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A responsabilidade civil do advogado e o código consumerista

A responsabilidade civil do advogado e o código consumerista

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Sumário: Resumo; 1. Breves considerações sobre a responsabilidade civil; 1.1. elementos constitutivos; 1.2. elementos constitutivos da responsabilidade civil do advogado; 2. Essência da relação jurídica havida entre advogado e constituinte; 3. Obrigações de meio e de resultado; 3.1 Obrigações de meio e de resultado: obsoleta distinção; 4. Responsabilidade civil do advogado; 4.1. erros de fato e de direito; 4.2. lide temerária e imunidade judiciária; 4.3. parecer ruinoso; 4.4. sociedade de advogados; 4.5. violência ao dever de sigilatário; 5. Responsabilidade objetiva por vício do serviço advocatício; 6. Conclusões; 7. Referências bibliográficas.


RESUMO

A responsabilidade civil do advogado repousa umbilicalmente ligado com a liberdade no desempenho da sua atividade, elevada a dogma de calibre constitucional. Em face desse panorama, mister se faz aviventar a plena consciência dos riscos inerentes ao exercício da profissão, para possibilitar-se o uso de técnicas eficazes a evitá-los, ou ao menos minorá-los. Não obstante, poucas são as demandas objetivando a responsabilização do advogado por danos causados aos seus clientes. Não se vê farto repertório jurisprudencial, provavelmente em face dos percalços no acesso ao Poder Judiciário e da desinformação da população, conquanto exista um verdadeiro arsenal jurídico à disposição do cliente lesado.

Não fosse isso o bastante, pesa contra o desditoso cliente o sistema da responsabilidade civil subjetiva, aplicável em regra aos profissionais liberais, como é o advogado, quando então deve o cliente provar a existência também da conduta culposa do profissional. Com tudo isso, muitos terminam irressarcíveis, deixados ao léu pelo Judiciário. Mas, opiniões existem afirmando que se aplicam as regras de inversão do ônus da prova, contidas a Lei n.º 8.078/90, mais precisamente no artigo 6º, inciso VIII, a fim de facilitar a defesa do consumidor. Com isso, menos árdua é a tarefa do cliente em patrocinar a demanda e produzir as provas necessárias a garantir-lhe o sucesso na ação indenizatória.

Cabe observar que, a ciência jurídica não é como as ciências exatas, cujo raciocínio lógico normalmente chega à mesma conclusão. O só fato de não se obter êxito nalguma providência jurisdicional não é o bastante para responsabilizar o técnico contratado. Daí porque exigir-se muita cautela no momento de se definir se a atividade desenvolvida pelo advogado, tida como culposa e causadora de danos, o foi realmente em dissonâncias das regras e recomendações peculiares. Poucos são os que aceitam a sucumbência na ação como conseqüência natural de sua infrutífera pretensão e, a partir disso, tisnam o nome do profissional que contrataram, tachando-o de insciente do aparato jurídico posto. E, por estarem simplesmente descontentes, promovem ação indenizatória contra seu ex-advogado, objetivando a reparação de eventuais danos causados. Sem êxito, em regra.

É pensando em tudo isso que decidimos, de algum, contribuir com estudo para o tema proposto, despertando os estudantes e os profissionais do Direito para a melhor observância dos preceitos da advocacia, exigindo-lhes constante estudo, prudência, eficiência e vigilância. Enfim, estamos com Jair Lins, ao sentenciar que: "advogar não é escrever bonito, porém acompanhar a causa com zelo e eficiência."


1. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL

Profundo, misterioso e sempre revelador de sua inexplorabilidade absoluta, como o oceano, tem-se a área da responsabilidade civil, conceituada por Silvio Rodrigues, valendo-se da doutrina de SAVATIER, como sendo a obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam (Direito civil, p. 6). Bem se atendeu, aqui, aos princípios filosófico de conceituação, ao se delimitar todos os elementos necessários do instituto.

Pensando nessas facetas da responsabilidade civil que entendemos necessário promover algumas observações, antes de se adentrar efetivamente no corpo do presente estudo.

1.1. elementos constitutivos

Suscita-se da conjugação dos artigos 186 e 927 do Código Civil de 2002 os elementos que compõem o dever de indenizar, quais sejam: elemento subjetivo da conduta: a) voluntariedade e culpabilidade em sentido estrito; b) elemento normativo da atividade: violação de direito ou causação de prejuízo; c) elemento objetivo da atividade em sentido estrito: ação ou omissão; d) elemento integrativo: liame de causalidade.

O item "a" tem respaldo na dicção legal "ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência"; o item "b" funda-se no verbete "violar direito, ou causar prejuízo a outrem"; o item "c" refere-se ao resultado de uma força física ou moral, à faculdade ou possibilidade de executar ou não alguma coisa, independentemente de qual seja a reação ulterior, de qual seja o resultado atingido; e o item "d" está supedaneado na teoria geral da responsabilização. Não se pode imputar a prática de ato ilícito àqueles que não tenham, de algum modo, relação entre a atividade em sentido estrito e o elemento normativo da atividade, devendo haver um mínimo de correspondência entre a pessoa a quem se imputa e o dano ou a ofensa alegada pela vítima.

A voluntariedade, também conhecida como dolo, bem como a culpabilidade em sentido estrito (negligência, imprudência ou imperícia), em certos casos são dispensados. Não o são, porém, para a regra fixada tanto no Código Civil de 1916 como no de 2002, por ter o legislador cristalinamente estampado que acolheu a teoria da responsabilidade civil subjetiva. Essa a regra. Exceção é a responsabilidade civil objetiva, quando então não se perquirirá o elemento subjetivo da conduta, sendo está de todo irrelevante. Por ser exceção, tem de vir expressamente disciplinado em lei, dado que não se admite restrição de direito ou ampliação de responsabilidade senão nos casos expressamente previstos em lei. Daí a disciplina insculpida no P. único do artigo 927 e no artigo 931, ambos do Código Civil de 2002.

O elemento normativo da atividade é imprescindível, sempre. Não se admite haja dever de indenizar se não houver o que indenizar, ressarcir ou reparar. Há, nesse item, dois aspectos destacáveis: a violação de direito ou a causação de prejuízo. Pode-se dizer que um é aspecto tangível, constatável ipso factum, facilmente demonstrável em juízo; outro de natureza intangível, que não se pode tocar, de tal sorte que a comprovação judicial é amplamente dificultosa e exige argúcia daqueles que desejam encontrá-lo. Outrossim, um é situação puramente de fato, enquanto o outro é essencialmente de direito. É por isso que entendemos tenha o legislador disciplinado, ainda que inadvertidamente, os institutos dos danos materiais (lucros cessantes e danos emergentes) num caso e da ofensa à honra noutro (violação de direitos da personalidade: danos morais, etc.), respectivamente causar prejuízo ou violar direito.

O elemento objetivo da atividade em sentido estrito atrela-se simplesmente à ação ou omissão, própria ou alheia. Aqui é despiciendo, posto ainda prematuro, indagar se o resultado obtido era ou não desejado pelo ofensor, ou ainda que tenha ele agido com incúria, descuido, despido de virtudes que o levassem a conhecer e praticar o que convém a todos. Não interessa se tenha sido incauto, ou se tenha agido sem circunspeção ou tino. Basta tenha havido atividade (ação ou omissão) sua ou de coisas ou pessoas sob sua custódia, porquanto se tem em mira aqui unicamente um dos extremos do nexo de causalidade. Diz-se prematuro indagar da culpa ou do dolo, pois tais têm a ver com o que vem logo em seguida. Para se elucidar, tenha-se em vista que, dolo e culpa são adjetivos, são palavras que se ajuntam a um substantivo para descrever-lhe uma ou mais qualidades. E substantivos, no caso, seriam a ação e a omissão. Conquanto tênue a linha que divisa um do outro, não parece haver muitas dificuldades em separá-los, principalmente quando se estuda a responsabilidade civil objetiva e a subjetiva, quando nesta se discute também a conduta (além da atividade) e aquela apenas a atividade (sendo despiciendo a conduta).

