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A investigação criminal pelo Ministério Público

A investigação criminal pelo Ministério Público

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O artigo examina decisões do STF na matéria e ainda a natureza jurídica do poder de investigação criminal concedido ao parquet.

RESUMO:Este artigo examina o que chamamos de poder de investigação do Ministério Público, trazendo à colação as teorias dos poderes implícitos e das garantias institucionais. Apresenta entendimentos jurisprudenciais do Supremo Tribunal  Federal , sendo que, ao final, o autor traz suas conclusões.

ABSTRACT:This article examines what we call investigative power of prosecutors, bringing to the fore the theories of implied powers and institutional guarantees. Displays understanding of the Supreme Court jurisprudence, and in the end, the author brings his conclusions

PALAVRAS – CHAVE:Direito criminal brasileiro – investigação criminal – ministério público – teorias

KEY WORDS:Brasilian criminal law – criminal investigation – prosecutors – theories


I – O MINISTÉRIO PÚBLICO NA CONSTITUICÃO DE 1988. A TEORIA DOS PODERES IMPLÍCITOS.

A Constituição de 1988 define o Ministério Público como instituição permanente, essencial a função jurisdicional do Estado, dando-lhe elevado relevo na estrutura do Estado Brasileiro.

Sendo assim incumbe ao Ministério Público  a defesa da ordem democrática, a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, consagrando-lhe os princípios da indivisibilidade, unidade e independência funcional, administrativa e financeira.

Bem disse SILVA[1] que independência funcional(artigo 127, § 1º) quer dizer que, no exercício de sua atividade-fim, o membro do Ministério Público, assim como seus órgãos colegiados, têm inteira liberdade de atuação, não ficam sujeitos a determinações superiores e devem observância à Constituição e as leis.

 Autonomia funcional( artigo 127, § 2º) significa dizer que o Ministério Público exerce suas funções livre de ingerências de qualquer outro órgão do Estado, devendo se falar em autonomia funcional.

Por sua vez, autonomia administrativa quer dizer que cabe à Instituição organizar sua administração, suas unidades administrativas, praticar atos de gestão, decidir sobre a atuação funcional de seu pessoal, propor ao Poder Legislativo a criação e a extinção de seus serviços auxiliares, prover cargos nos termos da lei, estabelecer a política remuneratória.

Por fim, autonomia financeira ocorre  na medida em que tem atribuição para elaborar sua proposta orçamentária.

Para cumprir seu importante papel no Estado Democrático de Direito, a Constituição enumerou diversas funções institucionais ao Ministério Público, entre elas: a promoção privativa da ação penal; o zelo para efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos constitucionalmente assegurados, a expedição de  notificações nos procedimentos administrativos de sua competência e a requisição de informação e documentos para instruí-los, a requisição de diligências investigatórias, a instauração de inquérito policial e o exercício do controle externo da atividade policial.

Fala-se em independência funcional, uma vez que no Ministério Público não há subordinação hierárquica. A Instituição, diante do que foi dito, goza de autonomia e independência para exercer suas funções.

Longe está o tempo da Lei de 29 de novembro de 1832(Código de Processo  Criminal do Império), cujo artigo 36 previa que os promotores, que eram nomeados pelo Governo da Corte e pelo Presidente das Províncias, por prazo de3 (três) anos, por proposta em lista tríplice das Câmaras Municipais,  tinham, pelo  artigo 37, atribuições como denunciar os crimes de ação pública, acusar os delinqüentes perante o Tribunal do Júri, lembrando que o Decreto 4.824, de 28 de novembro de 1871, estabeleceu a denominação promotor público.

Por sua vez, com a República, o Decreto 848, de 11 de outubro de 1890, declarou que,  em cada Seção da Justiça Federal, haveria um Procurador da República, nomeado pelo Presidente da República, por 4(quatro) anos durante os quais não poderia ser removido, salvo se o requeresse. Os Procuradores da República exerceriam o papel de advogados da União  e membros do Ministério Público, situação que ficou até a Constituição de 1988. Observe-se que tal diploma normativo não tratou do Ministério Público, mas das atribuições do Procurador da República.

Pela Constituição de 1934, o Ministério Público era considerado como um órgão de cooperação na atividade governamental, ao lado dos Tribunais de Contas e dos Conselhos Técnicos. Seria o Ministério Público organizado na União, nos Territórios, no Distrito Federal, por leis federais e nos Estados por leis locais. O Ministério Público na Justiça  Eleitoral e na Justiça Militar seria organizado por lei especial.

A Constituição de 1937 nada disse sobre a Instituição.

A Constituição de 1946, tratando da matéria em titulo autônomo,  exigiu que tanto no âmbito da União Federal como dos Estados-Membros fosse a Instituição organizada em carreira, determinando que seus membros ingressariam  através de concurso público, nos cargos iniciais, adquirindo estabilidade após 2(dois) anos de exercício, a teor dos artigos 125 e 128 da Constituição Federal.

Tal foi mantido pela Constituição de 1967 e pela E. Constitucional n. 1/1969.

A Lei Complementar n. 40/1981 concedia ao membro ministerial poderes para expedir notificações e requisições, a teor do artigo 15, I a IV.

