudimentar vindita privada pela indenização pecuniária, que veio a ser um grande marco da responsabilização civil que existe hoje. (MONTENEGRO, 1996).

Entretanto, conforme a doutrina majoritária incute, o maior marco do instituto da responsabilidade civil no Direito Romano se deu com o advento da Lex Aquilia, que originou a responsabilidade civil delitual ou extracontratual. (LOPES, 2001).

Fernanda Holanda de Vasconcelos Brandão corrobora asseverando que “da pena de Talião passou-se à composição voluntária e à composição tarifada, prevista na Lei das XII Tábuas, que fixava, para cada caso concreto, o valor da pena a ser pago pelo ofensor. No ano 468 adveio a Lei Aquília, secundada pela Lei Cornélia. Mas foi na primeira que se delineou o marco inicial da responsabilidade civil, formulando-se um conceito de culpa e estabelecendo-se as regras da reparação do dano. (BRANDÃO, 2011).

O marco foi tão importante que hoje também se denomina a responsabilidade civil delitual ou extracontratual de responsabilidade aquiliana, que na época fora intitulada de damnum injuria datum (dano infligido ilegalmente), que trazia o delito praticado por alguém que prejudicasse a outrem, injustificadamente, por dolo ou culpa, tanto física como materialmente. (NADER, 2010b).

A Lex Aquilia, acabou por trazer, também, a ideia de culpa, que é hoje, conforme ainda ver-se-á, um dos pressupostos caracterizadores da responsabilidade civil. Nesse cenário, veja o que ensina, Carlos Roberto Gonçalves: “O damnum injuria datum, na Lex Aquilia, consiste no elemento caracterizador da culpa, não paira dúvida de que, sob o influxo dos pretores e da jurisprudência, a noção de culpa acabou por deitar raízes na própria Lex Aquilia.” (GONÇALVES, 2012, p. 48).

A legislação francesa, especialmente o Código Civil de Napoleão, veio aos poucos aperfeiçoando as ideias originais românicas, e foi a primeira legislação a introduzir o elemento culpa como pressuposto da responsabilidade civil aquiliana. (TEPEDINO, 2004).

O Código de Napoleão influenciou diversas outras legislações no mundo inteiro, inclusive no Código Civil brasileiro de 1916, mas com a grande multiplicação dos danos ocasionados pelo dinamismo social acabaram por ocasionar o surgimento de novas teorias acerca da responsabilidade civil, todas visando dar maior proteção às vítimas de condutas danosas (BRANDÃO, 2011).

Atualmente, no Brasil, a responsabilidade civil ganha respaldo legal no Código Civil de 2002, no título IX do referido diploma, sendo regulada através do artigo 927 e seguintes. (BRASIL, 2013).

3.1 Espécies de responsabilidade civil

Para um melhor estudo acerca do instituto jurídico da responsabilidade civil, é oportuno classificá-lo em algumas espécies e subespécies para que possa, ademais, compreendê-lo de maneira sistematizada.

A responsabilidade civil costuma ser classificada, pela majoritária doutrina, em razão da culpa e quanto à natureza jurídica da norma violada. Quanto à primeira classificação, ela se subdivide em objetiva e subjetiva. Já quanto à segunda, ela se subdivide em contratual e extracontratual. (STOCO, 2007).

Passa-se, pois, a analisar cada uma das classificações e suas subclassificações.

3.1.1 Responsabilidade civil subjetiva e objetiva

Em razão da culpa, a responsabilidade civil se divide em subjetiva e objetiva. Cabe dizer que a culpa a que aqui se refere, é a culpa lato sensu, a qual engloba o dolo e a culpa stricto sensu. (MONTENEGRO, 1996).

O dolo é caracterizado pela consciência e a vontade do agente. Quando este age conscientemente e de acordo com sua livre e espontânea vontade, diz-se que teve uma conduta dolosa. (BITENCOURT, 2004).

Lado outro, quando o agente age de acordo com sua vontade, mas acaba agindo com negligência, imperícia ou imprudência, diz-se que agiu culposamente, mas lembre-se: A culpa aqui é a stricto sensu. Nessa esteira, diz Paulo Nader: “A culpa stricto sensu, também denominada quase-delitual, se manifesta por negligência, imprudência ou imperícia”. (NADER, 2010b, p. 98).

Portanto, quando se fala em culpa em sede de responsabilidade civil, quer se referir a culpa lato sensu, a qual engloba o dolo e a culpa stricto sensu.

Superadas as características da culpa, de tal sorte que o efetivo domínio desses caracteres se torna imprescindível para as análises subsequentes da matéria, passará, então, a falar sobre responsabilidade civil subjetiva e objetiva.

