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Agência Nacional de Transportes Terrestres

Agência Nacional de Transportes Terrestres

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Iniciemos pela própria denominação e/ou natureza jurídica de autarquia de regime especial. O regime jurídico de algum instituto é o conjunto de notas características que o enquadram e o identificam dentro do ordenamento jurídico.

RESUMO

            O presente trabalho traz um estudo sobre a Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT. Não obstante, tece considerações sobre as agências em geral, mas sempre revelando as peculiaridades da ANTT frente às normas gerais aplicadas à coletividade de agências.A pesquisa será feita mediante o estudo de doutrinas sobre o tema e de decisões judiciais que cooperam para revelação dos limites normativos e fiscalizadores da ANTT. A divisão do trabalho se dará em sete capítulos. O primeiro tratará da natureza e regime jurídico da ANTT, começando-se por conceitos de regime jurídico, para então, inserirmos a agência no campo devido no ordenamento jurídico. Após, trataremos, nesta mesma ordem, do fundamento legal (lei 10.233), das responsabilidades institucionais, da estrutura, dos limites da função normativa, da revisão (judicial e ministerial) dos atos administrativos e, finalmente, do estudo de casos: tratamento normativo e jurisprudêncial (tribunais superiores) referentes ao controle de arrecadação de pedágios e conservação e segurança nas estradas. Relembrando-se, todos estes pontos são introduzidos genericamente com auxílio de doutrinas antes de focaren-se nas nomas especias da Agência Nacional de Transportes Terrestres. Por fim, seremos capazes de revelar as peculiaridades da ANTT frente às demais agências, bem como entendermos os limites das suas funções normativas e fiscalizadoras.

Palavras-chave: Agência Nacional de Transportes Terrestres. Operações Ferroviárias. Normatização.

1. Introdução:

            Iniciemos pela própria denominação e/ou natureza jurídica de autarquia de regime especial. O regime jurídico de algum instituto é o conjunto de notas características que o enquadram e o identificam dentro do ordenamento jurídico, conforme a partir daí a doutrina o focaliza. O fato de utilizar (por exemplo, para as universidades e suas unidades) a denominação de regime especial não significa que entidade terá privilégios e prerrogativas de outras autarquias, que possibilitem a ela furtar-se a cumprir as exigências e sujeições legais e constitucionais mais comuns às entidades autárquicas e à administração em geral.

            As disposições ditas “especiais” devem apenas ser operacionais e não dispositivos de exceção. Nesse campo, a Universidade de São Paulo, por exemplo, funciona na prática como se fora uma espécie de holding de autarquias, que são as unidades (faculdade de direito, escola politécnica, faculdade de medicina etc.), que reportam legalmente a também autarquia (central, caso), que é a reitoria da USP. Além disso, cuida seu regime da estruturação própria de carreiras e do modo de designação de dirigentes, mas tudo dentro do ordenamento.

A Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT tem natureza jurídica de autarquia especial do Poder Executivo.

Foi instituída pela Lei 10.223 de 05/06/2001, com objetivos de implementar as políticas formuladas pelo Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte e pelo Ministério dos Transportes e regular ou supervisionar as atividades de prestação de serviços e de exploração de infraestrutura de transportes, exercidas por terceiros (TANAKA et al, 2008, p. 156).

É uma entidade integrante da Administração Federal indireta, submetida ao regime autárquico especial e vinculada ao Ministério dos Transportes, com independência administrativa, autonomia financeira e funcional o que busca torna-la capaz de se manter independente e livre de interferências nas suas esferas atuação, conforme se depreende do artigo 21§2° da Lei:

Art. 21.  Ficam instituídas a Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários - ANTAQ, entidades integrantes da administração federal indireta, submetidas ao regime autárquico especial e vinculadas, respectivamente, ao Ministério dos Transportes e à Secretaria de Portos da Presidência da República, nos termos desta Lei

§ 2o O regime autárquico especial conferido à ANTT e à ANTAQ é caracterizado pela independência administrativa, autonomia financeira e funcional e mandato fixo de seus dirigentes.

Sobre este ponto, ensina o livre-docente em Direito Constitucional, Alexandre de Moraes, que no Brasil, as agências reguladoras foram constituídas como autarquias de regime especial integrantes da administração direta, vinculadas ai ministério competente para tratar da respectiva atividade, apesar de caracterizadas pela independência administrativa, ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo e estabilidade; a ausência de possibilidade de demissão ad nutum de seus dirigentes e autonomia financeira.

            A Constituição Federal, em seu artigo 37, inciso XIX, determina que somente por lei específica poderá ser criada autarquia, que, em face da incidência do princípio da estabilidade, não poderá afastar-se no exercício de suas atividades, das finalidades e dos objetivos determinados na lei de sua criação. Além disso, as agências reguladoras estão sendo criadas para realizar as tradicionais atribuições da administração direta, na qualidade de Poder Público concedente, nas concessões, permissões e autorizações de serviços públicos.

            Derivam, pois (...) da necessidade de descentralização administrativa e têm, como função a regulação das matérias afetas a sua área de atuação e a permanente missão de fiscalizar a eficiência na prestação de serviços públicos pelos concessionários, permissionários e autorizados.

            A grande novidade das agências reguladoras consiste em sua maior independência em relação ao Poder Executivo, apesar de fazer parte da Administração Pública indireta.

            A independência financeira das agências reguladoras é consagrada pela presença dos seguintes preceitos obrigatórios em suas leis de criação: independência financeira; escolha dos instrumentos de regulação e; modo de nomeação de seus dirigentes.

            A independência funcional e financeira, deverá ser assegurada pela disponibilidade de recursos humanos e infraestrutura material fixadas em lei, além da previsão de dotações consignadas no orçamento geral da União, créditos especiais, transferências e repasses que lhe foram conferidos (MORAES, 2002, p.24 a 26)

O regime jurídico aplicado nos contratos firmados regulam-se pelas suas disposições e pelos preceitos de direito público, sendo-lhes aplicados, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado.  A ANTT tem prerrogativa de alterá-los, unilateralmente, para melhor adequação as finalidades de interesse público (sempre preservando o equilíbrio econômico-financeiro contratual); para regular e fiscalizar sua execução; para aplicar sanções motivadas pela sua inexecução parcial ou total e; para rescindi-lo. As cláusulas econômico-financeiras, no entanto, não podem ser alteradas sem prévia concordância das Concessionárias contratantes.

2. FUNDAMENTO LEGAL

São fundamentos legais, que constituem a base da Agência Nacional de Transportes Terrestres:

A Lei 10.233, de 05 de junho de 2001, publicada no Diário Oficial da União (DOU) de 06 de junho de 2001 e suas alterações dispõe sobre a reestruturação dos transportes aquaviário e terrestre.

