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JUSTA INDENIZAÇÃO E JUROS NA DESAPROPRIAÇÃO

JUSTA INDENIZAÇÃO E JUROS NA DESAPROPRIAÇÃO

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O ARTIGO COLOCA EM DISCUSSÃO ALGUNS APONTAMENTOS COM RELAÇÃO A JUSTA INDENIZAÇÃO E OS JUROS NA INDENIZAÇÃO

JUSTA INDENIZAÇÃO E JUROS NA DESAPROPRIAÇÃO

ROGÉRIO TADEU ROMANO

Procurador Regional da República aposentado

À luz do direito positivo, e na visão exposta por Celso Antônio Bandeira de Mello(Curso de direito administrativo, 26 ª edição, pág. 858), “desapropriação se define como o procedimento através do qual o Poder Público, fundado em necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, compulsoriamente despoja alguém de um bem certo, normalmente adquirindo-o para si em caráter originário, mediante indenização prévia, justa e pagável em dinheiro, salvo no caso de certos imóveis urbanos ou rurais, em que, por estarem em desacordo com a função social legalmente caracterizada para eles, a indenização far-se-á em títulos da dívida pública, resgatáveis em parcelas anuais e sucessivas, preservado seu valor real.”

Esse o melhor caminho diante da garantia constitucional que foi instituída pela Constituição-Cidadã de 1988, em seu artigo 5º, XXIV.

Indenização prévia é a ultimada antes da consumação da transferência do bem.

Justa é a indenização que corresponde ao valor do bem expropriado, deixando o antigo proprietário sem prejuízo patrimonial algum. Não poderá o expropriado receber valor menor do que lhe é devido, tampouco ao Estado pagar mais do que o valor de mercado. Dessa forma, a indenização na desapropriação tem por base valor de mercado devendo ser assegurada a inocorrência de prejuízo. Dito isso diante de um verdadeiro conceito indeterminado estabelecido na Constituição.

Sendo mister a prova pericial, a bem do devido processo legal na desapropriação, o   perito deve buscar o justo valor de mercado do bem expropriado, levando em consideração o momento em que é feita a avaliação.

Para tanto, o artigo 27 do Decreto-lei 3.365, de 1941, aponta um rol de critérios a serem utilizados pelo juiz no momento de determinação do quantum indenizatório. O juiz deve indicar na decisão os fatos que motivaram o seu convencimento. Para tanto, deve levar em conta as questões fiscais, o preço da aquisição, o interesse que o proprietário aufere do bem, a situação em que se encontra o bem, o estado de conservação, a segurança, o valor venal do bem da mesma espécie, nos últimos cinco anos, a valorização ou depreciação de área remanescente pertencente ao desapropriado.

Devem ser levados em conta, na desapropriação para reforma agrária, os aspectos fisiográficos de infraestrutura, acesso e demais fatores que venham a interferir na determinação da terra nua.

Acresça-se a isso que há jurisprudência que aceita a possibilidade de se indenizarem gastos com mudança e reinstalação de equipamentos de trabalho em local diverso ao da desapropriação(REsp 583.361). Entendeu-se ainda que o possuidor também deve receber indenização quando o bem desapropriado pertencer a terceiro.

José Carlos de  Moraes Salles(A desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência, 1992, pág. 472) ensinou que o valor de afeição não pode ser levado em conta no momento em que for fixada a indenização devida em virtude da desapropriação, por haver real impossibilidade de traduzi-lo economicamente. O ressarcimento decorrente da expropriação há de ser palpável, concreto, calculado em bases reais e assentado em dados comumente considerados no mercado mobiliário para os bens da mesma espécie. O valor de afeição, por dizer respeito exclusivamente ao proprietário, é inalferível economicamente, não podendo ser levado em consideração para o efeito de se fixar a indenização em virtude da desapropriação.

Ora, já dizia José Carlos de Moraes Sales (A desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência, 1980, pág. 509), que, nos termos do artigo 26 do Decreto-Lei nº 3.365/41, o valor da indenização será contemporâneo ao da avaliação.

Assim, o perito e os assistentes técnicos, na busca do justo valor de mercado do bem expropriando, deverão levar em consideração o valor do momento em que é feita a avaliação e não, como dispunha o referido artigo na redação anterior, o que possuísse no instante da declaração de utilidade pública. Tal modificação foi introduzida pela Lei nº 2.786, de 21 de maio de 1956, artigo 3º.

Recente decisão proferida no REsp nº 929.996/BA ressaltou o entendimento do Superior Tribunal de Justiça  no sentido de que o pagamento da indenização em desapropriação direta restringe-se à área efetivamente registrada constante do decreto expropriatório. Consignou-se ainda na decisão que “o pagamento de área não-registrada conduz o Poder Público a indenizar aquele que não detém a propriedade da área expropriada e, consequentemente, ao enriquecimento sem causa do particular”, seguindo a linha de outros precedentes daquela Corte. Com base nisso, deu-se provimento ao recurso especial interposto pelo Incra para limitar a desapropriação à área registrada em cartório e constante do decreto expropriatório.