Nos dias de hoje, o Parquet, a teor do artigo 129, II, da Constituição é fiscalizador de poderes e dos mecanismos de controles estatais e para isso a Constituição o armou de funções, garantias e prerrogativas que possibilitassem o exercício daquelas e a defesa destes.

O caráter dos misteres concedidos ao Parquet é meramente exemplificativo, do que se lê do artigo 129, IX, da Constituição, que determina que são   funções do Ministério Público:

IX – exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.

Detém o Parquet poderes implícitos com fins de realizar a investigação criminal.

PACHECO[2]  faz  alusão ao que disse Madison, no Federalista, n. XLIV, onde se esclareceu  que ¨desde que um fim é reconhecido necessário, os meios são permitidos, todas as vezes que é atribuída uma competência geral para fazer alguma coisa, nela estão compreendidos todos os particulares poderes necessários para realizá-la¨, para mostrar a flagrante influência da teoria dos poderes implícitos na Suprema Corte americana após o caso ¨Mac Culloch X Maryland, em 1819.

A matéria encontrou bela síntese em voto do Ministro Celso de Mello, na Ação Direta de inconstitucionalidade n. 2.797 – 2 – DF, onde se disse:

¨ "(...) Impende considerar, no ponto, em ordem a legitimar esse entendimento, a formulação que se fez em torno dos poderes implícitos, cuja doutrina, construída pela Suprema Corte dos Estados Unidos da América, no célebre caso McCULLOCH v. MARYLAND (1819), enfatiza que a outorga de competência expressa a determinado órgão estatal importa em deferimento implícito, a esse mesmo órgão, dos meios necessários à integral realização dos fins que lhe foram atribuídos. Cabe assinalar, ante a sua extrema pertinência, o autorizado magistério de MARCELO CAETANO ("Direito Constitucional", vol. II/12-13, item n. 9, 1978, Forense), cuja observação, no tema, referindo-se aos processos de hermenêutica constitucional – e não aos processos de elaboração legislativa - assinala que, ´Em relação aos poderes dos órgãos ou das pessoas físicas ou jurídicas, admite-se, por exemplo, a interpretação extensiva, sobretudo pela determinação dos poderes que estejam implícitos noutros expressamente atribuídos` (grifei). Esta Suprema Corte, ao exercer o seu poder de indagação constitucional - consoante adverte CASTRO NUNES (Teoria e Prática do Poder Judiciário, p. 641/650, 1943, Forense) - deve ter presente, sempre, essa técnica lógico-racional, fundada na teoria jurídica dos poderes implícitos, para, através dela, mediante interpretação judicial (e não legislativa), conferir eficácia real ao conteúdo e ao exercício de dada competência constitucional, consideradas as atribuições do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais de Justiça, tais como expressamente relacionadas no texto da própria Constituição da República. Não constitui demasia relembrar, neste ponto, Senhora Presidente, a lição definitiva de RUI BARBOSA (Comentários à Constituição Federal Brasileira, vol. I/203-225, coligidos e ordenados por Homero Pires, 1932, Saraiva), cuja precisa abordagem da teoria dos poderes implícitos - após referir as opiniões de JOHN MARSHALL, de WILLOUGHBY, de JAMES MADISON e de JOÃO BARBALHO - assinala: ´Nos Estados Unidos, é, desde MARSHALL, que essa verdade se afirma, não só para o nosso regime, mas para todos os regimes. Essa verdade fundada pelo bom senso é a de que - em se querendo os fins, se hão de querer, necessariamente, os meios; a de que se conferimos a uma autoridade uma função, implicitamente lhe conferimos os meios eficazes para exercer essas funções. (...). Quer dizer (princípio indiscutível) que, uma vez conferida uma atribuição, nela se consideram envolvidos todos os meios necessários para a sua execução regular. Este, o princípio; esta, a regra. Trata-se, portanto, de uma verdade que se estriba ao mesmo tempo em dois fundamentos inabaláveis, fundamento da razão geral, do senso universal, da verdade evidente em toda a parte - o princípio de que a concessão dos fins importa a concessão dos meios (...)." (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 2.797-2 - Distrito Federal).

Tal teoria está assim resumida: ¨Quando a Constituição dá a um órgão determinado encargo implicitamente lhe confere os meios de realização dele.¨

Sendo assim a teoria dos poderes implícitos permite entender que qualquer norma constitucional que atribui a um órgão a realização de um dado fim, implicitamente lhe permite o uso dos meios necessários e hábeis a atingir tal desiderato, salvo proibição expressa da própria Constituição.

Logo, se ao Ministério Público é outorgada a legitimidade para a propositura da ação penal pública, a ele é facultado investigar o fato para decidir se dará procedimento à denúncia ou não.

A investigação criminal é um poder implícito que teria como função a obtenção de elementos suficientes para possibilitar a formação de opinião do promotor a respeito da materialidade e autoria criminosa.

Se pode o membro do Ministério Público requisitar diligências investigatórias, como não se pode o menos, id est, fazê-las motu próprio? À norma constitucional, como se lê do principio da maior efetividade, princípio da interpretação efetiva, deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê.