A teoria clássica da responsabilidade civil surgida no Direito Romano considerava a culpa como fundamento da responsabilidade civil. Para essa teoria, sem culpa não haveria se falar em responsabilidade. Chamava-se, então, essa responsabilidade, da qual a culpa era pressuposto, de responsabilidade civil subjetiva. Nesse sentido, assevera Carlos Roberto Gonçalves, “Diz-se, pois, ser “subjetiva” a responsabilidade quando se esteia na ideia de culpa. A prova da culpa do agente passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável. Dentro desta concepção, a responsabilidade do causador do dano somente se afigura se agiu com dolo ou culpa”. (GONÇALVES, 2012, p. 60).

Até determinado momento, a responsabilidade civil subjetiva foi suficiente para solucionar os conflitos em relação às condutas danosas existentes no mundo dos fatos. Mas com a evolução e o dinamismo sociais, diversos litígios oriundos de condutas danosas foram surgindo, de tal sorte que o Direito teve que evoluir para não deixar vítimas irressarcidas (TEPEDINO, 2004). Criou-se, então, mecanismos legais para situações às quais a lei impõe, independentemente de culpa, a obrigação de reparar o dano. É o que hoje se chama de responsabilidade civil objetiva. Neste diapasão, vale a pena enxergar os ensinamentos de Rui Stoco, a “necessidade de maior proteção à vitima fez nascer a culpa presumida, de sorte a inverter o ônus da prova e solucionar a grande dificuldade daquele que sofreu um dano demonstrar a culpa do responsável pela ação ou omissão. O próximo passo foi desconsiderar a culpa como elemento indispensável, nos casos expressos em lei, surgindo a responsabilidade objetiva, quando então não se indaga se o ato é culpável. (STOCO, 2007, p. 157).

Neste diapasão, na responsabilidade civil subjetiva, necessária se faz verificar a culpa do agente causador do dano. A culpa é pressuposto necessário para a indenização do dano causado.

Por outro lado, e aqui para finalizar, nos casos de responsabilidade civil objetiva, não se exige prova de culpa do agente para que seja obrigado a reparar o dano. Ela é de todo prescindível, porque a responsabilidade se funda no risco. (TARTUCE, 2014).

3.1.2 Responsabilidade civil contratual e extracontratual

Quanto à natureza jurídica da norma violada, a responsabilidade civil se divide em contratual e extracontratual.

A responsabilidade civil contratual decorre da inexecução de uma norma existente num contrato. Há um contrato firmado, onde uma das partes descumpre alguma norma existente nesse contrato propriamente dito. Tentando ilustrar o tema, Roberto Gonçalves traz uma situação hipotética, “quem toma um ônibus, tacitamente celebra um contrato, chamado de contrato de adesão, com a empresa de transporte. Esta, implicitamente, assume a obrigação de conduzir o passageiro ao seu destino são e salvo. Se, no trajeto, ocorre um acidente e o passageiro fica ferido, dá-se o inadimplemento contratual, que acarreta a responsabilidade de indenizar as perdas e danos, nos termos do art. 389 do Código Civil. (GONÇALVES, 2012, p. 43).

Qualquer que seja o contrato se ocorre descumprimento de alguma obrigação pré-constituída e desse descumprimento se deriva um dano efetivo, existe a obrigação de indenizá-lo pelo agente. (BRASIL, 2013). Aqui reside a idéia de responsabilidade civil contratual. Há um vínculo jurídico, preexistente ao dano, entre as partes. (STOCO, 2007).

Já no que se refere à responsabilidade civil extracontratual, também denominada de responsabilidade aquiliana, não há nenhum vínculo jurídico preexistente entre as partes. Aqui não há nenhum ajuste de vontades. Há um agente, que em razão da sua conduta, causa dano a outrem.  (THEODORO JUNIOR, 1997). A situação hipotética mais utilizada pelos doutrinadores para essa situação é a responsabilidade de reparar os danos oriundos de acidente automobilístico. Esta espécie de responsabilidade também costuma ser chamada pelos doutrinadores de responsabilidade civil geral. (TARTUCE, 2014).

É mister ressaltar que a divisão entre responsabilidade civil contratual e extracontratual consiste em mera distinção doutrinária, isto é, a consequência jurídica para uma é a mesma da outra, ou seja, aquele que em razão da sua conduta ocasiona dano a outrem, está obrigado a repará-lo, independentemente se sua responsabilidade advém de vínculo contratual ou não. (BRASIL, 2013).

3.2 Pressupostos gerais da responsabilidade civil

Para falar em responsabilidade civil deve-se, de antemão, estabelecer seus pressupostos gerais. Só há que se falar em responsabilidade civil se, no caso concreto, estiver presentes todos seus pressupostos.

Pode-se dizer que são 04 (quatro) os pressupostos gerais da responsabilidade civil, quais sejam: A conduta, o dano, o nexo de causalidade e a culpa. (CASSETTARI, 2011).

À análise individual de cada pressuposto, portanto.

