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O Direito e o Estado (Hans Kelsen) X Direito achado na rua (José Geraldo de Souza Júnior)

O Direito e o Estado (Hans Kelsen) X Direito achado na rua (José Geraldo de Souza Júnior)

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resumo comparativo entre O Direito e o Estado segundo Hans Kelsen, encontrado em seu livro Teoria Geral do Direito e do Estado e o Direito achado na rua derivado, neste caso, da aula magna proferida pelo professor Reitor da UNB José Geraldo de Souza Junio

O DIREITO E O ESTADO SEGUNDO HANS KELSEN

Kelsen no primeiro tópico da segunda parte do seu livro Teoria Geral do Direito e do Estado começa defendendo o Estado como uma entidade real (sociológica) ou jurídica, uma corporação, juridicamente falando, criado pela ordem jurídica nacional.

Sobre o Direito positivo, ele diz que são ordens jurídicas nacionais relacionadas com as internacionais. Logo após trás apresenta alguns dilemas das limitações e a interrelação entre o Estado como fenômeno jurídico e as ordens jurídicas internacionais.

Segundo o autor, a relação entre o Direito e o Estado é considerada análoga à que existe entre o Direito e o indivíduo. O Estado cria o direito e é, por sua vez, regulado por este. Essa dualidade é um dos fundamentos da ciência política e da jurisprudência modernas. No entanto, essa dualidade é teoricamente indefensável. Há um controle social recíproco entre o Estado, comunidade e os indivíduos pelo Direito através de suas ordens normativas. Assim, não há que se falar em ordens normativas diferentes, o Estado é a sua ordem jurídica.

Os indivíduos da comunidade estatal e sua pluralidade de ações formam uma unidade sociológica. Há interação entre os indivíduos de uma comunidade pela facilidade dos meios de comunicação atuais. Porém, as particularidades de alguns grupos sociais nem sempre coincidem com as dos Estados existentes. Isso faz com que a unidade social real seja supostamente uma unidade jurídica. Assim, devido às mudanças existentes no seio da comunidade, o Estado se utiliza do ordenamento jurídico como uma força de obrigatoriedade para fazer com que os indivíduos mantenham uma vontade e consciência coletiva.

A ideologia de um interesse coletivo de Estado é usada para ocultar esse inevitável conflito de interesses. Se não houvesse esses conflitos de interesses e a harmonia reinasse em todos os corações dos componentes de uma sociedade sujeitos à ordem, então haveria obediência voluntária. Assim, a coercibilidade ou nem mesmo o caráter de direito não seriam mais necessários para a manutenção da ordem.

Segundo a teoria orgânica o Estado é como um organismo. Assim, seguindo uma lógica biológica, as células e órgãos trabalhariam em união e sincronia em prol desse organismo e, em conseqüência, de todo o corpo. Essa teoria busca justificar a entrega que o indivíduo deve dedicar ao Estado.

Na teoria da dominação, acha-se o sentido, talvez, mais próximo ao da realidade sociológica, onde as relações são marcadas por dominadores e governadores e dominados e governados, seja numa sociedade tirânica ou mesmo numa relação amorosa. Esse dominante é, por sua vez, influenciado por terceiros. Essa dominação deve, de alguma forma, ser legítima, e isso tanto no julgamento dos governantes como dos governados, bem como dos sociólogos. A legitimidade da dominação do Estado faz com que os indivíduos busquem e cobrem dos outros uma adaptação e aceitação da ordem normativa. Da obediência a esse sistema de normas que deriva o antagonismo entre o ser e o “dever ser”. Isso se constitui no problema fundamental de toda a teoria e prática social.

O Direito faz do Estado uma sociedade politicamente organizada por seu poder coercitivo. O Estado é o poder que se encontra por trás do Direito, que impõe o Direito, no qual alguns indivíduos são obrigados a obedecer a outros para que se possa manter uma ordem social. Esse poder se dá não pela força bruta, armas poderosas, mas sim, pelo poder coercitivo da ordem jurídica que é o Estado. Esse poder o Estado o exerce por intermédio de pessoas que fazem parte de algum órgão do Estado equivalente a um órgão do Direito. Portanto, não há diferença entre o conceito sociológico de Estado e de ordem jurídica.

Em seguida Kelsen apresenta alguns aspectos sobre órgãos do Estado e diz que são todos aqueles que cumprem uma função determinada pela ordem jurídica, seja no âmbito legislativo, executivo ou judiciário. Qualquer pessoa que firma contrato é um órgão estatal, pois, está produzindo Direito, bem como o juiz que emite uma sanção e, também, um parlamentar que criou aquele Direito. Assim, todos os seus atos, consequentemente, são destinados também ao Estado.