Recebendo o promotor uma noticia-crime terá o poder-dever de colher os elementos confirmatórios, seja obtendo declarações, seja requisitando provas necessárias para formar sua opinião com relação ao delito. Se pode ajuizar ação penal, pode recolher elementos para tal.

Isso porque tanto na área civil, com os inquéritos civis, quanto na criminal, admitem-se investigações diretas do órgão titular da ação penal pública do Estado.

Fará tal mister o órgão ministerial  através de requisições, notificações e demais diligências.

 Natural que possa realizar outras diligências com o objetivo de buscar elementos para produção da ação penal, inclusive, com a devida autorização judicial, quebrar o sigilo de informações fiscais, bancárias, do investigado.  Não havendo, na espécie do sigilo bancário, em nenhum dispositivo constante do artigo 38 da Lei de Reforma Bancária, Lei n. 4.595/1964, que permita ao Ministério Público excepcionar o sigilo expresso em seu caput, entende-se que, como qualquer outra instituição, deva submeter sua solicitação de exame de informações sigilosas ao Poder Judiciário. Prevalecem os limites constantes do artigo 5º, incisos X e XII, da Constituição Federal, na tutela do direito a intimidade.

Anoto que, no julgamento do MS 21729/DF, Relator Ministro Marco Aurélio, DJ de 19 de outubro de 2001, o Supremo Tribunal Federal considerou que o poder de investigação do Estado é dirigido a coibir atividades afrontosas á ordem jurídica e a garantia do sigilo bancário não se estende às atividades ilícitas. Lembrou-se que a ordem jurídica confere amplos poderes de investigação ao Ministério Público, a teor do artigo 129, incisos VI, VII, da Constituição Federal e artigo 8º, incisos II e IV, e § 2º da Lei Complementar n. 75/93. Considerou-se assim que não cabe à instituição financeira oficial negar ao Ministério Público informações sobre os nomes de beneficiários de empréstimos concedidos pela instituição com recursos subsidiados pelo erário federal, sob invocação do sigilo bancário, em se tratando de requisição de informações e documentos para instruir procedimento administrativo instaurado na defesa do patrimônio público. Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 215.301-CE, Relator Ministro Carlos Velloso, 13 de abril de 1999, entendeu que o Ministério Público não tem legitimidade para, sem interferência do Poder Judiciário, determinar a quebra do sigilo bancário, afastando-se argumento no sentido de que a solicitação de informações de caráter sigiloso estaria prevista nas funções institucionais do Parquet, do que se lê do inciso VIII, do artigo 129 da Constituição Federal(requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial).

Nessa linha de pensar,  trago a ilação de RANGEL[3] para quem a investigação criminal direta é garantia da sociedade que tem o direito subjetivo de exigir do Estado as medidas necessárias para reprimir e combater as condutas lesivas à ordem jurídica.

Não há razão plausível para coibir investigação dirigida por órgão ministerial quando ela respeita direitos  e garantias individuais.


II – A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL  PROMOVIDA PELO  MINISTÉRIO PÚBLICO

Mesmo que se entenda por supletiva tal atividade ministerial não resta dúvida que surgiria em casos notórios de investigações de seus próprios membros, de ilícitos cometidos por policiais e ainda nos casos em que a polícia se omite de agir.

 Ora, é notório que o art. 144, IV, da CF, diz que cabe à polícia federal “exercer, com exclusividade, a polícia judiciária da União¨;

 Entretanto, o que o dispositivo está a impor é a exclusividade da policia federal em relação à policia estadual no tocante às funções de polícia judiciária da União. A Polícia Judiciária não tem nem pode ter exclusividade na apuração das infrações penais, pois diversas infrações penais são apuradas em procedimentos diversos, que são alheios à atividade policial.  Tal é o caso: a) comissões parlamentares de inquérito que também investigam crimes; b) nos inquéritos policiais militares, que não são conduzidos pela polícia civil, também se investigam crimes[4]; c)  nas atividades de correição judicial, o magistrado pode investigar crimes para fins correcionais; d) em matéria de crimes eleitorais, por abuso de poder econômico, as investigações pré-processuais são conduzidas pelo Corregedor-Geral Eleitoral(artigo 19 da LC 64/90, Inq. 593 – 2 – MG, STF); e) nos processos administrativos, quem investiga é a autoridade administrativa processante; f) nos processos cíveis em geral, o juiz apura ilícitos civis que, não raro, são também ilícitos penais, o que enseja a comunicação direta dos fatos ao Ministério Público; g) nos inquéritos civis conduzidos pelo Ministério Público, por muitas vezes, se apuram fatos com conotação penal(LACP, artigos 8º e 9º e Constituição Federal, artigo 129, III).

MAZZILLI[5] conclui que o Ministério Público pode investigar também em matéria penal, não como rotina, mas em caráter excepcional, como nas hipóteses em que a polícia não tenha condições ou não demonstre interesse na apuração de fatos que envolvam policiais ou autoridades que a controlam.