3.2.1 Conduta

A conduta é o primeiro pressuposto da responsabilidade civil. Traduz-se no comportamento humano voluntário sem o qual se torna impossível falar em responsabilidade. Consoante os dizeres de Lindbergh C. Montenegro, “a vontade assim considerada adquire relevância jurídica quando se exterioriza no mundo físico através de movimento corpóreo que venha a violar um bem jurídico de outrem”. (MONTENEGRO, 1996, p. 16).

O comportamento que aqui se refere, pode dar-se de duas maneiras, quais sejam: uma ação ou uma omissão. A ação consiste no comportamento humano positivo do agente, isto é, este atua procedendo, movimentando, exercendo influência positiva no mundo dos fatos. Já a omissão consiste no comportamento humano negativo do agente. Este não atua, não procede, tampouco movimenta sua força muscular, limitando-se a abster de agir. (TARTUCE, 2014).

Neste diapasão, desde que seja voluntária, a conduta, quer seja omissiva quer seja comissiva, é o primeiro pressuposto da responsabilidade civil, sem a qual inexiste obrigação de reparar o dano. (STOCO, 2007).

3.2.2 Dano

Outro pressuposto da responsabilidade civil é o dano. Dano consiste na deterioração de um determinado bem jurídico merecedor de proteção, seja ele de natureza patrimonial ou extrapatrimonial. De acordo com as lições de Paulo Nader, “o vocábulo dano provém do latim damnum e significa lesão de natureza patrimonial ou moral”. (NADER, 2010b, p. 73).

Veja o que traz à baila, Flávio Tartuce: “Como é notório, para que haja pagamento de indenização, além da prova de culpa ou dolo na conduta é necessário comprovar o dano patrimonial ou extrapatrimonial suportado por alguém. Em regra, não há responsabilidade civil sem dano, cabendo o ônus de sua prova ao autor da demanda.” (TARTUCE, 2014, p. 485).

Portanto, em sede de responsabilidade civil, o dano consiste no prejuízo, moral ou material, causado a uma pessoa, em razão da conduta de outra. Aquele que foi lesado não poderá pleitear a reparação da lesão sem a prova do dano. Em outros termos, ninguém será responsabilizado civilmente sem a efetiva prova do dano.

3.2.3 Nexo de causalidade

O nexo de causalidade consiste no liame que leva a conduta ao dano. É o nexo que une a conduta humana voluntária ao efetivo prejuízo causado à vítima. Montenegro assevera que “nexo causal é a relação de causa e efeito entre a ação, omissão, e o dano. Se inexiste tal relação o ato ilícito não gera responsabilidade, vale dizer, obrigação de indenizar”. (MONTENEGRO, 1996).

Para Miguel Maria de Serpa Lopes, “uma das condições essenciais à responsabilidade civil é a presença de um nexo causal entre o fato ilícito e o dano por ele produzido.”. (LOPES, 2001, p. 218).

A relação de causalidade vem expressa no verbo “causar”, insculpido no art. 186 do Código Civil de 2002. Sem ela, inexiste a obrigação de reparar o dano. (BRASIL, 2013).

A obrigação de indenizar, de que depende a existência do dano, somente é atribuída a quem lhe deu causa. Eis aqui o cerne do nexo causal como pressuposto necessário para configuração da responsabilidade civil. (NADER, 2010b).

É necessário, portanto, para configuração da responsabilidade civil, que haja uma conduta humana voluntária, que acarrete num dano efetivo a outrem, e que exista um nexo de causalidade que interliga a conduta ao dano, um liame que justifique o dano pela conduta realizada por um agente.

3.2.4 Culpa

Como estudado alhures, em sede de responsabilidade civil, trabalha-se com a culpa lato sensu, a qual tem como modalidades o dolo e culpa stricto sensu. A culpa que aqui se trabalha, é considerada um dos pressupostos da responsabilidade civil. Acontece que, em regra, aquele que foi lesado deve comprovar que o agente lesante agiu com culpa em sentido lato. É o que se estudou no momento da responsabilidade civil subjetiva[11]. (MONTENEGRO, 1996).

É mister tecer que em determinadas situações, demonstrar a culpa do agente lesante se torna mais difícil, razão pela qual o Direito positivo admite, em situações preestabelecidas legalmente, a responsabilidade sem culpa. Nesse sentido, vale averiguar as lições de Gustavo Tepedino, no que diz respeito às inovações trazidas pelo Código Civil de 2002 em sede de responsabilidade civil, mormente em relação à responsabilidade objetiva, para o qual “além de prever novas hipóteses específicas de responsabilidade objetiva, instituiu, no parágrafo único do seu artigo 927, uma cláusula geral de responsabilidade objetiva para atividades de risco. Consolida-se, assim, o modelo dualista que já se delineava no sistema anterior, convivendo lado a lado a norma geral de responsabilidade subjetiva, do atual art. 186, que tem como fonte o ato ilícito, e as normas reguladoras da responsabilidade objetiva para determinadas atividades, informadas por fonte legislativa específica e agora também pela cláusula geral contida na nova codificação civil.” (TEPEDINO, 2004, p. 195).

