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Cargas probatórias dinâmicas no novo código de processo civil

Cargas probatórias dinâmicas no novo código de processo civil

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O presente trabalho visa demonstrar e debater o tema das cargas probatórias dinâmicas no novo código de processo civil. Traz um panorama do atual sistema das cargas probatórias, traçando um paralelo entre inversão do ônus da prova e prova dinâmica.

Sumário: 1. Introdução – 2. Distribuição Estática do Ônus da Prova – 2.1 Aspectos Gerais do Ônus Probandi – 2.2 A Distribuição Estática – 3. Inversão/Modificação do Ônus da Prova – 4. Cargas Probatórias Dinâmicas – 4.1 Prova Diabólica – 4.2 Distribuição Dinâmica do Ônus da Prova – 5. Conclusão - Referências Bibliográficas.


1 INTRODUÇÃO

No presente trabalho realizaremos uma análise das questões probatórias que permeiam o atual ordenamento jurídico brasileiro. Debateremos acerca do atual momento que passa o processo civil brasileiro, os institutos atualmente vigentes, as críticas necessárias a eles.  Daremos especial atenção ao atual instituto da inversão do ônus da prova, sua definição, e eventuais ponderações e críticas.Tentaremos enfatizar o momento de reformulação de ideias e paradigmas que são postos em discussão dentro do ordenamento jurídico brasileiro (temas anteriormente tidos como dogmas por parte dos clássicos processualistas, que ainda relutam em aceitar o novo modelo de processo civil), bem como o tema da inovação nos institutos e teorias práticas do processo.

Trata-se, em verdade, de uma pequena análise crítica ao ordenamento jurídico processual atual, de forma a tecer uma base lógica para o entendimento do conceito de processo civil contemporâneo, bem como as questões de debate deste último tópico. O perfeito entendimento acerca do modelo de distribuição probatória contemporânea passa, necessariamente, pela análise dos institutos que o precederam.

Certo que o presente trabalho tem por escopo a plena explicação, debate e demonstração da aplicação prática da teoria das cargas probatórias dinâmicas no processo civil brasileiro. Entretanto, tentaremos abordar o tema de forma a demonstrar a imensa dificuldade (ou até impossibilidade) de desvinculação da presente teoria da própria história evolutiva que sofreu o processo brasileiro desde o início de seu estudo até o regramento vigente. A intenção do estudo é analisar os pontos importantes da matéria, em razão da recente promulgação do novo Código de Processo Civil Brasileiro. Passaremos pelo instituto do ônus da prova estático, da inversão do ônus da prova e da distribuição dinâmica do ônus da prova.


2 DISTRIBUIÇÃO ESTÁTICA DO ÔNUS DA PROVA

Neste tópico cuidaremos de ressaltar qual a situação dos ônus probatórios no ordenamento jurídico brasileiro. Ressaltaremos a previsão legal acerca do ônus da prova estático, e todos os pontos e aspectos percebidos pela doutrina com relação ao tema. Analisaremos as denominações e críticas doutrinárias e os devidos apontamentos deste trabalho.

2.1 ASPECTOS GERAIS DO ÔNUS PROBANDI

Parte predominante da doutrina entende que o instituto do ônus da prova se apresenta no ordenamento jurídico brasileiro em dois aspectos: subjetivo e objetivo. Há ainda dentre eles, aqueles que, como por exemplo, José Carlos Barbosa Moreira[1], intitulam esses aspectos do instituto em formal e material.

O ônus da prova subjetivo trata-se de uma regra de conduta e modo de proceder dirigida às partes, para que produzam provas no processo visando o esclarecimento dos fatos que alegaram, e somente estes. Através de expressa previsão legal, encontra-se previamente determinada quais as ações que deverão ser tomadas por cada parte (ao autor a prova de determinados fatos; o réu os fatos de seu interesse). Com isso, finda a instrução, com base nas provas colacionadas aos autos pelas partes, e somente nelas, o juiz pelo princípio do livre convencimento, dispõe da total certeza no tocante ao esclarecimento dos fatos. Nesse caso não há dúvida sobre o direito debatido. O juiz convenceu-se com base no arcabouço probatório trazido pelas partes.