Mas, conclui MAZZILLI[6] que, mais dia menos dia, o Supremo Tribunal Federal terá o descortino de reconhecer que o poder investigatório do Ministério Público não passa de corolário da privatividade da ação penal pública que a Constituição lhe conferiu. Bem se diz que, numa Democracia, o poder investigatório de crimes não pode ficar subordinado apenas à vontade do governante, que controla hierarquicamente a atividade policial, pois o próprio governante pode  estar envolvido na prática de delitos.


III  – A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL . POSICIONAMENTOS NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

Detém o Parquet poderes de investigação, na forma constante da Constituição Federal.

Investigar, aponte-se, é proceder às diligências, empenhar-se em descobrir.

A matéria, que é polêmica ficou  sujeita a repercussão geral como se lê do RE 593.727/RG/MG, Relator Ministro Cezar Peluso.

De um lado, fala-se no exercício de poderes implícitos pelo Ministério Público, na linha da jurisprudência americana, já que ao Parquet cabe a atividade de supervisão da atividade policial, por força do artigo 129 da Constituição Federal. É o que se lê do texto da norma fundamental:

VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;

VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;

VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;

De outro lado, há os que entendem que tal tarefa é apenas das polícias civis e da polícia federal. Em razão disso, para esses, se o Ministério Público exerce sozinho o papel de condução da investigação,  a consequência seria a nulidade com a extração das provas dos autos colhidas que deram azo a denúncia. A propósito, NUCCI[7] acentua que é contrário à investigação criminal conduzida, de forma isolada, pelo Ministério Público, uma vez que seria feita sem qualquer fiscalização e controle, e pelo fato de que não há previsão legal específica. Conclui seu raciocínio, entendendo que se ocorrer o acesso do advogado do investigado nos autos, precisa ele ser assegurado. É o que se lê no HC 88.190 – RJ, Relator Ministro Cezar Peluso, DJ de 6 de outubro de 2006. Ademais, dizem que quem é titular da ação penal não pode ser o mesmo que investiga.

Nessa linha, e a modo de conclusão, lembra-se  o Recurso Ordinário de HC 81.326-7, 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, sob o voto condutor do Min. Nelson Jobim, onde se decidiu que o Ministério Público não possui atribuições para realizar, diretamente, investigação de caráter criminal. Em seu voto, o Min. Jobim destaca que, historicamente, no direito processual penal brasileiro, as atribuições para realizar as investigações preparatórias da ação penal têm sido da polícia, pelas mais diversas razões, as quais têm prevalecido a ponto de todas as iniciativas no sentido de mudar as regras nessa matéria terem sido repelidas, desde a proposta de instituir Juizados de Instrução feita pelo então Ministro da Justiça, Dr. Vicente Ráo, em 1935, passando pela elaboração da Constituição de 1988, da lei complementar relativa ao Ministério Público, em 1993, até propostas de emendas constitucionais em 1995 e 1999, com o objetivo de dar atribuições investigatórias ao Parquet.

Data vênia divirjo da douta opinião.

Acentuo  que a legitimidade do Ministério Público para a colheita de elementos probatórios essenciais à formação de sua opinio delicti decorre de expressa previsão constitucional, oportunamente regulamentada pela Lei Complementar n.º 75/1993 (art. 129, incisos VI e VIII, da Constituição da República, e art. 8.º, incisos V e VII, da LC n.º 75/1993).

Concordo com os argumentos de NOGUEIRA e ELUF[8], quando, em excelente estudo de direito comparado, aduzem que se o Ministério Público for proibido de investigar o Brasil retrocederá décadas no combate à criminalidade, transformando-se no paraíso da impunidade e se igualando a países subdesenvolvidos onde o crime campeia à vontade. Discorrem que,  na Alemanha, França, Portugal, Itália, Estados Unidos, permite-se que os promotores investiguem por conta própria sem prejuízo das investigações policiais.

Outro argumento contrário é relativo ao impedimento do órgão ministerial que atua no inquérito no exercício da ação penal. Tal assertiva não resiste a força da interpretação do Superior Tribunal de Justiça que editou a Súmula 234, quando diz que a participação de membro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia.

O Supremo Tribunal Federal, em julgamento do HC 91.661 – PE, Relatora Ministra Ellen Gracie, 10 de março de 2009, entendeu que é possível a investigação criminal feita diretamente pelo Ministério Público.

Ora, se órgãos não ligados à persecução criminal têm o poder de investigar, como é o caso de Comissões Parlamentares de Inquérito, repartições fiscais, fatos que podem configurar infrações penais, não há razão, argumento razoável, para retirar do Parquet tal atribuição.

Ademais, o procedimento criminal não é obrigatório. Ora, nessa linha de pensar, tem-se posição do Superior Tribunal de Justiça, reconhecendo que o Parquet pode requisitar diligências, esclarecimentos, diretamente, visando a instrução de seus procedimentos administrativos, como se lê do RHC 8.106-DF, Relator Ministro Gilson Dipp, DJ de 4 de junho de 2001.

Somo a tal argumento que a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento de que por expressa previsão constitucional possui o Parquet a prerrogativa de instaurar procedimento administrativo e conduzir diligências investigatórias.