Como cediço, quando se está diante de uma situação onde existe a responsabilidade civil sem culpa, está-se frente à responsabilidade civil objetiva.

Sendo assim, em regra, a culpa tem que estar presente para que exista obrigação de reparar o dano, razão pela qual é considerada como um pressuposto da responsabilidade civil.

4- A responsabilidade civil das incorporadoras decorrente da morosidade na entrega da obra

Ao longo desse estudo, viu-se que o mercado imobiliário está a todo vapor, onde diversas incorporadoras, visando o objetivo de lucros, assumem a obrigação de realizar a construção de empreendimentos e alienar, no todo ou em parte, as unidades pertencentes aos mesmos, as quais podem consistir em lojas, shoppings centers, escritórios, apartamentos, etc.

Nessa caminhada do presente estudo, partiu-se desde o complexo procedimento de regularização da incorporação imobiliária até a entrega da obra no prazo preestabelecido contratualmente, no que consiste o objetivo do contrato de incorporação. (GOMES, 2001).

Como já visto, no mais das vezes o contrato de incorporação imobiliária é de adesão, onde os contratantes não discutem amplamente as suas cláusulas, como acontece nos contratos tradicionais. “Uma parte, o estipulante, impõe o conteúdo negocial, restando à outra parte, o aderente, duas opções: aceitar ou não o conteúdo desse negócio.” (TARTUCE, 2014, p. 557).

No contrato de adesão as cláusulas são previamente estipuladas por uma das partes, às quais a outra simplesmente adere. “Uma das partes não pode alterar substancialmente o conteúdo do contrato” (CASSETTARI, 2011, p. 180). Por essa razão, quando um adquirente pretende comprar imóvel na planta e, por conseguinte, contratar com um incorporador, via de regra, o contrato já está previamente redigido por este, devendo bem analisar quais as cláusulas estão ali inseridas, ao passo que, se escolher por bem se submeter a elas, acaba por aceitar as disposições, não podendo mais tarde fugir ao respectivo cumprimento. (GOMES, 2001).

É claro que se houver cláusula leonina no contrato, de modo que onere excessivamente a parte aderente, esta poderá buscar sua anulação junto ao Poder Judiciário, por força do dirigismo contratual. É o que está positivado na norma do artigo 421 do Código Civil, a qual prevê a liberdade de contratar, desde que nos limites da função social do contrato. (BRASIL, 2013). Acontece que, toda relação contratual deve pautar-se no equilíbrio das prestações de ambas as partes. Corroborando com este raciocínio assevera Farias e Rosenvald: “O equilíbrio – expressão que corresponde à imagem da balança – significa a contemplação dos interesses legítimos de cada parte, com o qual se liga a exigência de respeito mútuo, para que ninguém realize seus interesses às custas do outro. Cada contratante terá moderação em seus pleitos, deixando ao outro aquilo que lhe corresponde. Aqui reside a equivalência nos contratos sinalagmáticos e o princípio da proporcionalidade no sentido da proibição do excesso”. (FARIAS; ROSENVALD, 2014, p. 227).

Cláusulas leoninas, por oportuno, não são muito raras nos contratos de incorporação. Os contratos de incorporação possuem, por exemplo, um prazo de carência para que a obra seja entregue aos adquirentes, o qual, em regra, os contratantes têm ajustado a possibilidade de prorrogação por outro prazo, que, nos dias atuais, talvez pelos incorporadores acreditarem no baixo nível de instrução da população, tem variado de 180 a 365 dias, o que viola os princípios da boa-fé objetiva, da razoabilidade, proporcionalidade, legalidade e equidade do contrato. Nesse sentido tem corroborado a jurisprudência atual, senão veja:

DIREITO CIVIL. COMPRA E VENDA. ENTREGA DE IMÓVEL. CLÁUSULA DE PRORROGAÇÃO. AFIGURA-SE ABUSIVA A CLÁUSULA CONTRATUAL QUE ADMITE TOLERÂNCIA DE PRORROGAÇÃO DE 180 DIAS ÚTEIS PARA A ENTREGA DE IMÓVEL, PORQUE A RELAÇÃO NEGOCIAL DEVE PAUTAR-SE PELO EQUILÍBRIO E BOA-FÉ. CLÁUSULA DESTE JAEZ É ABUSIVA, PORQUE PRIVILEGIA UMA DAS PARTES EM DETRIMENTO DA OUTRA”. (DISTRITO FEDERAL, TJ - Ac: 5006198, Rel. Juiz Eduardo de Moraes Oliveira, 1998).