Diferente do que ocorre no ônus da prova objetivo. Segundo este aspecto, o juiz tem a indicação de como deverá proceder ao julgar a lide caso não encontre provas nos autos suficientes para determinar a sua certeza sobre os fatos. Trata-se, em verdade, de uma regra processual dirigida ao juiz, com a finalidade única de aplicar-se ao caso concreto como regra de julgamento em casos de dúvida a respeito da verdade real. Nesse ponto, vale ressaltar que a crítica doutrinária é no sentido de que esse aspecto objetivo do instituto do ônus da prova trata-se, em sua essência, de mais uma regra da espécie ‘válvula de escape’, que é disponibilizada ao julgador para que, finda a instrução, não havendo ainda a plena convicção do debatido pelas partes, nos casos em que há falta de prova ou de elementos que possam embasar a sua decisão, use-a.

Serviria ao Magistrado em razão deste não poder escusar-se do julgamento – por tratar-se de fato notório que no Processo Civil Brasileiro o juiz não pode negar-se a decidir uma questão, por falta de elementos. É a regra contida no art. 4º, da Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro (decreto 4.657 de 1942). Também conhecido como vedação ao non liquet, ou em uma tradução mais aberta, proibição ao não julgamento pelo juiz (visto que o non liquet é a possibilidade do juiz de não julgar um processo, em razão de não ter convicções suficientes para tal) [2][3]. A aplicação dessa regra gera, por via reflexa, indica qual parte deverá arcar com o prejuízo de sua inércia, isso porque, a falta de produção de prova por uma das partes pode trazer prejuízo a ela no momento do julgamento. Caso não esteja convicto, o juiz analisará qual parte desincumbiu-se do seu ônus: o autor de provar fato constitutivo de seu direito ou o réu de provar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Seria essa uma regra que permitiria ao Estado-Juiz agir diante da insuficiência, ou até mesmo inércia, probatória das partes.

Com base em tal teoria estática, a carência probatória deixada por uma das partes durante o processo implicará diretamente na medida em que ela arcará com o peso do provimento jurisdicional emitido. As partes desde o momento em que envolvidas na relação jurídica processual tem o dever de lutar pelo seu objetivo principal: o autor em ver suas alegações consolidadas e o réu em ver desconstituído o direito do autor. E aqui se evidencia o caráter contencioso do atual modelo de processo civil que permeia o ordenamento jurídico brasileiro. Não se pode acreditar que há nesse modelo segurança das decisões, isso porque, a aplicação da norma em seu aspecto objetivo pressupõe análise do mérito de modo formal, e não propriamente material, visto que facilmente serão proferidas decisões meramente processuais, visando dar fim ao processo, e não de real análise do mérito, em razão da dúvida do julgador acerca da verdade. Com essa regra a busca pela verdade real é colocada de lado, para que se produzam resultados satisfatórios: o ‘fim’ da lide.

Entretanto, o nosso entendimento é de que a utilização desta classificação em nada poderá influir o julgamento. Isto porque, ao cabo da instrução somente caberia ao juiz analisar se o conteúdo probatório foi suficiente para forma seu convencimento ou não. Não cabe a ele analisar se aplicará a norma jurídica como regra de julgamento ou julgará com base no conteúdo probatório que é completo. Caso entenda pela incompletude do arcabouço probatório, que determine que se produzam as provas que entender necessárias. Caso dê-se por satisfeito, que julgue de acordo com o seu convencimento da lide. Esse é o princípio esculpido no art. 130 do Código de Processo Civil brasileiro. A determinação é expressa para que o julgador determine a produção de todas as provas que entender essenciais a formação de sua convicção. Com isso ao adentrar a fase decisória não há motivos ou razões que justifiquem a aplicação do dispositivo de forma objetiva pelo julgador, em razão das partes não terem produzido provas.