Enfim, o elemento integrativo ressalta a velha máxima "a toda ação corresponde uma reação". Deveras, se houve um ato ou fato comissivo ou omissivo, e dele nasceram conseqüências juridicamente apreciáveis, indisputável se tornarão a coerência e a conexão entre eles. Tem de haver um mínimo de correspondência entre a causa e o efeito, ainda que indireta. Diz-se "ainda que indireta", porquanto casos há em que a responsabilidade não é por ato próprio, mas por de terceiros sob os quais deveria manter vigilância, ou sobre coisas e fatos que estão diretamente ligados à custódia daquele a que a lei atribui responsabilidade.

Importante ressaltar, porque tem reflexo no âmago do presente estudo, que em caso de responsabilidade civil contratual, o dever de reparar ofensas ou ressarcir danos resulta do inadimplemento culposo do negócio jurídico. E, como observa Orlando Gomes, "o inadimplemento culposo consiste, pois em síntese, numa omissão. Ocorre por se abster o devedor do que devia fazer para a satisfação do crédito, seja deixando totalmente de cumprir a obrigação, seja deixando de cumpri-la pontualmente, seja cumprindo-a defeituosamente. Ao lado dessas violações negativas, admitem-se hoje, à base de construção doutrinária elaborada pela ciência jurídica alemã, as violações positivas do crédito, que significam, do mesmo modo, inexecução culposa."

E continua: "Para melhor caracterização do inadimplemento culposo e exata fixação de suas conseqüências, alarga-se o conceito de culpa. Nessa dimensão ampliada, admite-se o inadimplemento culposo de pessoa jurídica. Outrossim, atribui-se o mesmo efeito quando resulta de fato de terceiro vinculado ao devedor, como se verifica com a omissão do preposto ou auxiliar" (Obrigações, pp. 172/3).

No Código Civil de 1916, os elementos da responsabilidade civil contratual encontram-se insculpidos sinteticamente no artigo 1.056, in verbis: "Art. 1.056 - Não cumprindo a obrigação, ou deixando de cumpri-la pelo modo e no tempo devidos, responde o devedor por perdas e danos.". Desse preceito substantivo pode-se subsumir: a) necessidade de um liame jurídico obrigacional pré-existente, vinculado as partes; b) o inadimplemento relativo ou absoluto da obrigação; c) o elemento normativo da atividade, a desembocar em perdas e danos (o artigo 389 do Código Civil de 2002, correspondente ao art. 1.056 do Código de 1916, acresceu, às conseqüências do inadimplemento, juros, atualização monetária e honorários advocatícios).

Mas esse dispositivo constitutivo da responsabilidade civil contratual exige um plus: o elemento subjetivo da conduta. Deve haver culpa por parte do inadimplente, salvo se em mora ou se expressamente se responsabilizou por eventos de força maior ou caso fortuito. E tal encontra-se ínsito com minúcias na Lei, ao verberar que simples culpa do contraente, a quem o contrato aproveite, será "quantum satis" para gerar a sua responsabilidade; e dolo, a quem não favoreça. Isso quanto aos contratos unilaterais, pois quanto aos bilaterais, responde cada uma das partes por culpa (o artigo 392 do Código Civil de 2002, correspondente ao 1.057 do Código de 1916, altera o termo contratos unilaterais por contratos benéficos e contratos bilaterais por contratos onerosos).

Sobre ser bilateral ou unilateral a estipulação, obtempera Agostinho Alvim, que "primeiramente, é certo que a natureza da convenção influencia na reparação do dano, no que concerne à atribuição de responsabilidade agente", pois "dita o Código Civil duas regras diferentes, relativas à responsabilidade pelo dano oriundo de violação unilateral e bilateral" (Da inexecução, p. 196).

1.2. elementos constitutivos da responsabilidade civil do advogado

A par das regras gerais suso mencionadas, extraíves de Norma Objetiva de caráter geral, não se pode olvidar que, relativamente ao advogado, Diplomas especiais outros trazem em seu bojo algumas diversificações acerca da responsabilização. Nesse sentido, verbis gratia, o Código de Defesa do Consumidor, que excepcionou os profissionais liberais da linha de tendência da responsabilização objetiva (dispensa a apuração do elemento subjetivo da conduta), ao exigir a verificação da culpa (art. 14, § 4º). De certo modo, relativamente à advocacia se lhe adequou o regramento ulterior dado pela Lei n. 8.906/94, que veiculou no artigo 32 a responsabilidade pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa (subjetividade sempre exigida nas leis).

Quer-nos parecer que, a aceitação irrestrita da responsabilidade subjetiva dos profissionais liberais redunda no perecimento da teleologia que promana do Código de Defesa do Consumidor. A incompatibilidade lógica com o microssistema de proteção do consumidor exclui muitas das suas regras e dos seus princípios. De outro lado, não se deve impor responsabilidade objetiva, porque a lei exige a "verificação da culpa". Entre a atuação do intérprete e a vontade da lei há de haver um mínimo de correspondência. De igual, como em tempo observado por Paulo Luiz Netto Lobo, "não é hipótese de responsabilidade transubjetiva, pois a imputação de responsabilidade recai diretamente sobre o fornecedor de serviços e não sobre outrem".

Adequar-se-ia aos ditames do Código de Defesa do Consumidor, em se tratando de responsabilidade civil do advogado, atuar no elemento subjetivo da conduta a teoria da "culpa presumida". E isso não quer dizer que se está diante de responsabilidade civil objetiva, posto distintas as suas bases de sustentação. Com a culpa presumida, mantém-se a oportunidade de provar inexistência de culpa. O que se muda, em favor do consumidor, é o "onus probandi". O consumidor não precisará provar a culpa do advogado, mas sim, este, é quem deverá convencer o Judiciário que não agiu com culpa. E a razão é muito simples: o Código de Defesa do Consumidor admite a inversão do ônus da prova (Lei n. 8.078/90, art. 6º, inciso VIII).

Pontes de Miranda ressalta a conexão entre culpa presumida e inversão do ônus da prova, ao comentar o inciso III: " Os que são apontados como devedores de reparação, no artigo 1.521, III, têm o ônus da prova de não-culpa; os que o apontaram têm de dar prova de que havia o vínculo contratual entre o agente e o responsável e o dano derivasse de ato previsto no artigo 1.251, III" (Tratado, p. 134).

Também Nelson Nery Junior e Zelmo Denari entendem que deverá o profissional liberal provar em juízo que não houve culpa de sua parte no desempenho de sua atividade, desta forma prevalecendo a inversão do ônus da prova. Porém, deve-se lembrar que o profissional liberal só responde subjetivamente se estiver desvinculado de uma pessoa jurídica (CBDC comentado pelos autores do anteprojeto, p.316), pois se o estiver, a responsabilidade passa a ser objetiva, como veremos adiante.

