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Sanções políticas em matéria tributária sob a ótica do Supremo Tribunal Federal

Sanções políticas em matéria tributária sob a ótica do Supremo Tribunal Federal

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O artigo busca encontrar, na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, critério(s) para definir quando acontece uma sanção política e quando a medida de cobrança do tributo é legítima.

RESUMO

Embora existam meios previstos em lei para a cobrança de tributos impagos, por vezes, os entes federativos editam normas que, na prática, configuram meios indiretos para essa cobrança. Em certas hipóteses, tais normas são consideradas inconstitucionais por configurarem sanções políticas. O STF já analisou diversos casos, nos quais declarou a existência de sanções políticas, principalmente em situações que ocasionavam o encerramento das atividades de pessoas jurídicas ou a restrição ao exercício de direitos civis por pessoas físicas. Analisados alguns desses casos, constata-se que, em uma visão superficial e muito ampla, há alguns critérios utilizados pela Suprema Corte para a caracterização de uma sanção política, quais sejam, o valor do crédito tributário em cobrança e a violação ao devido processo legal.

Palavras-chave: Sanção política. Supremo Tribunal Federal. Critérios.

 

INTRODUÇÃO

O estudo que ora se propõe traz como tema as sanções políticas em matéria tributária sob a ótica do Supremo Tribunal Federal. O objeto de estudo consiste inicialmente na tentativa de conceituação de “sanção política”, através da análise de conceitos obtidos na doutrina e na jurisprudência. Em um segundo momento, propõe-se uma breve passagem sobre a aplicação de sanções políticas no âmbito do Direito Tributário. Por fim, sugere-se finalizar o trabalho com a análise de alguns casos concretos julgados pelo Supremo Tribunal Federal, buscando-se avaliar se existe algum parâmetro minimamente objetivo para a caracterização de uma sanção política.

O estudo ora sugerido justifica-se pela importância de se distinguir em que hipótese há exigência tributária inconstitucional, por inviabilizar a atividade econômica do contribuinte. Tal discussão mostra-se relevante, na medida em que o ordenamento jurídico nacional conta com diversos dispositivos legais que preveem sanções pelo não pagamento de tributos. Busca-se averiguar critérios mínimos, ainda que restritos ou muito amplos, para que se possa ter alguma orientação quanto à abusividade ou não de eventual exigência.

O objetivo geral do estudo proposto é a busca de um critério nas decisões da mais alta corte do país no que tange à caracterização de sanções políticas quando se trata da exigência de tributos.

Especificamente, objetiva-se inicialmente tentar-se conceituar “sanção política”, através da análise de conceitos obtidos na doutrina e na jurisprudência. Em um segundo momento, buscar-se-á realizar uma breve passagem sobre a aplicação de sanções políticas no âmbito do Direito Tributário. Por fim, deseja-se finalizar o trabalho com a análise de alguns casos concretos julgados pelo Supremo Tribunal Federal, buscando-se avaliar se existe algum parâmetro minimamente objetivo para a caracterização de uma sanção política.

1. SANÇÕES POLÍTICAS EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA: DEFINIÇÃO

Considerando-se o princípio constitucional da legalidade aplicado no âmbito da Administração Pública, segundo o qual a ela somente é permitido fazer o que está expressamente previsto em lei, a cobrança de tributos pela Fazenda Pública somente pode ocorrer através dos instrumentos legalmente previstos. Na imensa maioria das vezes, essa cobrança se dá por meio de cobrança administrativa ou de um processo judicial chamado execução fiscal, regulado pela Lei nº 6.830/80, podendo-se citar também o protesto da certidão de dívida ativa, hoje permitido expressamente pelo parágrafo único do art. 1º da Lei n.° 9.492/97[1].

Ocorre que, por vezes, a lei (tomada em sentido amplo) estipula sanções desproporcionais ao contribuinte que não paga determinado tributo, especialmente as pessoas jurídicas, sendo que tais sanções, muitas vezes, impedem o prosseguimento da atividade econômica. Dessa forma, o devedor não tem outra alternativa senão adimplir a obrigação. Tal situação ocorre, pois, sem a instauração do devido processo legal, e por meio indireto, ou seja, de forma que não aquela apropriada para a cobrança tributária. Nesses casos, diz-se caracterizada a sanção política.