A função do Estado-juiz é estimular o processo, para que, somente assim, tenha fim a lide e, tendo isso vem vista, no momento adequado expeça provimento jurisdicional (adequado e eficaz), e por ocasião deste somente analisará as provas. Por óbvio que o maior interesse no fim do litígio deverá ser da parte, entretanto, a partir do momento em que trouxer a lide à luz jurisdicional, o interesse passa a ser estatal, sendo este que deva prevalecer. Aliás, essa é uma (se não a principal) crítica de parte da doutrina, pois não veem nesta classificação dos aspectos do ônus da prova nenhuma utilidade prática. Para estes trata-se de mero debate positivista, o que não o deixa de ser.

2.2 A DISTRIBUIÇÃO ESTÁTICA

Atualmente o Código de Processo Civil, adota a distribuição estática do ônus da prova. Trata-se fato pacificado pela doutrina processualista. A norma jurídica insculpida no art. 333, do Código de Processo Civil, distribui o ônus da prova levando em conta a posição que as partes ocupam no processo, a distribuição nos polos da ação, não permitindo, em regra, ao aplicador da lei flexionar esse modelo ao caso concreto. O código prevê que é de competência da parte ativa da ação a produção da prova quanto ao fato que constituiu o seu direito. E no mesmo sentido a parte passiva da ação da prova quanto aos fatos que desconstituem o direito alegado pela parte autora[4].

Podemos dizer que os ônus probatórios de cada parte, da forma que estão atualmente dispostos no Código de Processo Civil, estão ligados a necessidade das partes de verem aceitos os fatos que alegaram como base da ação ou da exceção. Percebe-se então que a disposição da carga probatória no código está ligada à própria forma de desenvolvimento do processo. Isso porque, o legislador ao mencionar no inciso primeiro do art. 333, do Código de Processo Civil, em fato constitutivo do autor, trata-se na verdade da causa de pedir da petição inicial, que é onde se assenta o direito alegado. Na mesma esteira, o fato impeditivo, modificativo e extintivo do direito do autor, mencionado no inciso segundo, do art. 333, do Código de Processo Civil, seria nada mais que a causa de resistir, que é o direito impugnado por ocasião da contestação.

Contudo, críticas devem ser feitas a esse modelo de distribuição probatória. A principal delas dá-se em razão de que o modelo desconsidera as modificações fáticas do processo e suas peculiaridades (visto que cada processo é uma relação jurídica distinta e única), e estabelece uma regra padrão de análise das provas no processo. Tal forma de distribuição inflexível do ônus de prova enrijece o sistema processual, e sua aplicação ao caso concreto pode resultar em julgamentos dotados de ineficácia prática. Com um regramento geral e único de desenvolvimento processual, abandona-se o fato de que os processos não desenvolvem-se da mesma forma. É claro que isso ocorre em razão de que nem todos os processos debatem o mesmo direito e em razão do mesmo fato. São situações fatídicas diferentes, que por consequência geram direitos e obrigações diferentes.

Por vezes, não cabe à determinada parte produzir prova de determinado direito, pois não é ele o detentor do elemento de prova, ou ainda, porque não consegue ele provar o fato, porque não está ao seu alcance essa prova (o que já nos é conhecido em nosso ordenamento por prova diabólica, v.g. os fatos negativos). E aqui nasce o problema, ou deficiência de tal sistema probatório. Por vezes, a fim de solucionar o problema, em algumas hipóteses o legislador traz determinadas presunções legais, em outras, não. Com isso, fez nascer o debate doutrinário acerca de que, em alguns casos, a fórmula do art. 333 por si não é suficiente para trazer a verdade dos fatos ao processo. E para que seja flexibilizado a aplicação da norma, nasce na doutrina moderna o interesse e discussão pela corrente da distribuição dinâmica do ônus da prova, tema que veremos mais a frente.