Vê-se, com isso, que a inversão do ônus da prova como corolário lógico e indeclinável da culpa presumida não se afasta com o simples fato de o Código de Defesa do Consumidor ter escolhido a responsabilidade civil subjetiva para o caso do advogado como sujeito passivo da obrigação reparativa ou ressarcitória. Cabe ao advogado, em casos que tais, produzir a prova da não-culpa. Isso tudo, sem dúvida, não se olvidando do caso em que a contratação é despida do intuito personae.


2. ESSÊNCIA DA RELAÇÃO JURÍDICA HAVIDA ENTRE ADVOGADO E CONSTITUINTE

Dizer da essência é dizer da natureza jurídica de alguma relação. Não é tarefa das mais fáceis. Para a esmerada profissão da advocacia, são os termos veiculados na procuração e no contrato existentes entre as partes que regulam suas relações. Eles se vinculam, substancialmente, através do instrumento de mandato, único meio apto a habilitar o advogado a procurar em juízo em nome da parte (CPC, art. 37). Mas qual a natureza jurídica do mandato? Vejamo-la.

"O mandato é considerado como contrato unilateral pois, normalmente, só cria obrigações para o mandatário, somente passando a ser imperfeitamente bilateral quando o mandatário, remunerado.. enquanto o mandato mercantil é presumidamente oneroso, o mando civil, salvo exceções taxativas estipuladas no próprio texto legal, é presumidamente gratuito" (Arnoldo Wald. Curso, p. 449). Em síntese, descreve o mestre: "O mandato é pois um contrato consensual, não solene, sendo presumidamente unilateral e gratuito, mas podendo, em virtude da convenção das partes, tornar-se um contrato imperfeitamente bilateral e oneroso" (ibidem).

Importante observar que, procuração e mandato são distintos. Basta ver-se que, enquanto o mandato é um contrato, a procuração não o é, de vez que "se classifica como negócio unilateral receptício, autônomo, que não se confunde com o contrato subjacente. Este pode ser de prestação de serviços, trabalho, compra e venda, corretagem, etc. Freqüentemente é o mandato. Há um lado interno (o negócio entre as partes) – subjacente – e o lado externo – representação, a relação entre o representante e principal perante o terceiro. Cabe lembrar que a representação pode ser legal (caso dos pais que representam o filho absolutamente incapaz) e voluntária (caso da procuração).

Assim, mandato é o negócio jurídico preparatório que em regra se constitui unilateral e graciosamente e sem forma descrita em lei, bem ainda de eficácia condicionada à aceitação, que impõe vínculo obrigacional de natureza eminentemente transitória e certa, cujo incumprimento gera responsabilidade civil.

Sendo contrato o vínculo jurídico havido entre mandante e mandatário, e sendo o mandato o nascedouro das obrigações do advogado perante o seu constituinte, conclui-se que a responsabilidade civil aqui é regida pelas regras da responsabilidade civil contratual. E com isso, "a responsabilidade contratual tem desempenhado, todavia, importante papel para facilitar a prova da culpa do inadimplente, entendendo a doutrina e a jurisprudência que, no caso de obrigação de resultado, assumida por uma das partes, o simples fato de Ter ocorrido o inadimplemento importa em presunção de culpa, cabendo ao devedor, que não cumpriu a sua obrigação, fazer a prova da ocorrência de força maior, caso fortuito, culpa do outro contratante ou outro fato que possa excluir a responsabilidade... A responsabilidade contratual tem levado a implantar a teoria do risco profissional, entendendo-se que é dever do empresário que tem as vantagens da realização do negócio, arcar com os encargos dele decorrentes, de acordo com o princípio ejus commodum, ejus periculum" (Arnoldo Wald. Ob. cit., p. 549).

Insta acentuar que, juntamente com o mandato, há sempre um contrato prestacional de serviços. Aliás, há casos em que a atuação do profissional liberal encontra-se atada ao constituinte não por mandato, mas apenas e tão-somente como prestador de serviços. Ou seja: contrato de prestação de serviços haverá sempre, mas o mesmo não se pode dizer em relação ao mandato. A propósito, calham bem as palavras de Washington de Barros Monteiro: "volvendo de novo às profissões liberais, poderemos dizer que o advogado, por exemplo, é ao mesmo tempo mandatário e locador de serviços. É mandatário, porque age em nome e por conta do constituinte, o mandante; é locador de serviços, porque está obrigado a desenvolver a atuação prometida, realizando os trabalhos dele reclamados (o jurista que se limita a dar parecer é mero locador de serviços)" (Washington de Barros Monteiro, ob. cit., p. 248).

Conquanto de natureza contratual o vínculo havido entre advogado e cliente, portanto regido pelas regras da responsabilidade civil contratual, não é, essencialmente, o mandato o cerne da responsabilização do advogado. A pensar desse modo, escaparia do campo da legalidade a atividade do profissional que se limita a emitir pareceres ou confeccionar contratos. As obrigações vêm insculpidas no vínculo prestacional de serviços. Infringidas, advirá responsabilidade civil pelos prejuízos sofridos pelo mandante (locador dos serviços), oriundos de culpa.


3. OBRIGAÇÕES DE MEIO E DE RESULTADO

No estudo da responsabilidade civil contratual encontra-se a análise da dicotomia obrigações de meio – obrigações de resultado, interessando sobejamente ao caso da apuração da culpa. Nessa senda, tem-se a obrigação de meio no vínculo jurídico em que se obriga o devedor a empreender esforços suficientes para alcançar determinado fim específico; não se vincula, porém, à obtenção do resultado. Diversamente, na obrigação de resultado tem-se aquela em que há preocupação de atingir fim certo e específico, cumprir um objetivo final, sendo inadimplente se não o fizer, devendo indenizar o credor. Sendo de resultado a obrigação, a responsabilidade é sempre objetiva. A impossibilidade de excludente de culpa é inerente, não se exigindo previsão contratual.

Mas, é de meio ou de resultado o vínculo jurídico-obrigacional existente entre advogado e constituinte? Sabidamente, a fidúcia é o cerne de algumas profissões. Nalguns casos, não se contratam determinadas pessoas apenas por ser menos onerosa a sua remuneração, mas sim em razão da confiança conquistada junto ao universo de consumidores. Mormente no caso da advocacia, cuja constituição da carteira de clientes deve-se essencialmente a indicações e referências de clientes e ex-clientes. Talvez pela limitação à oferta do serviço profissional, não há como o advogado captar clientes através de maciça propaganda e publicidade, inculcando no consumidor a necessidade de contratar.

Fundado essencialmente na confiança e na pessoalidade, não se tem como exigir que a atividade produzida atinja fim certo e determinado. Mesmo porque, o dinamismo do direito, a inexistência de fórmula exata do deslinde das questões que diuturnamente são postas sob o manto da jurisdição, entre outras situações, são intransponíveis óbices à garantia da vitória no processo a que se propugnou conduzir. Daí porque em regra não se pode pleitear indenização do advogado por não haver obtido êxito na pretensão, pois tal não é o dever do profissional liberal, que tem, isso sim, dever de diligência e perícia.

Arnoldo Wald, observa que: "os artigos 1.545 e 1.546 do Código Civil tratam, especialmente, da responsabilidade dos médicos, cirurgiões, farmacêuticos, parteiras e dentistas, esclarecendo que são obrigados a indenizar os danos provenientes de sua imprudência, negligencia ou falta de técnica. Trata-se de aplicação de um princípio geral que se aplica a todos os profissionais, inclusive advogados, arquitetos e engenheiros. A evolução do direito revela a tendência de responsabilizar, cada vez mais, o profissional, pelas suas faltas, como, aliás, está ocorrendo no mundo inteiro" (ob. cit., p. 560).