A recente decisão do STJ coaduna-se com outros entendimentos já proferidos por aquela Corte, sobre os quais o Incra já havia firmado orientação. Contudo, existe a possibilidade de que ocorram duas situações: a) área registrada ser menor que área medida e b) área registrada ser maior que área medida.

No primeiro caso, quando a área registrada for menor que a área real do imóvel encontrada em campo, o Incra efetuará o depósito somente da área registrada, na linha da jurisprudência do STJ já citada, até que o expropriado comprove o domínio da área remanescente.

O pagamento de área não-registrada conduz o Poder Público a indenizar aquele que não detém a propriedade da área expropriada e, conseqüentemente, ao enriquecimento sem causa do particular. (Precedentes: REsp 966.089/MT, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 17/08/2010, DJe 26/08/2010; REsp 841.001/BA, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 13/11/2007, DJ 12/12/2007 p. 392; REsp 703.427/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 06/10/2005, DJ 24/10/2005 p. 198; REsp 837.962/PB, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 24/10/2006, DJ 16/11/2006 p. 247; REsp 786.714/CE, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 03/08/2006, DJ 28/08/2006 p. 234.)

Portanto, nesses casos, caberá ao expropriado comprovar sua propriedade sobre a área excedente ajuizando ação de retificação de registro (art. 213 da Lei nº 6.015/73), se for o caso. O STJ entende que esta retificação de registro não pode ser feita no bojo da ação desapropriatória. Vide REsp 493.800/RS, Rel. Min. José Delgado, Primeira Turma, julgado em 4/9/2003, DJ de 13/10/2003, p. 243:

A Indenização na desapropriação não será paga senão a quem demonstre ser o titular do domínio do imóvel que lhe serve de objeto(artigo 34 do Decreto-lei nº 3.365/41; artigo 13 do Decreto-lei 554/69 e § 2º do artigo 6º da Lei Complementar 76/93).

Outra discussão pode haver com relação à área sujeita a aforamento. A esse respeito, de longe, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário 35.752 – DF, Relator Ministro Luiz Gallotti,  enfrentou questão envolvendo imóvel sujeito a aforamento. Decidiu-se que só tendo o expropriado o domínio útil, não deve receber a indenização por inteiro, como se fora titular do domino pleno, e sim descontada de vinte foros e um laudêmio. Aliás, na matéria, Seabra Fagundes(A desapropriação no direito brasileiro, n. 525) admitia que o valor do domínio direto seja vinte pensões anuais. De modo contrário, opinava Eurico Sodré(Desapropriação por necessidade ou utilidade pública, edição 1945) considerava o disposto no Regulamento de 1903. Disse bem, para o caso, Themistocles Brandão Cavalcanti, Procurador da República, que a indenização corresponde ao valor da propriedade, como direito real, mas também, a extinção de um contrato de enfiteuse, um arrendamento perpétuo que atribui ao senhorio direto uma renda perpétua. Afirmou  o Ministro Galloti: “Ora, o laudêmio, pago obrigatoriamente ao caso de venda do domínio útil, como indenização ao senhorio direto, pelo fato de não ser este usado da preferência, corresponde efetivamente uma parte do valor desse domínio, e, portanto, a inclusão do laudêmio se impõe no cálculo do valor desse domínio”. Tal ainda a opinião de Sabbatini(Expropriazione per pubblica utilitá, volume II, pág. 127).

Outra discussão que pode haver diz respeito a questão do fundo de comércio.

Ora, em respeito ao primado da justa indenização, o proprietário do fundo de comercio deve ser indenizado na própria ação de indenização. Mas, se todavia, o fundo de comércio for de terceiro, de outrem que não o desapropriado, seu valor não será levado em conta para fins de indenização do expropriado. Nesse caso, apenas por ação direta o terceiro, titular do fundo de comércio, poderá pleitear do poder público uma indenização por sua perda(RDA 103/196).

Discute-se a questão dos juros compensatórios e moratórios.

Os juros compensatórios são devidos, na desapropriação direta e indireta, no percentual de 12% ao ano(Súmula 618 e ADI 2.332), mesmo sendo o imóvel improdutivo. Essa a melhor lição que se tem do julgamento do RE 472210 AgR/CE, Relator Ministro Roberto Barroso, julgamento de 10 de setembro de 2013. É certo que o Superior Tribunal de Justiça firmara jurisprudência no sentido de que os juros compensatórios eram  fixados em 6%(seis por cento) ao ano pela Medida Provisória nº 1.577, de 11 de junho de 1997(que promoveu alterações no Decreto-lei nº 3.365/41), somente são aplicáveis às desapropriações cujas imissões/ocupações na posse forem posteriores à sua edição.