Uma cláusula leonina que prevê uma prorrogação exacerbada do prazo de carência, portanto, deve ser considerada nula, não implicando, todavia, na nulidade do contrato como um todo, o qual continua vigorando em relação às cláusulas não abusivas. (THEODORO JUNIOR, 1997).

 Em existindo uma cláusula abusiva na qual se prevê uma prorrogação excessiva do prazo para a entrega da obra, essa cláusula será considerada nula de pleno direito, tendo o incorporador a obrigação de entregá-la no próprio prazo de carência, gerando responsabilidade civil contratual, como já estudado outrora, caso a entrega da obra não se dê no prazo avençado e gere efetivo dano patrimonial ou extrapatrimonial aos adquirentes. (NADER, 2010b).

Deixando de lado o que se refere às cláusulas leoninas previstas no contrato de incorporação imobiliária e suas respectivas nulidades, passará a analisar especificamente as responsabilidades que advêm da morosidade na entrega da obra, o que consiste a verdadeira problemática buscada ao longo dessa pesquisa.

Conforme a jurisprudência vem demonstrando, a morosidade na entrega da obra pelo incorporador pode ocasionar responsabilidade civil tanto por danos morais quanto por danos materiais. Como caso hipotético de dano moral pode se externar aquele no qual um casal de noivos adquire imóvel na planta confiando no prazo da entrega e acaba por marcar o casamento, acreditando fielmente que ao contrair o matrimônio terá seu aconchego à disposição. Fica às escâncaras que nesse caso haverá um efetivo dano à honra dos nubentes, os quais possivelmente se sentirão constrangidos e angustiados, sendo merecedores de reparação civil. No mundo jurídico, esta situação hipotética já foi merecedora de tratativa judicial, veja a ementa da decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo a qual manteve a decisão de primeira instância que determinou a indenização pelos danos morais:

“COMPROMISSO DE VENDA E COMPRA. ATRASO NA ENTREGA DAS CHAVES. QUITAÇÃO DA MULTA MORATÓRIA. DANO MORAL. CARACTERIZAÇÃO. MANUTENÇÃO DO VALOR FIXADO (R$ 8.464, 17). CORREÇÃO MONETÁRIA. INCIDÊNCIA DA SENTENÇA. SÚMULA Nº 362, STJ. 1. Ilegitimidade passiva de duas corrés. A empresa Fit Jardim Botânico SPE foi incorporada pela ré. A empresa Gafisa não fez parte do negócio. Manutenção do reconhecimento de ilegitimidade passiva. 2. Cláusulas contratuais. Alegação de nulidade. Quitação quanto à multa pelo atraso na entrega das chaves. Situação que implica na impossibilidade dos autores de discutir a mora e suas consequências. 3. Dano moral. Caracterização. Atraso injustificável e superior ao razoável e aceitável. Autores que estavam com casamento marcado. Apartamento entregue bastante tempo após a cerimônia. Valor mantido. 4. Dano moral. Incidência de correção monetária da sentença. Súmula nº 362 do STJ.Recurso parcialmente provido.” (SÃO PAULO, TJ, Ap. 0023752-46.2010.8.26.0003, Rel. Juiz Carlos Alberto GarbI, 2012).

No caso apresentado, analisando os pressupostos gerais da responsabilidade civil, tem-se uma omissão, qual seja: a não entrega da obra no prazo avençado; um dano: mácula à honra dos nubentes; um nexo de causalidade que liga a conduta ao dano: não entrega da obra no prazo avençado que gerou a mácula à honra dos nubentes; e a culpa: negligência do incorporador em não observar o prazo avençado contratualmente.

Noutra hipótese de responsabilidade civil, por danos morais, decorrente da morosidade na entrega da obra, tem-se a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, onde os desembargadores, em sede do recurso inominado, entenderam por bem que o atraso na entrega da obra, por si só, isto é, sem demais peculiaridades, já é suficiente para configurar danos morais, pois gera transtornos e frustrações aos adquirentes conforme se verifica:

CONSUMIDOR. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL EM CONSTRUÇÃO. ATRASO NA ENTREGA DA OBRA. DANOS MATERIAIS. COISA JULGADA CONFIGURADA. DANOS MORAIS CARACTERIZADOS. 1. Não há como afastar a ocorrência da coisa julgada em relação aos danos materiais. 2. Dano moral configurado. Poucas situações ensejam maior frustração e transtornos do que o atraso na entrega da tão sonhada casa própria. Atraso na entrega - por mais de UM ANO, já considerada a tolerância prevista - que enseja o direito a reparação por dano imaterial.” (RIO GRADE DO SUL, TJ, Rec.In. 0071004560074, Rel. Juiz Pedro Luiz Pozza, 2013).