O Superior Tribunal de Justiça já considerou que são válidos os atos investigatórios conduzidos pelo Ministério Público, cabendo-lhe ainda requisitar informações e documentos, a fim de instruir os procedimentos administrativos, com vistas ao oferecimento da denúncia, como se lê do julgamento do HC 83.020/RS, Relator Ministro Og Fernandes, DJe de 2 de março de 2009.

A propósito, tem-se importante precedente no julgamento do HC 84.965/MG, Relator Ministro Gilmar Mendes, julgamento de 13 de dezembro de 2011, publicado no DJe de 10 de abril de 2012, onde se diz:

¨HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA E FORMAÇÃO DE QUADRILHA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ALEGADA FALTA DE JUSTA CAUSA PARA PERSECUÇÃO PENAL, AO ARGUMENTO DE ILEGALIDADE DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO INVESTIGATÓRIO PROCEDIDO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO E DE NÃO-CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. FALTA DE JUSTA CAUSA NÃO CARACTERIZADA. ORDEM DENEGADA. 1. POSSIBILIDADE DE INVESTIGAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. EXCEPCIONALIDADE DO CASO. Não há controvérsia na doutrina ou jurisprudência no sentido de que o poder de investigação é inerente ao exercício das funções da polícia judiciária – Civil e Federal –, nos termos do art. 144, § 1º, IV, e § 4º, da CF. A celeuma sobre a exclusividade do poder de investigação da polícia judiciária perpassa a dispensabilidade do inquérito policial para ajuizamento da ação penal e o poder de produzir provas conferido às partes. Não se confundem, ademais, eventuais diligências realizadas pelo Ministério Público em procedimento por ele instaurado com o inquérito policial. E esta atividade preparatória, consentânea com a responsabilidade do poder acusatório, não interfere na relação de equilíbrio entre acusação e defesa, na medida em que não está imune ao controle judicial – simultâneo ou posterior. O próprio Código de Processo Penal, em seu art. 4º, parágrafo único, dispõe que a apuração das infrações penais e da sua autoria não excluirá a competência de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função. À guisa de exemplo, são comumente citadas, dentre outras, a atuação das comissões parlamentares de inquérito (CF, art. 58, § 3º), as investigações realizadas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF (Lei 9.613/98), pela Receita Federal, pelo Bacen, pela CVM, pelo TCU, pelo INSS e, por que não lembrar, mutatis mutandis, as sindicâncias e os processos administrativos no âmbito dos poderes do Estado. Convém advertir que o poder de investigar do Ministério Público não pode ser exercido de forma ampla e irrestrita, sem qualquer controle, sob pena de agredir, inevitavelmente, direitos fundamentais. A atividade de investigação, seja ela exercida pela Polícia ou pelo Ministério Público, merece, por sua própria natureza, vigilância e controle. O pleno conhecimento dos atos de investigação, como bem afirmado na Súmula Vinculante 14 desta Corte, exige não apenas que a essas investigações se aplique o princípio do amplo conhecimento de provas e investigações, como também se formalize o ato investigativo. Não é razoável se dar menos formalismo à investigação do Ministério Público do que aquele exigido para as investigações policiais. Menos razoável ainda é que se mitigue o princípio da ampla defesa quando for o caso de investigação conduzida pelo titular da ação penal. Disso tudo resulta que o tema comporta e reclama disciplina legal, para que a ação do Estado não resulte prejudicada e não prejudique a defesa dos direitos fundamentais. É que esse campo tem-se prestado a abusos. Tudo isso é resultado de um contexto de falta de lei a regulamentar a atuação do Ministério Público. No modelo atual, não entendo possível aceitar que o Ministério Público substitua a atividade policial incondicionalmente, devendo a atuação dar-se de forma subsidiária e em hipóteses específicas, a exemplo do que já enfatizado pelo Min. Celso de Mello quando do julgamento do HC 89.837/DF: “situações de lesão ao patrimônio público, [...] excessos cometidos pelos próprios agentes e organismos policiais, como tortura, abuso de poder, violências arbitrárias, concussão ou corrupção, ou, ainda, nos casos em que se verificar uma intencional omissão da Polícia na apuração de determinados delitos ou se configurar o deliberado intuito da própria corporação policial de frustrar, em função da qualidade da vítima ou da condição do suspeito, a adequada apuração de determinadas infrações penal”. No caso concreto, constata-se situação, excepcionalíssima, que justifica a atuação do Ministério Público na coleta das provas que fundamentam a ação penal, tendo em vista a investigação encetada sobre suposta prática de crimes contra a ordem tributária e formação de quadrilha, cometido por 16 (dezesseis) pessoas, sendo 11 (onze) delas fiscais da Receita Estadual, outros 2 (dois) policiais militares, 2 (dois) advogados e 1 (um) empresário. 2. ILEGALIDADE DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL ANTE A FALTA DE CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. NÃO OCORRÊNCIA NA ESPÉCIE. De fato, a partir do precedente firmado no HC 81.611/DF, formou-se, nesta Corte, jurisprudência remansosa no sentido de que o crime de sonegação fiscal (art. 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/1990) somente se consuma com o lançamento definitivo. No entanto, o presente caso não versa, propriamente, sobre sonegação de tributos, mas, sim, de crimes supostamente praticados por servidores públicos em detrimento da administração tributária. Anoto que o procedimento investigatório foi instaurado pelo Parquet com o escopo de apurar o envolvimento de servidores públicos da Receita estadual na prática de atos criminosos, ora solicitando ou recebendo vantagem indevida para deixar de lançar tributo, ora alterando ou falsificando nota fiscal, de modo a simular crédito tributário. Daí, plenamente razoável concluir pela razoabilidade da instauração da persecução penal. Insta lembrar que um dos argumentos que motivaram a mudança de orientação na jurisprudência desta Corte foi a possibilidade de o contribuinte extinguir a punibilidade pelo pagamento, situação esta que sequer se aproxima da hipótese dos autos. 3. ORDEM DENEGADA.¨