A renda, o patrimônio do Estado é proveniente dos impostos que são arrecadados por indivíduos no cumprimento de ordens jurídicas válidas, quando membros de órgãos estatais, estes terão suas ações imputadas ao Estado.

As ações do Estado serão executadas pelos seus órgãos, ou seja, o próprio Estado cria e aplica a ordem jurídica e estabelece quem está qualificado e o procedimento para a execução das suas ordens. Dentro desse contexto, o Estado pode determinar que haja órgãos com mais obrigações que outros e, portanto, sejam superiores a estes, exercendo funções compostas. Um exemplo característico de função composta de atos com conteúdos diferentes é o processo. Todos os órgãos devem estar em sincronia nas execuções de suas funções parciais para que haja eficiência e eficácia na função total, a saber: a função total do Estado como ordem jurídica.

O Estado como sujeito de deveres e direitos, como pessoa jurídica é a personificação de uma ordem jurídica. Portanto, esta não pode autorizar ou determinar a ela própria, mas, os homens que representam o Estado são responsabilizados em suas ações pelas normas jurídicas em suas relações com os cidadãos. Quando os executores da norma jurídica agem fora do Direito, este não pode se responsabilizar, mas sim, os próprios infratores, os seres humanos. Pela falta de entendimento desse ponto que muitos teóricos voltam para o problema do dualismo.

Concernente aos deveres do Estado, acontecem da mesma forma que a auto-obrigação. Quando se fala que o Estado tem deveres, na verdade está se referindo aos órgãos do Estado. Contudo, no âmbito internacional o Estado pode ser responsabilizado e ser-lhe imputadas sanções quando se refere às violações ao Direito internacional.

O Estado reparará o dano causado por um ato antijurídico cometido por um indivíduo que oficialmente faz parte de um órgão do Estado e, também, é responsabilizado e punido pelo Direito nacional por esse tipo de ações desses indivíduos, pois, estes deixam de agir como funcionários públicos quando cometem um ato antijurídico. Mas, pelo ato de ter sido cometido em conexão com sua função oficial de membro de um órgão do Estado, este é obrigado a reparar o dano. O Estado, após reparar o dano, será ressarcido pelo indivíduo através de meios que as normas jurídicas nacionais respaldem, bem como o direito jurídico do Estado permite a este punir os criminosos e dizer que o criminoso violou um direito do Estado. Outrossim, é a obrigação do Estado diante de uma pessoa privada que é parte do processo e tem o seu bem jurídico protegido violado por um órgão do Estado, cabendo ao Estado sanar o problema aplicando uma sanção ao órgão e/ou anulando o ato jurídico e/ou reparar o dano, a depender da especificidade de cada caso, esses direitos da pessoa privada perante o Estado são amparados pelo Direito Público.

Segundo é relatado no trecho do livro em destaque neste trabalho, a teoria de Holland seguida por Willoughby sobre a diferença entre o Direito privado e o público diz que se distinguem no de existirem dois membros, não pertencentes a órgãos do Estado, como sujeitos de direitos e deveres envolvidos para o direito privado e uma das partes sendo pública, ou seja, pertencente a órgãos estatais, para designar o direito público. Mas, isso não significa que o Estado ficará alheio às relações jurídicas entre as pessoas privadas, ele se encontra presente como árbitro dos direitos e deveres existentes entre um de seus sujeitos e o outro. No entanto, o fato de que, em um caso, o Estado é uma das partes e juiz e em outro apenas o juiz é insuficiente para distinguir o Direito privado e o público. Se assim fosse, haveria prejuízo judicial para a pessoa privada. Mas, isso não acontece porque quem descumpre os direitos e deveres é o órgão do Estado e não o próprio Estado. Esse órgão é julgado por outro órgão do Estado que agirá de forma imparcial e imputará a sanção devida, não havendo assim, prejuízos processuais neste caso.

Outra teoria diferencia o Direito privado do público pela superioridade e inferioridade das partes nas relações jurídicas. No Direito público, o Estado como proprietário, criador e devedor, como tribunal e autoridade administrativa, é superior aos sujeitos com os quais se encontra em relações jurídicas. Pois, é o Estado que cria a norma secundária que determina a conduta e o seu oposto se constitui em delito punido com sanções aplicadas pelo próprio Estado. Isso se constitui em obrigação concreta ao indivíduo. Esse indivíduo é obrigado não pelo órgão em si, mas, pela autoridade da norma obrigante. Essa norma pode ser pelo princípio da autonomia ou da heteronomia. Aquele se dá quando as normas são criadas independentes da vontade e participação do indivíduo. Já o segundo, acontece quando há a participação e aceitação por parte do indivíduo que passa a ser obrigado.