Já no que tange aos danos materiais tem-se uma situação corriqueira no âmbito da jurisprudência hodierna. As decisões vão no sentido de que a incorporadora deverá ressarcir o adquirente, nos casos de atraso na entrega das chaves, no valor correspondente ao possível aluguel do imóvel por mês de atraso, isto é, caso a incorporadora entregue o imóvel com 04 (quatro) meses de atraso, ela  deverá indenizar o adquirente no valor de 04 (quatro) meses de aluguel, tendo de ser avaliado, esse valor, por perito da área imobiliária. Nesse sentido, veja-se a ementa da decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

“APELAÇÃO - ATRASO INJUSTIFICADO NA ENTREGA DE IMÓVEL - MORA DA CONSTRUTORA - COMPROVAÇÃO - PAGAMENTO DE MULTA PELO ATRASO - CABIMENTO - DANO MORAL - OCORRÊNCIA - DANO MATERIAL - RESSARCIMENTO DO VALOR CORRESPONDENTE AO ALUGUEL MENSAL DO IMÓVEL RESIDENCIAL ATÉ A ENTREGA DO BEM ADQUIRIDO - CABIMENTO. É devida a multa pelo atraso na entrega do imóvel em razão do inadimplemento da construtora que não cumpriu com a sua obrigação de notificar previamente a promissária-compradora sobre o término da obra e para que efetuasse o pagamento da última parcela do contrato. Há dano moral se a construtora, de modo injustificado, atrasa, por longo período, a entrega de imóvel, impedindo a promissária-compradora de quitar o saldo devedor final e, por conseguinte, de tomar posse desse bem na data aprazada. A promissária compradora tem direito ao ressarcimento do valor correspondente ao aluguel mensal do imóvel onde reside, porque essa despesa decorre tão somente da demora na entrega da unidade habitacional adquirida, da qual é privada da posse.” (MINAS GERAIS, TJ, Ac. 00100241-12900.80.8.005, Rel. Evandro Lopes da Costa Teixeira, 2013).

Na verdade, no mundo dos fatos há infinitos casos de responsabilidade das incorporadoras em virtude da morosidade na entrega das chaves, razão pela qual caberia discorrer aqui por longo tempo demonstrando casos hipotéticos acerca da responsabilidade civil decorrente desses casos. O que o leitor deve observar diante de um caso concreto é se estão presentes os pressupostos gerais da responsabilidade civil, quais sejam, (1) a conduta, que consiste na ação ou omissão de algum indivíduo; (2) o efetivo dano; (3) o nexo de causalidade consistente no liame que leva a conduta ao dano e (4) a culpa lato sensu no caso de responsabilidade civil subjetiva. É de se ressaltar que, agora falando não só de responsabilidade decorrente da morosidade na entrega da obra, em alguns casos a lei determina que há responsabilidade independentemente de culpa, é o que se chama, como já abordado em momento oportuno ao longo dessa pesquisa jurídica, de responsabilidade civil objetiva.

Finalmente, para que as incorporadoras se eximam da responsabilidade civil, nos casos de atraso na entrega da obra, elas deverão comprovar que a morosidade se deu em decorrência de caso fortuito ou de força maior, nos termos da norma do artigo 393 do Código Civil. Ocorre que o caso fortuito ou de força maior tem a capacidade de romper com o nexo de causalidade o qual é pressuposto da responsabilidade civil. (TARTUCE, 2014).

Miguel Maria de Serpa Lopes assevera que “o caso fortuito ou a força maior são motivos excludentes da imputabilidade, de caráter objetivo, porquanto são acontecimentos sobrevindos fora do domínio da vontade do agente.” (LOPES, 2001, p. 206).

Muito embora os efeitos do caso fortuito ou de força maior sejam os mesmos, alguns doutrinadores costumam diferenciar seus conceitos, estabelecendo que o caso fortuito é aquele decorrente da natureza. Já no de força maior há sempre um ato humano. Conforme elucida Paulo Nader, “o caso fortuito seria um fato da natureza – chuva de granizo que destrói plantações ou danifica bens materiais; terremoto, causa de desmoronamento de prédios; inundações, fato causador de prejuízos os mais diversos etc. –, enquanto a força maior seria uma decorrência de ação humana, como o furto ou roubo, uma revolução.” (NADER, 2010b, p. 121).

Paulo Nader ainda distingue o caso fortuito e o de força maior do factum principis, criando, portanto, mais uma excludente do nexo de causalidade e, conseqüentemente, da obrigação de reparar o dano, veja: “Categoria semelhante é o factum principis, o qual se distingue do caso fortuito ou força maior pela fonte do qual promana e não pelos efeitos. Consiste em um conjunto de normas emanadas do Estado e que torna impossível o cumprimento de determinadas cláusulas pactuadas. As partes, ou pelo menos uma delas, ficam impedidas da execução do contrato firmado.” (NADER, 2010b, p. 121).

Mas vale ressaltar: a distinção conceitual entre caso fortuito, força maior e factum principis é meramente doutrinária, para os quais, de acordo com o Código Civil de 2002, os efeitos jurídicos são os mesmos, ou seja, o devedor de dada obrigação, não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito, força maior, ou factum principis se expressamente não se houver por eles responsabilizado. (BRASIL, 2013).