De acordo com o Professor Hugo de Brito Machado (data desconhecida), “a expressão sanções políticas corresponde a restrições ou proibições impostas ao contribuinte, como forma indireta de obrigá-lo ao pagamento do tributo”. Já Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2011, p. 122) tratam as sanções políticas como “meios coercitivos indiretos de cobrança”.

O professor (MACHADO; ano desconhecido) afirma ainda que:

As sanções políticas são flagrantemente inconstitucionais, dentre outras razões, porque: a) implicam indevida restrição ao direito de exercer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, assegurado pelo art. 170, parágrafo único, da vigente CF/88; e b) configuram cobrança sem o devido processo legal, com grave violação ao direito de defesa do contribuinte, porque a autoridade que a este impõe a restrição não é a autoridade competente para apreciar se a exigência do tributo é ou não legal.

Vale dizer, contudo, que nem toda exigência sem o devido processo legal pode ser considerada sanção política e, portanto, inconstitucional. Atos fiscalizatórios, em geral, são considerados legais, haja vista a sua natureza, que decorre diretamente do poder de polícia. Nesse ponto, vale mencionar o trecho abaixo, de autoria de Roberval Rocha Ferreira Filho, Albino Carlos Martins Vieira e Mauro José Gomes da Costa (2012, pp. 507-508):

Advirta-se que a apreensão de mercadorias é aceita como forma de sedimentação probatória do ilícito tributário: comprovação da materialidade e da autoria do delito. Algumas constrições oblíquas previstas em lei, entretanto, não ferem o ordenamento constitucional, como aquelas autorizadas nos arts. 191 a 193 do CTN, que exigem prévia quitação dos tributos para: a sentença de extinção das obrigações do falido; a concessão da recuperação judicial; as sentenças de adjudicação ou de partilha e para a aceitação de proposta em concorrência pública e celebração de contrato com a Administração Pública.

O Supremo Tribunal Federal, em diversas oportunidades, manifestou-se sobre o assunto sanções políticas. A razão para que discussões desse calibre tenham chegado à Suprema Corte é a possível afronta principalmente aos seguintes dispositivos constitucionais: 1º, IV, in fine (livre iniciativa), art. 5º, XIII (livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, podendo a lei exigir somente qualificação profissional), e art. 170, parágrafo único (livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei) (PAULO; ALEXANDRINO, 2011, p. 122), bem como em face da violação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Numa das oportunidades em que se deparou com a matéria, o STF assim se pronunciou quanto à caracterização de sanções políticas:

O Supremo Tribunal Federal possui uma venerável linha de precedentes que considera inválidas as sanções políticas. Entende-se por sanção política as restrições não-razoáveis ou desproporcionais ao exercício de atividade econômica ou profissional lícita, utilizadas como forma de indução ou coação ao pagamento de tributos. (RE 550769, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 22/05/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-066 DIVULG 02-04-2014 PUBLIC 03-04-2014)

Importante frisar, porém, que o entendimento de inconstitucionalidade não pode significar tentativa de fuga à aplicação da lei tributária, conforme se pode verificar no seguinte excerto:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. DIREITO FUNDAMENTAL DE ACESSO AO JUDICIÁRIO. DIREITO DE PETIÇÃO. TRIBUTÁRIO E POLÍTICA FISCAL. REGULARIDADE FISCAL. NORMAS QUE CONDICIONAM A PRÁTICA DE ATOS DA VIDA CIVIL E EMPRESARIAL À QUITAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS. CARACTERIZAÇÃO ESPECÍFICA COMO SANÇÃO POLÍTICA. AÇÃO CONHECIDA QUANTO À LEI FEDERAL 7.711/1988, ART. 1º, I, III E IV, PAR. 1º A 3º, E ART. 2º.

[...]