Em seu voto, o  Ministro Gilmar Mendes, no RE 593.727,  em 27 de junho de 2012, tem-se que há jurisprudência na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal no sentido de que o Ministério Público pode investigar, de forma subsidiária, crimes de policia e crimes contra a administração pública, além de poder conduzir investigações complementares. Entendeu o Ministro Gilmar Mendes que, naquele caso especifico julgado, havia atividade “inequívoca” do Ministério Público.                                 

Tem-se então:

¨Caso Celso Daniel" (HC 84548): numa primeira votação, aos 11 de junho de 2007, o Ministro Marco Aurelio votou contra o poder de investigar do Ministério Público e o Ministro aposentado Sepúlveda Pertence, favoravelmente. O Ministro Cezar Peluso pediu vista dos autos e a votação somente foi retomada após. Na sessão plenária, apesar de ter efetuado considerações acerca da necessidade de estabelecimento de parâmetros e de limitações ao poder de investigar, votou ele  pela denegação da ordem, ocorrendo nova suspensão do julgamento. Em 27 de junho de 2012, foi retomada a votação, tendo sido atingida a maioria de votantes no sentido da constitucionalidade do poder investigatório do "Parquet". No entanto, houve nova suspensão, por pedido de vista. Saliente-se que o Ministro Dias Toffoli, por ser sucessor de Sepúlveda Pertence, não votará. O Plenário concluiu na sessão do 4 de março de 2015 esse julgamento que foi concluído com os votos dos Ministros Ricardo Lewandowski e Rosa Weber. Ambos votaram pela revogação do decreto de prisão preventiva, mas mantiveram a integridade da denuncia apresentada pelo Parquet. Deve ser realçado que foi a  decisão, que por maioria de votos prevaleceu, vencidos parcialmente os ministros Cezar Peluso(aposentado), Cármen Lúcia e Ayres Britto(aposentado), além do relator do HC, ministro Marco Aurélio, que concedia a ordem em maior extensão. No caso, Sérgio Gomes da Silva responde ao processo em liberdade desde 2004, em função de liminar concedida no HC pelo então presidente do STF, ministro Nelson Jobim (aposentado). Antes de iniciar o voto-vista, o ministro Lewandowski esclareceu que a discussão sobre o poder de investigação do Ministério Público será travada em outros processos em tramitação na Corte, e não no caso em análise, como imaginava. Em seu voto pela revogação do decreto de prisão preventiva, o presidente do STF salientou que realmente o juízo baseou-se na suposta periculosidade do acusado e também na necessidade da garantia da ordem pública, em razão da comoção que o crime causou. O ministro lembrou que a legislação exige que o pedido de prisão preventiva seja baseado em fatos concretos, não sendo possível invocar abstratamente a possível perturbação da ordem pública nem a repercussão negativa dos fatos na comunidade.

Caso de repercussão geral (RE 593727): votaram pelo provimento do recurso, ou seja, desfavoravelmente ao poder de investigar (ressalvadas algumas circunstâncias não observadas no caso concreto), os Ministros Cezar Peluso e Ricardo Lewandowski. Após, foi suspenso o julgamento, o qual foi retomado no dia 27 de junho de 2012, com votos favoráveis ao Ministério Público, do que se lê  da antecipação de votos dos Ministros Celso de Mello, Gilmar Mendes, Joaquim Barbosa e Carlos Ayres Brito (presidente). O Ministro Luiz Fux pediu vista, suspendendo o julgamento. Posteriormente, com voto vista do Ministro Luiz Fux, consolidou-se posição favorável ao Ministério Público investigar. Disse ele, em seu voto, que ainda que em caráter subsidiário e sem o intuito de substituir a Policia, o Ministério Público tem o poder de conduzir investigações criminais. De acordo com o magistrado o que se pretende é a permissão da investigação direta pelo Ministério Público, desde que, nos limites da legalidade, e com o crivo do Judiciário, devendo o procedimento ser público e estar submetido ao controle judicial.

Acrescento ainda que, em Plenário, os ministros começaram a julgar um recurso apresentado pelo ex-prefeito de Ipanema (MG) Jairo Souza Coelho, réu, em processo que tramita na Justiça mineira por crime de desobediência, em que ele é suspeito de ter descumprido o pagamento de um precatório judicial. Ao se pronunciar sobre o caso concreto, o Ministro Peluso entendeu pela nulidade do processo. “Tratando-se de crime de desobediência praticado pelo prefeito, o Ministério Público não tem, a meu sentir, legitimidade para conduzir procedimento investigatório autônomo”, afirmou o Relator.