Logicamente que, como já dito, o juiz poderia aplicar a regra do art. 333 em seu aspecto objetivo e por fim ao processo. Entretanto, também permeado pelas discussões de um novo modelo de processo civil, percebe-se que, aplicar objetivamente a regra do art. 333, traz fim ao processo, porém, não soluciona o litígio, que em casos, pode tratar-se de discussões importantes. Nessa aplicação regramental a busca pela verdade real toma o caráter de segundo plano, o que não é o interesse da doutrina moderna. E nitidamente, merece acolhimento essas alegações. As discussões acerca da efetividade do provimento jurisdicional é tema constante e latente na doutrina moderna, em razão da importância do processo como forma de pacificação social[5]. E assim, cercado de todas estas questões principiológicas, o tema cresce, e ganha defensores a pretexto de que esse modelo não é mais único e suficiente para a solução de todos os litígios de forma eficaz, em razão da já citada dinamicidade do processo diante do caráter estático deste modelo.


3 INVERSÃO/MODIFICAÇÃO DO ÔNUS DA PROVA

O instituto da inversão do ônus da prova teve seu surgimento em um período do ordenamento jurídico processual brasileiro, que foi tido por alguns como a cisão da ordem jurídica vigente, e a abertura para um novo panorama de direitos: os direitos transindividuais (ou difusos). Até o ano de 1990, não se falava em tutela de direitos difusos, havendo um ordenamento fechado à proteção de direitos individuais (os direitos concentrados que cada individuo detinha). O instituto foi o mecanismo encontrado para proteger direitos, em essência, diferente dos demais. Ademais, o momento histórico de concretização dos direitos do consumidor nos mostra a extrema influência sofrido por uma constituição (de 1988) que trouxe em seu bojo textos de extremo conteúdo principiológico. Com isso, também visando a iminente necessidade de efetivar a tutela dos direitos trazidos na carta magna, ocorre o surgimento do Código de Defesa do Consumidor.

A cisão consiste no fato do Código de Processo Civil ter sido até aquele momento o centro de estudos do processo civil brasileiro, tutelando um processo civil de direitos individuais, visando somente o patrimônio do individuo, etc. E com o surgimento do código consumerista, há o surgimento de outro centro de concentração do ordenamento jurídico processual, que dividirá com o Código de Processo Civil a incumbência de organizar a tutela de direitos no processo civil brasileiro. Com o decorrer dos debates a respeito do novo ordenamento consumerista, a doutrina pontua então, que o Código de Defesa do Consumidor pode ser considerado (e para alguns doutrinadores, trata-se de um fato certo) o precursor da chamada geração de direitos transindividuais, onde os direitos das minorias passam a ter maior importância diante de direitos individuais já consolidados. Dessa forma, como esses direitos difusos trazem consigo o caráter de excepcionalidade e diferença dos demais, assim também são os mecanismos de aplicação, proteção e regramento destes direitos. Direitos ‘especiais’ exigem regramentos, e mecanismos também especiais. Em razão disso, é que atualmente o ordenamento jurídico brasileiro prevê a ‘inversão’ do ônus da prova para casos específicos, permitidos pelo legislador. Isso porque, essa regra trata-se de mecanismo específico de tutela de direito do consumidor.

A doutrina classifica a inversão do ônus da prova em legal e judicial (ou ope legis e ope iudicis, como lecionam alguns doutrinadores). Inversão do ônus da prova legal é aquele em que o legislador, por sua própria vontade, distribuiu o ônus da prova diversamente da regra do art. 333, do Código de Processo Civil. O exemplo mais clássico é o art. 38, do Código de Defesa do Consumidor. Alguns doutrinadores como, por exemplo, DIDIER (2010, p. 84), entendem que a inversão do ônus da prova legal, nada mais é do que mera presunção relativa fixada pelo legislador. Entretanto, divergimos.

