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Responsabilidade civil do Estado por atos de seus agentes

Responsabilidade civil do Estado por atos de seus agentes

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SUMÁRIO: Introdução; Capitulo I: Organização constitucional do poder judiciário no Brasil; Capitulo II: o magistrado entre os agentes públicos; capitulo III: da responsabilidade civil do estado ou extracontratual do estado no direito brasileiro; capitulo IV: responsabilidade civil do estado decorrentes de atos judiciais; conclusão; notas; bibliografia


INTRODUÇÃO

A Responsabilidade Civil do Estado não reveste de caráter absoluto, tendo em vista uma pequena corrente de seus autores sustentarem que a teoria do risco integral não induz a responsabilidade automática, absoluta do Estado, não respondendo a Administração no caso de dolo ou culpa da vítima, bem como se ocorrer uma excludente.

Destarte, a Responsabilidade Civil da Fazenda Pública em decorrência do exercício da função jurisdicional tem sido objetivo de divergência doutrinária. Se o juiz é um representante do Estado administrando a justiça, e o serviço judiciário um serviço público, o magistrado seria um preposto e o Estado um comitente.

Mas os adeptos da teoria da Responsabilidade Patrimonial do Estado pelos danos causados em virtude de sentença judicial sustentam que, sendo o Judiciário soberano, os magistrados não recebem ordem do Estado, onde a inaplicabilidade do preceito da Constituição (art. 37, §6.º), segundo o qual as pessoas jurídicas de direito público respondem pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causarem a terceiros, reservado o direito de regresso.

Além da soberania, o princípio da presunção da verdade legal torna-se-ia excludente de responsabilidade: a decisão transitada em julgado traz em si a presunção da verdade, segundo a sentença de Ulpiano, "res judicata pro veritate habetur".

O nosso Diploma Adjetivo Civil, em seu art. 133, estabelece que o juiz responde por perdas e danos quando, no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude e recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva tomar de ofício, ou à requerimento da parte.

Para alguns autores o disposto no diploma adjetivo ficou superado pelo preceito constitucional, que é a ação contra o Estado e contra o juiz cabe apenas o regresso. ULDERICO P. DOS SANTOS afirma: "Pessoalmente o juiz não é responsável. Nem pode ser. Responsável é o Estado. Juiz é órgão do Estado. Estado e Juiz formam um todo indissociável. Se o magistrado causa dano, sem prejuízos das sanções penais, cabíveis no caso".

Toda essa divergência doutrinária causa certo desequilíbrio na estrutura da organização dos poderes da União, principalmente do Judiciário. E a sociedade necessidade de um Poder Judiciário forte que atenda suas necessidades. Atualmente, este órgão enfrenta crises, tais como a morosidade de se processar e julgar um processo, o que acarreta acúmulos do mesmo. Assim, o judiciário não tem oferecido a população aquilo que realmente necessita. Mas são necessários urgentes reformas, não só no Poder Judiciário Brasileiro, bem como noutros poderes que compõem o aparato governamental, para que se democratizem, ganhem eficiência e atuem com dinamismo exigido pelas condições de vida contemporânea.

Diante da crescente importância da responsabilidade civil entre os temas de estudo do Direito Civil, numerosas obras dedicaram suas páginas ao debate do assunto. Mais recentemente, aventuraram-se os doutrinadores no que seria o "último reduto da irresponsabilidade civil do Estado" [1], a atividade judiciária.

A "pretensão de monopólio por parte do Estado na produção de normas jurídicas" [2]não condiz com a tese da irresponsabilidade do Estado no âmbito do Poder Judiciário. Se se pretende produzir e, conseqüentemente, aplicar as normas jurídicas, é preciso que haja alguma forma de assegurar ao particular o ressarcimento do dano causado por atuação lesiva do Poder Público no desempenho de suas atividades judiciárias.

Criticaremos, no presente trabalho, a tese da irresponsabilidade do Estado, na medida em que evidenciaremos a teoria do risco administrativo e suas implicações na responsabilidade civil do Estado pelos danos decorrentes da atividade judiciária, bem como os tipos de dano oriundos do mau funcionamento da justiça.

O objetivo deste trabalho consiste em examinar, inicialmente o posicionamento do Poder Judiciário e da Legislação vigente quanto à responsabilidade de seus atos, que geralmente é atribuída ao Executivo e/ou Legislativo, uma vez que o Judiciário nada administra e nada legisla.

Assim, passaremos a identificar e analisar os seguintes pontos:

- as principais limitações constitucionais, civis e administrativas existentes no direito brasileiro vigente à Responsabilidade Civil do Estado por Atos Judiciais.

- os princípios norteadores da Organização do Poder Judiciário, objetivando estabelecer limites às suas responsabilidade e/ou irresponsabilidades.

- as principais normas existentes no direito pátrio que restringem à Responsabilidade Civil do Estado por Atos Judiciais.

Enfatizando e analisando, no entanto, tais pontos iremos chegar a seguinte questão, a qual deverá ser solucionada no decorrer da presente monografia:

Quais as limitações existentes no direito pátrio e os fundamentos jurídicos que legitimam a Responsabilidade Civil do Estado por Atos Judiciais?

As supostas respostas para tal assertiva são:

1.As limitações existentes no direito pátrio e as fundamentações jurídicas que legitimam a Responsabilidade Civil do Estado por Atos Judiciais, podem ser de natureza constitucional, civil e administrativa.

2. A Reformulação Institucional do Poder Judiciário e do Estado Brasileiro se faz necessária, pelo fato que, dificilmente o juiz é punido pelas circunstâncias do art. 133 do nosso Código de Processo Civil e art. 49 da LOMAN.

A pesquisa a ser desenvolvida embasar-se-á nos princípios do Direito Constitucional, do Direito Civil e do Direito Processual Civil que regem a Responsabilidade Civil do Estado por Atos de seus agentes.

A atual Constituição Federal de 1988 condensou a responsabilidade objetiva do Estado no § 6.º do art. 37: "As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviço públicos responsáveis pelos danos de seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa". Destarte, em seu art. 5.º, LXXV, deu um reforço legal para a tese da responsabilidade do Estado por ato judicial, com base nos seguintes termos: "o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim que como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença.

O Código Civil Brasileiro, em seu art. 1.526, dispõe que "o direito de exigir reparação, e a obrigação de prestá-la transmitem-se com herança, exceto nos casos em que o Código excluir".

Portanto, a norma constitucional, bem como o preceito da lei civil adotaram a corrente objetiva, isto é, a atitude dolosa ou culposa do agente causador do dano é de menor relevância, esta é esteada na teoria do risco, em contrapartida aos defensores da corrente subjetiva, onde a responsabilidade se inspira na idéia de culpa, ficando, assim, a cargo da doutrina estabelecer até que ponto vai essa responsabilidade.

Desta forma, assim estará dividida a presente dissertação, a fim de chegar a uma resposta concreta à questão levantada no item 2:

- Capítulo I – Organização Constitucional do Poder Judiciário no Brasil – com a finalidade de delinear o posicionamento do Poder Judiciário e a sua função dentro do nosso sistema de governo;

- Capítulo II – Os Magistrados como Agentes Públicos – tem como intuito analisar o papel do magistrado dentro do Judiciário e da própria Administração Pública;

- Capítulo III – Responsabilidade Civil do Estado – estudar as generalidades inerentes ao tema;

- Capítulo IV – Responsabilidade Civil do Estado por Atos Judiciais – verificar as conseqüências por atos danosos causados pelo Judiciário.

O método de abordagem utilizado será o método de abordagem dialético para uma análise macro do problema, concomitante com o método de procedimento monográfico para o estudo do caso.

A técnica de pesquisa a ser adotada será a pesquisa bibliográfica em diversas publicações jurídicas referentes a Responsabilidade Civil, Direito Constitucional, Direito Civil, Direito Administrativo, obras literárias que tratam sobre o assunto, bem como as legislações em vigor pertinentes à matéria no Direito Pátrio.


CAPÍTULO I: ORGANIZAÇÃO CONSTITUCIONAL DO PODER JUDICIÁRIO NO BRASIL

1. Organização da Justiça Brasileira

O poder público exerce três funções jurídicas, isto é, funções relacionadas com a produção e aplicação do Direito. Tais funções são: 1) função legislativa, mediante a qual o poder público edita normas abstratas e gerais, inovadoras da ordem jurídica; 2) função administrativa, mediante a qual o poder público toma a iniciativa de aplicar o Direito, e age como parte interessada; 3) função jurisdicional, mediante a qual o poder público aplica o Direito, quando provocado, e agindo com imparcialidade, vale dizer, sem ser parte interessada.

O exercício do poder público, no Brasil, é descentralizado, funcional e especialmente. Diferentes órgãos exercem as três funções jurídicas do poder público em espaços distintos e sobre matérias diversas.

No Brasil, há vários órgãos que exercem a função legislativa: o Congresso Nacional, as Assembléias Legislativas e as Câmaras Municipais. Igualmente, há vários órgãos que exercem a função administrativa: o Presidente da República, auxiliado pelos Ministros de Estado, os Governadores de Estado, auxiliados pelos Secretários e os Prefeitos Municipais, também auxiliados por seus Secretários. Todos esses órgãos atuam de forma absolutamente independente uns dos outros.

O Congresso Nacional não interfere em decisões das Assembléias Legislativas, que, por sua vez, não interferem nas decisões das Câmaras Municipais. Da mesma forma, o Presidente da República não interfere nas decisões dos Governadores dos Estados, que, por sua vez, não interferem nas decisões dos Prefeitos Municipais.

Diante deste quadro, podemos dizer que há um Poder Legislativo Federal, um Poder Legislativo Estadual e um Poder Legislativo Municipal. Da mesma forma, podemos dizer que há um Poder Executivo Federal, um Poder Executivo Estadual e um Poder Executivo Municipal. Talvez não se possa dizer o mesmo em relação ao Poder Judiciário, não obstante a Constituição e as leis referirem-se a um Poder Judiciário Federal e a um Poder Judiciário Estadual. Registre-se que não há poder Judiciário Municipal.

Tal é o entrelaçamento de todos os órgãos do Poder Judiciário, que talvez seja melhor chamá-lo de Poder Judiciário Nacional.

Embora nacional, as despesas para manutenção dos diferentes segmentos deste Poder são suportadas por entes federativos distintos. Assim, o chamado Poder Judiciário Federal é custeado pela União; e o Poder Judiciário Estadual é custeado por cada Estado.

Considerado como Nacional, tendo na cúpula o Supremo Tribunal Federal, o Poder Judiciário divide-se em dois grandes troncos: 1) a Justiça Comum ou Ordinária; 2) as Justiças Especiais.

As Justiças Especiais cuidam de matérias específicas. A Justiça Eleitoral, por exemplo, cuida só de matéria eleitoral. A Justiça do Trabalho cuida só dos litígios decorrentes da relação de trabalho. A Justiça Militar cuida apenas dos crimes militares, assim definidos em lei.

Em regra, as Justiças Especiais são "federais". A Constituição admite a existência de Justiça Militar Estadual, isto é, justiça especial encarregada de julgar os policiais militares e os bombeiros militares pela prática de crimes militares.

O que não é competência das Justiças Especiais, cai no âmbito da Justiça Comum ou Ordinária. Todavia, a Justiça Comum divide-se em "federal" e "estadual".

Em regra, não absoluta, é da competência da Justiça "federal" comum ou ordinária o julgamento das demandas em que houver interesse da União, de autarquia federal ou de empresa pública federal. As demais demandas são julgadas pela chamada justiça "estadual".

Não obstante tudo o que foi dito em relação à divisão de competência entre a Justiça Comum ou Ordinária "federal" e a Justiça Comum ou Ordinária "estadual", o entrelaçamento entre ambas é muito estreito. Há circunstâncias em que um juiz estadual julga demandas que seriam da competência de um juiz federal. Pode mesmo ocorrer que um juiz estadual julgue demanda trabalhista.

O entrelaçamento dos órgãos do Poder Judiciário é de tal ordem, que convém registrar o seguinte: a Justiça Eleitoral é federal, mas os juizes eleitorais são todos juizes estaduais. Vale dizer: são os juizes de direito estaduais que exercem as funções de juizes eleitorais.

Uma decisão da Justiça "estadual" pode ser modificada por uma decisão da Justiça "federal". Assim, uma decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso pode ser modificada por uma decisão do Superior Tribunal de Justiça.

Por último, registre-se, simplificadamente, que todos os Tribunais têm uma competência originária e uma competência recursal. Há demandas que têm início no próprio Tribunal quando, então, o Tribunal exerce sua competência originária. Há demandas que chegam ao Tribunal mediante um complexo sistema de recursos previstos nas leis processuais. 

2. A Função Jurisdicional

Os órgãos do Poder Judiciário têm por função compor conflitos de interesses em cada caso concreto. Isso é que se chama de função jurisdicional ou simplesmente jurisdição, que se realiza por meio de um processo judicial, dito, por isso mesmo, sistema de composição de conflitos de interesses ou sistema de composição de lides.

Os conflitos de interesses são compostos, solucionados, pelos órgãos do Poder Judiciário com fundamento em ordens gerais e abstratas, que são ordens legais, constantes ora de corpos escritos que são as leis, ora de costumes, ou de simples normas gerais, que devem ser aplicadas por eles, pois está praticamente abandonado o sistema de composição de lides com base em ordem singular especialmente erigida especialmente para solucionar.

Divididas as funções da soberania nacional por três Poderes distintos, Legislativo, Executivo e Judiciário, os órgãos deste (juízos e tribunais) devem, evidentemente, decidir atuando o direito objetivo; não podendo estabelecer critérios particulares, privados ou próprios, para, de acordo com eles, compor conflitos de interesses, ao distribuírem justiça. Salvo o juízo de eqüidade, excepcionalmente admitido, normalmente o juiz, no Brasil, pura e simplesmente aplica os critérios que foram editados pelo legislador.

Portanto, a jurisdição, hoje, é monopólio do Poder Judiciário do Estado (art. 5,º XXXV, CF).

3. A Independência do Poder Judiciário e da Magistratura

O sistema americano que nos serviu de modelo, ao implantar-se a República, faz mais de um século, assenta basicamente no princípio da Supremacia da Constituição, à qual se subordinam todos os Poderes, que nela têm definidos os respectivos limites, e no postulado da Independência do Judiciário, que se manifesta, por primeiro, na prerrogativa eminente de proceder à revisão judicial das leis e dos atos normativos, diante da Constituição, anulando-os quando com esta incompatíveis.