Logo, iniludivelmente, a responsabilização do advogado, com limitadíssimas exceções (quase inexistentes), é de meio e não de resultado. De tal sorte, exige-se comprovação de que tenha agido com culpa ou dolo.

Nessa senda, entre outras hipóteses adiante estudados com mais vagar, desde já se adiante que "o advogado é responsável nos seguintes casos: 1. quando não segue as instruções do cliente; 2. quando, apesar das recomendações do cliente, não recorrer ou quando perde prazo para a prática de ato processual; 3. quando comete erro injustificável e inescusável de direito; e, 4. quando atua dolosamente em prejuízo do cliente" (Arnoldo Wald, ibidem).

Todavia, depois Código de Defesa do Consumidor, o resultado há de ser visto com outros olhos. Agora, qualquer proposta ou promessa vincula irrestritamente o proponente ou o promitente (A vinculação aos termos da proposta já havia no Código Civil de 1916, mas não era disciplinado de forma tão abrangente como o foi no Código de Defesa do Consumidor), de tal sorte que o resultado garantido há de ser atingido. Tal prática é muito corriqueira na área criminal, onde alguns profissionais garantem à família do preso que o libertaram. Prometem tal evento, à míngua da consciência de não serem eles quem decidem mas sim o Magistrado, após ouvida do Ministério Público (o que torna absolutamente improvável o sucesso), apenas e tão-somente para conquistar a confiança da desditosa família do preso e firmar bom contrato de honorários. A par da boa-fé e da ética profissional, há evidente inadimplemento contratual acaso não se logre a imediata liberdade. Em casos que tais, inegável que a obrigação não é de meio, mas sim de resultado.

3.1. uma nova visão da distinção obrigação de meios e obrigação de resultado

Como regra geral, diz-se que o profissional liberal assume obrigação de meios. Exceção é a obrigação de resultado. Naquela, a contrariedade a direito reside na falta de diligência que se impõe ao profissional, considerado o estado da arte da técnica e da ciência, no momento da prestação do serviço. Seleto repertório jurisprudencial se vale dessa dicotomia como pré-requisito para responsabilizar civilmente o profissional liberal. Se ele se pautou com diligência, despiciendo se torna o resultado obtido, porque estará excluído (ou nem mesmo nascerá) o dever de indenizar. Mas essa maciça orientação redunda em obstáculos não raro indisputáveis para as vítimas dos atécnicos profissionais liberais. Basta ter-se em mente a dificuldade probatória havida em feitos que tais. Assim, restam os danos sem indenização, o que não acompanha os princípios modernos da responsabilidade civil. Até quem já sustentou essa tese, sem reflexão mais aprofundada, hoje não pensa mais assim (confira-se, a propósito: Paulo Luiz Netto Lôbo, Comentários ao Estatuto da Advocacia, p. 139-41).

Não pode vingar irrestritamente a dicotomia obrigação de meios/obrigação de resultado. Todo e qualquer negócio, parece-nos óbvio, só é constituído à vista da finalidade; o fim almejado e a que se destina a contratação, que nada mais é que o resultado pretendido. Poucos, quase inexistentes, são os que procuram um advogado em razão da excelência dos meios por ele empregados. Também por isso vê-se muitos profissionais prometendo o sucesso na ação, de tal modo a conquistar o cliente que deixa ao léu o outro profissional consultado, apenas porque eticamente recusou-se a garantir a vitória no grau mais elevado de probabilidade. Generalizou-se na consciência das pessoas, outrossim, que, sendo de extremo renome o advogado, mais provável é o resultado pretendido. Esse pensamento não nubla apenas o senso comum dos clientes, mas também muitos outros profissionais, até mesmo advogados, que preferem passar a causa a outro colega, cônscio de que a vitória por ele será alcançada com muito louvor.

Nalguns casos, depois da instrução processual, já se mostra possível visualizar o desate da questão, de tal sorte a poder garantir o resultado, não que seja necessariamente favorável à pretensão do constituinte. Deve-se ter em mira, ainda, que ao propor uma ação de apreciação corrente, como o são as de despejo por falta de pagamento, etc., não se mostra crível haja esculpante se o resultado provável, às vezes até muito provável (o decreto expulsório do inquilino renitente), não for alcançado com as láureas necessárias. Há lides de menor complexidade que o resultado é totalmente provável, e portanto assim deve ser regida a sua contratação, vinculando à obtenção daquele fim previsível e específico. De um jeito ou de outro, não se recomenda antecipar mais que 50% de certeza.

Seguindo essa linha de raciocínio, cumpre exigir-se a prova de que o advogado se enveredou pelo caminho da obtenção do resultado óbvio, objeto do contrato que celebrou com o cliente, além de ter prestado o seu serviço com toda a diligência que lhe é inerente.

E não é tudo.

O advogado contratado para confeccionar algum ato jurídico (parecer, contrato, estatuto de sociedade etc.), assim o é justamente para evitar algum problema futuro. A finalidade da contratação é certa. Não fosse a segurança jurídica preventiva, consertando antes que fosse quebrado, não haveria necessidade de intervenção de um técnico. Quando o advogado é procurado para promover certa ação, não pretende o cliente apenas o patrocínio mais diligente, mas a maior probabilidade de resultado favorável. "Em qualquer dessas situações, cabe ao advogado provar que não agiu com imprudência, imperícia, negligência ou dolo, nos meios empregados e no resultado, quando de seu serviço profissional redundar dano" (Paulo Luiz Netto Lôbo. Responsabilidade civil do advogado. In: www.jus.com.br).

Dessarte, não se mostra mais absolutamente relevante tenha a obrigação do profissional liberal se classificado como de meios ou de resultado. Pretendeu-se que, na obrigação de meios, a responsabilidade dependeria de demonstração antecipada de culpa; na obrigação de resultado, a inversão do ônus da prova seria obrigatória (Cf. Oscar Ivan Prux, Um novo enfoque quanto à responsabilidade civil do profissional liberal. Revista de Direito do Consumidor, p. 205). Hodiernamente, carece de fundamento tal discriminação, além de prejudicar o consumidor que estaria com ônus adicional de demonstrar ser de resultado a obrigação do profissional.

Exigir-se prova da obrigação foi de resultado obsta o acesso ao Judiciário e à isonomia processual. É exigir-se produção de prova diabólica. Ademais, a manutenção incondicional da dicotomia incomaptibiliza-se, de forma nítida e inescondível, com princípios constitucionais de defesa do consumidor (art. 170, V, da Constituição).

Com a presunção da culpa e a conseqüente inversão do ônus da prova, pode-se dizer que se compatibilizou o sistema da responsabilidade civil subjetiva consagrado em favor do advogado, com os princípios constitucionais de defesa do consumidor. Caberá ao advogado provar que agiu com toda a diligência possível, e não ao consumidor a prova de culpa do profissional.

No mesmo sentido, veja-se a lição de Jorge Mosset Iturraspe, para quem essa distinção não favorece a tutela do consumidor de serviços e sempre foi utilizada na doutrina e na jurisprudência para amparar os prestadores de serviços, atenuando o rigor de suas obrigações, construindo um âmbito de inadimplemento contratual admitido. Diz ainda o autor que a qualificação das obrigações como de meios desvincula o dever do devedor do compromisso de alcançar um resultado de interesse do credor, juridicamente protegido, ou seja, o de lograr um resultado benéfico. "A tutela do consumidor se reforça, na medida em que se considera cada serviço como um resultado e uma finalidade em si mesmo, que responde ao interesse do credor, e na medida em que a prova sobre a impossibilidade ou aleatoriedade deve produzi-la o devedor do serviço, pois do contrário será considerado como inadimplente responsável" (La vigencia del distingo entre obligationes de medio y de resultado en los serviços, desde la perspectiva del consumidor, p. 250).


4. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO

Viu-se, à exaustão, que a atividade da advocacia encontra-se regida pela Lei n. 8.906/94. Esse Diploma Congressual estabeleceu no artigo 32 que o advogado é responsável pelos atos que, no exercício da profissão, praticar com dolo ou culpa, e impôs, no artigo 33, a observância obrigatória aos preceitos estabelecidos no Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil, cujos deveres estão capitulados no artigo 2.º, parágrafo único.

Porém, a responsabilidade civil dos advogados não é somente apurada com base no Código de Ética, pois nos seus mais diversos aspectos, conforme ensina Caio Mário da Silva Pereira, está submetida a uma preceituação complexa, também oriunda do Código Civil (mandato e prestação de serviços), do Código de Processo Civil e do Estatuto da OAB.

A par da regulamentação estatutária, o advogado é fornecedor de serviços. Assim, sujeita-se ao Código de Defesa do Consumidor. A dicção deste é no sentido da responsabilidade pessoal do profissional liberal, verificando-se a culpa (art. 14, § 4º). Não sendo pessoal, mas sim vinculada à pessoa jurídica, será objetiva a responsabilidade do empreendimento, posto despida a contratação do caráter "intuito personae", ocasião em que bastará a apuração da ocorrência do dano, o defeito do serviço e o nexo de causalidade.

Existem algumas opiniões afirmando que a inversão do ônus da prova, previsto no artigo 6º, inciso VIII do Código de Defesa do Consumidor, não se aplica aos advogados. Pesem os respeitáveis entendimentos, data venia, afiguram-se-nos improsperáveis, sob pena de tal interpretação rechaçar a proteção integral do consumidor (Confira-se, a propósito, Jadson Dias Correia. Responsabilidade civil do advogado. Monografia apresentada em abril de 1999 à Universidade Tiradentes, como exigência final do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Civil – Obrigações e Contratos, tendo como orientador o Prof. Flávio Láuria).

Quando, por exemplo, numa demanda ente um cliente lesado e um escritório de advocacia de porte empresarial, ressoando latente a hipossuficiência do lesado, não caberia a inversão do ônus da prova? Evidente que sim, pois do contrário ficaria muito difícil para o lesado provar que a culpa foi do grande e estruturado escritório de advocacia. Esse modesto e singelo exemplo, citado alhures, mostra-se quantum satis para a compreensão do instituto. Além do que, para o constituinte lesado, a prova do erro profissional "do erro profissional pode ser feita por indícios e presunções" (José de Aguiar Dias. Da responsabilidade civil, p. 351).

4.1. erros de fato e de direito

Erro é a falsa, incompleta ou defeituosa noção da realidade fática ou jurídica de determinada situação ou acontecimento, resultando em efeitos jurídicos relevantes. Pode resultar de culpa ou dolo.

Erro de fato haverá toda vez que o acontecimento, que a realidade, for compreendida e interpretada incorretamente. Independente da gravidade do erro de fato, não se escusará o advogado da responsabilidade civil, acaso danos ocorram em virtude de sua desatenção.

Erro de direito já é mais complexo. "O princípio entre nós dominante, como na maioria das legislações, é o de que a ninguém é lícito desconhecer a lei. Diz o artigo 3º da Lei de Introdução ao Código Civil..." (Silvio Venosa. Direito civil – teoria geral, p. 288). Se o leigo, carente de tirocínio jurídico, não pode deixar de cumprir a lei alegando que a desconhece, certamente o advogado não pode, com mais razão ainda, levantar igual excludente. Se o advogado causou danos por desconhecer a real extensão da lei, por aplicar fórmula e conclusão equívoca de hermenêutica, ou ainda que por simplesmente desconhecer a revogação do texto legal, é ele responsável por erro de direito.

Porém, a indômita fome do brasileiro em editar leis inviabiliza a aceitação irrestrita da responsabilidade civil por erro de direito. A potência legiferante do Estado Democrático e de Direito da República Federativa do Brasil é uma das mais voraz do mundo. Apenas leis ordinárias federais, são mais de 10 mil! O repertório de leis brasileiras é extenso, às vezes parecendo interminável. Seria possível conhecê-las todas, principalmente bem interpretá-las? Cremos que não, a força do homem ainda não chegou a tamanha divindade. Daí porque apenas o erro grosseiro, inescusável, grave, pode ser capaz de gerar a responsabilidade civil do advogado.

Em apertada síntese, pensemos com Aguiar Dias: "O advogado responde pelos erros de fato cometidos no desempenho do mandato. É nossa opinião que não se escusa mostrando que o erro não é grave. Quanto aos erros de direito, é preciso distinguir: só erro grave, como a desatenção à jurisprudência corrente, o desconhecimento de texto expresso da lei de aplicação freqüente ou cabível no caso, a interpretação abertamente absurda, podem autorizar a ação de indenização contra o advogado, porque traduzem evidente incúria, desatenção, desinteresse pelo estudo da causa ou do direito a aplicar ou, então, caracterizada ignorância, que se torna indesculpável, porque o profissional é obrigado a conhecer o seu ofício sem que seja obrigado a mostrar-se um valor excepcional na profissão. O fato de ter um diploma não estabelece presunção a favor do profissional, mas é um índice que ele tem de honrar" (José de Aguiar Dias. ob. cit., p. 344).

Exemplo típico de erro de direito é a inobservância do prazo prescricional de ação comumente aforada: reclamação trabalhista. Aliás, em casos que tais, às vezes não se sabe se a responsabilidade do advogado decorre da incúria e desrespeito à confiança que lhe foi depositada, ou se ao desconhecimento do prazo prescricional à para aforamento da pretensão do obreiro. De todo modo, tem, inegavelmente, o dever de indenizar, pois "fazendo-se negligente o advogado na sua atuação profissional, assegura-se ao cliente o direito de rescindir o contrato, fazendo jus, ainda, a indenização pela ‘perda da chance’, como modalidade de dano moral, naqueles casos em que, por desídia sua, a ação somente foi ajuizada depois de prescrita, ou se recorreu intempestivamente da sentença desfavorável. Em síntese, tem-se reconhecido da existência de dano moral reparável, sempre que da omissão de uma parte contratante resultar para outra uma situação incômoda ou constrangedora" (Yussef Said Cahali. Dano moral, p. 533).

Ainda quanto ao erro de direito, é ele inescusável quando se tratar de perda de prazo. "Por constar expressamente da lei, não se tolera que o advogado o ignore. Na dúvida entre prazo maior e menor, deve a medida judicial ser tomada dentro do menor, para não deixar nenhuma possibilidade de prejuízo ao cliente. O advogado deve ser diligente e atento, não deixando perecer o direito do cliente por falta de medidas ou omissão de providências acauteladoras, como o protesto de títulos, a notificação judicial, a habilitaçào em falência, o atendimento de privilégios e a preferência de crédito. Deve, inclusive, ser responsabilizado quando dá causa à responsabilidade do cliente e provoca a imposição de sanção contra este, nas hipóteses dos arts. 16 a 18 do Código de Processo Civil" (Carlos Roberto Gonçalves. Responsabilidade civil, p. 275).