O entendimento nosso é de que a inversão legal do ônus da prova trata-se na verdade de redistribuição do ônus da prova, ou ainda distribuição dinâmica do ônus da prova. Isso porque, incumbe a parte contrária a prova de fato constitutivo de direito do autor. Ou seja, incumbe a parte provar fato que lhe é prejudicial. É caso do citado exemplo do art. 38, onde a propaganda prejudicial ao consumidor deve ser provada por quem patrocina a propaganda, nitidamente em favor do consumidor. Caso fosse analisada à luz do art. 333, do Código de Processo Civil, caberia ao consumidor a prova do prejuízo,o que não ocorre. Aqui sim há ocorrência da distribuição dinâmica do ônus, teoria que veremos adiante, e não presunção relativa (que, segundo os conceitos doutrinários vigentes em nosso ordenamento, trata-se da inversão do ônus da prova) como preceitua a doutrina. Aqui o ônus vira-se contrário a regra do art. 333, do Código de Processo Civil, não havendo presunção em favor do consumidor, e por isso o entendimento nosso é que se trata de distribuição dinâmica e não de inversão do ônus da prova.

Prosseguindo, a inversão do ônus da prova judicial é aquela em que o legislador não traz regramento diferente na distribuição do ônus da prova, mas deixa em aberto a possibilidade do juiz, tendo em vista a excepcionalidade do caso concreto, inverta o ônus da prova. O exemplo mais conhecido de inversão judicial é a hipótese das relações de consumo, previsto no art. 6°, VIII, do Código de Defesa do Consumidor. A inversão do ônus nas relações de consumo é cabível em duas hipóteses: a primeira nos casos de verossimilhança das alegações do consumidor, e a segunda nas hipóteses em que o juiz verifica que o consumidor está em situação de hipossuficiência em relação ao fornecedor. Ambas são hipóteses que dependem de critérios do juiz. Isso porque, dependerá dele a interpretação do aspecto de verossimilhança e de hipossuficiência no caso concreto. Neste ponto, abrimos um parêntese para destacar a posição da doutrina e pontos conflitantes segundo nosso trabalho.

A maior parte (para não dizermos a totalidade) da doutrina entendem que essa hipótese de inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, do Código de Defesa do Consumidor seja uma espécie de redistribuição do ônus diferente da regra do art. 333, do Código de Processo Civil. Há autores que sustentam ainda, que essa inversão se contrapõe de forma extrema ao regramento do art. 333, do citado código. Entretanto, em que pese a maioria esmagadora (e dentre eles grandes autores) afirmarem assim, o fazem erroneamente. A doutrina intitula esse instituto de inversão do ônus da prova de forma equivocada, isso porque não há inversão do ônus da prova nesta hipótese prevista no Código de Defesa do Consumidor, não há mudança no regramento do ônus probandi. A denominada inversão do Código de Defesa do Consumidor traz ao processo apenas uma presunção de prova dos fatos constitutivos do direito em favor do autor, não havendo modificação na regra.

Veja: a regra é de que o autor deverá provar fato constitutivo e o réu fato impeditivo. Na inversão do Código de Defesa do Consumidor, da forma que é amplamente aplicada pela doutrina e cortes brasileiras, o que ocorre é que o autor apenas não necessita mais provar fato constitutivo, isso porque a lei autoriza que o juiz dê esse direito por provado, cabendo ao réu somente desconstituir o direito do autor. Nada mais é do que mera presunção em favor do autor, e não inversão do ônus da prova, como alegado pela maioria da doutrina. Para que houvesse a verdadeira inversão o réu deveria colacionar aos autos prova do direito do autor, e não prova de sua desconstituição. Trata-se de conceitos basilares. O termo inversão tem origem no verbo inverter. Que por sua vez, segundo dicionário, tem o sentido de ‘mudar de direção em sentido contrário’. Logo, o entendimento nosso é que por nome de inversão do ônus da prova deveríamos nomear as situações em que o ônus probatório é totalmente invertido entre partes (o que hoje a doutrina chama de distribuição dinâmica) e não hipóteses de mera modificação processual. Ou seja, o réu, a quem caberia desconstituir direito do autor, incumbirá em verdade a produção de prova que seja essencial a consolidar o direito do autor. Nesses casos ocorrerá a verdadeira inversão e não nas presunções que militam em favor, por exemplo, dos consumidores (art. 6º, CDC).