 Corroborando com os ensinamentos até aqui, a jurisprudência vem demonstrando que a não demonstração do caso fortuito, da força maior, e do factum principis não mesmo exclui a obrigação de reparar o dano, veja recente ementa de decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal:

“PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. AÇÃO DE COBRANÇA. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. ATRASO NA ENTREGA DA OBRA. CASO FORTUITO OU FORÇA MAIOR. FATO DO PRÍNCIPE. NÃO CONFIGURAÇÃO. MULTA MORATÓRIA. CUMULAÇÃO COM LUCROS CESSANTES. TAXAS CONDOMINIAIS. POSSIBILIDADE. TERMO FINAL PARA INCIDÊNCIA DA CLÁUSULA PENAL E DA INDENIZAÇÃO PELOS LUCROS CESSANTES. ENTREGA DAS CHAVES. 1. Não há falar em caso fortuito, força maior e tampouco entraves políticos e administrativos, aptos a excluir a responsabilidade da construtora por atraso na entrega de imóvel, se os acontecimentos alegados não foram invencíveis a ponto de se caracterizar fato extraordinário, havendo a possibilidade de previsão e ausente o elemento surpresa, necessário para a exclusão da responsabilidade. 2. A acumulação dos lucros cessantes com a cláusula penal moratória é possível, dada a natureza jurídica diversa dos institutos. 3. O pagamento de lucros cessantes, na forma de alugueis, pela indisponibilidade do imóvel adquirido em construção, é devido desde o dia do atraso, decorrido o prazo de prorrogação previsto no contrato, por culpa da empreendedora, a teor do art. 389, do CC. 4. As taxas condominiais referentes ao período anterior à entrega das chaves devem ser suportadas pela construtora. 5. O termo inicial para a incidência da cláusula convencional e da indenização pelos lucros cessantes é o dia seguinte da data prevista para a entrega da unidade imobiliária. O termo final é a data em que o imóvel está disponibilizado aos adquirentes da unidade imobiliária, pronto e desembaraçado, que ocorre com a entrega das chaves. 6. Apelo da parte autora provido. Apelo da ré improvido.” (DISTRITO FEFERAL, TJ, Ap. 0031562-04.2013.8.07.0001, Rel. Juiz Arnoldo Camanho de Assis, 2014).

O Tribunal de Justiça Mineiro também já tratou da matéria em recente julgado, repita-se:

“AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. ATRASO NA ENTREGA DA OBRA. CASO FORTUITO OU FORÇA MAIOR. NÃO OCORRÊNCIA. DEVOLUÇÃO INTEGRAL DOS VALORES PAGOS DEVIDA. RETENÇÃO DE PERCENTUAL INCABÍVEL. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Não estando caracterizada a ocorrência de caso fortuito ou força maior e não tendo o imóvel sido entregue na data pactuada, por culpa da construtora, deve a mesma ser responsabilizada pela rescisão contratual, com a devolução de todos os valores por ela recebidos. 2. Não há que se falar na retenção de percentual sobre os valores já pagos pelo promitente comprador, a título de multa, quando a rescisão ao contrato ocorre em virtude da conduta negligente da construtora. 3. Negar provimento ao recurso.” (MINAS GERAIS, TJ, Ac 10134110044275001, Rel. Juiz Domingos Coelho, 2014).

Portanto, para que as incorporadoras fiquem isentas de responsabilidade civil quando ocorre atraso na entrega da obra contratada com os adquirentes, deverão provar que sua morosidade se deu em conseqüência de caso fortuito, força maior ou factum principis. Caso não consigam provar tais excludentes do nexo de causalidade, ficam demonstrados todos os pressupostos caracterizadores da responsabilidade civil, devendo, repise-se, arcar com os prejuízos ocasionados aos adquirentes em virtude dessa morosidade.

Conclusão

No decorrer do estudo foram analisadas situações jurídicas existentes em um dos setores econômicos mais relevantes do Brasil. Tanto é assim que se verificou no decorrer da presente análise que o País enfrentou uma grande crise econômica antes da instituição do patrimônio de afetação pelo então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. Viu-se relações que ocorrem corriqueiramente no mundo dos fatos, onde as incorporadoras, talvez por acreditarem no desconhecimento jurídico da população, acabam estipulando cláusulas abusivas no contrato de incorporação que celebram com os adquirentes, e como se já não bastasse, acabam ainda atrasando na entrega da obra dentro do prazo.