2. Alegada violação do direito fundamental ao livre acesso ao Poder Judiciário (art. 5º, XXXV da Constituição), na medida em que as normas impedem o contribuinte de ir a juízo discutir a validade do crédito tributário. Caracterização de sanções políticas, isto é, de normas enviesadas a constranger o contribuinte, por vias oblíquas, ao recolhimento do crédito tributário. 3. Esta Corte tem historicamente confirmado e garantido a proibição constitucional às sanções políticas, invocando, para tanto, o direito ao exercício de atividades econômicas e profissionais lícitas (art. 170, par. ún., da Constituição), a violação do devido processo legal substantivo (falta de proporcionalidade e razoabilidade de medidas gravosas que se predispõem a substituir os mecanismos de cobrança de créditos tributários) e a violação do devido processo legal manifestado no direito de acesso aos órgãos do Executivo ou do Judiciário tanto para controle da validade dos créditos tributários, cuja inadimplência pretensamente justifica a nefasta penalidade, quanto para controle do próprio ato que culmina na restrição. É inequívoco, contudo, que a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal não serve de escusa ao deliberado e temerário desrespeito à legislação tributária. Não há que se falar em sanção política se as restrições à prática de atividade econômica objetivam combater estruturas empresariais que têm na inadimplência tributária sistemática e consciente sua maior vantagem concorrencial. Para ser tida como inconstitucional, a restrição ao exercício de atividade econômica deve ser desproporcional e não-razoável.

[...]
(ADI 173, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 25/09/2008, DJe-053 DIVULG 19-03-2009 PUBLIC 20-03-2009 EMENT VOL-02353-01 PP-00001) [grifo nosso]

Nesse sentido, apesar de adotar posicionamento consolidado no sentido contrário à utilização de sanções políticas, há alguma oscilação na Corte Máxima quanto à caracterização de sanção política nos casos concretos. Assim, a aplicação de um ou outro entendimento passa invariavelmente pela análise casuística.

Desse modo, mostra-se necessária a análise dos posicionamentos adotados pelo STF em alguns casos que lhe foram sujeitos à apreciação.

2. JURISPRUDÊNCIA DO STF ENVOLVENDO SUPOSTOS CASOS DE SANÇÕES POLÍTICAS EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

Os casos mais conhecidos em que o STF considerou a existência de sanção política são aqueles que originaram as súmulas 70, 323 e 547 daquela Corte, in verbis:

Súmula 70

É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo.

Súmula 323

É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.

Súmula 547

Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.

Conforme Ferreira Filho et. al (2012, p. 505), tais súmulas “constituem diretrizes judiciais que repelem o uso desse tipo de artifício [as sanções políticas] pelos órgãos arrecadadores contra devedores do fisco”.

Com efeito, como se vê, a Suprema Corte considera inconstitucional a exigência do tributo mediante a interdição de um estabelecimento comercial, a apreensão de mercadorias e impedimento de aquisição de estampilhas (prática em franco desuso), despacho de mercadorias nas alfândegas e de exercício profissional.

Passa-se, então, à análise de outros casos concretos que passaram pela apreciação do Supremo e qual o desfecho do julgamento.

2.1 CONDICIONAMENTO DA PRÁTICA DE ATOS DA VIDA CIVIL E EMPRESARIAL À QUITAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS

Nas ADIs 173/DF e 394/DF, julgadas pelo Plenário, foram considerados inconstitucionais os artigos 1º, I, III e IV, §§ 1º a 3º, e 2º da Lei nº 7.711/88, os quais vinculavam

a transferência de domicílio para o exterior (art. 1º, I), registro ou arquivamento de contrato social, alteração contratual e distrato social perante o registro público competente, exceto quando praticado por microempresa (art. 1º, III), registro de contrato ou outros documentos em Cartórios de Registro de Títulos e Documentos (art. 1º, IV, a), registro em Cartório de Registro de Imóveis (art. 1º, IV, b) e operação de empréstimo e de financiamento junto a instituição financeira, exceto quando destinada a saldar dívidas para com as Fazendas Nacional, Estaduais ou Municipais (art. 1º, IV, c) - estas três últimas nas hipóteses de o valor da operação ser igual ou superior a cinco mil Obrigações do Tesouro Nacional - à quitação de créditos tributários exigíveis, que tenham por objeto tributos e penalidades pecuniárias, bem como contribuições federais e outras imposições pecuniárias compulsórias. (Ementa)

Na ocasião, o STF considerou que tais exigências tratavam-se de sanções políticas, por configurarem obstáculos injustificados “ao direito constitucional fundamental de locomoção”, e também por acreditar que os dispositivos atacados pressupunham a existência de “obrigação constitucional ao sucesso financeiro e obrigação constitucional à submissão e concordância ao entendimento fiscal sobre a validade dos créditos tributários”.