Enfim, parece-nos relevante observar que não exclui a responsabilidade civil o fato de a pretensão do cliente não refletir uma razão, ou seja, não haver certeza de que o aforamento da demanda oportune tempore lhe traria o direito material almejado. Não se trata de dano em potencial, ou hipotético, o resultante da inércia ante a perda de prazo. O dano é concreto e atual.

Do contrário, autorizaria-se que toda uma vida, tantos anos de labor, todo um patrimônio, fosse desprezado e irressarcido apenas porque não se poderia garantir o sucesso da ação. Mas assim como não se pode garantir o sucesso, também não se pode garantir o insucesso e, nessa hipótese, deve-se interpretar favoravelmente à parte mais fraca da relação de consumo: o consumidor.

4.2. lide temerária e imunidade judiciária

A par do artigo 17, do Código de Processo Civil, definir os contornos da litigância de má-fé que justificam a aplicação da multa, pressupondo o dolo da parte no entravamento do trâmite processual, manifestado por conduta intencionalmente maliciosa e temerária, inobservado o dever de proceder com lealdade, há ainda a responsabilidade civil por lide temerária. Em se configurando lide temerária, já a Lei n. 8.906/94, no P. único do seu artigo 32, tratou da obrigação legal solidária pela responsabilidade dos danos causados, desde que esteja o advogado coligado com seu cliente para lesar a parte contrária, o que será apurado em ação própria.

Assim, sobrevindo conduta temerária capaz de tornar lesivo o exercício do direito processual da parte ex-adversa, há responsabilidade civil pelos danos causados. Ademais, responde por perdas e danos aquele que pleitear por má-fé ou ainda, por ser-lhe defeso, empregar expressões injuriosas nos escritos apresentados no processo.

Tal como é certo que o ordenamento jurídico repele a omissão profissional do advogado, no exercício de sua profissão, pelo receio de melindrar a quem quer que seja, não menos correta é a sua responsabilização pelos danos causados ante o abuso do exercício do direito. Todo direito subjetivo deve ser exercido dentro dos limites do razoável e do tolerável. Não o sendo, há dever de indenizar os danos causados, mormente os havidos em decorrência da violação de direitos da personalidade, como a honra, o bom nome, a privacidade, etc.

Insta acentuar que, a indenização pela litigância de má-fé apresenta nítido caráter de pena pecuniária. O processo moderno, além de prestigiar o princípio da lealdade processual, tem caráter preponderantemente público, cabendo ao magistrado prevenir e reprimir qualquer ato contrário á dignidade e à administração da Justiça (CPC, art. 18 e art. 125, III) (Confira-se, a propósito, Elza Spanó Teixeira. Código de processo civil, p. 48).

Isso porque, "a garantia da intangibilidade profissional do advogado não se reveste, contudo, de valor absoluto, eis que a cláusula assecuratória dessa especial prerrogativa jurídico-constitucional expressamente a submete aos limites da lei. A invocação da imunidade constitucional, necessariamente sujeita às restrições fixadas pela lei, pressupõe o exercício regular e legítimo da advocacia. Revela-se incompatível, no entanto, com praticas abusivas ou atentatórias à dignidade da profissão ou às normas ético-jurídicas que lhe regem o exercício" (Yussef Cahali. Ob. cit., p. 325).

4.3. parecer ruinoso

O cliente, quando procura um advogado, vê nesse profissional o senhor máximo das letras jurídicas. Qualquer lenitivo jurídico por ele prescrito, entende o consulente que atuará como inimitável remédio para a sua enfermidade jurídica. Confia nele irrestritamente, como sói poderia ser em negócios que tais. O fim específico é, de igual, indiscutível. Seja ou não favorável a conclusão do parecer, deseja o consulente a resposta certa para a indagação que externa. Daí porque, conquanto se respeitem os entendimentos contrários, cremos tratar-se de resultado a obrigação assim constituída, ante a parecença ou semelhança que a opinião solicitada deve guardar com a resposta que se espera. Em razão disso, um parecer tem de ser bem embasado, acautelando-se o parecerista de tudo que recomendará.

Para Aguiar Dias, "um parecer ou conselho visivelmente desautorizado pela doutrina, pela lei ou pela jurisprudência acarreta, para o advogado que o dá, a obrigação de reparar o dano resultante de lhe haver o cliente seguido o raciocínio absurdo, de cuja extravagância não poderia aquilatar... até na ausência de dolo, é possível verificar-se a responsabilidade do advogado... desde que o profissional tinha meios de saber que o resultado seria aquele, matéria que deve ser apreciada de acordo com as circunstâncias" (Ob. cit., p. 345/6).

E prossegue Aguiar Dias: "sendo mais raro, também não é impossível o caso de responder o advogado por omissão de conselho, o que pode ceder quando permite que o cliente enverede por uma cominho errôneo, quando poderia aconselhá-lo a adotar alternativa garantidora de sucesso" (ibidem, p. 346)

Anote-se que o parecer ruinoso, recomendando comportamento diverso daquele que unissonamente se tem ventilado pelos quatros cantos, não diz respeito apenas ao escrito extrajudicial. O parecer vai mais além, exigindo percuciência do profissional, a ponto de adotar o procedimento judicial adequado á pretensão. Não se pode admitir, por exemplo, no lugar de uma ação de despejo por falta de pagamento seja aforada uma ação de reintegração na posse. Embora extremista esse exemplo, a situação serve para todas as hipóteses, sempre tendo em vista apenas a escolha de uma medida no lugar de outra que a lei de sabença geral, a doutrina esmagadora ou a jurisprudência remansosa aconselham.

Não que esteja se pretendendo tornar estática a profissão, ou engessar o pensamento científico, mas apenas estimular o aculturamento e aperfeiçoamento constante do advogado, de tal sorte a evitar que sua conspícua sabedoria caía na vala do obsoleto e do ruinoso. Nada obsta, porém, que se defenda tese jurídica inédita sob ponto nunca antes observado pelos doutos. Em casos como estes, desde que avisado o cliente, certamente o insucesso na ação não responsabilizará civilmente o advogado. Do contrário, deve arcar com os ônus de sua incúria, mesmo porque o aforamento de outra ação, conforme o caso, dependerá do pagamento das custas, despesas processuais e honorários do advogado da demanda anterior, extinta face à barreira da regularidade processual.

A exigência de cautela no externar das idéias jurídicas encontra-se umbilicalmente ligada ao consabido preceito: "o advogado é o primeiro juiz da causa". Assim, "a propositura de uma ação requer que o advogado estudo prévio das possibilidades de êxito e eleição da via adequada. É comum, hoje, em razão da afoiteza de alguns advogados, e do despreparo de outros, constatar-se o ajuizamento de ações inviáveis e impróprias defeitos esses detectáveis ictu oculi, que não ultrapassa a fase do despacho saneador, quando são então trancadas. Amiúde percebe-se que a pretensão deduzida seria atendível. Mas, escolhida a ação, o autor, embora com o melhor direito, torna-se sucumbente. É fora de dúvida que o profissional incompetente deve ser responsabilizado, nesses casos, pelos prejuízos acarretados ao cliente. Pode responder o advogado pelo parecer desautorizado pela doutrina ou pela jurisprudência, induzindo o cliente a uma conduta desarrazoada, que lhe acarretou prejuízo" (Carlos Roberto Gonçalves, ob. cit. pp. 274-275).

4.4. sociedade de advogados

Comumente, a imputação da responsabilidade é direta ao advogado, que praticou o ato de sua atividade causador do dano. Não se estende à sociedade de advogados de que participa. Aliás, as leis parecem querer dispor assim. Porém, o próprio Código de Defesa do Consumidor já sugere forma diversa, ao ventilar que a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa. A questão torna à pessoalidade, aplicando-se a regra geral de que a pessoa jurídica não se confunde com a pessoa física dos sócios de seus quadros.