ÉDOUARD LABOULAYE, versando, em 1866, sobre o judiciário, na Constituição americana, ponderou que foram os americanos os primeiros a fazer do Poder Judiciário um verdadeiro poder político; os primeiros a compreender o papel da justiça num país livre; os primeiros a encontrar esta nova verdade, até aqui pouco compreendida na Europa. Observa, noutro passo: "Jamais, entre nós, a justiça foi um poder político; ela foi sempre um ramo da Administração, uma dependência do Poder Executivo, uma função do governo, e uma função subalterna". Referindo-se, porém, ao caráter desse Poder, na Constituição americana, acrescenta: "Estabeleceu-se ali um Poder Judiciário independente, um Poder que, colocado entre as leis do Congresso e a Constituição, tem o direito de afirmar: ´Esta lei é contrária à Constituição, e, consequentemente, é nula. Não há, aí, nenhum motivo de perturbação da ordem, mas, bem pelo contrário, uma das maiores causas de paz e de quietude social". Entre nós, a influência dos dois sistemas fez-se notar.

A Constituição Imperial de 1824 orientou-se no sentido do liberalismo de tendência européia, colocando o Judiciário em uma posição secundária, no confronto com o Legislativo e o Executivo. Embora a Carta de 1824, no art. 10, afirmasse que os poderes políticos reconhecidos pela Constituição do Império do Brasil são quatro: o poder legislativo, o poder moderador, o poder executivo e o poder judicial, bem assim, no art. 151, proclamasse que o poder judicial é independente, certo é que, nessa quadra de nossa história política, ele se limitava a dirimir controvérsias de direito privado e aplicar a lei penal, escapando, por inteiro, ao seu controle, os atos da administração pública e a validade das leis.

A independência do Judiciário havia de ser, desse modo, entendida, apenas, como independência da autoridade judicial, do magistrado, definida por JOSÉ ANTONIO PIMENTA BUENO, Marquês de São Vicente como "a faculdade que ele tem, e que necessariamente deve ter de administrar a justiça, de aplicar a lei como ele exata e conscienciosamente entender, sem outras vistas que não sejam a própria imparcial justiça, a inspiração de seu sagrado dever. Sem o desejo de agradar ou desagradar, sem esperanças, sem temor algum", acrescentando: "A independência do magistrado deve ser uma verdade, não só de direito como de fato; é a mais firme garantia dos direitos e liberdades, tanto civis como políticas dos cidadãos; é o princípio tutelar que estabelece e anima a confiança dos povos na reta administração da justiça; é preciso que o povo veja e creia que ela realmente existe" [3].

Com a República, estabeleceu-se, entretanto, um marco fundamental na história do Judiciário brasileiro, que, em sua organização e ação, passou a inspirar-se no liberalismo de vertente norte-americana, desvinculando-se do sistema de orientação continental e alcançando, aí, em conseqüência, contornos institucionais de Poder Político.

CAMPOS SALES, então Ministro da Justiça do Governo Provisório, em documento histórico do Judiciário brasileiro, que é a Exposição de Motivos ao Generalíssimo DEODORO DA FONSECA, propondo a criação e organização da Justiça Federal, (o que se veio a concretizar no Decreto nº 848, de 11/10/1890, depois incorporado, em seus preceitos gerais, na Constituição de 1891), proclamava: "A função do liberalismo do passado (...) foi opor um limite ao poder violento dos reis; o dever do liberalismo na época atual é opor um limite ao poder ilimitado dos parlamentares. Essa missão histórica incumbe, sem dúvida, ao Poder Judiciário, tal como o arquitetam poucos povos contemporâneos e se acha consagrado no presente decreto". E, adiante, anotava: "A magistratura que agora se instala no país, graças ao regime republicano, não é um instrumento cego ou mero intérprete na execução dos atos do poder legislativo. Antes de aplicar a lei, cabe-lhe o direito de exame, podendo dar-lhe ou recusar-lhe sanção, se ela lhe parecer conforme ou contrária à lei orgânica". Adiante, asseverou: "Aí está posta a profunda diversidade de índole que existe entre o poder judiciário, tal como se achava instituído no regime decaído, e aquele que agora se inaugura, calcado sobre os moldes democráticos do sistema federal. De poder subordinado, qual era, transforma-se em poder soberano, apto na elevada esfera da sua autoridade para interpor a benéfica influência do seu critério decisivo, a fim de manter o equilíbrio, a regularidade e a própria independência dos outros poderes, assegurando, ao mesmo tempo, o livre exercício dos direitos do cidadão. É por isso que na grande União Americana com razão se considera o poder judiciário como a pedra angular do edifício federal e o único capaz de defender com eficácia a liberdade, a autonomia individual. Ao influxo de sua real soberania desfazem-se os erros legislativos e são entregues à austeridade da lei os crimes dos depositários do Poder Executivo".

Daí resulta, outrossim, a compreensão de que a função judiciária, que aos magistrados republicanos incumbe exercer, não se pode considerar como atividade estritamente jurídica. No controle sobre os atos do Legislativo e do Governo, evidencia-se o caráter político de que está investido o Judiciário, no desempenho da competência para proclamar a inconstitucionalidade ou invalidade de tais atos. Essa função política, que, em ditos limites, se revela, numa democracia, onde consagrado o controle judicial da constitucionalidade das leis e atos do governo, traz, em si, incita a nota de independência.

4. Controle Jurisdicional

De outra parte, dentre os princípios fundamentais da ordem democrática, e na visão de um Poder Judiciário independente, estabeleceu-se, entre nós, o compromisso pelo Estado do controle jurisdicional: a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (Constituição de 1988, art. 5º, XXXV).

Não há, nessa norma, simples promessa, senão que, nela, já se retrata, de maneira definitiva, traço marcante da fisionomia do Estado, proveniente do pacto fundamental, que se expressa, basicamente, na garantia maior da inafastabilidade da tutela, por um Poder Judiciário independente, dos direitos e da liberdade dos cidadãos. Manteve-se, dessa maneira, o princípio da unidade de jurisdição, no inciso XXXV do art. 5º da Constituição de 1988, ainda com maior amplitude, na medida em que não se excluirá da apreciação do Poder Judiciário "lesão ou ameaça a direito", e não apenas "lesão de direito individual", tal como definido o postulado nas Constituições de 1946 e 1967.

Observou, nesse sentido, adequadamente, o ilustre Professor CELSO AGRÍCOLA BARBI: "A redação do inciso legal em exame permite a conclusão de que o direito cuja ameaça ou lesão não pode ser subtraída da apreciação do Poder Judiciário não é mais apenas o direito subjetivo individual, mas também o direito coletivo, nome que é usado, com freqüência, como sinônimo de interesse difuso ou de interesse legítimo. Desse modo, a Constituição deu um grande passo para o aprimoramento dos costumes na atividade dos órgãos públicos, vedando à lei retirar da apreciação do Poder Judiciário a ameaça ou lesão de direito coletivo, interesse difuso, ou interesse legítimo. Em outras palavras, a Constituição deu ao Poder Judiciário a atribuição de controlar a legalidade dos atos da Administração, impedindo-a de praticar atos ilegais que firam direito coletivo, interesse difuso ou legítimo, ou tirando os efeitos a esses atos e suas conseqüências" [4].

Tornam-se, em face disso, desde logo, ilegítimas ou injustas as restrições à ação, como poder de exigir do Estado o exercício da jurisdição, que incumbe aos juizes e tribunais prestar, em todo o território nacional, e à defesa, como instituto também essencial em qualquer processo. Certo está, entretanto, que nem a ação nem a defesa podem ser visualizadas na exclusividade de um ato. Realizar-se-á, assim, a plenitude do controle jurisdicional, de maneira justa, somente quando houver atenção ao devido processo legal, à garantia de participação real no feito de demandante e demandado, e à observância do contraditório, mediante uma distribuição eqüitativa de meios e possibilidades processuais entre as partes.

Registrou, nesse sentido, com inteira propriedade, ADA PELLEGRINI GRINOVER, em "Novas Tendências do Direito Processual", 1ª ed., 1990, pág. 11: "A plenitude e a efetividade do contraditório indicam a necessidade de se utilizarem todos os meios necessários para evitar que a disparidade de posições no processo possa incidir sobre seu êxito, condicionando-o a uma distribuição desigual de forças. A quem age ou se defende em juízo devem ser asseguradas as mesmas possibilidades de obter a tutela de suas razões". Não é possível ademais, deixar, aqui, de ter presente outra lição da Douta acima referida, em seu "Processo Constitucional em Marcha", pág. 8, item 2: "Desse modo, as garantias constitucionais do devido processo legal convertem-se, de garantias exclusivas das partes em garantias da jurisdição, e transformam o procedimento em um processo jurisdicional de estrutura cooperatória, em que a garantia de imparcialidade da jurisdição brota da colaboração entre partes e juiz. A participação dos sujeitos no processo não possibilita apenas a cada qual aumentar as possibilidades de obter uma decisão favorável, mas significa cooperação no exercício da jurisdição. Para cima e para além das intenções egoísticas das partes, a estrutura dialética do processo existe para reverter em benefício da boa qualidade da prestação jurisdicional e da perfeita aderência da sentença à situação de direito material subjacente".

5. O Processo como Instrumento de ação Política Estatal e a Justiça Social

Nos dias em curso, o processo, em realidade, na condição também de eficaz instrumento de ação política estatal, não pode deixar de receber o influxo do universal reclamo de justiça social, que é a tônica de nossa época, e se põe entre os objetivos fundamentais da República, ao pretender "construir uma sociedade livre, justa e solidária", afirmando "a dignidade da pessoa humana" (Constituição, arts. 2º, III, e 3º, I).

A existência de instrumentos, que tornem reais - e não meramente simbólicos - os direitos do cidadão comum, é imperativo de um Estado Democrático de Direito, tal como o concebe a Constituição de 1988. Exsurge, desse modo, como decorrência natural, que não é possível pensar em uma ordem democrática, sob a égide da justiça social, sem assegurar a tutela jurisdicional a todos os cidadãos, afastada discriminação de qualquer natureza.

A garantia, em concreto, do acesso efetivo à jurisdição, por todos, na defesa de seus direitos e da liberdade, quando violados ou ameaçados, constitui, de tal sorte, postulado central dessa ordem, que aos Poderes do Estado cumpre diligenciar na plena consecução. Assume, no particular, especial relevo a norma do inciso LXXIV do art. 5º, da Constituição, ao estipular que "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos", o que se completa com o art. 134 e parágrafo único, da Lei Magna de 1988, quando prevêem a Defensoria Pública como "instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV", e sua organização "em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais".

Acerca desse tema, MAURO CAPPELLETTI anota que "o acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental - o mais básico dos direitos humanos - de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar, os direitos de todos" [5].

Em verdade, superada está a época em que o direito ao acesso à proteção judicial significava, essencialmente, o direito formal do indivíduo agravado propor ou contestar uma demanda, não constituindo preocupação do Estado, neste plano, afastar a "pobreza no sentido legal" - a incapacidade que muitas pessoas têm de utilizar plenamente a Justiça e suas instituições.

À medida, entretanto, que a visão individualista dos direitos, refletida nas "declarações de direitos", dos séculos XVIII e XIX, foi se modificando, com o movimento no sentido de se reconhecerem, também, os direitos e deveres sociais dos governos, comunidades, associações e indivíduos, assegurando-se, nas modernas constituições, entre outros, os direitos ao trabalho, à saúde, à segurança material e à educação - o direito ao acesso efetivo à justiça vem logrando particular atenção, como de importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direitos é destituída de sentido, na ausência de mecanismos para sua concreta reivindicação.

O Estado democrático encontra-se preso a seus jurisdicionados pelo dever de garantir-lhes o regular exercício de seus direitos conquistados, quanto de facilitar-lhes a reintegração ou a defesa de direitos violados, ou ameaçados, ou ainda a reparação de lesões oriundas de atos ilícitos, bem assim de proporcionar-lhes condições de realizar a dignidade da pessoa humana. É, no particular, pois, questão de primeiro plano a oferta de justiça pelo Estado, compatível com a procura e a necessidade decorrentes de uma convivência social, cada vez mais complexa, posto que se acentua, extraordinariamente, nos países de desequilíbrios sociais graves.

Entre nós, a melhoria do serviço público de administração da justiça, incumbência institucional do Poder Judiciário, enquanto Poder Político do Estado, afirma-se como anseio profundo da Nação. O serviço de justiça ao povo há de ser prestado de forma satisfatória, o que pressupõe boa qualidade, acessibilidade a todos e pronto desempenho. Nessa ordem, as preocupações com o acesso efetivo à justiça, por todos, inclusive pelos menos favorecidos da fortuna, tornaram-se, nas últimas décadas, de uma forma mais intensa, questão, ao mesmo tempo, do interesse da ciência do direito, quanto da sociologia jurídica. As relações entre o processo civil e a justiça social, entre a igualdade jurídico-formal e a desigualdade socio-econômica, ganham, neste plano, significativas dimensões.

A função do Poder Judiciário cresce, em conseqüência, de interesse, não só ao saber dos profissionais do direito, mas, também, relativamente ao domínio da sociologia jurídica. Estudos de natureza sociológica, no campo da administração da justiça, evidenciam, de outra parte, que dificuldades de todas as ordens cercam os pobres e necessitados, quer as econômicas, quer as condicionantes sociais e culturais, constituindo, todas elas, obstáculos reais ao acesso à Justiça. Em razão disso, lamentavelmente, são milhares (e cada vez maior se torna o número) os estados de insatisfação que se perpetuam e se convertem em decepções permanentes ou em casos de violência, ou procuram soluções aos conflitos, à margem das estruturas oficiais do Poder Judiciário, porque as pessoas não se animam ou não podem litigar em juízo, nem logram meios a fazê-lo. Disso resulta, em conseqüência, lhes ficar distante o acesso à tutela jurisdicional, que o Estado moderno lhes promete como um dos princípios fundamentais da ordem democrática.