O Ministro Cezar Peluso defendeu a competência exclusiva das polícias para a condução de inquéritos policiais. Para ele, haverá três exceções em que o Ministério Público poderá atuar como investigador: quando o ato criminoso for praticado por membros do próprio Parquet; por autoridades ou agentes policiais; nas ocasiões em que policia tomar conhecimento do crime, mas não tiver a iniciativa de investigar o caso.

Por certo, é conhecida a posição do Ministro Celso de Mello no sentido de que a Policia não detém o monopólio da apuração de crimes e o Ministério Público pode até mesmo dispensar inquérito para apresentar denúncia em juízo. O próprio Ministro Celso de Mello citou precedentes do próprio Supremo Tribunal Federal para sustentar seu ponto de vista. Um deles, é conhecido, pois  envolveu o delegado do Dops(Departamento de Ordem Política e Social) de São Paulo, Sérgio Paranhos Fleury, acusado de chefiar o chamado ¨Esquadrão da Morte¨, suspeito de eliminar adversários do regime militar e de torturar presos políticos. Aliás, no julgamento daquele processo, realizado em 1971, a Corte rejeitou o argumento da falta de atribuição do Parquet para realizar investigação criminal contra o delegado. A investigação foi comandada pelo então procurador Hélio Bicudo, integrante do Ministério Público de São Paulo Para o Ministro Celso de Mello a atuação do Ministério Público é ainda mais necessária num caso como o de tortura, praticada pela polícia para forçar a confissão.

Afinal, repito à exaustão: quem promove a ação penal tem plenamente poderes para investigar. Quem tem os fins tem os meios.

Por certo, no desenrolar da votação no Supremo Tribunal Federal, tem-se que a matéria seja decidida pelo voto médio dos Ministros.

A par disso, há a PEC 37, do Deputado Lourival Mendes, do PT do B – MA, que é uma proposta de emenda á Constituição para diminuir ou erradicar o poder de investigação do Ministério Público e de outros órgãos. A PEC foi rejeitada e a matéria foi para arquivo.

Seja como for, o ex- procurador-geral da República, Roberto Gurgel,  alertou que é inaceitável restringir o poder investigatório que detém o Ministério Público. Isso seria realmente amputar a Instituição.

Afinal, no julgamento do RE 593727, com repercussão geral reconhecida, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no dia 14 de maio de 2015, assegurou ao Ministério Público a atribuição para promover, por autoridade própria e por prazo razoável, investigações de natureza penal. Contudo, os Ministros frisaram que devem ser respeitados, em todos os casos, os direitos e garantias fundamentais dos investigados, incluindo o princípio constitucional do devido processo legal e que a atuação do Ministério Público fica sob permanente controle jurisdicional, devendo ser ainda respeitadas as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e ainda as prerrogativas garantidas aos advogados. Sendo assim o Supremo Tribunal Federal validou, por sete a quatro, o trabalho de investigação do Ministério Público de Minas Gerais em uma ação contra o Prefeito de Upanama(MG), que questionou decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais em receber denúncia contra ele por crime de responsabilidade baseada unicamente em procedimento administrativo investigatório realizado pelo próprio Parquet, sem participação da Polícia.

Para o Ministro Marco Aurélio, a Constituição atribui ao Ministério Público o controle externo da atividade policial. Assim, ele se posicionou contra o Poder de Investigação do Órgão. Ele foi pelo provimento do recurso apresentado e outros três ministros que votaram a favor do recurso ainda admitiram algumas situações em que o MP pode atuar, dentre as historiadas. No entendimento do Ministro Marco Aurélio: “Legitimar a investigação por parte do titular da ação penal(MP) é inverter a ordem natural das coisas. Quem surge como responsável pelo controle não pode exercer atividade controlada. O desenho constitucional relativo ao MP na seara penal, pauta-se na atividade de controle externo da polícia. Deve ser o tutor das garantias constitucionais”.

Por sua vez, a Ministra Rosa Weber discordou do voto do Ministro Marco Aurélio. Disse ela: “Reconheço legitimidade constitucional do poder de investigação do Ministério Público,  mas com limites que vêm sendo apontados em fartas manifestações nesta Corte. Erros e abusos podem ser corrigidos mediante a intervenção do Judiciário. Reconhecer o poder de investigação do Ministério Público em nada afeta as atribuições da polícia e não representa qualquer diminuição do papel relevantíssimo por ela conduzida. As melhores investigações decorrem de atuação conjunta, um contribuindo para a atividade do outrem.”

Em resumo, disse o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que “a decisão de hoje vai provocar, como já reiterado aqui por todos os senhores(ministros), um trabalho cooperado do Ministério Público com a polícia.”

Estamos diante de garantias institucionais que devem ser preservadas em defesa dos próprios interesses da sociedade.

Afinal, o que são garantias institucionais? O que protegem?


IV – DAS GARANTIAS INSTITUCIONAIS

Para melhor compreender e estudar as funções do Ministério Público e seus poderes explícitos e implícitos necessário analisá-las dentro do que se vê  como verdadeiras garantias institucionais.