Parece-nos que nem poderia ser diferente, uma vez que a Lei 8.906/94 autoriza a reunião de advogados em sociedade civil de prestação de serviço de advocacia (art. 15), mas impõe que as procurações sejam outorgadas individualmente aos advogados e indicar a sociedade de que façam parte (§ 3º).

Quem contrata o advogado, procura ele e não a sociedade de que faça parte. Quem pode ser mandatário judicial é o advogado regularmente habilitado que se submeteu ao Exame da Ordem, e não o ente ideal despido de elementos subjetivos e psíquicos. Mas uma questão se impõe. Hodiernamente, existem dantescos escritórios de advocacia, verdadeiras empresas prestadoras de serviços, cujo quadro profissional atende ao cliente em todas as suas vicissitudes. "É muito comum, hoje, tais profissionais, agruparem-se em torno de empresas prestadoras de serviços, ou seja, sociedades de advogados. Como já se afirmou, a exceção ao princípio da responsabilidade objetiva consagrada no Código de Defesa do Consumidor aplica-se apenas ao próprio profissional liberal, não se estendendo às pessoas jurídicas que integre ou para as quais preste serviço" (Carlos Roberto Gonçalves, ob. cit. p. 277).

Uma coisa é a pessoa jurídica e os advogados que compõem o seu quadro societário. Outra, é o seu quadro de funcionários, compostas por advogados, estagiários, contadores, engenheiros, peritos de toda sorte. A prática tem-nos demonstrado, ainda, que esses grandes escritórios contam em seus quadros com profissionais mestres da oratória e da persuasão que se prestam apenas a atender e convencer o cliente. Depois, quando é contratado o escritório, a pendência jurídica é enviada para outros profissionais, que cuidarão de promover a ação e conduzi-la até o seu ápice. Em assim sendo, a questão da pessoalidade se esvai célere com o vento.

Se esses funcionários do escritório de advocacia, no exercício de sua profissão e em razão dela, causarem danos ao cliente, quem deve ser responsabilizado civilmente é o ente jurídico.

Definida a responsabilidade da pessoa jurídica pelos atos de seus empregados, cumpre saber se prescinde ou não da apuração do elemento subjetivo da conduta. Se se entender aplicável o Código Civil, conclui-se que a responsabilidade é objetiva, como aliás há muito consagrado no verbete sumular de n. 371 do Supremo Tribunal Federal. Aplicando-se o Código de Defesa do Consumidor, não haveria como aplicar a exceção do § 4º do artigo 14, pois ele refere-se à pessoalidade dos profissionais liberais, características que não se vê presentes no caso da pessoa jurídica. Objetiva, de todo modo, é a responsabilidade.

Enfim, para aqueles que entendem dever aplicar-se o artigo 32, caput, da Lei n. 8.906/94, também a subjetividade nele imiscuída não se presta ao caso fluente, por se tratar de dispositivo específico do advogado e de seus atos dolosos ou culposos, tanto assim que se encontra em capítulo versando sobre a Ética do Advogado (e não da pessoa jurídica, sociedade de advogados).

"Ora, se se entender que ao praticar o ato ilícito os representantes agem como delegados da pessoa jurídica, seria esta a responsável direta pela reparação do dano, pois seria ela quem teria causado o prejuízo; enquanto, se se entender, o que é óbvio, que os representantes da pessoa jurídica desfrutam de poderes para praticar o ato ilícito, seriam os representantes, pessoas físicas, os responsáveis diretos pela reparação doa dano, e a pessoa jurídica apenas solidariamente responsável. Nesse caso a responsabilidade da pessoa jurídica de direito privado seria indireta, pois estaria respondendo por fato de terceiro, isto é, de seus representantes" (Silvio Rodrigues. Direito civil, ob. cit. p. 82).

Portanto, quando se está diante de escritórios com personalidade jurídica, verdadeiras empresas (afastado o caráter comercial) prestadoras de serviços profissionais, é ela civil e objetivamente pelos atos ruinosos dos advogados integrantes de seu quadro de funcionários. Aqui, pois, não se há falar em elemento subjetivo da conduta, sendo totalmente despiciendo se o advogado agiu com dolo ou culpa, mesmo porque não será ele quem participará da relação jurídico-processual, depositando-se a pertinência subjetiva passiva da ação apenas e tão-somente na pessoa jurídica sociedade civil de advogado.

4.5. violência ao dever de sigilatário

O artigo 34 do Estatuto da Advocacia apresenta vinte e nove incisos onde enumera os casos de infração disciplinar, dentro os quais se destacam alguns em que a responsabilidade civil se apresenta claramente, como por exemplo no inciso VII, que trata da violação do segredo profissional sem justa causa. "O segredo profissional é imposição de ordem pública, e o advogado, como qualquer outro membro das profissòes liberais, responde pela sua infração" (José de Aguiar Dias. Da responsabilidade civil, p. 351).

"Por força do caráter de múnus público que tem a função advocatícia, ao advogado se impõe uma correção especial no exercício da profissão. As normas em que se traduz essa exigência estão empreendidas no Código de Ética Profissional. A infração de seus dispositivos não estabelece, de si só, a responsabilidade civil do advogado, salvo quando as recomendações aí contidas coincidam com deveres profissionais estritos.

Seria, entretanto, precipitado negar que influam na sua configuração. O advogado que se mostra infrator reincidente do Código, por força há de ter encaradas com mais severidade suas faltas de ordem contratual, como mandatário judicial. E a própria repetição das violações daquele Código pode induzir à responsabilidade, em face do dano acarretado ao cliente" (Aguiar Dias, idem, p. 343).

Muitas são as confissões feitas ao advogado. Culpas e responsabilidades são assumidas. Ouve-as, atentamente o advogado. Não pode, jamais, torná-las pública, à míngua das recomendações do cliente e das próprias disposições ético-profissionais. Se o fizer, será indisputavelmente responsabilizado pelos danos causados, ainda que de cunho estritamente moral.


5. RESPONSABILIDADE OBJETIVA POR VÍCIO DO SERVIÇO ADVOCATÍCIO

Uma interpretação de norma jurídica deve guardar correspondência mínima com o texto legal. Mas também, deve-se ater ao bem comum, aos fins sociais que se destina a lei, à vontade da norma, a todo o sistema normativo e, enfim, a questões históricas. Ademais, uma lei ordinária tem de ser promulgada para atender aos reclamos da Constituição, norma diretiva ápice de conduta de toda a nação. Se a aplicação da lei infra-constitucional redunda em escapar dos ditames preconizados pela Constituição, então ela se mostra inconstitucional, ou não recepcionada.

Nessa senda, a exceção do profissional liberal consagrada para a responsabilidade civil objetiva referida no Código do Consumidor é relacionada exclusivamente ao fato do serviço, ou seja, quando o serviço causar dano à pessoa ou ao patrimônio do consumidor. Comprometer-se-ia a defesa do consumidor se, para exercer as alternativas em caso de vício do serviço (reexecução do serviço, restituição da quantia paga ou abatimento proporcional do preço), dependesse de verificação de culpa do profissional (Cf. Paulo Luiz Netto Lôbo, Responsabilidade por vício do produto ou do serviço, Brasília, Ed. Brasília Jurídica, 1996, p. 60).