2.2 IMPOSIÇÃO DE REGIME DE RECOLHIMENTO DE ICMS DETERMINANDO A SATISFAÇÃO DIÁRIA DO TRIBUTO

No RE 195.621/GO, o STF julgou inconstitucional a Portaria nº 1.659, expedida pelo Secretário da Fazenda do Estado de Goiás, a qual estabelecia a necessidade de recolhimento diário de ICMS. In casu, o Ministro Marco Aurélio, Relator, considerou que tal norma violava a liberdade de comércio, bem como que o princípio da não cumulatividade também restava atingido, pois é necessária a contabilidade mensal do tributo para que se possa sopesar adequadamente os valores de ICMS nas mercadorias adquiridas e vendidas.

2.3 EXIGÊNCIA DE PRÉVIA SATISFAÇÃO DE DÉBITO TRIBUTÁRIO PARA OUTORGA, PELO PODER PÚBLICO, DE AUTORIZAÇÃO PARA A IMPRESSÃO DE DOCUMENTOS FISCAIS

Ao julgar o RE 374.981/RS, a Suprema Corte considerou inconstitucional a exigência de prévia satisfação de débito tributário para outorga, pelo poder público, de autorização para a impressão de documentos fiscais, em face da

gravidade das limitações que impõem à livre iniciativa econômica, conduzem à completa impossibilidade do exercício desta liberdade, negligenciam, por completo, o verdadeiro papel da fiscalização tributária em um Estado Democrático de Direito e ignoram o entendimento já consolidado do Supremo Tribunal Federal acerca das sanções indiretas em matéria tributária.

Nesse mesmo sentido, também pode ser mencionado o RE 207.946/MG, no qual foi julgado inconstitucional o art. 219 da Lei Estadual nº 6.763/75, que “exigia, para a constituição de sociedade (pessoa jurídica), a comprovação de regularidade fiscal de todos os sócios, pessoas naturais ou jurídicas, perante a fazenda estadual” (PAULO; ALEXANDRINO, 2012, p.127).

2.4 APREENSÃO E RETENÇÃO DE MERCADORIAS DESACOMPANHADAS DE DOCUMENTAÇÃO FISCAL

Na ADI 395/SP, discutiu-se sobre a constitucionalidade do art. 163, § 7º, da Constituição do Estado de São Paulo, o qual previa que não se compreender “como limitação ao tráfego de bens a apreensão de mercadorias, quando desacompanhadas de documentação fiscal idônea, hipótese em que ficarão retidas até a comprovação da legitimidade de sua posse pelo proprietário”.

Nesse caso, o Tribunal considerou não se tratar de sanção política, mas apenas procedimento fiscalizatório inerente ao poder de polícia no combate aos ilícitos tributários.