O que se conclui, portanto, é que os adquirentes quando estão diante de um negócio jurídico que envolve certa complexidade como a aquisição de imóveis em planta, devem sempre procurar informações acerca de seus direitos e deveres existentes em tal negócio, ao passo que, cada vez mais, os incorporadores instituem cláusulas excessivamente onerosas no contrato de incorporação imobiliária. Prazos excessivos para se chegar à conclusão do empreendimento aparecem, não raras vezes, em contraste com prazos estipulados para os adquirentes. Como exemplo, pode-se citar o prazo para pagamento das prestações. Ora, se há um prazo estabelecido para que os adquirentes paguem as prestações destinadas ao custo de suas respectivas aquisições, e o atraso nesse pagamento lhes ocasionam demasiados transtornos, podendo inclusive perder seus imóveis, nada mais razoável que os incorporadores tenham prazos, para realizar suas obrigações, proporcionais aos prazos suportados pelos adquirentes.

Embora não seja o que vem acontecendo na prática, toda relação contratual deve se pautar num equilíbrio das prestações a que cada parte se obriga a realizar. Em havendo alguma cláusula contratual leonina, os adquirentes poderão buscar no Poder Judiciário, tendo em vista o dirigismo contratual existente hodiernamente, a nulidade desta cláusula, pois não se pode, como já abordado outrora, um contrato onerar excessivamente uma das partes.

Deve ser ressaltado que os adquirentes são merecedores de tutela jurídica, devendo ter segurança quando realizam um negócio da envergadura da aquisição de imóvel na planta. Portanto, quando se está diante de um negócio jurídico como o da incorporação imobiliária, os adquirentes, que no mais das vezes consistem na parte mais fraca da relação jurídica contratual, devem analisar todos seus direitos e deveres antes de aderirem ao contrato.

O presente estudo se pautou em ajudar os interessados em adquirir imóveis na planta, dando-lhes informações acerca do negócio, deixando claro quais são seus direitos e deveres e alertando-os no pertinente à responsabilidade das incorporadoras no prazo da entrega do imóvel adquirido.

Finalmente, vale repisar, que no caso de atraso na entrega da obra as incorporadoras serão responsabilizadas civilmente desde que comprovados, no caso concreto, os pressupostos gerais caracterizadores da responsabilidade civil, quais sejam, a conduta, o dano, o nexo de causalidade e a culpa, podendo essa responsabilidade, dependendo do caso, ser tanto patrimonial quanto extrapatrimonial, conforme já estudado.

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[1] O termo “engolido” é aqui utilizado no sentido de “destruído”, isto é, a irresponsabilidade de algumas incorporadoras acabou por destruir o sonho de diversos adquirentes de imóvel em planta, fazendo com que o Brasil se restasse em crise no âmbito econômico da construção civil.

[2] Vide artigo 1.228 do Código Civil de 2002.

[3]Quando do recolhimento das taxas cartorárias, em regra, 40% destas taxas, as quais são denominadas taxas de fiscalização judiciária, são destinadas à Corregedoria Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais, consoante Lei Estadual nº 15.424/04.

[4] O termo “efeito bicicleta” é muito utilizado na área imobiliária para demonstrar a situação em que uma incorporadora utiliza os recursos arrecadados para a consecução de um novo empreendimento, para finalizar outro já iniciado, desviando, portanto, os recursos já levantados junto aos adquirentes, acarretando um perigoso ciclo-vicioso.

[5] Mais detalhes a este despeito podem ser encontrados em Almeida (2005, p. 44-46).

[6] A Lei 10.931/04 não só veio a garantir maior segurança aos adquirentes de imóveis em planta através do instituto do patrimônio de afetação, mas também veio estimular a construção civil tendo em vista que proporcionou uma redução na carga tributária incidente no setor. Nesse cenário, o governo federal alocou mais recursos voltados para construção de conjuntos habitacionais, motivo pelo qual a nova Lei foi apelidada pelo então presidente Lula de “pacote da construção”.

[7] Vide item 3.3 (Passos preponderantes para a evolução histórica da incorporação).

[8] Prescreve o art. 31-F da Lei 4.591/64, ipsis literis: “Os efeitos da decretação da falência ou da insolvência civil do incorporador não atingem os patrimônios de afetação constituídos, não integrando a massa concursal o terreno, as acessões e demais bens, direitos creditórios, obrigações e encargos objeto da incorporação.”.

[9] Artigo 31-A, Lei 4.591/64: “A critério do incorporador, a incorporação poderá ser submetida ao regime de afetação (...)”.

[10] A expressão “olho por olho, dente por dente” ficou conhecida desde os primórdios, tendo em vista a antiquada possibilidade de se reparar o dano causado por outrem, com as próprias mãos.

[11] Vide item 3.1.1 Responsabilidade civil subjetiva e objetiva.


Autor

  • Guilherme Igor

    Pós-Graduando em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Pós-Graduando em Direito Notarial e Registral pela Faculdade Damásio Educacional. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Assessor Jurídico no Cartório de Registro de Imóveis comarca de Contagem-MG. Advogado e Consultor Jurídico.

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