O Decreto nº 4.130, de 13 de fevereiro de 2002, publicado no DOU de 14 de fevereiro de 2002, aprova o Regulamento e o Quadro Demonstrativo de Cargos Comissionados.

A Resolução nº 001, de 20 de fevereiro de 2002, publicada no DOU de 20 de março de 2002 e suas alterações aprova o Regimento Interno e a Estrutura Organizacional da ANTT.

3. RESPONSABILIDADES INSTITUCIONAIS:

Tracemos, para melhor entendimento e em linhas gerais, as responsabilidades / atribuições das chamadas agências reguladoras antes de tratarmos especificamente da ANTT.

            As autarquias de regime especial, mais especialmente as agências reguladoras, distinguem-se das autarquias, digamos, “normais”, porque suas leis instituidoras lhes outorgam certas prerrogativas que não são encontráveis na maioria das entidades autárquicas comuns.

            É claro que, sendo decorrentes da lei criadora, compatível com o ordenamento constitucional, as prerrogativas e autonomias podem variar de uma agencia para outra. No entanto, as atribuições de tais agências, doutrinariamente, de vez que se trata de regulação de concessão, permissão ou autorização de serviços públicos, encontramos certo consenso:

            “As atribuições das agências reguladoras, no que diz respeito à concessão, permissão e autorização de serviço público resumem-se ou deveriam resumir-se às funções que o Poder concedente exerce nesses tipos de contratos ou aos de delegação: regular os serviços que constituem objeto de delegação, realizar o procedimento licitatório para escolha do concessionário, permissionário ou autorizatário, celebrar o contrato de concessão ou permissão ou praticar ato unilateral de outorga da autorização, defini o valor da tarifa e da sua revisão ou reajuste, controlar a execução do serviços, aplicar sanções, encampar, decretar a caducidade, intervir, fazer a rescisão amigável, fazer a revisão de bens ao término da concessão, exercer o papel de ouvidor de denúncias e reclamações dos usuários, enfim, exercer todas as prerrogativas que a lei outorga ao Poder Público na concessão, permissão e autorização. Isto significa que a lei, ao criar a agência reguladora está tirando do Poder Executivo todas essas atribuições para coloca-las nas mãos da agência” (DI PIETRO, p.397).

            As agências reguladoras, destinando-se a regular relações que mantenham com as concessionárias, (também permissionárias ou autorizatárias) de serviços públicos de suas respectivas áreas, exercem, de certa forma, poder normativo (não regulamentar, no sentido estrito (...), reservado à regulamentação de leis formais, competência privativa dos chefes do Pode Executivo) para regrar os serviços objeto dos contratos ou atos de delegação, licitar a respectiva escolha dos concessionários / permissionários e celebrar os contratos correspondentes, ou outorgar unilateralmente autorização, definir tarefas e sua revisão, controlar a execução dos serviços etc., que normalmente são atribuições do “Poder concedente”, o que lhes confere, ao lado de certas autonomias em licitações e na área financeira, certa “independência” em relação ao Poder Legislativo  (pelo poder normativo), ao poder Executivo (mandato do dirigentes e não-revisão de normas ou decisões por outros órgãos ou entidades da Administração) e ao próprio Poder Judiciário, pela função “quase jurisdicional” de solução de litígios entre elas e os delegados de serviço público ou entre estes, como instância administrativa definitiva (MORAES, 2002, p. 44).

Passemos, agora, a tratar das atribuições da Agência Nacional de Transportes Terrestres.

A ANTT atua como ente regulador e fiscalizador do setor de transportes terrestres e fomentador das políticas formuladas pela administração direta, dentro de sua área de atuação.

Nesse escopo, é responsável por um posicionamento conciliador e harmonizador de interesses entre Concessionários e/ou Permissionários, usuários e as políticas de governo. Como já dito, é uma entidade integrante da Administração Federal indireta, submetida ao regime autárquico especial e vinculada ao Ministério dos Transportes, com independência administrativa, autonomia financeira e funcional o que a torna capaz de manter-se independente e livre de interferências em sua atuação.

A regulação do setor é amparada por amplas discussões técnicas e frequentes consultas à sociedade, por meio de audiências públicas, para que em cada ato empreendido estejam presentes os valores da sociedade.

Os atos regulatórios visam dar maior clareza à legislação e aos contratos de concessão e permissão. As decisões são voltadas para o correto cumprimento de cláusulas editalícias e contratuais, bem como para impedir situações que configurem competição imperfeita ou infrações de ordem econômica.

Desde sua criação, a ANTT procura conhecer todos os aspectos do negócio concedido à exploração por permissionários e concessionários com o objetivo de reduzir a assimetria de informações entre a agência reguladora e os entes por ela regulados.

Com isso, foi necessário estabelecer ações de acompanhamento econômico e financeiro e empreender fiscalizações nas áreas de contabilidade e tesouraria das empresas concessionárias e permissionárias para inspecionar a correção dos procedimentos e o cumprimento de obrigações previstas nos editais e contratos, adotando uma prática até então pouco usual para as outorgas do setor de transportes terrestres.

Foram publicados atos regulatórios que estabeleceram prazos e formas por meios das quais as outorgadas enviam para a ANTT suas demonstrações contábeis e as tarifas praticadas para o acompanhamento e verificação da veracidade dos dados, quando das inspeções. Como resultado das inspeções, a Agência passou a reunir uma extensa base de dados econômico-financeiros a respeito dos agentes regulados.

Além disso, a ANTT coleta informações sobre as outorgadas na imprensa, em serviços de informações especializadas, junto a outras agências e órgãos governamentais e também junto aos usuários, em um processo de acompanhamento permanente visando à adoção de ações preventivas.

A Agência avançou na redução da assimetria de informações com o desenvolvimento de um importante projeto regulatório, usando recursos do Banco Mundial para a padronização não só do elenco de contas contábeis com as quais os agentes outorgados são obrigados a registrar suas operações, mas principalmente, para o estabelecimento do modo como cada registro deve ser feito.

A Agência também desenvolve programas de fiscalizações nos modais, que visam verificar as condições de conformidade dos aspectos legais, administrativos, econômico-financeiros e operacionais das concessionárias e/ou permissionárias com o estabelecido nos respectivos editais de licitação e contratos. O objetivo é garantir condições de regularidade e continuidade dos serviços públicos concedidos/permitidos bem como a modicidade tarifária, que representa a utilização das receitas auferidas pelas concessionárias de forma alternativa em ganho para os usuários quando da avaliação dos reajustes periódicos das tarifas, respeitando o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos.