Nas brilhantes palavras do professor PAULO HENRIQUE DOS SANTOS LUCON “a inversão do ônus da prova do Código de Defesa do Consumidor nada inverte, pois inverter vem do latim invertere e significa mudar a ordem de, dispor de maneira contrária ao normal”[6][7]. Tratam-se, sem dúvida, de temas extremamente conexos. Entretanto, é inegável a diferença conceitual e prática de ambos os institutos. Não podemos aplicar erroneamente institutos trazidos por doutrinas clássicas e contemporâneas de forma a não discutirmos os erros conceituais destes. Não há razão para chamar de inversão algo que, na sua essência, não o é. Entretanto, é inegável a alteração no contexto fático do processo, havendo a clara necessidade de nomear o instituto. Segundo nosso entendimento, o melhor nome é “modificação” do ônus da prova, e não inversão, o que desde já sugerimos, e será como trataremos neste trabalho: modificação do ônus da prova. A inversão do Código de Defesa do Consumidor nada inverte, tão logo, equívoco atribuir a este fenômeno características que ele não tem (a inversão). Tão logo a necessidade de conceito, optamos por nomeá-lo também por modificação do ônus da prova.

Tecemos tais considerações pois, no momento em que o legislador brasileiro, ao determinar no Código de Defesa do Consumidor que seria possibilitado a inversão do ônus da prova para defesa do consumidor, coube a doutrina processualista pátria a função de conceituar e debater o instituto. Caso na oportunidade tivesse emitido conceito de inversão da forma correta, não estaríamos hoje em nosso ordenamento jurídico discutindo acerca da legalidade da distribuição dinâmica do ônus da prova (ou ainda, da verdadeira inversão do ônus da prova), ou acerca dessa ‘nova corrente’, isso porque, já o teria sido realizado pela época. Logo, a tão sonhada (e debatida) evolução do Direito Processual Civil, em busca da utópica celeridade não teria sido procrastinada até os atuais dias. Debateríamos hoje outros temas, e um processo civil com outros nortes. Dessa forma, entendemos necessárias tais ponderações, visto que, o que hoje chamamos de inversão do ônus da prova, não o é; e o que optamos por nomear de “cargas dinâmicas” (distribuição dinâmica, ou outros termos), trata-se de consequências de um conceito inicialmente mal formulado. Diante de todo o debatido, passemos ao estudo da real inversão do ônus da prova.


4 CARGAS PROBATÓRIAS DINÂMICAS

Neste tópico cuidaremos das cargas processuais dinâmicas no atual processo civil brasileiro. Dissertaremos sobre os seus momentos embrionários, as discussões e críticas doutrinárias a respeito do tema. Falaremos um pouco sobre as provas diabólicas e a sua contribuição e apoio para o fortalecimento da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova no processo civil contemporâneo.

4.1 PROVA DIABÓLICA

A prova diabólica para os doutrinadores contemporâneos, é a precursora da teoria da distribuição dinâmica. Dessa forma, cabe-nos pontuar a respeito. O processo como procedimento que é, tem o condão básico de servir de suporte para um provimento jurisdicional acerca de um fato real. Isso decorre principalmente de sua própria natureza jurídica. Todo ‘esforço’ realizado dentro do processo, todos os atos praticados, etc., visam a priori um único objetivo: a prestação jurisdicional. Isso, acrescido ainda da ideia base das tutelas jurisdicionais, fixada por CHIOVENDA[8] de que ‘o processo deve dar a quem tenha um direito, quando for possível, tudo aquilo e exatamente aquilo que ele tenha direito de conseguir’; além da premissa fixada pelo legislador no Código de Processo Civil (art. 130), denominado pela doutrina de ‘poderes instrutórios do juiz’, onde o juiz é colocado como o destinatário final da prova, e cabe a ele a aferição de quais provas são pertinentes, importantes e necessárias, ou não; temos como produto a busca da doutrina e jurisprudência por um processo cada vez mais satisfatório (seja em busca da verdade real, seja da satisfação das partes, ou de pelo menos uma delas).