Entre nós, no art. 5º, XXXV, da Constituição de 1988, como referido, assenta-se o princípio básico da inafastabilidade da tutela jurisdicional, ocorrendo lesão ou ameaça a direito. São, destarte, ilegítimas ou injustas as restrições ou omissões do Poder Público, e de quem quer que seja, a dificultarem o efetivo acesso de todos ao Poder Judiciário. Incompatível com a fisionomia e as metas do Estado de Direito, realmente democrático, sob a égide da justiça social, é não assegurar tutela jurisdicional a todos os cidadãos, notadamente, quando acusados, por mais revoltantes sejam os ilícitos, ou quando essa discriminação se dá por razões de fortuna.

Outro princípio básico do direito processual constitucional, imediatamente referido a um Poder Judiciário independente, está no art. 5º, LIV, da Carta de 1988, segundo o qual "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal".

Como garantia dos litigantes, o due process of law é, no dizer de Willoughby, um fundamental principle of justice. Postulado expresso da ordem constitucional, com suas origens na cláusula 39, da Magna Carta de 1215, e na Emenda XIV à Constituição Americana, ao lado do controle jurisdicional (art. 5º, XXXV), acima examinado, e dos princípios do contraditório e da plenitude de defesa (art. 5º, LV), fecha, na expressão de JOSÉ AFONSO DA SILVA, "o ciclo das garantias processuais". Acrescenta o autor citado: "Garante-se o processo, e quando se fala em "processo", e não em simples procedimento, alude-se, sem dúvida, a formas instrumentais adequadas, a fim de que a prestação jurisdicional, quando entregue pelo Estado, dê a cada um o que é seu, segundo os imperativos da ordem jurídica. E isso envolve a garantia do contraditório, a plenitude do direito de defesa, a isonomia processual e a bilateralidade dos atos procedimentais, conforme a autorizada lição de FREDERICO MARQUES".

Para os juristas americanos, como observa MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, "o due process of law tem duas faces: uma formal, outra substancial. O aspecto formal consiste na sujeição de qualquer questão que fira a liberdade ou os bens de um ser humano ao crivo do Judiciário, por meio do juiz natural, num processo contraditório, em que se assegure ao interessado ampla defesa. O substancial importa em que as normas aplicadas quanto ao objeto do litígio não sejam desarrazoadas, portanto intrinsecamente injustas" [6].

Detendo-se no exame dessa cláusula constitucional, anota-se que ela abrange, de forma compreensiva: a) o direito à citação, pois ninguém pode ser acusado sem ter conhecimento da acusação; b) o direito de arrolamento de testemunhas, que deverão ser intimadas para comparecer perante a justiça; c) o direito ao procedimento contraditório; d) o direito de não ser processado por leis ex post facto; e) o direito de igualdade com a acusação; f) o direito de ser julgado mediante provas e evidência legal e legitimamente obtida; g) o direito ao juiz natural; h) o privilégio contra a auto-incriminação; i) a indeclinabilidade da prestação jurisdicional quando solicitada; j) o direito aos recursos; l) o direito à decisão com eficácia de coisa julgada.

6. Efetividade das normas constitucionais e a independência do Poder Judiciário

A necessária pretensão de eficácia, de efetividade, que exsurge do conteúdo normativo da Constituição, se cabe, desse modo, pôr-se no contexto amplo e para ela significativo da realidade atual, a esta, entretanto, não pode a Constituição ceder seu império, enquanto invocada para fundamentar expressões de vontade, inclusive normativas, dos outros Poderes constituídos.

Se não se admite, para os efeitos normativos, visualizar um Estado abstrato e de forma teórica, longe de realidade histórica, no instante mesmo em que se cuida de fazer eficaz a normatividade da Constituição, não menos exato é que a adaptação de seu texto a uma dada realidade não pode suceder, corretamente, sem que se compreenda sua vontade, que deve, então, ser força ativa a orientar os comportamentos individuais dos cidadãos e as manifestações do Poder, na ação dos principais responsáveis pela aplicação da ordem constitucional.

Diante dessa normatividade maior e fundamental, de sua constante vocação à eficácia e do necessário respeito que há de merecer, não resta espaço legítimo, portanto, a opor-lhe razões de conveniência ditadas pela conjuntura, pela realidade de fatos presentes, por vezes, suscetíveis de rápida mutação, ou de parâmetros concebidos na antevisão de planos de ação político-administrativa, se não estiverem em conformidade com a Constituição

Dessa maneira, guarda da Constituição e dos direitos e liberdades dos cidadãos, sem qualquer discriminação, não cabe a um Poder Judiciário independente desprezar os princípios da Lei Magna, a que está vinculado, notadamente os do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, para decidir causas sob seu controle, ao atropelo de fatos ou ao impacto de protestos, mesmo quando a origem destes possa ter suas raízes em justa indignação.

O respeito à Constituição e às leis há de ser postulado primeiro da ação do Poder Judiciário independente. Somente assim nele poderão todos os cidadãos, sem qualquer distinção, ter a certeza de que seus direitos e liberdades serão garantidos, de conformidade com a ordem jurídica e os valores que a informam.

7. A independência dos Magistrados

Já antes da República, não se pode negar, porém, a existência de uma dimensão de independência do Judiciário, enquanto manifestada na ação dos magistrados, a eles se referindo o art. 151, da Constituição do Império, quando preceituava que o poder judicial é independente, não obstante a limitação das próprias garantias funcionais., tão bem expresso por TAVARES DE LYRA, em "Instituições Políticas do Império", que observa: "Para a maioria dos Juizes, o direito não tinha dinamismo e raramente deixou de ser a letra fria e inflexível da lei, mesmo quando contrária à Constituição. (...). Mas, em parte, isso era efeito da mentalidade jurídica do tempo e da organização política do Império, porque nossa história registra que do confronto entre as capitulações e serviços do Poder Judiciário, o que sobreleva e avulta é a grande moral da magistratura brasileira, sua resistência heróica na adversidade, sua imaculada probidade, sua serena coragem no desempenho de seu dever social" [7].

Releva observar, assim, desde logo, que o Juiz, na fase republicana brasileira, não há de ser autônomo, na aplicação da lei, senão que lhe cumpre, antes, verificar de sua conformidade com a Constituição, como está expresso, inclusive, no art. 13, da Lei nº 221, de 20.11.1894. É que, cumpre observar, nesse sentido, vencida está a era em que uma concepção predominante diversa do comportamento dos poderes constitucionais, como "províncias estanques do estado", operava, em princípio, a submissão inquestionável do magistrado ao texto literal e frio da lei, reduzida a função judiciária a atividade estritamente jurídica, incumbindo ao juiz, apenas, dizer o direito, tal como preexiste a seu pronunciamento, jungido a limites lógico-formais, sem permissão para liberdades que possam acrescentar ao mundo jurídico qualquer elemento que, aí, já não figure de modo explícito ou latente.

Hão, em verdade, os órgãos judiciários, de nossos dias, de ter presente a realidade do mundo social e econômico em que exercem seu ofício, ao voltar-se para a concretude do caso que lhes incumbe dirimir. Só desta maneira atenderão ao caráter prático de seu ofício, considerando, outrossim, na aplicação da lei, conforme preceito em voga, os fins sociais a que ela se dirige, quanto às exigências do bem comum.

Em torno da atividade judiciária, nesse sentido, anotou MIGUEL SEABRA FAGUNDES: "Adstrito de um lado ao princípio de fidelidade à lei, que preside às atividades judiciárias, mas de outro obrigado a decidir pelo princípio de não denegação da justiça, imperativo do próprio conteúdo ético, utilitário e jurídico do Estado (DONATI; ALÍPIO SILVEIRA), o juiz, partindo dos textos, quando possível e enquanto possível, tangenciando-lhes a rigidez, recorrendo aos princípios gerais que a doutrina e o direito comparado lhe fornecem, alcança soluções superando a omissão da lei escrita ou ampliando-a na sua compreensão" [8].

Os órgãos judiciários de qualquer nível, desse modo, hão de estar atentos aos fatos, ao tempo em que atuam, não lhes bastando o conhecimento da técnica do direito, para que se resolvam adequadamente os conflitos e se avance, de maneira segura e equilibrada, em direção ao que deve ser.

Desse modo, o conhecimento do mundo, de par com uma profunda seriedade moral, a presença do humano e do social, à luz de seu tempo, o amor ao saber e à verdade, a inflexibilidade na defesa do valor da justiça, não podem estar ausentes da vida dos juizes. Cumpre-lhes, pois, com independência, sem temor algum, pelo estudo e a reflexão, tecer suas construções, a partir da descoberta de elementos existentes na intimidade do ordenamento jurídico, com base nos quais encontram, dentro do possível e enquanto cabível, a prudente solução às transformações sociais necessárias e, por vezes, indiscutivelmente, desejadas.

Nisso está uma das mais significativas atividades dos tribunais e juizes, na busca do bem comum, que não se compreende, nem se pode realizar, sem Justiça. Se a interpretação das leis e a construção do direito não podem negar ou violar os limites, expressamente, demarcados, da fonte principal, legislativa, indiscutível é, todavia, que imensos domínios se abrem à adaptação dos textos legislativos, tantas vezes inadequados à época e às exigências vitais da sociedade, para os que sabem ver a função social e conciliadora da justiça viva, da justiça dinâmica.

Devem os juizes, outrossim, vislumbrar, de maneira constante, o caráter prático do grave ofício de julgar e, desse modo, embora seguros nos exercícios lógico-formais, nas construções teóricas e nas doutrinas hermenêuticas, cumpre-lhes não expor suas decisões, em nenhum momento, ao perigo da ausência do real, certo de que é, na perspectiva deste, que cabe desenvolver o raciocínio judiciário, orientado, permanentemente, por elementos de índole axiológica. De outro lado, na pugna judiciária, não é suficiente se desenhe mera igualdade formal na relação processual, como a entendia bastante a antiga concepção privatística do processo, para propiciar uma justa solução das demandas.

Distante de mais de um século está a quadra em que exacerbado individualismo reduzia a limites estreitos a área de atividade do juiz, aparecendo as demandas como de interesse exclusivo dos litigantes, intervindo o Estado, tão-só, para que as regras fossem observadas pelos contendores e não se fizesse justiça pelas próprias mãos.

Tornada predominante, porém, a concepção publicística do processo, não apenas cresceu de ponto a importância da jurisdição no quadro das funções do Estado, alçada à eminência de prerrogativa da soberania nacional, como a finalidade do processo deixou de ser exclusivamente a proteção dos direitos subjetivos, passando a garantir ou a atuar o direito objetivo, o que seria de interesse do Estado e não apenas dos particulares.

Nessa linha do pensamento político-filosófico, recolhido pelo constitucionalismo pátrio e expresso na independência institucional e funcional do Judiciário, como Poder Político, foram aumentados os poderes do juiz, na cena judiciária, que deixou de ser espectador quase inerte da batalha judicial, cabendo-lhe impulsionar o andamento das causas, determinar provas, reprimir a má conduta das partes, conhecer, ex officio, de circunstâncias, até então dependentes de alegação do interessado. E nada parece, todavia, ter ocorrido, como antes se supunha, em prejuízo da imparcialidade do magistrado. Cumpre, nesse sentido, antes de tudo, ter presente que o que bem interessa é a verdade na decisão final.

O triunfo na luta judiciária não deve resultar de pequenos lapsos na atividade do adversário, nem convém à Justiça que as demandas se inutilizem por preliminares de natureza processual, mas, sim, que se decidam os conflitos no seu mérito, pela efetiva existência do direito ao lado do vencedor.

Manter o juiz, em relação aos membros do Ministério Público, advogados, procuradores judiciais e defensores públicos, que se hão de ter como efetivos colaboradores na administração da Justiça (Constituição, arts. 127, 131, 132, 133 e 134), a mais ampla abertura, prestando-lhes, inclusive, se necessário, esclarecimentos, chamando a atenção dos litigantes para aspectos das causas não suficientemente elucidados, alertando-os, outrossim, para circunstâncias descuidadas, por um ou outro dos demandantes, mas que podem ser conhecidas, ex officio, pelo magistrado, não constitui, por si só, quebramento da imparcialidade do julgador, mas representa, isto sim, forma de favorecer o andamento das causas e a justiça das decisões.

Não há, inclusive, o juiz de recear que essa atividade esclarecedora denuncie sua opinião sobre certos pontos do processo, pois a derradeira decisão pende sempre da concorrência de uma pluralidade de fatores. Na condução do processo, contribui, desse modo, o magistrado para que, da atuação do direito objetivo, ocorra, quanto possível, a realização efetiva da justiça, no desate das controvérsias. Não é menos exato, entretanto, de outra parte, que os tribunais e juizes, enquanto órgãos do Poder Judiciário, não obstante a ampla independência que lhes garante o sistema jurídico para o exercício da jurisdição, não estão autorizados, pela ordem constitucional, a desprezar a lei válida e decidir o caso concreto, por critérios pessoais, subjetivos, qual estivessem a criar a norma que lhes pareça, mais justa ou mais conveniente, a solver a hipótese em exame.

A autoridade dos tribunais e juizes decorre da Constituição e das leis em conformidade com a Carta Magna. A só investidura como autoridade judiciária não lhes empresta aptidão a decidir, discricionariamente, apenas, por invocação de princípios ideológicos ou de convicções pessoais, ou pressões de quem quer que seja, deixando à margem a lei válida (isto é, conforme à Constituição), ou o devido processo legal, aplicáveis à espécie. De contrário, seria admitir, desde logo, a substituição do legislador, pelo juiz, dos órgãos legislativos pelos judiciários, com evidente desprezo ao preceito básico do sistema democrático, relativo à separação e harmonia dos poderes, cujo exercício há de dar-se nos limites deferidos na Constituição, ou o desprezo ao princípio da imparcialidade, que constitui marca essencial da atividade jurisdicional do magistrado, singularmente considerado, ou de um tribunal.

Cumpre entender, entretanto, que, com isso, não se diminui a independência do magistrado ou a autonomia dos tribunais na sua legitimação para, em decidindo litígios, interpretar a lei, atentos a seus fins sociais e aos imperativos do bem comum, que também lhes cumpre promover, no ato de julgar. Emprestou-se, ademais, nesse sentido, status constitucional à antiga norma do Direito Processual ordinário, quanto à obrigatoriedade de fundamentação da sentença, sob cominação de nulidade. É o que está no inciso IX do art. 93, ao determinar sejam "fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade".