Contudo, semelhante deslinde não se vê quanto à responsabilidade por vício do serviço (defeito de inadequação, oculto ou aparente) do advogado ou de qualquer profissional liberal. Em casos que tais, ante a ausência expressa da exceção, mostra-se idêntico o tratamento dispensado aos demais fornecedores de serviços. A regra de exceção, prevista no § 4º do artigo 14 do Código do Consumidor, não alcança as hipóteses de vícios do serviço, previstas nos artigos 18 e seguintes, em prejuízo do consumidor. Compreende-se que em se tratando de dano, impõe-se a verificação da culpa. Não porém quanto ao vício.

O vício é a inexecução intrínseca da obrigação. Não se exterioriza, não se reflete. O que vem junto com ele é acessório, podendo ser traduzido em perdas e dano. Este não é conseqüência, mas característica da própria execução defeituosa. A responsabilidade por vício é objetiva, não envolve necessariamente indenização por dano nem verificação de culpa. A pensar desse modo, muitos dos exemplos conhecidos de responsabilidade civil subjetiva do advogado se tornam, pelo comando consumerista, como responsabilidade objetiva.

Frise-se, porém, que essa lacuna da Lei Consumerista não pode ser aplicada com descuidado elastério, pois não se pode olvidar que os profissionais liberais têm uma atividade específica, personalíssima, em regra de obrigação meio. Dessa forma, a aplicação dessa linha de pensamento tem de ser de forma razoável, equânime e cautelosa.


6. CONCLUSÕES

O vínculo jurídico entre advogado e cliente se dá essencialmente através do instrumento de mandato e, junto com ele, do contrato de prestação de serviços, no qual encontram-se as principais disposições da responsabilidade civil do advogado. Pelo contrato, fundado essencialmente na confiança e na pessoalidade, não se tem como exigir que a atividade produzida atinja fim certo e determinado, daí porque em regra não se pode pleitear indenização do advogado por não haver obtido êxito na pretensão, pois tal não é o dever do profissional liberal, que tem, isso sim, dever de diligência e perícia.

Mas, todo e qualquer negócio, parece-nos óbvio, só é constituído à vista da finalidade; o fim almejado e a que se destina a contratação, que nada mais é que o resultado pretendido. Poucos, quase inexistentes, são os que procuram um advogado em razão da excelência dos meios por ele empregados. Deve-se distinguir "resultado provável com o resultado necessariamente favorável". Seguindo essa linha de raciocínio, cumpre exigir-se a prova de que o advogado se enveredou pelo caminho da obtenção do resultado provável, objeto do contrato que celebrou com o cliente, além de ter prestado o seu serviço com toda a diligência que lhe é inerente. E, sendo o advogado contratado para confeccionar algum ato jurídico (parecer, contrato, estatuto de sociedade etc.), tem-se finalidade certa da contratação, não sendo pois obrigação de meio, mas de fim.

Sobre o sistema da culpabilidade e da inversão do ônus da prova, tem-se que somente é possível harmonizar a natureza de responsabilidade subjetiva ou culposa do profissional liberal com o princípio constitucional de defesa do consumidor, se houver aplicação de dois princípios de regência dessas situações, a saber, a presunção da culpa e a conseqüente inversão do ônus da prova. Assim, a par da regulamentação estatutária, o advogado é fornecedor de serviços, sendo que também o Código Consumerista determina que a responsabilidade pessoal do profissional liberal será apurada mediante a verificação de culpa, mas ao advogado, e não ao constituinte, impõe-se o ônus de provar que não agiu com dolo ou com culpa, na realização do serviço que prestou, exonerando-se da responsabilidade pelo dano.

E, não sendo pessoal, mas sim vinculada à pessoa jurídica, será objetiva a responsabilidade do empreendimento, posto despida a contratação do caráter "intuito personae", ocasião em que bastará a apuração da ocorrência do dano, o defeito do serviço e o nexo de causalidade.

Numa demanda entre um cliente lesado e um escritório de advocacia de porte empresarial, ressoando latente a hipossuficiência do lesado, cabe a inversão do ônus da prova, pois do contrário ficaria muito difícil para o lesado provar que a culpa foi do grande e estruturado escritório de advocacia. Cabe ao consumidor de serviço, do profissional liberal, provar a existência do serviço, ou seja, a relação de consumo entre ambos, e a existência do defeito de execução, que lhe causou danos, sendo suficiente a verossimilhança da imputabilidade. Cabe ao profissional liberal provar, além das hipóteses comuns de exclusão de responsabilidade dos demais fornecedores de serviços, que não agiu com culpa.

Afora isso, não se pode olvidar que se o dano foi causado pelo seu quadro de funcionários, composto de advogados, estagiários, contadores, engenheiros, peritos de toda sorte, quem deve ser responsabilizado civil e objetivamente é o ente jurídico, verdadeira empresa prestadora de serviços profissionais.

Responde o advogado, ainda, pelos erros de fato e erros de direito. Erro de fato haverá toda vez que o acontecimento, que a realidade, for compreendida e interpretada incorretamente. Independente da gravidade do erro de fato, não se escusará o advogado da responsabilidade civil, acaso danos ocorram em virtude de sua desatenção. Erro de direito já é mais complexo e exige culpa grave: se o advogado causou danos por desconhecer a real extensão da lei, por aplicar fórmula e conclusão equívoca de hermenêutica, ou ainda que por simplesmente desconhecer a revogação do texto legal, é ele responsável por erro de direito.

A par do artigo 17, do Código de Processo Civil, definir os contornos da litigância de má-fé que justificam a aplicação da multa, pressupondo o dolo da parte no entravamento do trâmite processual, manifestado por conduta intencionalmente maliciosa e temerária, inobservado o dever de proceder com lealdade, há ainda a responsabilidade civil por lide temerária. Em se configurando lide temerária, já a Lei n. 8.906/94, no P. único do seu artigo 32, tratou da obrigação legal solidária pela responsabilidade dos danos causados, desde que esteja o advogado coligado com seu cliente para lesar a parte contrária, o que será apurado em ação própria. Assim, sobrevindo conduta temerária capaz de tornar lesivo o exercício do direito processual da parte ex-adversa, há responsabilidade civil pelos danos causados.

Enfim, o sistema da responsabilidade objetiva consagrado no Código do Consumidor relaciona-se exclusivamente ao fato do serviço, ou seja, quando o serviço causar dano à pessoa ou ao patrimônio do consumidor. De outra banda há o vício, elemento intrínseco, repousando no âmago do serviço prestado. As perdas e danos, que se podem reclamar, nada têm a ver com o fato do serviço (exteriorização ou acidente de consumo), porquanto tratam de meros acessórios da vício. Nessa senda a exceção à regra geral, prevista no § 4º do artigo 14 do Código do Consumidor, não alcança as hipóteses de vícios do serviço, previstas nos artigos 18 e seguintes, em prejuízo do consumidor. Portanto, quando se estiver diante de vício do serviço, mantém-se o advogado junto ao sistema geral da responsabilidade civil objetiva.


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Autor

  • Alex Sandro Ribeiro

    Alex Sandro Ribeiro

    advogado, escritor e consultor, pós-graduado em Direito Civil pelo UniFMU, membro do 4º Tribunal de Ética da OAB/SP, consultor especializado em microempresas e empresas de pequeno porte

    é autor dos livros "Ofensa à Honra da Pessoa Jurídica e Arrematação e Adjudicação de Imóvel: Efeitos Materiais", e de dezenas de artigos e trabalhos publicados.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Alex Sandro. A responsabilidade civil do advogado e o código consumerista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 63, 1 mar. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3834. Acesso em: 28 mar. 2024.