A opinião abalizada de BONAVIDES[9] não pode ser esquecida.

Diz ele que a garantia institucional não pode deixar de ser a proteção que a Constituição confere a algumas instituições, cuja importância reconhece fundamental para a sociedade, bem como a certos direitos fundamentais providos de um componente institucional que o caracteriza.

E diz mais:

¨Num mundo jurídico latino-americano, pelo menos entre nós, no Brasil, parece haver uma inclinação a subsumir as garantias institucionais na larga esfera ou universo das garantias constitucionais, não se fazendo,  por conseguinte, cabedal de um tratamento autônomo ou admissão de que estamos em presença de uma classe de garantias inteiramente nova.¨

 A conclusão que se tem é que a garantia constitucional é uma garantia que disciplina e tutela o exercício dos direitos fundamentais,  ao mesmo tempo que rege, com proteção adequada, nos limites da Constituição, o funcionamento de todas as instituições existentes no Estado.

Sabemos que a teoria constitucional das garantias institucionais tem base nos estudos dos juristas da República de Weimar, como se vê em STERN[10] que disse que determinadas instituições jurídicas devem ser resguardadas de uma supressão ou ofensa ao seu conteúdo essencial ou esfera medular, por parte do Estado, sobretudo o legislador.

Trata-se de uma garantia contra o Estado.

Sendo assim sua eficácia é de tal sorte que ela garante o instituto de modo absoluto e com toda a força da proteção constitucional qualificada contra uma total supressão ou ainda uma lesão ao mínimo daquilo que lhe perfaz a essência.

Será inconstitucional qualquer modificação, erosão, desnaturação, esvaziamento que venha a ser perpetrada contra uma Instituição velada pela Constituição.

Tal é o caso de qualquer modificação, esvaziamento que se faça na atividade ministerial.

CANOTILHO[11] bem sintetiza:

¨Na explanação feita a propósito dos direitos fundamentais foi salientado o duplo caráter de alguns direitos fundamentais(direito subjetivo e garantia institucional). Quer dizer que as normas referentes aos direitos fundamentais e ás garantias institucionais estão estritamente ligadas.¨

Garantias do instituto são garantias de instituições relacionadas com direitos fundamentais.

MEIRELLES TEIXEIRA[12] disse que o que a Constituição garante é a existência da instituição, do instituto com um conteúdo mínimo, que ela mesma poderá indicar ou estabelecer.

Garantias institucionais do Ministério Público e os direitos fundamentais que ele resguarda estão intimamente ligados.

A Constituição ao dar funções primaciais ao Ministério Público lhe dá formas de proteção para que a lei ou outra fonte normativa, até mesmo uma emenda constitucional, não possa afetar-lhe, suprir-lhe, pois, do contrário, estará a sociedade prejudicada na defesa da garantia da ordem jurídica,  e outros desideratos que lhe são dados pelo artigo 129 da Constituição Federal, pois o Ministério Público, como fiscal da lei, é instituição cuja permanência é necessária, a bem da sociedade. É o que disse o Constituinte Originário.

Daí porque são inconstitucionais as vedações à  atividade do Ministério Público que tragam limitações ao fiel desempenho de seu mister constitucional. Uma delas  é implicitamente observado, qual seja o poder de investigação ministerial, que se dá como natural consequência da atividade de autor da ação penal, como lhe destina a Constituição.

 Afiguram-se, pois, inconstitucionais as tentativas de mitigar a atividade investigatória do Parquet.


Notas

[1] SILVA, José Afonso da. O Constitucionalismo brasileiro – evolução institucional, São Paulo, Malheiros, 2011, pág. 386.

[2] PACHECO, José da Silva Pacheco. A reclamação no STF e no STJ de acordo com a nova Constituição, RT 646, pág. 19/30.

[3] RANGEL, Paulo.  investigação criminal direta pelo Ministério Público, Visão Crítica, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2003, pág. 257.

[4] Aliás, o Supremo Tribunal Federal admitiu a validade desses procedimentos, na ADIn 1.494 – MC.

[5] MAZZILLI, Hugo Nigro. As investigações do Ministério Público para fins penais(Artigo publicado na Revista APMP, em Reflexão, ano I, n. 4, pág. 12, São Paulo, APMP, 2005).   

[6] MAZZILLI, Hugo Nigro. Obra citada.

[7] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal comentado, São Paulo, Revista dos Tribunais, 10ª  edição, pág. 86.

[8] NOGUEIRA, Carlos Frederico Coelho; Eluf, Luiza Nagib. Quem tem medo da investigação do Ministério Público?

[9] BONAVIDES PAULO, Curso de Direito Constitucional, São Paulo, Malheiros, 4ª edição, pág. 450.

[10] STERN, Klaus. Das Staatsrecht dês Bundesrepublik Deutschland, Band III, I, Muenchen, 1988, pág. 761, apud BONAVIDES, Paulo, obra citada, pág. 452.

[11] CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. Coimbra, 1977, pág. 195.

[12] MEIRELLES TEIXEIRA, J. H. Curso de direito constitucional, São Paulo, Forense Universitária, 1991, pág. 697. 


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