2.5 CASSAÇÃO DO REGISTRO ESPECIAL DE FUNCIONAMENTO DE INDÚSTRIA DE CIGARROS

Esta talvez seja a mais polêmica e conhecida análise da existência de sanção política pela Suprema Corte. No caso, o STF considerou não haver sanção política no ato de cassação do registro especial de funcionamento de uma indústria de cigarros em virtude do não pagamento reiterado de IPI, porque tal atitude estava acarretando a diminuição do preço do produto e, consequentemente, a violação à livre concorrência. Veja-se:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. SANÇÃO POLÍTICA. NÃO-PAGAMENTO DE TRIBUTO. INDÚSTRIA DO CIGARRO. REGISTRO ESPECIAL DE FUNCIONAMENTO. CASSAÇÃO. DECRETO-LEI 1.593/1977, ART. 2º, II. 1. Recurso extraordinário interposto de acórdão prolatado pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que reputou constitucional a exigência de rigorosa regularidade fiscal para manutenção do registro especial para fabricação e comercialização de cigarros (DL 1.593/1977, art. 2º, II). 2. Alegada contrariedade à proibição de sanções políticas em matéria tributária, entendidas como qualquer restrição ao direito fundamental de exercício de atividade econômica ou profissional lícita. Violação do art. 170 da Constituição, bem como dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. 3. A orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal rechaça a aplicação de sanção política em matéria tributária. Contudo, para se caracterizar como sanção política, a norma extraída da interpretação do art. 2º, II, do Decreto-lei 1.593/1977 deve atentar contra os seguintes parâmetros: (1) relevância do valor dos créditos tributários em aberto, cujo não pagamento implica a restrição ao funcionamento da empresa; (2) manutenção proporcional e razoável do devido processo legal de controle do ato de aplicação da penalidade; e (3) manutenção proporcional e razoável do devido processo legal de controle da validade dos créditos tributários cujo não-pagamento implica a cassação do registro especial. 4. Circunstâncias que não foram demonstradas no caso em exame. 5. Recurso extraordinário conhecido, mas ao qual se nega provimento.
(RE 550769, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 22/05/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-066 DIVULG 02-04-2014 PUBLIC 03-04-2014)

Vistos os casos acima, resta a possibilidade de verificação de critérios para a declaração de uma norma como sanção política pelo STF.

3 CRITÉRIOS UTILIZADOS PELO STF PARA O RECONHECIMENTO DE SANÇÕES POLÍTICAS

Mencionados alguns casos emblemáticos enfrentados pelo STF, é chegado o momento de se fazer uma análise dos critérios utilizados pela Corte para reconhecer se o caso concreto envolve sanção política ou não.

Conforme já se pode verificar pela ementa colacionada no item anterior, no julgamento do RE 550769, o Supremo elencou alguns parâmetros cuja desobediência, em tese, caracterizaria uma sanção política. São eles:

(1) relevância do valor dos créditos tributários em aberto, cujo não pagamento implica a restrição ao funcionamento da empresa; (2) manutenção proporcional e razoável do devido processo legal de controle do ato de aplicação da penalidade; e (3) manutenção proporcional e razoável do devido processo legal de controle da validade dos créditos tributários cujo não-pagamento implica a cassação do registro especial.

Passa-se à análise em separado de tais critérios.

3.1 VALOR DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO EM ABERTO

Uma vez que a maior finalidade da sanção política é o recolhimento de tributos, logicamente, se o valor do crédito for ínfimo ou não considerável, há uma grande chance de a norma em análise ser considerada inconstitucional.

O STF não estabeleceu critérios objetivos quanto a esse valor, mas, a julgar pelo caso da indústria de cigarros, os valores devem ser realmente expressivos para que se aceite como válida a norma posta à análise. Naquele caso, o valor de tributos impagos ultrapassava a cifra de R$ 2 bilhões.

Vale dizer, no entanto, que o contrário não é exatamente tolerado, ou seja, apenas o fato de o valor do tributo em cobrança ser elevado não autoriza todo e qualquer tipo de cobrança pela Administração. Devem ser observadas outras peculiaridades do caso concreto para que certas sanções sejam permitidas.

No caso em tela, verificou-se que, além de o valor inadimplido ser extremamente alto, o seu não pagamento acarretava a violação de outros princípios constitucionais, como a proteção à livre concorrência.

Mais do que um critério objetivo, o que o STF usou na sua decisão, em suma, foi a conhecida técnica de ponderação de princípios.

3.2 DEVIDO PROCESSO LEGAL DE CONTROLE DO ATO DE APLICAÇÃO DA PENALIDADE E DE CONTROLE DA VALIDADE DOS CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS

Segundo o Min. Joaquim Barbosa, relator do RE 550.769, o princípio do devido processo legal é o mais facilmente violável quando se trata de sanção política. Tal circunstância ocorre especialmente quando a sanção impede o exercício da atividade profissional pelo contribuinte, pois o “preço” a pagar pela discussão administrativa ou judicial da medida é muito alto.

Nesse sentido, pela sua importância, transcreve-se trecho do referido julgado sobre o assunto:

Pondero que o acesso aos mecanismos que consubstanciam o devido processo legal é o direito fundamental mais susceptível de ser amesquinhado pela aplicação de uma sanção política.