Diante do inciso IX do art. 93, da Lei Magna em vigor, é cabível afirmar que não é mais possível julgamento secreto e não fundamentado, o que, no dizer de CELSO AGRÍCOLA BARBI, "é uma tranqüilidade para o cidadão, que quer saber por que não teve êxito em sua demanda". Não teria, destarte, sentido compreender a independência do magistrado como a autorizá-lo a decidir as causas, discricionariamente, senão que, cada vez mais, se faz imperativo, como garantia de todos, que os julgamentos encontrem, na ordem jurídica, as bases de sua formulação. Põe-se, também, aqui, que aos magistrados e tribunais não se há de reconhecer legitimidade para proferir decisões, sem respeito ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa, garantias processuais constitucionais de todos os cidadãos. Outro princípio que, no ponto, não pode ser desconsiderado, e ganhou espaço constitucional no art. 5º, LX, da Lei Maior de 1988, foi o da publicidade dos atos processuais, estipulando-se, no dispositivo referido: "A Lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social exigirem", constando ainda, da parte inicial do art. 93, que "todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos..., podendo a lei se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes". [9]

Assinala, no particular, CELSO RIBEIRO BASTOS que a publicidade dos atos processuais insere-se em um campo mais amplo da transparência da atuação dos poderes públicos em geral. É uma decorrência do princípio democrático. Este não pode conviver em regra com o sigilo, o segredo, o confinamento a quatro portas, a falta de divulgação, porque por este caminho, da sonegação dos atos à coletividade, impede-se o exercício importante de um direito do cidadão em Estado governado pelo povo, qual seja: o do controle. E prossegue: "Não há dúvida portanto de que a publicidade dos atos, e especificamente dos atos jurisdicionais, atende ao interesse das partes e ao interesse público. Protege o magistrado contra insinuações e maledicências; da mesma forma que protege as partes contra um possível arbítrio ou prepotência. E confere à coletividade, de um modo geral, a possibilidade de controle sobre atos que são praticados com a força própria do Estado."


CAPÍTULO II: O MAGISTRADO ENTRE OS AGENTES PÚBLICOS

1.Estado e Agente

O funcionamento contínuo e perfeito do serviço público exige a presença física de classe diferenciada de pessoas, submetidas a status especialissímo e sob a dependência direta ou indireta de um superior hierárquico. [10]

Para atingir os fins fundamentais que tem mira, sem o que perderia sua razão de existir, o Estado, entidade abstrata, age por meio de pessoal especializado, cujo número varia na razão direta da complexibilidade das tarefas a executar.

Destarte, temos os agentes públicos que desempenham funções a si destinadas no aparato da Administração Pública, sob qualquer categoria ou título jurídico.

Esse agente público será, conforme seja integrante da alta esfera da Administração, eleito ou nomeado em comissão, em termos transitórios, um agente político.

2. O Juiz como Agente do Estado

Como já se viu, retro (Capítulo I), ao analisar as atividades funções do Estados, estas se desenvolvem em três níveis distintos, correspondendo à tricotomia clássica. Assim, o esquema subjuntivo Estado-poder-serviço público-serviço judiciário aparece como uma concepção perfeita na natureza e dos característicos essenciais da atividade ora sob enfoque.

De conseguinte, "o ato judicial é, antes de tudo, um ato público, ato de pessoa que exerce o serviço público judiciário", diz CRETELLA JÚNIOR [11].

Neste sentido, continua o administrativista, equipara-se ao funcionário público e magistrado, para efeitos de responsabilidade. Quando se fala, assim, em Estado-jurisdição, se está falando em Estado-juiz.

A atividade do juiz, pois, é atividade judiciária, lato sensu; não é ele, contudo, o único a exercitar uma atividade judiciária suscetível de causar danos civilmente reparáveis pelo Estado ( em tese): os serventuários de justiça, os membros do MP, os advogados de ofício e os componentes da Polícia Judiciária também exercem tal tipo de atividade. O recorte aqui pretendido, todavia, deve excluir os seus demais exercentes, abordando-se somente o que diz com a atividade do juiz togado. Essa atividade, chamada de judiciária enquanto genus, deve distinguir-se da atividade jurisdicional propriamente dita.

3. O Juiz não é Funcionário Público

No momento em que o Congresso Nacional examina propostas de emenda à Constituição que alteram a situação dos juizes ativos e inativos, é imperioso refletir da importância de preservar garantias de independência dos magistrados brasileiros, sob pena, inclusive, de desfigurar-se todo um Poder do Estado.

É necessário, pois, compreensão da sociedade ante o risco que corre o Judiciário de desfigurar-se como Poder, num atentado oblíquo à Constituição de 1988 e a seus princípios pétreos, como o da separação de poderes.

Se é certo que também os agentes políticos devem servir ao público, a expressão "servidor público" passou a ter conotação restrita em decorrência da CF/88 (antes, cabe recordar, eram funcionários públicos, cujo termo foi tão degenerado que a Assembléia Constituinte simplesmente preferiu alterá-lo) e não engloba, de modo algum, seja os agentes políticos do Poder Legislativo (senadores, deputados e vereadores), seja do Poder Executivo (presidente da República, ministros de Estado, governadores, secretários de Estado, prefeitos e secretários Municipais), seja do Poder Judiciário (juizes em todos os graus), seja, ainda, dos Tribunais de Contas e dos Ministérios Públicos, que envolvem a apologia do Quarto Poder esquecido por MONTESQUIEU.

Não se podem confundir garantias da Magistratura (e não propriamente do magistrado) com privilégios do indivíduo que veste a toga, quando tais garantias são dirigidas a preservar a isenção no ditar a Justiça e o Direito. Garantias estas, inclusive, que devem ser preservadas além da atividade do Juiz, sob pena de termos magistrados que ao final da carreira passem a buscar os meios para que suas condições de vida e de sua família, muitas vezes privada da sua presença diuturna, e se descuide seja com a tutela que caiba proferir, seja mesmo com a isenção que deve possuir.

O resultado pode ser, no futuro, a destruição do Poder Judiciário nacional, que apesar de todas as dificuldades, da falta de magistrados e do acúmulo de demandas, muito serviço para poucas condições, continua a envergar a credibilidade junto à sociedade da isenção de seus integrantes; talvez sucumba a própria tripartição do Poder do Estado, passando o Judiciário a ser mera autoridade judiciária submetida aos devaneios e vaidades dos detentores do Poder temporário, quando exatamente por isso somos detentores da vitaliciedade - vejam o Judiciário francês, incapaz de responder, como o Judiciário brasileiro, modelado em tal aspecto à semelhança do modelo anglo-saxão, aos devaneios do Poder Público, notadamente da Administração. No futuro, sem garantias de independência, passando os magistrados à condição de "servidores públicos", pouco poderão fazer para resguardar garantias dos indivíduos, se as próprias já não as terão.

E falando em vitaliciedade, cabe enaltecer exatamente esta condição, que não é detida seja pelos agentes políticos de caráter temporário dos demais Poderes do Estado, seja dos servidores públicos (tão chamados à semelhança), eis que ser vitalício pressupõe que mesmo a inatividade conserva o sujeito como Juiz, e como tal detentor de todas as garantias deferidas aos ativos que não sejam incompatíveis com o afastamento da função judicante por jubilamento, mas que assim se tornam plenamente compatíveis com a condição de magistrado, que perdura. Ser o magistrado vitalício o coloca na situação de não curvar-se de tempos em tempos a vontades de quem quer que seja para manter-se na atividade judicante; ser livre para julgar conforme apenas sua consciência e a interpretação justa do Direito positivado na Constituição e nas leis com ela conformes.

Por isso, mesmo que se passe a considerar os magistrados equiparados aos servidores públicos, acredito que a argüição de afronta ao artigo 95, III, da CF/88, por combinação com o inciso I do mesmo artigo, surtiria efeito, porque seria triste imaginar que o Supremo Tribunal Federal pretendesse romper a tradição secular republicana e acabasse por destruir o pilar mais firme da Democracia: o Judiciário isento a quaisquer pressões, sejam políticas, sejam econômicas, de quem quer que seja. Mas então, o desgaste será tanto que ficará difícil a qualquer magistrado explicar ao cidadão comum que não era marajá nem gozava de privilégios, mas de garantias destinadas à própria sociedade.

Por isso, é hora de todos (mesmo alguns juizes) conscientizarem-se de que são os magistrados agentes políticos do Estado, com a missão de julgar e declinar interpretações da Lei sobre o Direito aplicável, no tentar enunciar preceitos justos, a cada causa, ainda quando envolva poderosos e fracos, ou o próprio Poder Público. Por isso são os magistrados vitalícios, e por isso têm garantias que não se estendem a outros agentes políticos nem a servidores públicos, que com os juizes não se confundem, tanto assim que os servidores públicos se curvam a ordens, e os demais políticos se curvam às decisões judiciárias, enquanto os magistrados se curvam apenas a suas consciências e aos ditames do Direito estabelecido conforme a Constituição, eis que só a eles deferiu a Carta Magna a atribuição maior de dizer o Direito e a Justiça, só a eles deferiu jurisdição.

Vejam, pois, que as propostas de emendas constitucionais, nos dispositivos que acabam com a irredutibilidade dos vencimentos quando passa o magistrado vitalício à inatividade fere, sobretudo, a separação dos poderes, porque submete magistrados à condição de meros servidores públicos obrigados a obedecer comandos de outros, ferindo, assim, toda a independência com que deve atuar o Judiciário e seus órgãos.

Também por tudo isso repugna a idéia de perseguirem alguns magistrados regalias, reajustes ou concessões quaisquer dadas a servidores públicos em geral, algo que não são — se os vencimentos já não expressam a função especial que desempenham, não é com reivindicações junto aos chefes dos Executivos que se deve acorrer, porque a estes nenhum magistrado se deve curvar.

A magistratura enseja Estatuto próprio (artigo 93 da Constituição) e não sujeito a normas subsidiárias extraídas de estatutos do funcionalismo, quaisquer que sejam.

Não são os juizes servidores públicos, ainda que devam bem servir ao público na função de julgar. São os magistrados agentes políticos do Estado, órgãos do Poder Judiciário, pilares da Democracia, garantias do indivíduo frente ao Poder Público e guardiães da própria legalidade e da harmonia entre os Poderes do Estado.

Diminuir tal condição é menosprezar a história, perigosamente submeter juizes, hoje livres no agir em defesa da Justiça e do Direito, às vontades de algum príncipe de plantão.


CAPÍTULO III: DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO OU EXTRACONTRATUAL DO ESTADO NO DIREITO BRASILEIRO

O comportamento unilateral comissivo ou omissivo do Estado legítimo ou ilegítimo, material ou jurídico, pode causar dano à pessoa ou ao seu patrimônio. Em razão disso cabe perguntar: O Estado tem que recompor, integralmente, os gravames de ordem patrimonial infligidos à vitima de sua ação ou abstenção lesiva? Na obrigatoriedade, ou não, de restaurar o patrimônio ofendido reside o problema da Responsabilidade Civil do Estado.

Não se trata de responsabilidade oriunda de ajustes celebrados pela Administração Pública contra terceiros, denominada responsabilidade contratual (nesta a responsabilidade está fixada e se resolve com base nas cláusulas do contrato) ou de responsabilidade criminal (as pessoas jurídicas, públicas ou privadas, não cometem contravenções ou crimes, embora seus agentes, causadores diretos do dano, possam cometê-los). Também não diz respeito à obrigação de indenizar, que cabe ao Estado pelo legítimo exercício de poderes contra direito de terceiros, como ocorre na desapropriação e, algumas vezes, na servidão, conforme inteligentemente observado por CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELO: "cuida-se, isto sim da responsabilidade patrimonial do Estado, responsabilidade extracontratual do Estado ou Responsabilidade Civil do Estado, em face de comportamento unilaterais, comissivos ou omissivos, legais ou ilegais, materiais ou jurídicos, que lhe são atribuídos " [12].

Tal responsabilidade, como ocorre no Direito Privado, traduz-se na obrigação de reparar os danos patrimoniais causados a terceiros, e se exaure com a satisfação ou pagamento da correspondente indenização [13], conforme prescrevem os arts. 1.059 e seguintes do Código Civil, aplicáveis à Administração Pública. Ainda, diga-se, nos termos do art. 1.518 desse mesmo código, que se a responsabilidade de indenização decorrer de ato ilícito, todos autor e co-autores respondem solidariamente (cada co-obrigado pode per si ser compelido ao pagamento total da obrigação), sejam ou não pessoas físicas.

1. Noções de responsabilidade estatal extracontratual

Celso Antônio Bandeira de Mello define a responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado como sendo "a obrigação que lhe incumbe de reparar economicamente os danos lesivos à esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis em decorrência de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos" [14].

"A idéia de responsabilidade do Estado é uma conseqüência lógica inevitável da noção de Estado de Direito" [15]. Em se reconhecendo a sujeição de todos, pessoas físicas ou jurídicas, de Direito Público ou de Direito Privado, ao ordenamento jurídico, aceita-se o dever de responder por conduta que venha a transgredir a esfera de proteção jurídica alheia. Tratando-se de comportamento ofensivo com sujeito ativo estatal deve-se garantir "uma equânime repartição dos ônus resultantes do evento danoso, evitando que uns suportem prejuízos oriundos de atividades desempenhadas em prol da coletividade" [16].

Por conseguinte, a responsabilidade extracontratual do Estado fundamenta-se no princípio da isonomia, porque não é justo que danos decorrentes de desempenho de funções públicas prejudiquem apenas alguns indivíduos, visto que visam ao interesse da coletividade. Daí a necessidade de, tendo em vista o restabelecimento do equilíbrio social, indenizar o prejudicado às custas da Fazenda Pública.

A responsabilidade civil extracontratual do Estado está regulada na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 37, § 6º. É importante frisar que, em se tratando de pessoa jurídica de Direito Público, as vontades e ações do Estado são manifestadas nas ações e vontades de seus agentes, quando revestidos desta qualidade. Assim, conforme preleciona MARIA HELENA DINIZ, "a relação entre a vontade e a ação do Estado e de seus agentes é de imputação direta dos atos dos agentes ao Estado, por isso tal relação é orgânica" [17].