Dessa forma, com o modelo de processo que havia se estabelecido (distribuição estática do ônus da prova), determinados casos que se prestavam a serem julgados (ou a maioria deles) persistiam hipóteses de impossibilidade de alcance da verdade real, muito em razão de fatores probatórios de uma ou de ambas as partes (ora também porque uma das partes, para surrupiar-se da sanção oriunda da tutela jurisdicional, apoiava-se na regra de distribuição probatória para inibir o alcance da verdade real). Ao fenômeno de impossibilidade probatória de uma ou de ambas as partes, a doutrina dá o nome de prova diabólica. O conceito dado à prova diabólica é “aquela que é impossível, senão muito difícil, de ser produzida”[9]. Englobam-se nesse conceito as provas que são de extrema dificuldade de sua produção em razão de diversos motivos (físicos, territoriais, dentre outros).

As provas diabólicas são classificadas em unilaterais e bilaterais. Bilaterais são as provas impossíveis para que ambas as partes produzam em juízo. Estas por sua vez se dão na hipótese em que, ao cabo da instrução, o juiz se depara diante de uma situação de dúvida em razão de não terem sido esclarecido os fatos, entretanto nenhuma das partes tem a possibilidade de sanar essa dúvida, ou de trazer aos autos novos elementos fáticos. É o caso onde “não há mais nada o que se fazer”; apesar de todo o o esforço das partes a verdade real mesmo assim não foi alcançada. O entendimento majoritário é que nesses casos o juiz deve aplicar o ônus da prova deve ser aplicado na forma estática do art. 333, do Código de Processo Civil e em seu aspecto objetivo (como regra de julgamento), analisando quem se desincumbiu do seu ônus, em razão da vedação ao não julgamento. Ao aplicar o aspecto objetivo o juiz analisará sobre qual fato recai a prova diabólica: se fato constitutivo do direito do autor (levando a improcedência da ação por não provar o direito alegado), ou sobre fato que desconstitua direito do autor (levando a parcial ou integral procedência, por não provar fato que desabone o direito provado), assim devendo a respectiva parte arcar com o peso de não ter se livrado de seu ônus. Seria este um verdadeiro caso de limitação do emprego da distribuição dinâmica ao caso concreto, visto que não cabe aplicação da teoria quando a prova não pode ser produzida por ambas as partes.

Já as unilaterais são aquelas impossíveis de prova apenas para uma das partes, porém viável à outra. Ou seja, ao cotejar os autos, o juiz percebe a necessidade de produção de uma prova que, por exemplo, constitua direito do autor, mas este não tem poder ou possibilidade de produzi-la, tendo, contudo, o requerido a possibilidade de trazer aos autos a prova. Ao esbarrar nessas circunstâncias, o questionamento que sempre perturbou os processualistas foi: o que pode ser feito pelo julgador face um ordenamento rígido sobre o ônus de produção da prova? Como já dito acima a regra geral de distribuição do ônus da prova é aquela prevista no art. 333, do Código de Processo Civil. E diante de provas unilateralmente diabólicas, para resolver o litígio o julgador poderia a principio aplicar de forma objetiva o ônus da prova, e resolver o litígio de forma regramental, analisando se as partes se desincumbiram dos ônus que lhes era devido.

Entretanto, em razão do já citado inconformismo dos processualistas modernos com a efetividade do provimento jurisdicional, começou a se discutir a respeito de que o processo é um instrumento que busca dar uma solução a determinado litígio. Julgando de forma objetiva, o processo por vezes teria fim, ‘analisaria o mérito’ (na forma legal – art. 269), sem, entretanto, solucionar a questão debatida ao fundo. A solução encontrada pela doutrina foi invocar ao ordenamento jurídico pátrio, uma conhecida corrente doutrinária oriunda do direito argentino, denominada de distribuição dinâmica do ônus da prova. Ganhou força em nosso ordenamento essa corrente que preceitua a distribuição do ônus da prova diversamente da regra do art. 333, nos casos excepcionais onde o juiz flexibilizará a norma do art. 333, do Código de Processo Civil, de forma a determinar que uma das partes faça prova que, originariamente, incumbiria a parte contrária.