            Para concluirmos este tópico, não podemos deixar de mencionar importante ponto levantado por Figueiredo Torres, acerca da avaliação de desempenho a que estariam submetidas as agências em face de suas atribuições, como segue:

            “É interessante notar que, no Plano Diretor, em princípio, todo o processo de criação de agências autônomas (executiva e reguladora) estaria sujeito à implantação de mecanismos de avaliação de desempenho, como os contratos de gestão. Mas no caso específico das agências reguladoras, em apenas três (Aneel, Anvisa e ANS) das nove criadas existe a obrigatoriedade da assinatura de um contrato de gestão.

Pela importância dos interesses envolvidos, o bom funcionamento das agências reguladoras é crucial para a população brasileira, devendo ser alvo constante de aperfeiçoamentos e fortalecimento institucional por parte do governo. Assim, um problema se coloca com muita contundência: o efetivo grau de autonomia das agências reguladoras, lembrando que a autonomia deve ser conquistada em duas direções principais: em relação ao governo e em relação aos setores regulados” (TORRES, 2007, p. 102).

4. ESTRUTURA

A Resolução nº 001, de 20 de fevereiro de 2002, publicada no DOU de 20 de março de 2002 e suas alterações aprova o Regimento Interno e a Estrutura Organizacional da ANTT.

A Lei 10.233, por sua vez dispõe sobre a estrutura:

Art. 52. A ANTT e a ANTAQ terão Diretorias atuando em regime de colegiado como órgãos máximos de suas estruturas organizacionais, as quais contarão também com um Procurador-Geral, um Ouvidor e um Corregedor.

Art. 53. A Diretoria da ANTT será composta por um Diretor-Geral e quatro Diretores e a Diretoria da ANTAQ será composta por um Diretor-Geral e dois Diretores.

§ 1o Os membros da Diretoria serão brasileiros, de reputação ilibada, formação universitária e elevado conceito no campo de especialidade dos cargos a serem exercidos, e serão nomeados pelo Presidente da República, após aprovação pelo Senado Federal, nos termos da alínea f do inciso III do art. 52 da Constituição Federal.

§ 2o O Diretor-Geral será nomeado pelo Presidente da República dentre os integrantes da Diretoria, e investido na função pelo prazo fixado no ato de nomeação.

Art. 54. Os membros da Diretoria cumprirão mandatos de quatro anos, não coincidentes, admitida uma recondução.

Parágrafo único. Em caso de vacância no curso do mandato, este será completado pelo sucessor investido na forma prevista no § 1o do art. 53.

Art. 55. Para assegurar a não-coincidência, os mandatos dos primeiros membros da Diretoria da ANTT serão de dois, três, quatro, cinco e seis anos, e os mandatos dos primeiros membros da Diretoria da ANTAQ serão de dois, três e quatro anos, a serem estabelecidos no decreto de nomeação.

Art. 56. Os membros da Diretoria perderão o mandato em virtude de renúncia, condenação judicial transitada em julgado, processo administrativo disciplinar, ou descumprimento manifesto de suas atribuições.

4.1. Áreas de Atuação:

4.1.1. Transporte Ferroviário:

4.1.1.1. Exploração de Infraestrutura Ferroviária:

Com o intuito de aumentar a oferta e melhoria de serviços, o governo federal colocou em prática ações voltadas para a privatização, concessão e delegação de serviços públicos de transporte a Estados, Municípios e iniciativa privada.

A Lei n.º 8.031/90, de 12/04/90, e suas alterações posteriores, instituiu o Programa Nacional de Desestatização - PND. O processo de desestatização do setor ferroviário foi iniciado em 10/03/92, a partir da inclusão da Rede Ferroviária Federal S.A. - RFFSA no PND, pelo Decreto n.º 473/92.

A estrutura institucional do Programa Nacional de Desestatização é composta por dois grandes agentes principais: o Conselho Nacional de Desestatização - CND, órgão decisório, e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, na qualidade de gestor do Fundo Nacional de Desestatização - FND.

O Plano Nacional de Desestatização, relativamente à modalidade ferroviária, tem como principais objetivos:

- Desonerar o Estado;

- Melhorar a alocação de recursos;

- Aumentar a eficiência operacional;

- Fomentar o desenvolvimento do mercado de transportes;

- Melhorar a qualidade dos serviços.


4.1.1.2. Prestação de Serviço Público de Transporte Ferroviário de Cargas

A inclusão da Rede Ferroviária Federal S.A. no Programa Nacional de Desestatização através do Decreto n.º 473/92, propiciou o início da transferência de suas malhas para a iniciativa privada, durante um período de 30 anos, prorrogáveis por mais 30. Esse processo também resultou na liquidação da RFFSA, a partir de 07/12/99.

Em 28/06/97, o Governo Federal outorgou à Companhia Vale do Rio Doce - CVRD, no processo de sua privatização, a exploração por 30 anos, prorrogáveis por mais 30, das Estradas de Ferro Vitória a Minas e Estrada de Ferro Carajás, utilizadas basicamente no transporte de minério dessa companhia.

Além das malhas da RFFSA e das estradas de ferro da Companhia Vale do Rio Doce, a ANTT é responsável pelas seguintes concessões:

- Ferrovias Norte Brasil S.A. - FERRONORTE.

- Estrada de Ferro Mineração Rio do Norte;

- Estrada de Ferro Jarí;

- Estrada de Ferro Trombeta;

- Estrada de Ferro Votorantim;

- Estrada de Ferro Paraná Oeste S.A. - FERROESTE;

4.1.1.3. Prestação de Serviço Público de Transporte Ferroviário de Passageiros

A Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT é o órgão responsável pela gestão dos serviços de transporte ferroviário em malha ferroviária concedida, entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território.

A prestação dos serviços de transporte ferroviário de passageiros pode ser caracterizada como regular ou não regular. O transporte ferroviário regular, também denominado “trem regular ou regional”, tem sua outorga realizada por meio de concessão, enquanto o não regular, também denominado “trem turístico, cultural e comemorativo”, tem sua outorga realizada por meio de autorização.

4.1.2.1. Transporte Rodoviário:

4.1.2.2. Exploração de Infraestrutura Rodoviária

O processo de implantação iniciou em 1995 com a concessão pelo Ministério dos Transportes, de 858,6 km de Rodovias Federais. No processo de delegação aos estados, para o Rio Grande do Sul, foram transferidos 983,5 km de Rodovias Federais integradas a 674,3 km de Rodovias Estaduais (também concedidas). Já no Paraná foram transferidos 1.769,8 km de Rodovias Federais integradas a 581,3 km de Rodovias Estaduais, que estão sob concessão. Cabe ressaltar que após a denúncia de alguns convênios de delegação por parte do Governo do Rio Grande do Sul, a quilometragem total das concessões federais subiu dos 858,6 km iniciais para 1.482,4 km.