A sanção política coloca desafios de duas ordens ao controle da restrição. A primeira ordem de desafios refere-se ao controle da validade da própria restrição. Como as restrições ao exercício profissional e à atividade econômica podem comprometer a própria existência da empresa ou o desempenho empresarial, a sanção política pode por um fim abrupto ao processo administrativo ou judicial de controle da validade da própria sanção política. Não é difícil conceber que uma empresa, acossada pelo risco de fechamento, opte por se submeter à exigência que asseguraria seu funcionamento, dado o caráter capital da pena aplicada.

Ademais, ainda que o contribuinte opte por insistir no exame da validade da norma que fundamentou o fechamento de seu estabelecimento, é inequívoco que a interrupção das atividades econômicas coloca um óbice pragmático relevante à manutenção do processo administrativo ou judicial que tenha por objetivo examinar a validade da sanção.

Na segunda ordem de desafios, a sanção política desestimula, pelo mesmo modo, o controle da validade da constituição de créditos tributários. A interdição de estabelecimento ou a submissão do contribuinte a regime mais gravoso de apuração tributária pode impedir a discussão administrativa ou judicial sobre matéria tributária, pois é incontestável que uma empresa fechada terá menos recursos para manter um processo administrativo ou judicial.

Dito de outro modo, a sanção política viola o direito de acesso ao Estado, seja no exercício de suas funções Administrativa ou Judicial, para que ele examine tanto a aplicação da penalidade como a validade de tributo.

A sanção política também viola o devido processo legal substantivo na medida em que implica o abandono dos mecanismos previstos no sistema jurídico para apuração e cobrança de créditos tributários (e.g., ação de execução fiscal), em favor de instrumentos oblíquos de coação e indução. Esse aspecto foi registrado pelo eminente Ministro Celso de Mello, em voto-vogal proferido nos autos do RE 413.782:

“A circunstância de não se revelarem absolutos os direitos e garantias individuais proclamados no texto constitucional não significa que a Administração Tributária possa frustrar o exercício da atividade empresarial ou profissional do contribuinte, impondo-lhe exigências gravosas, que, não obstante as prerrogativas extraordinárias que (já) garantem o crédito tributário, visem, em última análise, a constranger o devedor a satisfazer débitos fiscais que sobre ele incidam.

O fato irrecusável, nesta matéria, como já evidenciado pela própria jurisprudência desta Suprema Corte, é que o Estado não pode valer-se de meios indiretos de coerção, convertendo-os em instrumentos de acertamento da relação tributária, para, em função deles - e mediante interdição ou grave restrição ao exercício da atividade empresarial, econômica ou profissional - constranger o contribuinte a adimplir obrigações fiscais eventualmente em atraso.”

A ponderação do Min. Joaquim Barbosa, acima colacionada, defende que a medida do Fisco que põe fim ou interrompe o exercício da atividade econômica pelo contribuinte, além de violar o seu livre exercício, acaba por violar indiretamente o devido processo legal de verificação se tal sanção é legítima ou não, bem como de validade da constituição daquele crédito tributário. Isso porque o contribuinte acaba por ceder à pressão do Fisco para continuar exercendo a atividade, sendo que apenas aqueles mais esclarecidos ou que tenham acesso a um advogado terão posteriormente direito de discutir tal medida em Juízo, sem se olvidar o transtorno e os prejuízos sofridos em face da restrição. Nas palavras do Ministro, pode-se dizer que “a sanção política viola o direito de acesso ao Estado”.

No julgado, também há trecho colacionado do Min. Celso de Mello, que alerta que, apesar de os direitos e garantias constitucionais não serem absolutos, estes não podem ser violados mediante a frustração do “exercício da atividade empresarial ou profissional do contribuinte”, em face da Administração impor-lhe exigências gravosas, que, além de todas aquelas que o Fisco já tem para exigir o crédito tributário, constranjam “o devedor a satisfazer débitos fiscais que sobre ele incidam”.