2. Responsabilidade objetiva e a teoria do risco administrativo

A responsabilidade civil do Estado por atos comissivos ou omissivos de seus agentes possui natureza objetiva, já que independe de comprovação de culpa lato sensu. Consoante os ensinamentos de Hely Lopes Meirelles, a doutrina da responsabilidade objetiva do Estado admite três teorias distintas: a teoria da culpa administrativa, a teoria do risco administrativo e a teoria do risco integral. [18] Devido ao prestígio de que goza a teoria do risco administrativo no ordenamento jurídico brasileiro desde a Carta Política de 1946, apenas esta teoria objetiva será abordada no presente trabalho.

Todavia, é importante frisar que houve, na doutrina pátria, uma evolução da responsabilidade civilística, prescrita no artigo 15 do Código Civil e fundada na culpa do funcionário e nos princípios da responsabilidade por fato de terceiro, até a moderna teoria do risco administrativo.

Em virtude de virtude de sua "infra-estrutura material e pessoal para a movimentação da máquina judiciária e de órgãos que devam atuar na apuração da verdade processual" [19], a responsabilidade objetiva é a única capaz de coexistir com a posição do Poder Público ante os seus governados.

A administração pública, no exercício de suas atividades, cria situações de risco para os administrados. Posto que tal atividade é exercida em prol da coletividade, os encargos decorrentes devem ser suportados pela própria coletividade representada na pessoa do Estado. A teoria do risco administrativo surge, nesse sentido, como expressão concreta do princípio da igualdade no Estado Democrático de Direito.

Esclarece CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA que "se o funcionamento do serviço público, bom ou mau não importa, causou um dano, este deve ser reparado. Desta sorte, distribuem-se por toda a coletividade as conseqüências danosas do funcionamento do serviço público. É a forma única democrática de repartir o ônus e encargos sociais" [20].

Cumpre ressaltar, contudo, que apesar da prescindibilidade da comprovação de culpa, é preciso que se verifique nexo de causalidade entre a ação ou omissão administrativa e o dano sofrido pelo administrado.

2. Fundamento do Instituto da Responsabilidade Civil do Estado

O fundamento da Responsabilidade Civil do Estado é bipartido, conforme seja ela decorrente de atos lícitos ou ilícitos.

No caso dos atos lícitos (construção de um calçadão que interessa à coletividade, não obstante impeça a utilização de um prédio, construído e regularmente utilizado como garagem, o fundamento é o princípio da distribuição igualitária do ônus e encargos que estão sujeitos os administrados (RDA, 190:194). Destarte, se o serviço ou a obra é de interesse público, mas, mesmo assim, causa dano a alguém, toda a comunidade deve responder por ele, e isso se consegue através da indenização. Para tanto todos concorrem, inclusive o prejudicado, já que este, como os demais administrados, também paga tributos.

Se se tratar de atos ilícitos (descumprimento da lei), o fundamento é a própria violação da legalidade, como ocorre quando o Estado interdita indústria poluente e ao depois se verifica que, em absoluto, era ela poluente. Nesse exemplo, o Estado cometeu uma ilegalidade e, por ter praticado ato ilícito do qual decorreu o dano, vê-se na contingência de ressarcir a vítima.

A par disso ressalta-se que a obrigação de indenizar está na lei ou na Constituição. Entre nós, está consubstanciada na Constituição Federal, art. 37, §6.º, e seu dispositivo tem servido de modelo para as Constituições Estaduais.

3. Evolução Histórica

Em termos de evolução da obrigatoriedade que o Estado tem de recompor o patrimônio diminuído em razão de seus atos, a Administração Pública viveu fases distintas, indo da irresponsabilidade para a responsabilidade com culpa, civil ou administrativa, e desta para a responsabilidade sem culpa, nas modalidades do risco administrativo e do risco integral.

A Responsabilidade Civil do Estado vigorou de início em todos os Estados, mas notabiizou-se nos absolutistas. Nestes, negava-se tivesse a Administração Pública a obrigação de indenizar os prejuízos que seus agentes, nessa qualidade, pudessem causar aos administrados.

A vigência dessas máximas, se de um lado indicava a irresponsabilidade do Estado, de outro não significava o desamparo total dos administrados. O rigor da irresponsabilidade civil do Estado era quebrado por leis que admitiam a obrigação de indenizar em casos específicos, a exemplo de certa lei francesa que admitia a recomposição patrimonial por danos oriundos de obras públicas e de outra que acolhia a responsabilidade por danos resultantes de atos e de gestão do domínio privado do Estado. A par disso, admitia-se a responsabilidade do agente público quando o ato lesivo pudesse ser atribuído diretamente a ele. O Princípio da Responsabilidade dos Agente Públicos, em lugar da responsabilidade do Estado, foi consagrado, entre nós, na Constituição de 1824, no item 29 do art. 179, ressalvado o Imperador, que não estava submetido a qualquer responsabilidade, nos termos do art. 99 dessa Lei Maior.

A teoria da responsabilidade patrimonial do Estado está inteiramente superada. As últimas nações a sufragar a doutrina da responsabilidade foram os Estados Unidos da América do Norte, em 1946, e a Inglaterra, em 1947. Hoje, diz CELSO BANDEIRA DE MELLO: "Todos os povos, todas as legislações, doutrina e jurisprudência universais, reconhecem em consenso pacífico, o dever estatal de ressarcir as vítimas de seus comportamentos danosos" [21].

O estágio da responsabilidade com culpa cível do Estado, também chamada de responsabilidade subjetiva do Estado, instaura-se sob a influência do liberalismo, que assemelhava, para fim de indenização, o Estado ao indivíduo. Por esse artifício o Estado tornava-se responsável e, como tal, obrigado a indenizar sempre seus agentes que houvessem agido com dolo ou culpa. O fulcro, então, da obrigação de indenizar era culpa do agente. É a teoria da culpa civil. Essa culpa ou dolo do agente público era a condicionante da responsabilidade patrimonial do Estado. Sem ela incorreria a obrigação de indenizar. O Estado e o indivíduo eram, assim, tratados de forma igual. Ambos, em termos de responsabilidade, respondiam conforme o Direito Privado, isto é, se houvessem se comportado com culpa ou dolo. Caso contrário, não respondiam.

Os conceitos de culpa e dolo eram os mesmos do Direito Privado. O agente público atua com culpa quando age com imprudência, imperícia, negligência ou imprevisão e causa um prejuízo a alguém. Eis aí, a noção de culpa. Dolo, de outra parte, é a vontade consciente do agente público voltada para a prática de um ato que sabe ser contrário ao Direito. Ambos os comportamentos impunham ao Estado a obrigação de indenizar.

Essa doutrina foi acolhida pelo nosso ordenamento através do art. 15 do Código Civil, que assim, dispõe:

"Art.15 – As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos de seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito em lei, salvo o direito regressivo contra os causadores dos danos".

Este preceito vigorou sozinho até o advento da Constituição da República de 1946. A partir daí começou a viger a responsabilidade sem culpa ou responsabilidade objetiva.

A solução civilista, preconizada pela teoria da responsabilidade patrimonial com culpa, embora representasse um progresso em relação à teoria da irresponsabilidade patrimonial do Estado, não satisfazia os interesses de justiça. De fato, exigia muito dos administrados, pois o lesado tinha que demonstrar, além do dano, a situação culposa do agente estatal. Torna-se, assim, inaplicáveis, em sua pureza, os princípios da culpa civil, para obrigar o Estado a responder pelos danos que seus servidores pudessem causar aos administrados.

Em razão disso, procurou-se centrar a obrigação de indenizar na culpa do serviço ou, segundo os franceses, na faute du service. Ocorre a culpa do serviço sempre que este não funcionava mal (devendo funcionar bem) ou funcionava atrasado (devendo funcionar tempo). Era a teoria da culpa administrativa ou da culpa anônima (não se tem o causador direto do dano), que recebeu de HELY LOPES MEIRELLES o seguinte comentário: "A teoria da culpa administrativa representa o primeiro estágio da transição entre a doutrina subjetiva da culpa civil e a tese objetiva do risco administrativo que a sucedeu, pois leva em conta a falta de serviço para dela indeferir a responsabilidade da Administração. É o estabelecimento do binômio falta de serviço – culpa da Administração. Já aqui não se indaga da culpa subjetiva do agente administrativo, mas perquire-se a falta objetiva do serviço em si mesmo, como fato gerador da obrigação de indenizar o dano causado a terceiro. Exige-se, também, uma culpa, mas uma culpa especial da Administração, a que se convencionou a chamar de culpa administrativa" [22].

O êxito do pedido de indenização ficava condicionado à demonstração, por parte da vítima, de que serviço se houvera com culpa. Assim, cabia-lhe demonstrar, além do dano, a culpa do serviço, e isso ainda era muito, à vista dos anseios de justiça. Procurou-se, destarte, novos critérios que, de forma objetiva, tornassem o Estado responsável patrimonialmente pelos danos que seus servidores pudessem causar aos administrados.

Dessa procura surge, sob a inspiração das decisões do Conselho de Estado Francês, a teoria da responsabilidade patrimonial objetiva, teoria do risco administrativo, ou, simplesmente, teoria objetiva, que amplia a proteção do administrado. Por essa teoria, a obrigação de o Estado indenizar o dano surge, tão só do ato lesivo de que ele, Estado, foi causador – não se exige culpa do agente público, nem a do serviço. É suficiente a prova da lesão que esta foi causada por agente da Administração Pública. A culpa é indeferida do fato lesivo, ou vale dizer, decorrente do risco que a atividade pública gera para os administrados. Esse rigor é suavizado mediante a prova, feita pela Administração Pública, de que a vítima concorreu, parcial a totalmente, para o evento danoso, ou de que este não teve origem em um comportamento do Estado (foi causado por um particular). Essas circunstâncias, conforme o caso, liberam o Estado, total ou parcialmente, da responsabilidade de indenizar. Nessa permissão para o Estado provar que não foi o causador do dano ou que a culpa cabe a vítima está a diferença entre a teoria do risco integral e a teoria do risco administrativo, como ensinam alguns autores.

Por teoria do risco integral entendem a que obriga o Estado a indenizar todo e qualquer dano, desde que envolvido no respectivo evento. Não se indaga, portanto, a respeito da culpa vítima na produção do evento danoso, nem se permite qualquer prova visando elidir essa responsabilidade. Basta para concretizar a obrigação de indenizar, o simples envolvimento do Estado no evento.

Por fim, diga-se que, se tais teorias obedecerem a essa cronologia, não quer isso dizer que hoje só vigore a última a aparecer no cenário jurídico dos Estados, isto é, a teoria da responsabilidade patrimonial objetiva do Estado ou teoria do risco administrativo. Ao contrário em todos os Estados acontecem ou estão presentes as teorias da culpa administrativa e do risco administrativo, desprezadas as da irresponsabilidade e do risco e do risco integral. Aquela (culpa administrativa) se aplica, por exemplo, para responsabilizar o Estado quando danos decorrentes de casos fortuitos ou força maior, em que o Estado indenizar se tiver se omitido em comportamentos impostos por lei. Esta (risco administrativo), nos demais casos.

4. Exclusão da Responsabilidade

Por certo não há se de admitir sempre a obrigação de indenizar do Estado. Com efeito, o dever de recompor os prejuízo só lhe cabe em razão de comportamentos danosos de seus agentes e, ainda assim, quando a vítima não concorreu para o dano. De sorte que nem se cogita da responsabilização do Estado por dano decorrente de ato de terceiro (RDA, 133:199) ou de fato de natureza (vendaval, inundação). Isso é mais que óbvio. Em suma, diz-se que não cabe responsabilidade do Estado quando não se lhe pode atribuir o ato danoso. Mas costuma-se afirmar que em duas hipóteses o Estado não tem que indenizar.

A primeira diz respeito a acontecimento imprevisível e irresistível, causado por força externa ao Estado, do tipo tufão e da nevasca (caso fortuito). Destarte, demonstrado que o dano é uma decorrência de acontecimentos dessa ordem, não o Estado que indenizar, dado ter sido ele o causador do dano, conforme decisões de nossos Tribunais, a exemplo do STF (RDA, 128:554) e o Tribunal de Justiça e de São Paulo (RT, 509:141). Assim, demonstrado o estado de imprevisibilidade e de irresistibilidade do evento danoso, nada mais é necessário para liberar a Administração Pública da obrigação de indenizar o dano sofrido pela vítima.

A segunda diz respeito aos casos em que a vítima concorreu, parcial ou totalmente, para o evento danoso. Provado, pois que a vítima participar, de algum modo, para o resultado gravoso, exime-se o Estado da obrigação de indenizar, na mesma proporção, sua responsabilidade será parcial ou total conforme tenha sido, numa ou noutra dessas direções, a colaboração das vítima no evento (RJTJSP, 85:140; RT, 550:106 e REsp. 13.0369-MS, Boletim de Direito Administrativo, mar. 1993.)

5. Características do Dano Reparável

O dano ou prejuízo é resultado da ação danosa, no caso, do Estado. É a perda ou prejuízo patrimonial sofrido por alguém, em decorrência de ato ou fato estranho à sua vontade. Se causado pela própria vítima, não configura a responsabilidade, salvo situação especialissíma (bens tombados).

Ademais, o dano só é reparável pela Administração Pública causadora do evento danoso se for certo (possível, real, efetivo, presente – excluí-se, pois dano eventual, isto é, o que poderá acontecer), especial (individualizado, referido à vítima, pois, se geral configuraria ônus comum à vida em sociedade), anormal (excedente dos inconvenientes naturais dos serviços e encargos decorrentes da destruição de uma plantação de maconha) e de valor economicamente apreciável (não tem sentido a indenização de dano de valor econômico irrisório).

O dano que apresentar, ao mesmo tempo, essas características não é reparável pelo Poder Público que lhe deu causa.

A reparação do dano causado pela Administração a terceiros obtém-se amigavelmente ou por meio da ação de indenização, e, uma vez indenizada a lesão da vítima, fica a entidade pública com o direito de voltar-se contra o servidor culpado para haver dele o despendido, através da ação de regressiva autorizada pelo §. 6.º do art. 37 da Constituição Federal.

O legislador constituinte bem separou as responsabilidades: o Estado indeniza a vítima; o agente indeniza o Estado, regressivamente.