A parceria entre Governo Federal e Governos Estaduais deu continuidade ao processo de descentralização das atividades do Estado na área de transporte, transferindo à iniciativa privada a prestação de determinados serviços que, apesar de serem essenciais à sociedade, não precisariam, necessariamente, ser oferecidos pelo poder público. Essa transferência de responsabilidade vem possibilitando ao Estado a alocação de maiores verbas para as atividades sociais, estas indelegáveis.

4.1.2.3. Prestação de Serviço Público de Transporte Rodoviário de Passageiros

Os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros no Brasil são responsáveis por uma movimentação superior a 140 milhões de usuários/ano1. A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) é o órgão competente pela outorga e fiscalização das permissões e autorizações para a operação desses serviços, por meio de Sociedades Empresariais legalmente constituídas para tal fim.

O grau de importância desses serviços pode ser medido quando se observa que o transporte rodoviário por ônibus é a principal modalidade na movimentação coletiva de usuários, nas viagens de âmbito interestadual e internacional. Em 2008 o transporte rodoviário regular, em comparação ao aéreo, foi responsável por cerca de 71%2 do total dos deslocamentos interestaduais e internacionais de passageiros. Sua participação na economia brasileira é expressiva, assumindo um faturamento estimado anualmente em mais de R$ 3 bilhões3. Atualmente são 16.6404 ônibus habilitados para a prestação dos serviços regulares pelas empresas permissionárias e autorizatárias em regime especial (Resoluções nºs 2.868 e 2.869/2008). No transporte fretado são 22.870 veículos habilitados, que transportam anualmente mais de 11 milhões de passageiros e representam mais de R$ 734 milhões anuais em negócios para as empresas.

Para um país com uma malha rodoviária de aproximadamente 1,7 milhões de quilômetros, sendo 186 mil asfaltados (rodovias federais e estaduais), a existência de um sólido sistema de transporte rodoviário de passageiros é vital, daí a atuação ativa da ANTT para garantir a prestação de um serviço adequado.

Além do serviço rodoviário de longa distância, à ANTT também compete a gestão e controle do transporte interestadual semiurbano, aquele que, com extensão máxima de 75 km, ultrapassa os limites do Estado ou do Distrito Federal. Este serviço tem características de transporte rodoviário urbano. O serviço semiurbano também pode ser do tipo internacional, quando ultrapassa as fronteiras do país.

Atualmente, a exploração de serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros encontra-se sob a égide da Lei nº 10.233, de 5 de junho de 2001, da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, e da Lei nº 9.074, de 7 de julho de 1995, estas regulamentadas pelo Decreto nº 2.521, de 20 de março de 1998, e pelas normas aprovadas em Resolução, pela Diretoria Colegiada da ANTT.

As ações de regulação e fiscalização do setor têm caráter permanente e objetivam a adequação das rotinas e procedimentos para a efetiva operacionalização da Lei nº 10.233/2001, que criou a ANTT, buscando a contínua melhoria dos serviços e a redução dos custos aos usuários do transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros, quer no transporte regular, quer no de fretamento contínuo, eventual ou turístico.

4.1.2.4. Prestação de Serviço Rodoviário de Cargas

Dentre as áreas de atuação da ANTT, inclui-se a prestação de serviço rodoviário de cargas, estando incluída nesta prestação o Registro Nacional de Transportes Rodoviários de Cargas (RNTRC), a disponibilização do pagamento eletrônico de frete, a regulação do uso do Vale-Pedágio obrigatório, o apontamento e fiscalização de produtos perigosos e a regulamentação do transporte rodoviário internacional de cargas.

4.1.3. Transporte Dutoviário:

4.1.3.1. Cadastro de Dutovias:

A ANTT tem entre as suas atribuições, "Promover levantamentos e organizar cadastro relativos ao sistema de dutovias do Brasil e às empresas proprietárias de equipamentos e instalações de transporte dutoviário".

O Regimento Interno e a Estrutura Organizacional da Agência, aprovado pela Resolução nº 01 de 20 de fevereiro de 2002, e suas alterações, define como competência da Superintendência de Serviços de Transporte de Cargas – SUCAR, conforme Resolução nº 3000, de 28 de janeiro de 2009, em seu artigo 68 – inciso XXV “elaborar e manter o cadastro do Sistema de Dutovias e das empresas proprietárias de equipamentos e instalações de transporte dutoviário, articulando junto a outros órgãos visando uma análise sistêmica e multimodal do transporte dutoviário”.

O transporte Dutoviário pode ser dividido em:

Oleodutos, cujos produtos transportados são,, em sua grande maioria: petróleo, óleo combustível, gasolina, diesel, álcool, GLP, querosene e nafta, e outros.

Minerodutos, cujos produtos transportados são: Sal-gema, Minério de ferro e Concentrado Fosfático.

Gasodutos, cujo produto transportado é o gás natural.

Esta modalidade de transporte vem se revelando como uma das formas mais econômicas de transporte para grandes volumes principalmente de óleo, gás natural e derivados, especialmente quando comparados com os modais rodoviário e ferroviário.

A ANTT articula com as Entidades relacionadas à área, visando à criação de Cadastro Nacional de Dutovias, eficiente e seguro, que sirva para orientar suas ações e projetos.

4.1.4. Transporte Multimodal:

4.1.4.1. Habilitação do Operador de Transportes Multimodal

A Lei nº 9.611, de 19 de Fevereiro de 1998, define não só a operação do Transporte Multimodal de Cargas, como as responsabilidades dos agentes envolvidos. Além de conceituar a operação de Transporte Multimodal de Cargas, cumpre apresentar as definições legais para o OTM e para o contrato único de transporte, elementos chaves da operação.

O Transporte Multimodal de Cargas é aquele que utiliza duas ou mais modalidades de transporte. É executado sob a responsabilidade única de um Operador de Transporte Multimodal – OTM; e é regido por um único contrato.

Define-se o OTM como a pessoa jurídica, transportadora ou não, contratada como principal para a realização do Transporte Multimodal de Cargas, da origem até o destino, por meios próprios ou por intermédio de terceiros. Este operador assume a responsabilidade pela execução desses contratos, pelos prejuízos resultantes de perda, por danos ou avaria as cargas sob sua custódia, assim como por aqueles decorrentes de atraso em sua entrega, quando houver prazo acordado.