Não se perca de vista que, por força da Medida Provisória 1.774 – 22, de 11 de fevereiro de 1999(Depois, 2.183 – 56, de 24 de agosto de 2001), foi introduzido um art. 15 – A no Decreto-lei 3.365/41, de acordo com o qual nas desapropriação por necessidade ou utilidade pública e interesse social, inclusive para fins de reforma agrária, havendo divergência entre o preço ofertado em juízo e o valor fixado na sentença, os juros compensatórios serão de 6% ao ano(e não de 12%) sobre o valor da diferença eventualmente apurada, a contar da imissão na posse, vedado o cálculo de juros compostos. No parágrafo terceiro, do mesmo artigo, impunha iguais juros para o caso de apossamento administrativo ou desapropriação indireta, tanto quanto para as ações que visem à indenização por restrições decorrentes de atos do Poder Público em especial aqueles destinados à proteção ambiental, incidindo os juros sobre o valor fixado na sentença. Sabe-se que o Supremo Tribunal Federal, em liminar na ADIn 2.332 – 2, suspendeu a eficácia da expressão “de até 6% ao ano”, e considerou que a interpretação conforme à Constituição obrigará a entender, no que concerne à parte final do art. 15 – A, que a base de cálculo dos juros compensatórios será a diferença entre 80% do preço ofertado em juízo e o valor do bem fixado na sentença. Além disso, o Supremo Tribunal Federal suspendeu ainda o § § 1º, 2º e 4º do mesmo artigo.

São os juros compensatórios devidos pelo expropriante a título de compensação para o expropriado pela ocorrência de imissão provisória e antecipada na posse do bem, devendo, assim, incidir a partir do desapossamento.

Disse Celso Antônio Bandeira de Mello(obra citada, pág. 877) que juros moratórios na desapropriação são os devidos pelo Poder Público ao expropriado pela demora no pagamento do valor da indenização. Pelo Código Civil de 2002, artigo 406, os juros moratórios, quando não convencionais ou quando não fixados ou quando provenientes de indenização legal, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora dos pagamentos devidos à Fazenda Nacional. Esta taxa é a SELIC(Sistema Especial de Liquidação e Custódia).

Ainda conforme a Súmula 70 do STJ, os juros moratórios contam-se a partir do trânsito em julgado da sentença condenatória. Entretanto, a Medida Provisória 1.901 – 30, de 24 de setembro de 1999(depois, 2.183 – 56, de 24 de agosto de 2001), introduziu um art. 15 – B no Decreto – lei 3.365, por força do qual os juros moratórios deverão ser contados “ a partir de 1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito, nos termos do artigo 100 da Constituição”. Entende-se que tal disposição em causa é inconstitucional, ademais vinda de medida provisória que não trazia tema urgente.

Quanto aos juros moratórios, leva-se em conta que a Medida Provisória nº 1.091-30, de 24 de setembro de 1999, uma das reedições da Medida Provisória nº 1.577, de 11 de junho de 1997, introduziu o artigo 15-B no Decreto-Lei nº 3.365/41, o qual passou a dispor que os juros moratórios serão devidos “a partir de 1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito, nos termos do artigo 100 da Constituição”.

Em desapropriação são cumuláveis juros compensatórios e juros moratórios (Súmula nº 12 do STJ).

A verba honorária, como já referenciada, foi fixada em 5% (cinco por cento) sobre a diferença entre a oferta e a indenização fixada.

Disse Sérgio Ferraz (A justa indenização na desapropriação, São Paulo, RT, 1978) que, em termos de desapropriação, a regra é cobrar o advogado honorários sobre o valor total da indenização.

Todavia, acentuou-se, de algum tempo, a tese de que os honorários percentuais devem calcular-se sobre a diferença entre a oferta e a indenização fixada, uma  e outra corrigidas monetariamente (RT 74/310).

Em sede de desapropriação incide a correção monetária do valor da indenização quando transcorra mais de um ano, contado a partir do laudo de avaliação do bem, antes do efetivo pagamento dela, no que dispõe o artigo 26, § 3º, do Decreto-lei 3.365/41. Ora, decisão final é aquela que determina a imissão definitiva da posse, ou seja, a que sucede ao pagamento do bem expropriado(RTJ 57/351; RDA 91/154). Sabe-se, porém, que a Medida Provisória 2.183 – 56, dando redação ao artigo 27, § 1º, estabeleceu que,  quando se tratar de imóvel rural por interesse social para fins de reforma agrária no procedimento contraditório especial de rito sumário, bem como nos casos de ações de indenização por apossamento administrativo ou desapropriação indireta, os honorários advocatícios deverão ser estabelecidos entre 0, 5% e 5% da aludida diferença, não podendo ultrapassar o teto de cento e cinquenta e um mil reais. Na ADIn 2.332 – 2, o Supremo Tribunal Federal deferiu em parte pedido de medida liminar para suspender a eficácia da expressão “não podendo os honorários ultrapassar  cento e cinquenta mil reais”. Ora, essas disposições da MP referenciada eram flagrantemente inconstitucionais, por lhe faltarem base de razoabilidade.

De toda sorte, no valor da indenização, devem ser computadas todas as despesas acarretadas diretamente por ela ao expropriado, nos termos do artigo 5º, XXIV, da Constituição. 


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