O antagonismo entre esses dois princípios constitui a diferença entre Direito privado e público e é decisivo também na criação das normas jurídicas primárias, bem como fornece critérios de diferenciação entre os governos autocráticos e democráticos. No entanto, esses critérios são insuficientes para diferenciar o Direito público do privado e para explicar algumas normas consideradas parte do direito privado que criam obrigações contra a vontade das pessoas obrigadas. Por exemplo, no Direito de família, no qual uma norma obriga a esposa e filhos a serem obedientes ao pai de família.ou ainda, quando normas do Direito público, como no Direito Internacional, conformam-se com o princípio da autonomia.

Por outro lado, há normas do Direito público que não faz distinção nenhuma entre as partes, como no Direito criminal. Apesar de uma aparente diferença, observa-se que o Estado também tem o seu bem jurídico lesado quando ocorre no âmbito do Direito privado. Por isso, essa diferença ocorre apenas de forma técnica entre o procedimento civil e o criminal.

Desse modo, a distinção, como princípio para uma sistematização geral do Direito, é inútil.

AULA MAGNA SOBRE O DIREITO ACHADO NA RUA COM JOSÉ GERALDO DE SOUZA JUNIOR

O professor José Geraldo, Reitor da UNB, graduado em ciências juridicas e sociais pela AEUDF, mestre e doutor pela UNB. em sua aula magna faz uma exposição sobre o Direito achado na rua que se tornou um curso oferecido pela UNB para capacitação jurídica, no qual advogados de movimentos sociais, associações etc., vêm para a universidade buscar possíveis soluções e suporte teórico para os problemas e reivindicações que surgem em suas áreas de atuação.

O professor faz uma alusão ao período ditatorial no qual as pessoas tinham dificuldades para reivindicar seus direitos, ocorriam dificuldades para se aceitar novos ideais jurídicos porque os políticos se sustentavam em prisões arbitrárias, banimentos, etc, para respaldar e dar força a suas formas de governo.

Movimentos sociais reivindicavam direitos ainda não legislados, mas, que havia a expectativa disso e hoje se tem. Ex: o direito de moradia.

Diante de vários questionamentos (obstáculos epistemológicos, teóricos e políticos) sobre esses movimentos e reivindicações e não achando respostas na legislação nem na doutrina para fundamentar, respaldar, encontrar a epistemologia desses casos, a universidade criou este curso. Primeiro à distância. Em seguida aconteceu uma coisa impressionante, o projeto caiu na graça das estruturas públicas de natureza  popular, bem como dos alunos de direito e professores que, frustrados com as limitações explicativas jurídicas ate o momento, procuraram buscar mais fundamentos para a explicação de vários questionamentos sociais, pois, o modelo jurídico redutor da época não lhes proporcionava essas respostas.

Esses estudos pesquisas e análises ficaram densos de tal forma que foram formaram compêndios paralelos aos oficiais.

O professor explica que o ordenamento é um processo histórico social que se atualiza continuamente. Ele diz que apesar de hoje termos uma legislação como fundamento jurídico, nem sempre foi assim. Se não o Colégio Civil, por exemplo, não teria sido necessário para revogar as ordens manoelinas, filipinas e os costumes, passando a dar mais ênfase à legislação.

Por causa desse período de transição e variadas mudanças sociais, advogados, magistrados entraram em crise com relação à sua função social na comunidade que estavam inseridos. Eles se organizaram e formaram dentre outros movimentos sociais uma associação de juízes trabalhistas. Daí os magistrados pediram que se fizesse uma reflexão, um trabalho em torno desse problema.

Assim, surge um estudo sobre o direito achado na rua como curso de capacitação. Em seguida, passa a ser uma série. O 1º volume, mais cheio, mais geral, mais interdisciplinar, mais dialogado com outras áreas de conhecimento passou a ser uma introdução crítica ao direito e o segundo, introdução crítica ao direito do trabalho.

O professor retorna na história para trazer alusões sobre o trabalho escravo. Ele fala sobre o Tripalium, a escravidão, o trabalho como forma de castigo, o trabalho escravo.