Suas atividades incluem, além do transporte, os serviços de coleta, unitização, desunitização, consolidação, desconsolidação, movimentação, armazenagem e entrega da carga ao destinatário.

O exercício da atividade do OTM depende de prévia habilitação e registro na ANTT. No caso de transporte multimodal de carga internacional, o OTM será beneficiário do regime especial de trânsito aduaneiro para desembaraço da carga. Para isso, deverá se licenciar na Receita Federal do Brasil.

Por sua vez, o Conhecimento de Transporte Multimodal de Cargas – CTMC evidencia o contrato de transporte multimodal e rege toda a operação de transporte, desde o recebimento da carga até a sua entrega no destino.

Dessa forma, cria-se a figura do Operador de Transporte Multimodal de Cargas (OTM) com suas atribuições, sendo a principal a gestão de todas as prestações de serviço porta a porta mediante um contrato único.

5. LIMITES DA FUNÇÃO NORMATIVA:

            O poder normativo das agências reguladoras não abrange o poder de regulamentar leis e, especialmente, não pode inovar na ordem jurídica ou contrariá-la. Em outras palavras, inovar significaria legislar, e isso fere os princípios da legalidade (art. 5°, III, da CF) e da separação dos poderes (CF, art. 2°).

Assim, suas normatizações deveram ser operacionais apenas, regras que, às vezes aparentemente autônomas, prendem-se a disposições legais efetivamente existentes. É o caso, por exemplo, das regras estabelecidas para licitações nos Editais (que não podem contrariar normais da Lei 8.666/93), das condições exigíveis para concessões/permissões de serviço público e os aspectos que costumam ser englobados na chamada “autonomia técnica” da agência reguladora ou discricionariedade técnica, para definir as regras e os parâmetros técnicos referentes a essas atividades.

Mesmo assim, essa definição de regras operacionais e tecnicamente discricionárias não pode contrariar normas legais e inovar na ordem jurídica legal-formal.

Menezello, por sua vez, ensina acerca dos limites da função normativa que, na proposta de novas normas, as agências devem explicitar claramente os motivos determinantes de cada uma das propostas de regulação, para que os agentes regulados possam avaliar também a razoabilidade e proporcionalidade da proposta.

            Destarte, as agências federais devem atender também à Lei Complementar Federal n° 95, de 26/12/1998, que dispõe sobre a elaboração de Leis e o Decreto Federal n° 4.176 de 28/03/2002, que estabelece regras para redação de atos normativos de competência dos órgãos do Poder Executivo, considerando a necessidade de controle de juridicidade e legitimidade dos atos normativos. Com efeito, os dispositivos dessa Lei e desse Decreto são de natureza vinculativa, o que obriga as agências a seu fiel cumprimento (MENEZELLO, 2002, p. 130).

São artigos que podem orientar e limitar a função normativa da ANTT, segundo sua Lei de criação:

Art. 24. Cabe à ANTT, em sua esfera de atuação, como atribuições gerais:

IV – elaborar e editar normas e regulamentos relativos à exploração de vias e terminais, garantindo isonomia no seu acesso e uso, bem como à prestação de serviços de transporte, mantendo os itinerários outorgados e fomentando a competição;

VIII – fiscalizar a prestação dos serviços e a manutenção dos bens arrendados, cumprindo e fazendo cumprir as cláusulas e condições avençadas nas outorgas e aplicando penalidades pelo seu descumprimento;

XIV – estabelecer padrões e normas técnicas complementares relativos às operações de transporte terrestre de cargas especiais e perigosas;

Parágrafo único. No exercício de suas atribuições a ANTT poderá:

I – firmar convênios de cooperação técnica e administrativa com órgãos e entidades da Administração Pública Federal, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, tendo em vista a descentralização e a fiscalização eficiente das outorgas;

Mas, apesar do esclarecimento dado pela Lei 10.233, lacunas deram margem a discussões judiciais acerca dos limites normativos da ANTT e/ou limites de seus atos.

É o caso, por exemplo, do Mandado de Segurança nº 2009.34.00.018442-2 - 4ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal. Nele, a Advocacia-Geral da União (AGU) demonstrou, na Justiça, que a Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT) só pode conceder autorização para prestação de serviço de transporte interestadual de passageiros mediante a comprovação da regularidade fiscal da empresa.

No caso, a Transportadora Turística Suzano Ltda., com sede na Grande São Paulo, questionava a norma.

A comprovação de regularidade fiscal está estabelecida na Resolução nº 1.166/05 da ANTT, que regulamenta a prestação de serviços de transporte rodoviário interestadual. A norma editada está amparada na Lei nº 10.233/01, que concedeu à Agência o poder de autorizar a prestação de serviços terrestres para as empresas que atendam aos requisitos técnicos, econômicos e jurídicos estabelecidos pela própria ANTT.

No processo, argumentava a Procuradoria Regional Federal da 1ª Região, juntamente à PF/ANTT que, por se tratar de atividade de utilidade pública, é poder-dever da ANTT zelar pelo funcionamento da atividade de transporte terrestre. O objetivo seria resguardar os passageiros e garantir o pagamento de obrigações pela empresa autorizada. Por isso, seria necessário aferir a idoneidade financeira e fiscal da transportadora. A transportadora, por sua vez, alegava que seria inconstitucional e ilegal a exigência da autarquia, pois afrontaria os princípios da livre iniciativa e concorrência. Além disso, a ANTT estaria fazendo cobrança indireta e coercitiva de tributos. Os procuradores federais rebateram a acusação. Defenderam que o livre exercício da atividade econômica não seria um princípio absoluto, mas que deve ser conciliado com outros princípios constitucionais, como os que determinam a proteção do meio ambiente e a defesa do consumidor. A lei, portanto, pode limitar essa liberdade, como fazem as normas que regulam os serviços de transporte de passageiros. Por fim, as Procuradorias esclareceram que compete exclusivamente à autarquia avaliar a conveniência e a oportunidade em conceder a autorização. Para isso, a agência pode solicitar informações ou documentos adicionais.

A 4ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal acolheu os argumentos das unidades da AGU e negou o pedido da empresa de turismo. Para a Justiça, "não há falar em inconstitucionalidade de exigências de regularidade fiscal prevista em lei, pois a liberdade de atividade econômica não é absoluta, e no seu desempenho deve-se observar a legislação de regência".

Podemos concluir que as decisões normativas da Agência não se sobrepõem em forma e conteúdo à Legislação Federal pertinente, nem aos usuários, nem aos agentes econômicos, mas, ao contrário, devem obrigatoriamente caminhar no mesmo sentido, a fim de que as finalidades da regulamentação sejam alcançadas por meio da tutela do Direito Regulatório. Complementando, também nos cabe dizer que as normas propostas devem limitar-se à especialização da agência, valorizando a transparência para informar os motivos que fundamentam tal proposta (MENEZELLO, 2002, p. 130).