Vê-se, pois, que, apesar de subjetivas, as circunstâncias acima relacionadas também podem ser consideradas critérios adequados para a caracterização de uma sanção política.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como o presente trabalho buscou demonstrar, a sanção política trata-se de uma forma de cobrança indireta de tributos; ou seja, a norma prevê alguma sanção ao contribuinte que deixa de pagar tributo, transmudando-se em método de cobrança que não os ordinariamente previstos em lei. Ainda, a qualificação de uma norma como previsão de sanção política deve ser atribuída casuisticamente, devendo-se sopesar alguns fatores.

Analisando-se alguns julgados do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria, verificam-se basicamente dois critérios mais robustos para que a Corte caracterize uma norma como sanção política.

O primeiro refere-se ao valor do tributo em cobrança, vale dizer, dificilmente será considerada constitucional uma norma de cobrança indireta de um débito tributário de valor irrisório ou não significativo.

O outro, mais comum, é que a sanção política, na imensa maioria das vezes, irá confrontar o princípio constitucional do devido processo legal, isto é, a cobrança de tributo revestir-se-á de forma que provavelmente inviabilizará a discussão administrativa ou judicial da norma restritiva e do próprio crédito tributário.

Porém, ao final, pode-se afirmar que o critério que prevalece, em verdade, é a ponderação sobre os princípios constitucionais envolvidos no caso, de forma que os fatores mencionados servem apenas para dar mais peso à balança de um ou outro lado.

REFERÊNCIAS

 

______. ADI 173. ADI 394. Relator: Min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, julgado em 25/09/2008, DJe-053 DIVULG 19-03-2009 PUBLIC 20-03-2009 EMENT VOL-02353-01 PP-00001.

______. ADI 395. Relatora:  Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, julgado em 17/05/2007, DJe-082 DIVULG 16-08-2007 PUBLIC 17-08-2007 DJ 17-08-2007 PP-00022 EMENT VOL-02285-01 PP-00052 RTJ VOL-00201-03 PP-00823 RDDT n. 145, 2007, p. 181-185 RT v. 96, n. 866, 2007, p. 101-106.

______. Lei nº 9.492, de 10 de setembro de 1997. Define competência, regulamenta os serviços concernentes ao protesto de títulos e outros documentos de dívida e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9492.htm>. Acesso em: 31 ago 2014.

______. RE 195621. Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Segunda Turma, julgado em 07/11/2000, DJ 10-08-2001 PP-00018 EMENT VOL-02038-03 PP-00524.

______. RE 374981. Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, julgado em 28/03/2005, publicado em DJ 08/04/2005 PP-00082.

______. RE 550769. Relator:  Min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, julgado em 22/05/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-066 DIVULG 02-04-2014 PUBLIC 03-04-2014.

______. Supremo Tribunal Federal. Súmula n.º 70. É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula&pagina=sumula_001_100>. Acesso em: 31 ago. 2014.

______. Supremo Tribunal Federal. Súmula n.º 323. É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula&pagina=sumula_301_400>. Acesso em: 31 ago. 2014.

______. Supremo Tribunal Federal. Súmula n.º 547. Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula&pagina=sumula_501_600>. Acesso em: 31 ago. 2014.

FERREIRA FILHO, Roberval Rocha; VIEIRA, Albino Carlos Martins; COSTA, Mauro José Gomes da. Súmulas do STF: organizadas por assunto, anotadas e comentadas. 5 ed. rev. ampl. atual. Salvador: Juspodivm, 2012.

MACHADO, Hugo de Brito. Professor Hugo de Brito Machado [Internet]. Sanções Políticas no Direito Tributário. Fortaleza; data desconhecida. Disponível em: <http://qiscombr.winconnection.net/hugomachado/conteudo.asp?home=1&secao=2&situacao=2&doc_id=7>. Acesso em: 31 ago 2014.

PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Tributário na Constituição e no STF: teoria e jurisprudência. 16 ed. rev. atual. Rio de Janeiro, Forense, São Paulo, Método, 2011.

[1]  “Art. 1º (...)

Parágrafo único.  Incluem-se entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas. (Incluído pela Lei n.° 12.767/2012)”

Observe-se que, mesmo antes da Lei nº 12.767/12, já se entendia permitido o protesto da CDA, haja vista que o caput do art. 1º permitia o protesto de “títulos e outros documentos de dívida”.


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