Aqui no Brasil, mesmo com a Constituição liberal de 1824, que preceituava ser todo homem livre ao nascer e igual em direitos, os políticos achavam legitimidade perante a comunidade para o trabalho escravo e defender que o escravo era uma coisa, uma mercadoria.

José Geraldo faz uma alusão a Aristóteles que diz ser o homem um animal político e o escravo uma ferramenta que fala. Ele ainda relembra uma expressão latina. Servus persona non habet, que significa servo não é pessoa humana. O escravo é alienado da sua humanidade.

Se observadas algumas datas históricas hoje e estudarmos sobre este assunto, verificar-se-á que tem a ver com as lutas de classe e os movimentos sociais. Por exemplo, o 1º de maio, data que quatro trabalhadores foram executados em Chicago e o 8 de março, onde 120 mulheres foram mortas asfixiadas em incêndio. As lutas deles, o crime deles é o nosso direito. Por isso, os magistrados trabalhistas pediram este trabalho.

Logo após, vieram os movimentos e questionamentos agrários. Então foi produzido o 3º volume, introdução crítica ao direito agrário. Sem diabolizar nem idealizar os movimentos, apenas sob uma perspectiva de processo de conflitos. Questões como a usucapião, o esbulho possessório, a moradia, a propriedade, distribuição de áreas sociais, a função social da propriedade, foram abordadas nesse volume. Porém, não como os outros livros de Direito tradicionais, mas, com outro olhar jurídico.

E o volume 4 é uma introdução crítica ao direito à saúde. É um diálogo com juízes e membros do Ministério Público, de âmbito federal, e conselheiros do SUS, sob a forma de compreensão da aplicação deste fundamento social, inscrito na nossa Constituição de 88, segundo o qual a saúde é um direito de todos e um dever do Estado.

A universalização como ponto principal e participação social como meio de realização.

Esta série produz várias conseqüências, de natureza teóricas e sociais como: redesignação dos elementos constitutivos do direito, categorização das experiências jurídicas vivenciadas em um processo em que novas realidades vão se formulando e o imposto no conhecimento do direito e nas suas formas de difusão, ou seja, o que é direito e como realizá-lo.

O direito achado na rua é uma linha de pesquisa na pós da UNB, também é uma disciplina da graduação. Possuía uma coluna no jornal que inscrevia alunos do 1º ao 5º ano. Possui um site onde alunos respondem a perguntas dos leitores sobre vários assuntos polêmicos e que acontecem muito no meio social, como o progresso de regime no crime hediondo, o médico autorizar a transfusão de sangue em um testemunha de Jeová. O curso também possui um tablóide da UNB, uma coluna para os alunos.

Faz algumas ressalvas sobre Kelsen que defende a norma jurídica como o objeto do direito. Embora, segundo o reitor da UNB, historicamente nem sempre foi assim. Antes da modernidade, não havia uma ciência organizada, o conhecimento se dava por consensos paradigmáticos, pela metafísica, construídos dentro de uma comunidade. Essa dimensão metafísica, seja ela de natureza cosmológica, teológica, antropológica, é sempre uma explicação fora da experiência.

A ciência não se firma em especulações e sim empiricamente. Na Idade Média ela esteve sempre subjugada por questões, principalmente, religiosas, mas ganha relevância, inclusive no jurídico, baseada no campo do positivismo, apesar de não ser hegemônica.

Hoje, existe a prevalência do Direito positivo, estatal, legal, mas, a sociedade reivindica também o direito, o pluralismo jurídico, no qual o Estado não cria o Direito, mas, apenas o declara.

Por fim, ele cita as palavras viajantes de Canotilho para justificar a necessidade de o jurista atual estar atento à realidade em transição ao novo que sai do ventre do velho. Pois, apesar do liberalismo defender que o político sempre se conteve inteiramente no Estado, observa-se que há o poder, o jurídico, o conhecimento que não estejam contidos no estatal, no legal e no científico, ou seja, fora dos limites estatais.

As teorias mostram que há espaços para além dessas manifestações. Esse é o campo de discussão do direito achado na rua.

É preciso que o jurista se abra para outras possibilidades de determinação de outros modos de configuração de regras do direito.

CONCLUSÃO

Apreende-se dos textos suprarresumidos certa disparidade. Isso mostra a dinâmica do Direito. Essas mudanças leva um jurista de uma época ter opiniões diferentes de outro que vive em outro momento histórico, ou mesmo, de seu momento histórico diante da subjetividade jurídica. Esse subjetivismo se dá por conta dos vários novos casos que surgem no meio da comunidade. Diante disso, é impossível que o ordenamento jurídico tenha como prever todos os acontecimentos, ficando em muitas partes obsoleto. Isso ocorre também com algumas teorias, que embora tenha sido muito aceita e aplaudida na sua origem, segundo alguns autores de outras épocas elas perdem em adequação social em alguns pontos com o passar dos anos, podendo acontecer o contrário também em certas literaturas.