6. REVISÃO (JUDICIAL E MINISTERIAL) DOS ATOS ADMINISTRATIVOS

De acordo com o parágrafo segundo do artigo 21 da Lei 10.233, O regime autárquico especial conferido à ANTT e à ANTAQ é caracterizado pela independência administrativa, autonomia financeira e funcional e mandato fixo de seus dirigentes. Assim, se existir algum problema relacionado à legalidade do processo administrativo, será possível sua revisão pelo ministério ao qual está ligada a ANTT. Mas pode o Ministério dos Transportes rever ou fiscalizar a própria atividade da Agência? Para que isto ocorra, deve haver previsão legal expressa na lei de criação das agências, o que não ocorre no caso da Lei 10.233, que cria a Agência Nacional dos Transportes Terrestres.

Comumente, ao proceder a julgamentos de determinadas situações e problemas concretos, as agências acabam exercendo uma função judicial, especialmente se considerarmos que suas decisões são técnicas e finais no âmbito administrativo (TORRES, 2007, p. 98).

            Mas, diante de uma nova categoria de atos administrativos (de regulação ou regulatórios), oriundos do poder normativo das agências reguladoras, questiona-se também: esses atos administrativos de regulação podem ser objeto de controle pelo Poder Judiciário? Em caso positivo, quais aspectos desses atos poderão sofrer apreciação jurisdicional?       

Moraes traz importante colação a respeito do poder “judicial” das agências, nos seguintes termos:

            “É inadmissível em um Estado de Direito a existência de atos praticados pelo Poder Executivo que não possam ser objeto de apreciação pelo Poder Judiciário (...). Acrescenta-se a isso que o princípio da inafastabilidade da apreciação pelo Poder Judiciário está insculpido no artigo 5°, inciso XXXV, da CRFB” (MORAES, 2002, p. 163).

            Todavia, com inteira razão, ressalta Celso Antônio Bandeira de Mello que há aspectos do ato discricionário que devem remanescer imunes à investigação judicial:

O campo de apreciação meramente subjetiva – seja por conter-se no interior das significações efetivamente possíveis de um conceito legal fluído e impreciso, seja por dizer com a simples conveniência e oportunidade de um ato – permanece exclusivo do administrador e indevassável pelo juiz, sem o que haveria substituição de um pelo outro, a dizer, invasão de funções que se poria às testilhas com o próprio princípio da independência dos Poderes, consagrado no artigo 2° da Lei Maior.

            Podemos concluir este tópico com a recomendação cautelosa de Torres:

Como existe o princípio da unicidade de jurisdição no direito brasileiro, a qualquer momento o Judiciário pode ser chamado a decidir sobre os mais variados assuntos relativos ao papel desempenhado pelas agências reguladoras. Por isso, para evitar conflitos institucionais entre o Executivo e o Judiciário, a área de atuação da agência deve ser muito bem delimitada. (TORRES, 2007, p. 98).

           

7. ESTUDO DE CASOS: TRATAMENTO NORMATIVO E JURISPRUDÊNCIAL (TRIBUNAIS SUPERIORES) REFERENTES AO CONTROLE DE ARRECADAÇÃO DE PEDÁGIOS E CONSERVAÇÃO E SEGURANÇA NAS ESTRADAS.

Interessa importante revisão sobre responsabilidade civil, uma vez que a responsabilidade das agências é tema de discussão judicial que resulta nos acórdãos selecionados.

No que diz respeito à responsabilidade civil das prestadoras de serviço público, esta é objetiva, pois assim determina o artigo 37 §6° da Constituição Federal, mas qual seria a posição das agências reguladoras, que se colocam exatamente entre o Poder Público concedente e as concessionárias / permissionárias / autorizatárias?

Se, como a doutrina predominante aponta com precisão, no caso das concessões, permissões e autorizações de serviço público, a lei transfere às agências reguladoras e as atribuições do Poder Público concedente nessa matéria, e se a responsabilidade do Estado em relação à delegação de tais serviços e mesmo concernente às entidades que cria para desempenhar serviços públicos é subsidiária, como tem reconhecido a jurisprudência, uma vez que o serviço público é assumido pelas concessionárias / permissionárias / autorizatárias em seu próprio nome, por sua conta e risco, no interesse geral, parece lógico que, no caso da execução dos serviços, a responsabilidade civil dos prejuízos causados deva ser direta e objetiva das prestadoras do serviço e subsidiária das agências ou do próprio Poder concedente. No entanto, se as falhas ou ilegalidades se verificarem na própria regulação (fiscalização, normatização, controle, gerenciamento etc.), que venham a indiretamente causar prejuízo ao administrado em geral e ao usuário do serviço em especial, a responsabilidade da agência reguladora poderá ser solidária à da prestadora e, conforme o caso, até mesmo direta (MORAES, 2002, p. 57).

Isto posto, passemos primeiramente à problemática do CONTROLE DE ARRECADAÇÃO DE PEDÁGIOS realizado pela Agência em estudo.

Fato incontroverso é que a autorização para arrecadação de pedágio compreende, basicamente, os serviços de conservação do trecho, sua monitoração os serviços e obras de recuperação, manutenção de melhoramentos, além da operação do trecho rodoviário e a prestação de serviços aos seus usuários.

O modelo de controle adotado pela ANTT é um controle por resultados, visando a verificação da prestação adequada do serviço com base nos parâmetros de desempenho previstos no PER e no cronograma físico-financeiro previsto no contrato de concessão. A Agência efetua esse controle por meio da Superintendência de Exploração da Infraestrutura Rodoviária - SUINF entre outros.

Assim, obviamente a ANTT, no desempenho de suas funções, pode verificar se os serviços da concessionária estão sendo prestados de acordo com o contrato de concessão. Mas, quando do inadimplemento desta prestação, em esfera judicial, a ANTT pode figurar no polo passivo ou polo ativo em questões que envolvam este inadimplemento da concessionária, como, por exemplo, no que se refere ao controle e arrecadação de pedágios?

            O Resp 1144584 RS 2009/0113073-0 do Supremo Tribunal de Justiça assim se pronunciou:

2. A União e a Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT têm legitimidade para integrar o pólo passivo de demanda na qual se discute a possibilidade de redução da tarifa de pedágio quando os veículos trafegam em rodovias federais com eixos suspensos, ainda que haja delegação da administração e exploração ao Estado-membro. Precedentes.