5.1. Ação de Indenização

Para obter a indenização basta que o lesado acione a Fazenda Pública e demonstre o nexo causal entre o fato lesivo (comisso ou omissivo) e o dano, bem como seu montante. Comprovados esses dois elementos, surge naturalmente a obrigação de indenizar. Para eximir-se dessa obrigação incumbirá à Fazenda Pública comprovar que a vítima concorreu com culpa ou dolo para o evento danoso. Enquanto não evidenciar a culpabilidade da vítima, subsiste a responsabilidade da Administração. Se total a culpa da vítima, fica excluída a responsabilidade da Fazenda Pública; se parcial, reparte-se o quantum da indenização

5.2. Ação Regressiva

A ação regressiva da Administração contra o causador direto do dano está instituída pelo § 6.º do art. 37 da Constituição Federal como mandamento a todas as entidades públicas e particulares prestadoras de serviços públicos. E, quanto aos servidores da União, a Lei Federal 4.619, de 28.04.65, impõe seu ajuizamento pelo Procurador da República, dentro de sessentas dias da data em que transitar em julgado a condenação imposta à Fazenda (arts. 1.º e 2.º), sob pena de incidir em falta funcional (art. 3.º). Para o êxito desta ação exigem-se dois requisitos: primeiro, que a Administração já tenha sido condenada a indenizar a vítima do dano sofrido; segundo, que se comprove a culpa do funcionário no evento danoso. Enquanto para a Administração a responsabilidade independente da culpa, para o servidor a responsabilidade depende da culpa: aquela é objetiva, esta é subjetiva e se apura pelos critérios gerais do Código Civil.

6. Responsabilidade Civil e a Constituição Federal de 88

Com a promulgação do texto da Carta Política de 1988 houve, de forma expressiva, um avanço nos direitos e garantias da cidadania. Isso decorreu dos anseios da sociedade, reprimidos pelos longos e tristes trinta anos de ditadura que perduraram em nosso país. [23]

As prerrogativas consolidadas pela Carta Magna de 1988, no que pertine aos direitos e garantias fundamentais, ressurgiu que estava com pouco uso em nosso País, quase esquecido, o instituto da Responsabilidade Civil, segundo o qual o ressarcimento à vítima dos atos ilícitos contra ela praticados está se tornando cada vez mais comum nos diversos fóruns brasileiros.

6.1. O § 6.º do art. 37 da Constituição Federal

O § 6.º do art. 37 da Constituição Federal seguiu a linha traçada nas Constituições anteriores, e, abandonando a privatística teoria subjetiva da culpa, orientou-se pela doutrina o Direito Público e manteve a responsabilidade civil objetiva da Administração, sob a modalidade do risco administrativo. Não chegou, porém, aos extremos do risco integral.

Dispõe o § 6.º do art. 37: " As pessoas jurídicas de Direito Público e as de Direito Privado prestadoras de serviço público responderão pelos danos de seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".

O exame deste dispositivo revela que o constituinte estabeleceu para todas as entidades estatais e seus desmembramentos administrativos a obrigação de indenizar o dano causado a terceiros por seus servidores, independentemente da prova de culpa no cometimento da lesão. Firmou-se, assim, o princípio da responsabilidade sem culpa pela atuação lesiva dos agentes públicos e dos delegados.

Entendemos, assim que respondem objetivamente o Estado, pelos danos que seus empregados nessa qualidade, causem a terceiros, pois não é justo e jurídico que só a transferência da execução de uma obra ou serviço originariamente público a particular descaracterize sua intrínseca estatal e libere o executor privado das responsabilidades que teria o Poder Público se o executasse diretamente, criando maiores ônus de prova ao lesado.

É o que relata o recurso do 1.º TACivSP, onde se reconheceu, por unanimidade, a responsabilidade objetiva da Cia. Doca de Santos pelos danos causados a importador em razão de perecimento das mercadorias guardadas nos armazéns daquela concessionário, independentemente da perquirição de culpa de sua parte (Ap. 62.102).

Portanto, a Constituição atual usou acertadamente o vocábulo agente, no sentido genérico de servidor público, abrangendo, para fins de responsabilidade civil, todas as pessoas incumbidas da realização de algum serviço público, em caráter permanente ou transitório. [24] O essencial é que o agente da Administração haja praticado o ato ou omissão administrativa no exercício de suas atribuições ou a pretexto de exercê-las. Para a vítima é indiferente o título pelo qual o causador direto do dano esteja vinculado a Administração; o necessário é que se encontre a serviço do Poder Público, embora atue fora ou além de sua competência administrativa. [25]

Destarte, o legislador constituinte só cobriu o risco administrativo da atuação ou inação dos servidores públicos; não responsabilizou objetivamente a Administração por atos predatórios de terceiros, nem por fenômenos naturais que causem danos aos particulares. Para a indenização destes atos e fatos estranhos à atividade administrativa observa-se o princípio geral da culpa civil, manifestada pela imprudência, negligência ou imperícia na realização do serviço público que causou ou ensejou o dano. Daí por que a jurisprudência, mui acertadamente, tem exigido a prova da culpa da Administração nos casos de depredações por multidões [26] e de enchentes e vendavais que, superando os serviços públicos existentes, causam danos aos particulares (casos fortuitos ou de força maior). [27] Nestas hipóteses, a indenização pela Fazenda Pública só é devida se se comprovar a culpa da Administração. E na exigência do elemento subjetivo da culpa não há qualquer afronta no princípio objetivo da responsabilidade sem culpa, estabelecido no art. 37, § 6.º, da Constituição Federal, porque o dispositivo constitucional só abrange a atuação funcional dos servidores públicos, e não os atos de terceiros e fatos da natureza. Para situações diversas, fundamentos diversos.


CAPÍTULO IV: RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO DECORRENTES DE ATOS JUDICIAIS

A antiga tese da irresponsabilidade do prejuízo causado pelo ato judicial danoso vem, aos poucos, perdendo terreno para a da responsabilidade objetiva, que impede de culpa do agente, consagrada na Constituição Federal.

Durante muito tempo entendeu-se que o ato do juiz é uma manifestação da soberania nacional. O exercício da função jurisdicional se encontra acima da lei e os eventuais desacertos do juiz não poderão envolver a responsabilidade civil do Estado. No entanto, soberania não quer dizer irresponsabilidade. A responsabilidade estatal decorre do princípio da igualdade dos encargos sociais, segundo o qual o lesado fará jus a uma indenização toda vez que sofrer um prejuízo causado pelo funcionamento do serviço público.

A independência da magistratura também não é argumento que possa servir de base à tese de irresponsabilidade estatal, porque a responsabilidade seria do Estado e não atingiria a independência funcional do magistrado. Igualmente, não constitui obstáculo a imutabilidade da coisa julgada. Segundo JOÃO SENTO SÉ, a coisa julgada tem um valor relativo: "... se o que impede a reparação é a presunção de verdade que emana da coisa julgada, a prerrogativa da Fazenda Pública não pode ser absoluta, mas circunscrita à hipótese de decisão transitada em julgado. Logo, se o ato não constitui coisa julgada, ou se esta é desfeita pela via processual competente, a indenização é irrecusável." [28]

Cumpre distinguir as diversas atividades desenvolvidas no âmbito do Poder Judiciário. O gênero "funções Judiciais" comporta diversas espécies, como as funções jurisdicionais (contenciosas ou voluntárias) e as "administrativas". Neste último caso, o juiz ou o tribunal atua como se fosse um agente administrativo. É quando, por exemplo, concede férias a servidor, realiza concurso para provimento de cargos ou faz tomada de preços para a aquisição de materiais ou prestação de serviços. A responsabilidade do Estado, então, não difere da dos atos da Administração Pública.

A propósito, preleciona YUSSEF SAID CAHALI: "Como Poder autônomo e independente, com estrutura administrativa própria e serviços definidos, o Judiciário, pelos seus representantes e funcionários, tem a seu cargo a prática de atos jurisdicionais e a prática de atos não-jurisdicionais, ou de caráter meramente administrativo: quanto a estes últimos, os danos causados a terceiros pelos servidores da máquina judiciária, sujeitam o Estado à responsabilidade civil segundo a regra constitucional, no que se aproximam dos atos administrativos, em seu conteúdo e na forma ( Themístocles Brandão Cavalcanti." [29]

A atuação judiciária propriamente dita, a atividade jurisdicional típica de dizer o direito no caso concreto contenciosos ou na atividade denominada de jurisdição voluntária sujeita o magistrado à responsabilidade de que trata o art. 133, II, do Código de Processo Civil, reproduzido, na sua essência e com pequena alteração de redação, no art. 49 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional. [30]

Nesse campo, cabe ainda outra distinção: saber se o ato foi praticado no exercício regular da função jurisdicional, ou se o juiz exorbitou dela. Observa CAHALI que a jurisprudência de nossos tribunais, nas mais diversas submetidas a julgamento, timbra em reconhecer a irresponsabilidade civil do Estado pelas falhas do aparelhamento judiciário. No seu entender, tem-se associado a responsabilidade civil do Estado à responsabilidade civil do juiz, quando é certo que aquela responsabilidade deve ser perquirida no contexto mais amplo, nele se inserindo a questão da responsabilidade. pelos atos judiciais danosos. Analisando separadamente as situações que eventualmente podem causar danos aos particulares, conclui:

1 – "No caso do erro judiciário", a regra específica do art. 630 do Código de Processo Penal, com o elastério preconizado anteriormente, resolve a problemática da responsabilidade civil do Estado pela reparação dos danos. Do mesmo modo, os casos de danos resultantes do abuso da autoridade judiciária da Lei 4.898, de 9-12-65, a responsabilidade reparatória estende-se à Fazenda Pública" [31]

2 - Quando o juiz, no exercício de suas funções, "proceder com dolo ou fraude", ou "recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte" a sua responsabilidade por perdas e danos ( art. 133 do Código de Processo Civil) não exclui a co-respondabilidade objetiva e direta do Estado, a teor do art. 107 da Constituição da república, pela sua reparação. Nesses casos, diz-se, há provisão legal explícita.

3 – "Nos demais casos de danos ocasionados aos administrados pelo órgão do Estado investido das funções judiciais, admissível o reconhecimento da responsabilidade civil do Estado" sem que isto moleste a soberania do Judiciário ou afronte o princípio da autoridade da coisa julgada ( aspectos, na realidade, impertinentes, para referendar a tese da irresponsabilidade), a pretensão indenizatória se legitima naquele casos de culpa anônima do serviço judiciário, de falhas do aparelhamento encarregado da distribuição da Justiça, envolvendo inclusive as deficiências pessoais dos magistrados recrutados; assim, nos casos de morosidade excessiva da prestação jurisdicional com equivalência à própria denegação da Justiça, de "erros grosseiros" dos juizes, relevados sob o pálio candente da falibilidade humana. Em tais casos, a regra constitucional do art. 107 assegura o direito à indenização dos danos efetivamente verificados."

Em princípio, o fato jurisdicional regular não gera a responsabilidade civil do Estado. A esse propósito, anota CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA: "... força é concluir que o fato jurisdicional regular não gera responsabilidade civil do juiz, e portanto a ele é imune o Estado. Daí a sentença de Aguiar Dias, que bem o resume, ao dizer que, segundo a doutrina corrente, os atos derivados da função jurisdicional "não empenham a responsabilidade do Estado, salvo as exceções expressamente estabelecidas em lei"( "Da Responsabilidade Civil", vol. II, n. 214)." [32] Assim, o simples fato de alguém perder uma demanda e com isso sofrer prejuízo, sem que tenha havido erro, falha ou demora na prestação jurisdicional não autoriza a responsabilização do Estado pelo ato judicial.

A distinção entre a responsabilidade pessoal dos magistrados e a do Estado é bem lembrada por ARRUDA ALVIM: "Se, de uma parte, é bastante restrita a responsabilidade pessoal dos juizes, o que não exclui a responsabilidade civil do Estado, naquelas hipóteses em que se configure a responsabilidade do Estado, prescindindo-se da responsabilidade civil do juiz, de índole pessoal, é algo mais ampla. Na realidade, entende-se com doutrina corrente que o Estado há de ser responsável por atos dos juizes pelo que estes, pessoalmente, todavia também o sejam, nos casos expressos em lei". [33]

MÁRIO MOACYR PORTO, depois de indagar quem deve arcar com o ônus da indenização quando a lei ordinária for omissa quanto à obrigatoriedade de indenizar o prejuízo resultante do ato do juiz e não apontar o responsável, responde: "A omissão da lei não implica a exoneração do dever de indenizar. O prejuízo, em face dos arts. 15 e 159 do CC, deve ser ressarcido, além de que é princípio universal de Direito que todo dano injusto deve ser indenizado. Se a lei não informa quem deve pagar o prejuízo, cabe ao Estado indenizar, pois o juiz, como já dissemos, é um funcionário público em sentido lato, que somente responde pessoalmente e diretamente pelos danos que resultarem da sua conduta ilícita quando a lei expressamente o declarar, assegurada ao Estado a obrigatoriedade da ação regressiva, aludida no parágrafo único do art. 107 da Constituição e art. 1º da Lei 4.619, de 28-04-65" [34].

Vale a pena transcrever a síntese conclusiva de JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, ao sustentar a tese da responsabilidade do Estado por atos judiciais em sentido amplo, fundamentando-se em princípios publicísticos, que informam o moderno direito administrativo dando como válidas para o sistema jurídico brasileiro as seguintes proposições: a) a responsabilidade do Estado por atos judiciais é espécie do gênero responsabilidade do Estado por atos decorrentes dos serviço público; b) as funções do Estado são funções públicas, exercendo-se pelos três poderes; c) o magistrado é órgão do Estado; ao agir, não age em seu nome, mas em nome do Estado, do qual é representante; d) o serviço público judiciário pode causar danos às partes que vão a juízo pleitear direitos, propondo ou contestando ações ( cível); ou na qualidade de réus (crime); e) o julgamento, quer no crime, quer no cível, pode consubstanciar-se no erro judiciário, motivado pela falibilidade humana na decisão; f) por meio dos institutos rescisório e revisionista é possível atacar-se o erro judiciário, de acordo com as formas e modos que alei prescrever, mas se o equívoco já produziu danos, cabe ao Estado o dever de repará-los; g) voluntário ou involuntário, o erro de conseqüências danosas exige reparação, respondendo o Estado civilmente pelos prejuízos causados; se o erro foi motivado por falta pessoal do órgão judicante, ainda assim o Estado responde, exercendo a seguir o direito de regresso sobre o causador do dano, por dolo ou culpa; h) provado o dano e o nexo causal entre este e o órgão judicante, o Estado responde patrimonialmente pelos prejuízos causados, fundamentando-se a responsabilidade do Poder Público, ora na culpa administrativa, o que envolve também a responsabilidade pessoal do juiz, ora no acidente administrativo o que exclui o julgador, mas empenha o Estado, por falha técnica do aparelhamento judiciário, ora no risco integral, o que empenha também o Estado, de acordo com o princípio solidarista dos ônus e encargos públicos [35]..