Antes de comparar os dois textos, deve-se ter em mente que Kelsen nasceu no Império Austro-Húngaro, num período pré-guerras mundiais e viveu durante todo este cenário de guerras, no qual muitos direitos da sociedade eram suprimidos. Era judeu e por causa da perseguição do nazismo foi obrigado a emigrar para os Estados Unidos da América. Tornou-se o principal expoente da Escola Normativista do Direito, de linha positivista.

O aspecto sócio-político desse período se baseava em governos autoritários que lutavam pelo poder, a hegemonia e para não cair na crise econômica que o mundo passava, como a crise de Nova Iorque em 1929 e outras do entre guerras e pós guerras. Eles impunham suas vontades, suas leis e subjugavam os governados. O Estado criava as leis e obrigava as pessoas a obedecerem, inclusive os funcionários do próprio Estado, como este era soberano e autoritário não tinha que dar satisfações a ninguém nem respondia por suas arbitrariedades, apenas os indivíduos eram punidos. Esse quadro é refletido nas obras de Kelsen, em especial no trecho em destaque neste trabalho. Não que ele defendia esta forma de governo, mas, procurava extrair os valores, a justiça da sua teoria, por estes serem muito variáveis e formar uma teoria pura do Direito.

Por outro lado, o mundo sofre uma crise de identidade em vários setores da sociedade a partir da década de sessenta do século passado. O mundo jurídico que não está alheio ao contexto social, mas, ao contrário, está inserido na comunidade a qual pertence, sofre as transformações sociais continuamente.

As pessoas já não tinham como legítimos governos opressores, Estados que subjugasse os governados, autoritários, ditadores, que deixava o povo fora das principais decisões do país. O momento passou a ser propício para renovações, a busca da verdadeira cidadania, da liberdade, dos direitos fundamentais.

Dentro desse contexto, a partir de 1980 surge no Brasil o ideal liberalista que pregava o Estado mínimo, ou seja, a mínima intervenção estatal nas causas da comunidade. Assim, surgem no país vários ideais de um ordenamento jurídico mais humanitário, mais cidadão, que tivesse mais coerência com a realidade social tanto na teoria como na prática. Então, depois de muitos pedidos de juristas, magistrados, etc., surge o Direito achado na rua, uma visão crítica do Direito, não num olhar Kelsiano que não aceita o subjetivismo nem a visão crítica da justiça, mas, que analisa o Direito com todos os seus problemas sociais. É principiado pelo professor Roberto Lyra Filho e, logo após, abraçado pelo professor José Geraldo de Souza Junior, o qual proferiu a aula magna que é objeto de estudo neste trabalho.

Contudo, diante de todas as divergências entre as duas teorias como o Estado criador, detentor, aplicador, proprietário do Direito de Kelsen e a comunidade como formadora do Direto do Direito achado na rua, restando ao Estado apenas formalizar esse Direito, é interessante notar que Kelsen no trecho em destaque já supracitado, diz que o Estado sofre influências na formação do Direito, assim como o marido é influenciado em suas decisões pela sua esposa, vale lembrar aqui novamente que o contexto social de Kelsen não era o mesmo de hoje no que se refere ao grupo familiar também. Desta forma, esta influência citada por Kelsen, trazida para a atualidade, pode-se entender como os grupos de força política, formadoras de opiniões dentro de uma comunidade e que possa influenciar o Estado, como as associações, sindicatos, ONGs, etc. Assim, mesmo não sendo a idéia central desse autor, há a conformidade neste ponto com o direito achado na rua.

REFERÊNCIAS

DUTRA, Carlito. O Direito achado nas ruas e nos campos: uma experiência vivida. Disponível em <http://artigos.netsaber.com.br/resumo_artigo_14013/artigo_sobre_o_direito_achado_nas_ruas_e_nos_campos:_uma_experiencia_vivida> Acesso em 18 de jul de 2011 às 10h37min.

KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. Traduzido por Luis Carlos Borges. Martins Fontes ?Editora Ltda. São Paulo – SP, 1990.

SOUZA JUNIOR, José Geraldo. O Direito achado na rua. Aula Magna. Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=fw2elsZJXZ8> Acesso em 11 de jul de 2011 às 00h46min.


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