Para melhor exemplificarmos a problemática, aproveitemos alguns pontos do relatório:

Cuida-se de recursos especiais da AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES - ANTT, da EMPRESA CONCESSIONÁRIA DE RODOVIAS DO SUL S/A - ECOSUL e da UNIÃO, todos com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, assim ementado:

“PEDÁGIO. DISPENSA DA COBRANÇA. EIXOS SUSPENSOS. VEÍCULO DE CARGA.

Ainda que a cobrança da tarifa tome por baliza o número de eixos dos veículos, é notório que estes se fazem presente quando existir maior massa a ser transportada.

Restando comprovado o desnecessário uso dos referidos eixos, desnecessária também se faz a arrecadação do pedágio por maior valor (fl. 569). Opostos embargos de declaração pela ECOSUL e pela União, restaram acolhidos somente para fins de prequestionamento (fls. 590/594)”

A Agência Nacional de Transportes Terrestres sustenta, em suas razões, violação ao art. 535, II, do CPC; ao art. 5º, XXXV, LIV e LV e 93, IX, da Constituição Federal e aos arts. 1º, 4º e 5º do Decreto-lei 791/69. Pleiteia seja reconhecida sua ilegitimidade para figurar no polo passivo da demanda, tendo em conta a responsabilidade exclusiva da concessionária pela execução do contrato. Afirma, de outra parte, que a fixação do valor da tarifa de pedágio toma em conta a categoria do veículo, sendo irrelevante a utilização ou não de todos os eixos do veículo. Assim, requer que a tarifa seja cobrada de maneira integral (fls. 596/604).

A Empresa Concessionária de Rodovias do Sul S/A - ECOSUL afirma, em seu recurso, maltrato ao art. 4º do Decreto-lei 791/69 e aos arts. 1º, 4º, 9º, caput e 4º, 10, 13 e 18 da Lei 8.987/95 (fls. 605/624). Esclarece que a tarifa é calculada de acordo com a capacidade de carga e não da carga efetivamente transportada. Assim, para fins de cobrança, é tomada em conta a categoria do veículo, tanto pela lei, quanto pelo contrato de concessão. Assinala, ainda, que a suspensão do eixo é feita pelo motorista, podendo ser realizada até mesmo quando o veículo está totalmente carregado, resultando inviável fixar o critério de cobrança a partir dos eixos em uso, dada a possibilidade da perpetuação de fraudes. Ressalta que a ausência de cobrança do eixo suspenso implica na quebra do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, o que determina a imediata revisão para maior da estrutura tarifária, prejudicando todos os usuários da rodovia. Pretende seja mantido o critério de cobrança adotado no contrato de concessão (fls. 605/624).

A União, por sua vez, aponta violação aos arts. 267, VI, e 535, II, do CPC; ao art. 5º, LV, da Constituição Federal e aos arts. 1º, 3º, 1º, 4º, 2º, 3º e 7º, da Lei 9.277/96. Sustenta que não é parte legítima para figurar no polo passivo da demanda, já que anteriormente ao contrato de concessão, as rodovias concedidas à ECOSUL foram objeto de delegação para o Estado do Rio Grande do Sul, nos termos da Lei 9.277/96. Não fosse isso, a competência para fiscalizar os contratos de permissão para prestação de serviços e de concessão para exploração de infra-estrutura é exclusiva da Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT. Assinala que no contrato de concessão, bem como em seu aditivo não há distinção acerca da cobrança de pedágio de veículos com os eixos suspensos ou não (fls. 627/637).

Destaca-se da decisão os seguintes pontos:

(...) O acórdão recorrido, porém, ao reconhecer a legitimidade da União e da ANTT para integrar o polo passivo da demanda está em consonância com a iterativa jurisprudência desta Corte, como se observa dos seguintes precedentes: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. VIOLAÇAO AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇAO DO ART. 557 DO CPC. CONTRATO DE CONCESSAO. RODOVIA FEDERAL. PEDÁGIO. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO.

(...) 3. Esta Corte já se pronunciou, em questão análoga, e entendeu que a União e a Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT ostentam legitimidade para integrar o pólo passivo de ação versando sobre reajuste de pedágio em rodovia federal, ainda que haja delegação de sua administração e exploração ao Estado-membro.

(...) 1. A União e a Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT ostentam legitimidade para integrar o pólo passivo de ação versando sobre reajuste de pedágio em rodovia federal, ainda que haja delegação de sua administração e exploração ao Estado-membro. Precedentes do STJ: AgRg no REsp 1119560/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJ de 25/09/2009; REsp 1103168/RS, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, DJ de 27/04/2009; RESP 848.121/PR, Relatora Ministra Denise Arruda, DJ de 28.11.2008; RESP 1.025.754/PR, Relator Ministro Herman Benjamin DJ de 02.6.2008; REsp 851.421/PR, Relator Ministro Humberto Martins, DJ de 16.10.2007.

            Passemos agora a tratar da problemática da CONSERVAÇÃO E SEGURANÇA NAS ESTRADAS. Para abordarmos tal questão, nos valeremos da Ação Civil Pública nº 5000272-12.2010.404.7209/SC, cuja sentença acabou sendo objeto do Resp (...) no STJ.

O Ministério Público Federal ingressou com Ação Civil Pública contra a União, o Município de Jaraguá do Sul/Sc, o Município de Guaramirim/Sc, o Município de Corupá/SC e All - América Latina Logística Do Brasil S.A., objetivando a condenação dos demandados solidariamente ou dentro da responsabilidade de cada um, à obrigação de fazer, consistente em realizarem obras urgentes.

Alegou o autor que, em face de notícia de má sinalização das linhas férreas que percorrem os municípios de Jaraguá do Sul, Guaramirim e Corupá, da ocorrência de acidentes graves relacionados a esse fato e da poluição sonora emitida pelos trens que percorrem essas linhas, instaurou inquérito civil com o objetivo de apurar irregularidades. Argumentou que concluído o referido inquérito civil, constatou que as medidas de segurança existentes nas cidades referidas são insuficientes para garantir a segurança das pessoas que cruzam diariamente as linhas férreas, o que é evidenciado pelo grande número de acidentes que ocorrem na região. Salientou que é preocupante o descaso com a manutenção das cancelas eletrônicas e sinais luminosos instalados em alguns cruzamentos rodoferroviários e que a falha nos sistemas eletrônicos contribui para a ocorrência dos acidentes.