Discorrendo sobre o tema, em artigo publicado na RT, 652:29, JOSÉ GUILHERME DE SOUZA, também concorda em que, seja voluntário ou involuntário, todo erro que produza conseqüências danosas - em outras palavras, toda atividade judiciária danosa - deve ser reparado, respondendo o Estado civilmente pelos prejuízos, a ele assegurado o direito de regresso contra o agente público responsável pela prática do ato.

MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO também entende inadmissível afastar-se a responsabilidade do estado por atos jurisdicionais danoso, "porque podem existir erros flagrantes não só em decisões criminais, em relação às quais a Constituição adotou a tese da responsabilidade, como também nas áreas cível e trabalhista. Pode até ocorrer o caso em que o juiz tenha decidido com dolo ou culpa. Mesmo em caso de inexistência de culpa ou dolo - acrescenta - poderia incidir essa responsabilidade, se comprovado o erro da decisão. Nem seria, no seu entender, obstáculo a essa solução o argumento de que o reconhecimento de responsabilidade do Estado por ato jurisdicional acarretaria ofensa à coisa julgada, pois o fato de ser o Estado condenado a pagar indenização decorrente de dano ocasionado por ato judicial não implica mudança na decisão judicial. A decisão continua a valer para ambas as partes; a que ganhou e a que perdeu continuam vinculadas aos efeitos da coisa julgada, que permanece intangível. É o Estado que terá que responder pelo prejuízo que a decisão imutável ocasionou a uma das partes, em decorrência de erro judiciário". [36]

Verifica-se, em conclusão, que as mais modernas tendências apontam no sentido da admissão da responsabilidade civil do Estado pelos danos experimentados por particulares, decorrentes do exercício da atividade judiciária.

1. A Atividade Judiciária Danosa e a Responsabilidade do Estado

Ver-se-á agora que uma atividade judiciária danosa é suscetível, em tese, de engajar a responsabilidade do Estado, desde que um minimum necessário de requisitos esteja presente na situação que compõe a atividade lesiva.

Assim é que deve haver o dano; deve existir um nexo causal entre esse dano e a pessoa jurídica de Direito Público ( o Estado) causadora do dano, nexo esse que consiste na qualidade do agente público lato sensu da pessoa que, diretamente, provocou o prejuízo com a sua atividade; e o elemento subjetivo ( dolo ou culpa), que poderá ou não estar presente em cada caso.

As principais formas de atividade judiciária danosa são as elencadas a seguir.

1.1. Erro Judiciário

É o erro judiciário a mais conhecida das atividades judiciárias danosas, e isso por ser, acima de tudo, a mais espetacular, em função de ser a que mais gravemente lesiona e ofende os direitos individuais. Via de regra, ocorre na justiça criminal e consiste na aplicação, a uma pessoa posteriormente reconhecida inocente, de um gravame de grandes proporções, a ponto de atingir a vida, os bens, a honra e a família do lesado.

No erro judiciário, assim chamado porque a decisão jurisdicional configura um error in judicando, entendo cabível a ação regressiva contra o prolator daquela decisão, salvo a comprovação de erro invencível, plenamente justificado pelas circunstâncias.

O erro judiciário pode ocorrer também na esfera civil, caso em que é pressuposto da responsabilidade do dano a ação rescisória para desconstituição da sentença e comprovação do erro.

1.2. Denegação da Justiça

Configuram-se como denegação de justiça ( dêni de justice no Direito francês) as seguintes hipóteses:

1º ) quando o juiz nega a aplicação do direito;

2º ) quando o juiz nega a execução da sentença;

3º ) quando o juiz negligencia propositalmente o andamento de um processo.

Portanto, não se deve entender como denegação de justiça:

1º ) a má aplicação do direito;

2º ) a decisão injusta. A denegação de justiça, outrossim, deve constituir um dano grave e sério ao patrimônio e/ou moral do jurisdicionado.

A LICC, em seu art. 4.º estabelece que "quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito".

Por conseguinte, e não atendimento a esse preceito ( negativa de aplicação do direito) constitui denegação de justiça.

1.3. Serviço Judiciário Defeituoso

"Se o Estado", diz CRETELLA JÚNIOR, "responde, segundo antiga e interativa jurisprudência, pelos movimentos multitudinários, ou pelo fato das coisas do serviço público, independentemente de culpa, de seus agente, com maior razão deve responder por sua omissão ou negligência em prover eficazmente ao serviço da justiça, segundo as necessidades dos jurisdicionados, que lhe pagam impostos e taxas judiciárias para serem atendidos".

Ocorrendo, por exemplo, demora na tramitação de um processo, sem culpa do juiz, mas causada, ao contrário, por falhas e deficiências do aparato judiciário, representadas por sobrecarga e acúmulo de serviço, o Estado é integralmente responsável por tal acidente administrativo.

1.4. Dolo e Fraude do Juiz Responsabilidade Pessoal ou Responsabilidade do Estado.

Já foi analisado, linhas atrás, sob que formas e responsabilidade do Estado pode apresentar-se.

Quando se trata de casos de dolo ou culpa do juiz, existem dispositivos legais que procuram lançar aos ombros do julgador, exclusivamente, a responsabilidade pelo fato danoso na atividade judiciária, o que pode levar a interpretações dissociadas dos princípios publicísticos que regem a atividade do Estado.

Dolo e fraude, porque está necessariamente contida naquele: para se cometer uma fraude é necessário que se aja com dolo; depois, fraude é o que conota a ilegalidade do ato, dolo é a intenção por trás do ato.

Pessoalmente o juiz não é responsável. Nem pode ser. Responsável é o Estado. Juiz é órgão do Estado. Estado e juiz formam um todo indissociável. Se o magistrado causa dano ao particular, o Estado indeniza, exercendo depois o direito de regresso contra o causador do dano.

Hoje, todavia, já existe jurisprudência no sentido de que é facultado ao lesado optar entre acionar a administração pública ou o agente público causador do dano.

2. Outras Modalidades de Atividade Judiciária Danosa

Dentro do contexto apresentado até agora, a responsabilidade do Estado se engaja com ou sem falta pessoal do agente público que é o juiz. E esta falta pessoal pode configurar-se em casos de conduta dolosa do magistrado. Mas não se esgotará aí a malha de possibilidades. O juiz pode agir com diversas modalidades de conduta, até mesmo com variações menos graves do núcleo intencional doloso.

Creio ser possível acrescentar que, se a hostilidade ou a parcialidade decorrerem de um particular estado de ânimo do juiz em ralação ao patrono da parte, a responsabilidade ainda existirá, porque é essa animosidade dirigida ao procurador do litigante que vai causar a este os mencionados prejuízos.

Essas deficiências, na feliz expressão de CARLIN "ao mesmo tempo em que tornam a ação do órgão de controle ineficaz, abalam ainda mais o restante do prestígio do derradeiro protetor do cidadão, desgastando não só sua imagem como estremecendo um dos próprios fundamentos do Estado, tornando-o completamente inseguro".

3. Um Caso Concreto Em Análise

A fim de criar uma condição de ilustração de posições doutrinárias desenvolvidas neste trabalho, cito a seguir um caso concreto de ocorrência de conduta dolosa de um magistrado, com danos efetivos aos jurisdicionados. O caso se encontra esmiuçado in JC 56/71-73.

O casal "A"- "B" entrou com uma ação de nulidade de arrematação, cumulada com perdas e danos, contra "C", "D" e "E", sendo "E "o juiz de direito da comarca "C " havia executado "A"- "B" e, neste primeiro processo, "D" arrematara o imóvel do casal. O auto de arrematação, todavia, não fora assinado no prazo legal, pelo que o advogado de "A"- "B" ingressou com um pedido de remição do imóvel arrematado, depositando um cheque de banco da praça, de emissão de terceiro. A remição foi indeferida, sendo expedida carta de arrematação em favor de "D".

Daí a ação de nulidade, porque quando formulado o pedido de remição, ainda não havia o auto de arrematação, pela ausência das assinaturas, sendo certo, porém, que o cheque de terceiro possuía suficiente provisão de fundos durante o expediente bancário, mas, após encerrado este, entrava no mercado de papéis conhecido como overnight, retornando no dia seguinte a lastrear a conta do correntista.

Onde o dolo do magistrado? Exatamente no fato de que, desconhecendo, intencionalmente, as circunstâncias que cercavam o cheque dado por terceiro, dirigiu-se ao estabelecimento bancário, acompanhado do delegado de polícia, após o encerramento do expediente daquela agência, entrando pela porta dos fundos, e coagindo o gerente a fornecer, sem sucesso, declaração com a marca da desprovisão sobre o referido cheque. O juiz de 1º grau dera pela ilegitimidade de parte do juiz "E", julgando a ação improcedente quanto aos demais réus.

Como se vê, o dolo ficou manifestamente caracterizado. Acionado o agente público, os autores não obtiveram o sucesso esperado, mas o caso apresentado pode ser considerado um exemplo didático de conduta dolosa do juiz e de inegável responsabilidade do Poder Público, afastada apenas pelo processamento direto do causador do dano.

4. Exclusão Da Responsabilidade Estatal Por Ato Legislativo E Judicial.

O Art. 15 não alcança a responsabilidade da pessoa jurídica de direito público por ato legislativo e judicial lesivo a outrem. O Estado que paga indenização a quem foi prejudicado por ato legislativo lesivo não terá ação regressiva contra o legislador faltoso ante o disposto no ar.53 da Constituição Federal de 1988 e ante o fato de ser a lei um ato jurídico complexo, em que, nas palavras de OSWALDO ARANHA BANDEIRA DE MELLO, "ocorre fusão de vontades ideais de vários órgãos, que funcionam, destarte, como vontade única par formação de um ato jurídico". Ter-se-á responsabilidade estatal por atos legislativos lesivos se houver: a) indenização fixada na própria lei causadora do gravame; b) violação ao princípio da isonomia em circunstância de a lei Ter lesado diretamente o patrimônio de um cidadão ou de um grupo de pessoas; c) dano causado a terceiro por ilegalidade ou inconstitucionalidade do ato legislativo; d) omissão legislativa, p. ex., se o Poder Legislativo não emitiu normas destinadas a dar operatividade prática a direitos garantidos constitucionalmente.

O Estado responderá por ato judicial previsto em lei. O Código de Processo Civil, art.630, p. ex., reconhece a responsabilidade estatal por erro judiciário ( CF/88, art.5º, LXXV, primeira parte); por prisão preventiva injusta ou por prisão além do tempo fixado na sentença ( CF/88, art.5º, LXXV, segunda parte); por sentença de mérito, transitada em julgado, rescindida por estar eivada de vício previsto no Código de Processo Civil ( art. 485, I, II, IV, V,VI, VIII e IX). A responsabilidade pessoal do magistrado prevista no Código Civil ( arts. 294, 420 e 421) e no Código de Processo Civil ( art.133) não exclui a do Estado. As decisões e despachos judiciais sem caráter de res judicata, decidindo ou não o mérito da causa, tais como as interlocutórias, as decisões prolatadas em processo de jurisdição graciosa, os atos de execução da sentença e os atos administrativos em geral do Poder Judiciário, poderão acarretar responsabilidade estatal. Em relação ao juiz singular, o Estado que pagou indenização terá ação regressiva contra ele, se este agiu com culpa ou dolo; mas, quanto aos atos jurisdicionais lesivos do tribunal, descaberá tal ação, por serem atos de órgão colegiado.

5. A Polêmica da Responsabilidade do Estado decorrentes por Atos Judiciais.

É ainda conflituoso o posicionamento da doutrina e da jurisprudência no que diz respeito à responsabilidade civil do Estado no âmbito do Poder Judiciário. Opiniões variam da total irresponsabilidade até a responsabilidade segundo a teoria do risco administrativo.

5.1. O posicionamento do Supremo Tribunal Federal

O Supremo Tribunal Federal tem favorecido a irreparabilidade dos danos causados pelos atos do Poder Judiciário, salvo aqueles previstos em lei. Resultaria o posicionamento da Suprema Corte do fato de se "tratar de um Poder soberano, que goza de imunidades que não se enquadram no regime de responsabilidade por efeitos de seus atos quando no exercício de suas funções" [37].

Não obstante o respeito pelos julgados do Supremo Tribunal Federal, Cotrim Neto critica o posicionamento da Suprema Corte, principalmente "porque não podemos compreender a razão de ser de qualificar o juiz como órgão da soberania e o Judiciário como ‘Poder soberano’ e não situar, no mesmo plano, o legislador e o funcionário público pois, afinal, todos são agentes do Poder Público" [38].

5.2. O sentido do § 6º do artigo 37 da Constituição Federal de 1988

O artigo 107 da Constituição Federal de 1967, que regulava a responsabilidade do Estado, foi causa de controvérsias no meio jurídico, visto que, por situar-se no capítulo do Poder Executivo, na seção relativa aos funcionários públicos, não aplicar-se-ia ao Poder Judiciário. Se não bastasse, argumentava-se que o magistrado não se enquadrava na figura do funcionário público, porque era órgão do Estado, quando muito um funcionário sui generis.

Entretanto, à luz da Constituição Federal de 1988, os argumentos supramencionados foram inteiramente prejudicados e perderam força. De início, o preceito que regula a responsabilidade estatal localiza-se em capítulo que versa sobre a Administração Pública em geral e diz respeito, conforme exposto no caput do artigo 37, à "administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios" (grifos nossos).

Além disso, o § 6º da norma constitucional em tela não trata de funcionário público, mas de agente público. Conforma lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, " quem quer que desempenhe funções estatais, enquanto as exercita, é um agente público" [39]. Termina por concluir, Sérgio Cavalieri Filho, que esta categoria abarca "não somente os membros do Poder Judiciário, como agentes políticos, como, também, os serventuários e auxiliares da Justiça em geral, vez que desempenham funções estatais" [40].