            O Município de Guaramirim/SC alegou não ser o responsável pela sinalização das rodovias. O Município de Corupá/SC aduziu que a responsabilidade pela sinalização das travessias existentes à época da concessão é da América Latina Logística etc. A União afirmou sua ilegitimidade passiva, pois a Lei nº. 10.233/2001 atribuíra todas as ações fiscalizatórias correlatas à ANTT-Agência Nacional de Transportes Terrestres. Foi proferida decisão determinando a exclusão da União do polo passivo da ação e consequente intimação da Agência Nacional de Transportes Terrestres-ANTT.

Intimada, a Agência Nacional de Transportes Terrestres-ANTT alegou, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva entre outros. No

mérito, sustentou, em síntese, não haver prova inequívoca ou verossimilhança da tese exposta na inicial. Salientou que vem regularmente fiscalizando o desempenho da concessionária no que se refere às metas mínimas de redução do número de acidentes previstas contratualmente e que constatou ter a América Latina Logística superado as metas de prevenção de acidentes fixadas no biênio 2008/2009. Argumentou que os acidentes relatados pelo autor no referido biênio envolveram apenas pequenos danos de ordem material, não podendo ser considerados como de gravidade, na forma do Regulamento, e de qualquer modo, sequer se pode atribuir a responsabilidade pelos acidentes à deficiência na sinalização. Asseverou não ter sido comprovada a deficiência de manutenção das cancelas existentes nas passagens de nível. Alegou que o mau funcionamento de cancelas apenas se configura como omissão indevida do Poder Público no caso em que seja comprovada a sua displicência em detectar os problemas e repará-los em prazo hábil. Quanto à colocação das cancelas em todas as passagens de nível, assinalou não ter o autor apontado qual seria o dispositivo legal estabelecendo esta obrigatoriedade, e que não o fez, justamente, por consistir esta circunstância em competência discricionária do Administrador Público.

            A decisão, orquestradamente prolatou que há sempre responsabilidade da concessionária em manter, de maneira eficaz, a segurança (sinalização e fiscalização) nas passagens de nível, e não apenas nelas, mas em todo o trajeto da ferrovia, inclusive em meio urbano, pois tal obrigação é ínsita ao negócio de exploração do serviço de transporte ferroviário.

            Quanto aos Municípios, como disposição contida em Decreto não pode contrariar o ordenamento (de maneira específica a Lei nº 8.987/95), entende o Magistrado que não compete a eles a instalação e manutenção de obras de segurança nos cruzamentos entre suas vias e a linha férrea, e sim à empresa que explora os serviços de transporte ferroviário. Por outro lado, relativamente à regulação do trânsito e à poluição sonora causada pela passagem e especialmente pela buzina dos trens (de responsabilidade da ALL), os Municípios tem o dever-poder de normatização e fiscalização, no âmbito de seu território, nos termos do art. 23, VI, e 30, I e II, da Constituição Federal.

            Acerca da ANTT, decidiu-se que o fato de tais deficiências (sinalização, ruídos e acidentes) serem de conhecimento público há anos e perdurarem até hoje, bem como a ausência de qualquer documento nos autos que demonstre a realização de inspeções técnicas periódicas anteriormente ao ajuizamento deste feito e a correlata imposição de sanções aos responsáveis, demonstram à saciedade que a ANTT não vem realizando adequadamente as obrigações que a Lei lhe impôs, do que decorre a necessidade de determinação judicial nesse sentido.

            Quanto à especificação das medidas concernentes à tutela específica da obrigação de fazer postulada, foi determinado que se retire a estrada de ferro da zona urbana dos Municípios de Guaramirim e Jaraguá do Sul, nos moldes de um projeto existente há mais de uma década.

À ANTT impôs-se condenação a fim de realizar os procedimentos necessários para dar início ao processo de implantação do contorno ferroviário de Guaramirim e Jaraguá do Sul, cujo projeto foi referido na fundamentação, no prazo de 180 dias; 2 - realizar inspeções técnicas semestrais na linha férrea que cruza os Municípios de Guaramirim, Jaraguá do Sul e Corupá, observando, inclusive, as obrigações impostas à ALL nesta sentença, e, no caso de irregularidades, tomar as providências cabíveis, inclusive impondo sanções à empresa na forma e nos casos em que forem exigíveis; 3 - deverá, ainda, comunicar por escrito e em prazo razoável aos Municípios, as providências.

8. CONCLUSÃO:

A Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT tem natureza jurídica de autarquia especial do Poder Executivo. Tem objetivos de implementar as políticas formuladas pelo Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte e pelo Ministério dos Transportes e regular ou supervisionar as atividades de prestação de serviços e de exploração de infraestrutura de transportes, exercidas por terceiros. Pertencente à Administração Federal indireta, submete-se ao regime autárquico especial e vinculada ao Ministério dos Transportes, com independência administrativa, autonomia financeira e funcional o que busca torna-la capaz de se manter independente e livre de interferências nas suas esferas atuação.

            Mas o regime autárquico especial conferido à ANTT não pode ser interpretado como regime de benefícios concedidos à Agência. Assim, se existir alguma ilicitude relacionada a ato da ANTT, caberá revisão judicial dos atos proferidos pela Agência. O Ministério dos Transportes, no entanto, por falta de previsão legal, não poderá rever ou fiscalizar a própria atividade da Agência, apenas revisará inobservâncias ao devido processo administrativo.

Não obstante, como verificado nas decisões emanadas do Poder Judiciário, se as falhas ou ilegalidades se verificarem na própria regulação (fiscalização, normatização, controle, gerenciamento etc.), que venham a indiretamente causar prejuízo ao administrado em geral e ao usuário do serviço em especial, a responsabilidade da Agência Reguladora poderá ser solidária à da prestadora e, conforme o caso, até mesmo direta. Observa-se a aplicação de tal entendimento nas condenações na obrigação de fazer sofridas pela ANTT, que teve sua legitimidade passiva reconhecida nos casos em que devia controlar e fiscalizar a arrecadação de pedágios e quando se mostrou omissa no seu dever de fiscalizar as concessionárias que não exerciam devidamente a conservação e manutenção dos itens de segurança nas estradas.

REFERÊNCIAS

ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras: e a evolução do direito administrativo econômico. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

BRASIL. Vade Mecum Saraiva. 17 ed. Atual. e Ampl. – São Paulo: Saraiva, 2014.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2011

MENEZELLO, Maria D'assunção Costa. Agências reguladoras e o direito brasileiro. São Paulo: Atlas, 2002.

MORAES, Alexandre de (Org.). Agências reguladoras. São Paulo: Atlas, 2002.

TANAKA, Sônia Yuriko Kanashiro (Coord.). Direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008.

TORRES, Marcelo Douglas de Figueiredo. Agências, contratos e Oscips: a experiência pública brasileira. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 2007.


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