CONCLUSÃO

Dupla é a atividade exercida pelo Estado: a jurídica e a social. A atividade jurídica é aquela que colima o asseguramento da ordem jurídica interna e a defesa do território contra o inimigo externo. O asseguramento da ordem jurídica interna, por sua vez, compreende a manutenção da ordem pública e a distribuição da justiça. A atividade social tem por objeto a promoção do bem comum.

Para realizar esses fins e preencher suas funções, o Estado lança mão de pessoas físicas, agentes e servidores públicos, aos quais delega os necessários poderes. Age, assim, por meio de representantes, cujos atos, em última análise, são atos da própria administração pública.

Esses representantes, no desempenho de suas funções, no exercício de suas atividades, podem ocasionar danos ou lesões de direito aos particulares. A questão que deriva, é se os danos são ressarcíveis.

Antigo e profundo o debate doutrinário manifestado a respeito. A teoria mais remota é a da irresponsabilidade absoluta do Estado. Segundo o seu ponto de vista, o Estado é o órgão gerador do direito, o Estado existe para exercer a tutela do direito. Assim, quem com ele contrata deve saber de antemão que o mesmo não pode violar a lei: quem contrata com o funcionário público deve saber que este só pode ser considerado preposto do Estado enquanto se mantém nos limites traçados pela lei. Se o funcionário, na sua atuação, fere direitos individuais, ao próprio funcionário pessoalmente, e não ao Estado, caberá a obrigação de reparar o dano.

O princípio hoje dominante, sem qualquer impugnação séria, é o da responsabilidade da pessoa jurídica de direito público. Podemos mesmo dizer que a responsabilidade é a regra; a irresponsabilidade a exceção.

Essa responsabilidade possui um fundamento jurídico. A teoria civilista, procurando responder qual o fundamento jurídico, começa por estabelecer diferença entre atos de gestão. Realmente, no exercício de sua atividade, ora se conduz como entidade soberana, cujo poder é irreversível, ora se conduz como qualquer particular na administração de seu patrimônio. No primeiro caso, pratica atos de império (por exemplo, quando o executivo decreta desapropriação por necessidade pública, quando o legislativo expede lei, quando o judiciário profere sentença), no segundo, efetua atos de gestão (por exemplo, quando realiza concorrência pública, quando celebra determinado contrato).

Segundo a doutrina civilista, o dano não é indenizável quando resulta de ato de império, pois, no dizer de LAFERRIÉRE, é típico da soberania impor-se a todos sem compensação. Se prejuízo advém, todavia, de ato de gestão, preciso será distinguir se houve, ou não, culpa. Se houve culpa, a indenização é devida. Sem culpa não há ressarcimento do dano.

É inaceitável semelhante doutrina. Só se pode tachar de arbitrária a distinção ente ato praticado jure imperii ou jure gestionis. Realizando um ou outro, o Estado é sempre o Estado. Ainda quando pratica simples ato de gestão, o poder público age, não como um mero particular, mas para consecução de seus fins. Assim, não se pode dizer que o Estado é responsável quando pratica atos de gestão não o é quando realiza atos de império. Negar indenização neste caso é subtrair-se o poder público à sua função específica, a tutela dos direitos.

Em verdade, a responsabilidade da pessoa jurídica de direito público interno encontra-se hoje inteiramente fora do conceito civilista da culpa, situando-se decisivamente no campo do direito público.

Efetivamente, é nesse direito, não no direito privado, que vamos localizar o fundamento da responsabilidade, que se baseia em vários princípios ( equidade, política jurídica), sendo, porém, o mais importante o da igualdade de ônus e dos encargos sociais. O serviço público é organizado em benefício da coletividade. Mas na sua atuação, pode ele produzir danos, acarretar certos malefícios. Devem estes ser suportados por todos indistintamente, contribuindo cada um de nós, por intermédio do Estado, para o ressarcimento do prejuízo sofrido por um só.

A responsabilidade do poder público não mais se baseia, portanto, nos critérios preconizados pelo direito civil. Funda-se ela em razões de ordem solidarista; a administração pública responde pelos deveres oriundos da solidariedade social.

Assim como existe igualdade de direitos, deve igualmente existir igualdade dos encargos, princípio que se tornou fundamental no direito constitucional dos povos civilizados.

Modernamente, todas as questões relacionadas com a responsabilidade civil do Estado apoiam-se em preceitos do direito público. Assentam-se assim em princípios mais largos, ampliando-se o campo das reparações.

Três são as teorias filiadas ao direito público : a) - do risco integral; b) - da culpa administrativa, ou da culpa do serviço público; c) - do acidente administrativo.

Pela teoria do risco integral, de todos os prejuízos, de todas as lesões de direito ocasionadas aos particulares pelos funcionários, cabe indenização, quer se trate de ato de império ou de ato de gestão, quer seja regular ou irregular o funcionamento do serviço público. Na responsabilidade do Estado, que independe do pressuposto subjetivo da culpa, prepondera o caráter objetivo.

Pela teoria da culpa administrativa, ou culpa do serviço público, só há direito a indenização quando se prova que houve negligência, imprudência ou imperícia, culpa in eligendo ou in vigilando, em suma, violação de qualquer dever jurídico por parte dos representantes do poder público. Há, como se percebe, grande semelhança entre essa teoria e a da responsabilidade fundada no direito civil; nesta, a culpa é do funcionário, naquela, do próprio serviço público.

Por fim, a teoria do acidente administrativo procura combinar as duas anteriores. Por ela, o ofendido tem direito a indenização, não só quando se demonstra Ter sido culposo o funcionamento do serviço público ( culpa administrativa ), como também quando se evidencia que o prejuízo adveio de fato objetivo, de irregularidade material, de acidente administrativo, ainda que insignificante, de culpa anônima do serviço ( risco integral).

O Código Civil havia disposto no art. 15: "As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos dos seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano".

Esse preceito legal, todavia, não esgota inteiramente o assunto. Como disse o MINISTRO OROSIMBO NONATO, cuida apenas de um de seus aspectos, fixando a responsabilidade em caso de culpa do funcionário. É o que se dessume das expressões "procedendo de modo contrário ao direito" ou "faltando a dever prescrito por lei".

Pela Constituição promulgada a 5 de outubro de 1988, art. 37, § 6º, as pessoas jurídicas de direito público "responderão pelos danos que seus agente, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".

Todos os intérpretes são unânimes em afirmar a integral adoção da responsabilidade objetiva pelo texto constitucional. Realmente, como observa AGUIAR DIAS, se a ação regressiva cabe quando tiver havido culpa do funcionário público, segue-se que não haverá ação regressiva quando inexistir culpa, embora o Estado continue a responder pelas conseqüências do evento lesivo.

A Constituição Federal alargou, pois, consideravelmente, o conceito de responsabilidade civil, de modo a abranger aspectos concretos que o direito anterior não conhecia, ou não levava em conta para conceder indenização. Presentemente, para que o Estado responda civilmente, basta a existência do dano e do nexo causal com o ato do funcionário, ainda que lícito, ainda que regular. A idéia de causalidade do ato veio substituir a da culpabilidade do agente. Por outras palavras, é o acolhimento da teoria do risco integral, iterativamente consagrada pela jurisprudência.

Entretanto, para empenhar a responsabilidade do Estado por ato de seu servidor, é essencial se ache este em serviço por ocasião do evento danoso. Preciso é que o representante pratique o ato nessa qualidade, isto é, no exercício da função pública, e não individualmente no caráter de pessoa privada. Mas, provado que o funcionário agiu nessa qualidade, a Fazenda paga, ainda que aquele tenha excedido os limites legais de suas funções, transgredido seus deveres ou praticado abuso de poder.

Ainda que a violação do direito resulte de crime cometido pelo funcionário, continua o Estado responsável. O Decreto federal nº 24.216, de 9 de maio de 1934, dispunha que a União, o Estado e o Município não responderiam civilmente pelos atos criminosos de seus representantes, funcionários ou prepostos, ainda quando praticados no exercício do cargo, função ou desempenho de seus serviço, salvo se neles mantidos após a sua verificação. Essa lei, entretanto, foi reiteradamente havida por inconstitucional, sendo revogada pelas Constituições de 1934 e 1937. Hoje, não mais pode prevalecer ante os claros termos do art. 37, § 6º, da Constituição de 1988.

Não importa que o servidor público seja graduado ou não. Ainda que subalterno, como soldado de polícia ou motorista, pode induzir a responsabilidade do Estado. Aliás, modernamente, em nosso direito administrativo, não há margem para qualquer discriminação entre empregados e funcionários públicos, que são expressões sinônimas.

Não precisamos ir além para deixar sublinhada a infinita riqueza das aplicações práticas oriundas da responsabilidade civil do Estado, e que se manifesta também quando se cuidar de dano provocado por agente de pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público.

Cumpre frisar apenas que este não responde pelos danos decorrentes de atos judiciais, quer provenientes da jurisdição graciosa, quer da jurisdição contenciosa. A irresponsabilidade do Estado, por atos do judiciário, é fatal corolário da autoridade da res judicata

Contudo, a Constituição Federal estabeleceu. a obrigação de o Estado indenizar o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença. Outrossim, em caso de prisão ilegal poderá ele ser eventualmente obrigado a compor os danos causados, ou, então, na hipótese prevista no art. 630 do Código de Processo Penal.

Aquela irresponsabilidade, há pouco mencionada, estende-se igualmente aos atos do Ministério Público, desde que cobertos e amparados por decisão judicial.

Como fora explanado nesta presente monografia, temos um Poder Judiciário/Magistrados beneficiados pela Constituição, com a garantia de independência, podendo assim, os Magistrados, ora tido como agente público do Estado, ficarem escondidos sob a capa da irresponsabilidade.

Não obstante a posição contrária de grande parte da doutrina, afirmo sem medo de errar, que o juiz, como ente do Poder Judiciário, e como tal, representante do Estado, pode e deve ser responsabilizado pelo instituto da RESPONSABILIDADE CIVIL, pela demora da prestação jurisdicional, pois, estando no vértice do triângulo processual, assume deveres de "sacerdote" judicante, devendo desenvolver suas funções almejando unicamente, e em parceria com um controle externo do Judiciário, a efetivação do bem comum, fim maior do direito.


NOTAS

01. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000, pp. 181 e ss.

02. ADEODATO, João Maurício. Modernidade e Direito. Revista da ESMAPE. Recife: v. 2, n. 6, out./dez. 1997, pp. 258.

03. BUENO, José Antônio Pimenta "Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império", Brasília: Senado Federal, 1978, págs. 34/35

04. REVISTA DOS TRIBUNAIS, "Garantias Constitucionais Processuais", vol. 659, pág. 8.

05. CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant, tradução de Ellen Gracie. "Acesso à Justiça". Northfleet, 1978, pág. 12.

06. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. "Comentàrios a Constitucionalidade Brasileira", pág. 67

07. LYRA, Tavares. "Instituições Políticas do Império", Ed. Senado Federal, 1979, págs. 173/174

08. in "Contribuição da Jurisprudência à Evolução do Direito Brasileiro", Revista Forense, vol. 126, pág. 18.

09. BARBI, Celso Agricola. Op. cit. pág.11.

10. CRETELLA JÚNIOR, José. Tratado de Direito Administrativo. 1967, p.69. vol. IV

11. CRETELLA JÚNIOR, José. Tratado de Direito Administrativo. 1967, p.67. vol. IV

12. MELO, Celso Antonio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 473.

13. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 1990. p. 555.

14. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 11. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1999, p.654.

15. idem, p. 659.

16. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. v. 7., 13. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1999, p. 518.

17. idem, p. 520.

18. cf MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 20. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1995, p. 556

19. HARADA, Kiyoshi. Responsabilidade Civil do Estado. http://www.jus.com.br/doutrina/respesta.html, 16 de maio de 2000.

20. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil do Estado. Revista Brasileira de Direito Comparado. Rio de Janeiro: n. 8, 1990, p. 7.

21. MELO, Celso Antonio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 472.

22. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 1990. cit., p. 566.

23. PRESTA, Sérgio Luiz B. Responsabilidade Civil e a Constituição. Revista CONSULEX – Ano II – nº13. Rio de Janeiro/1998.

24. STF, RDA 13/123; TJSP, RDA 33/84; RT 203/299, 227/203, 268/377, 334/464.

25. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 566.

26. TJSP, RDA 49/198, 63/168, 211/189, 255/328, 259/148, 297/301; e STERMAN, Responsabilidade do Estado, Ed. RT, 1992.

27. TJSP, RT 54/336, 275/319

28. SÉ. João Sento. Responsabilidade Civil do Estado por Atos Judiciais. Bushatsky, 1976, p.99-103.

29. CAHALI, Yussef Said. Tratado de Dirito Administrativo, p. 439; e se aproveitando da distinção preconizada por Léon Duguit, "Traité de Droit Constitucionnel", 3,p.538) "( Responsabilidade civil, cit., p.219-20).

30. LAZZARINI, Álvaro. Responsabilidade Civil do Estado por Atos Omissivos de seus Agentes, RJTJSP, 117:21).

31. FREITAS, Gilberto e Vladimir Passos de. Abuso de Autoridade. n. 56, pp. 63-64).

32. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil, cit., p. 151.

33. ALVIM, Arruda. Código de Processo Civil Comentado, Revista dos Tribunais, v.5, p.300.

34. PORTO, Mário Moacyr. Temas, cit., p.153

35. JÚNIOR, José Cretella. Responsabilidade do Estado por Atos Judiciais, RF, 230:46

36. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, 2 ed., Atlas, 1991, p.364).

37. Neste sentido, acórdãos publicados nas RTJ 39/190, 56/273, 59/782, 94/423 etc.

38. COTRIM NETO, A. B. Da Responsabilidade do Estado por Atos do Juiz em face da Constituição Federal de 1988. Revista de Informação Legislativa. Brasília: a. 30, n. 118, abr./jun. 1993, p. 99.

39. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. op. cit. p. 175.

40. CAVALIERI FILHO, Sérgio. op. cit. p. 183.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CERQUEIRA FILHO, Reginaldo de Castro. Responsabilidade civil do Estado por atos de seus agentes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 63, 1 mar. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3866. Acesso em: 26 abr. 2024.