Contudo, faz-nos necessário mencionar que há na doutrina processualista moderna, corrente que questiona a efetiva aplicação desta teoria nos casos concretos de constatação da ocorrência de prova diabólica. O questionamento toma como base a afirmativa de que a regra geral estabelecida no art. 333, do Código de Processo Civil não pode ser descartada. Isso porque o Estado de Direito brasileiro adota o sistema jurídico da civil law, ou seja, em síntese, o direito é por regra positivado. A essência de surgimento dos direitos e deveres de cada indivíduo são as leis e códigos positivados do ordenamento jurídico pátrio. Para estes, deve persistir o regramento geral da norma do art. 333, do Código de Processo Civil que estabelece um enfoque estático das cargas probatórias de cada parte. 

Entretanto, a utilização da distribuição dinâmica se efetivaria nos casos em que a aplicação das regras gerais conduzisse o processo a um estado de ocorrência de prova diabólica, fazendo com que, como ponderado logo acima, o processo perda a sua essência de busca pela verdade real e efetividade do provimento jurisdicional. Melhor que se relativize a regra geral dos ônus probatórios e dê ao processo uma efetiva solução, do que, por opções meramente procedimentais seja emitido provimento jurisdicional que não expresse a verdade real dos fatos, causando soluções injustas, por vezes, em casos de extrema importância social. O que nos cabe aqui fixar é que as provas diabólicas (bilaterais e unilaterais, e principalmente a última) tiveram grande parcela de contribuição para que se repensasse a regra estática de distribuição do ônus da prova, dando ensejo a entrada da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova no ordenamento jurídico brasileiro, ao ponto de termos a positivação dessa corrente no novo Código de Processo Civil.

4.2 DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA

A distribuição dinâmica no ônus da prova (ou como pontuamos, a ‘inversão’ do ônus da prova) como meio alternativo para que, diante de casos em que a aplicação da regra estática trouxesse para as partes uma decisão extremamente injusta, o aplicador do direito pudesse flexibilizar a norma tornando-a dinâmica tem como grande apoiador e difusor o processualista argentino Jorge Peyrano. Peyrano, se não criador, foi o grande precursor da teoria, citada por ele em diversas oportunidades que teve suas escritas publicadas. Para ele a norma estática não poderia prevalecer como único regramento no ordenamento jurídico. É necessário regras e mecanismos que flexibilizem o procedimento ao caso concreto, de forma a permitir uma prolação de provimento estatal efetivo. Um provimento jurisdicional efetivo passa não só por meios de acelerar o processamento das lides em nosso sistema judiciário, mas também por um ordenamento jurídico capaz de oportunizar ao aplicador do direito as devidas ferramentas para que possa diante do caso concreto, aplicar a melhor regra processual cabível. É nesse contexto que Peyrano concebeu a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova.

Busca-se o rompimento com a ideia de distribuição estática prevista no Código de Processo Civil como regra única de distribuição dos ônus probatório, com a consequente mitigação do formalismo jurídico em torno da prova (no aspecto de obrigatoriedade que os ônus sejam aplicados sempre da forma pré-disposta), oportunizando ao estado-juiz a análise do caso concreto, onde deverá constatar se necessária a inversão. Tal medida não retira das partes a segurança jurídica que  supostamente pode ser encontrada no art. 333, do Código de Processo Civil, em razão da obrigatoriedade de fundamentação das decisões judiciais (princípio livre convencimento motivado). A teoria tem como principal premissa a ideia de um processo civil cada vez mais próximo dos princípios constitucionais que permeiam o postulado normativo do devido processo legal, dentre eles a celeridade, a efetividade da tutela jurisdicional, etc. Tem o viés de um processo civil prático, afastado das teorias e correntes meramente doutrinárias, trazendo a praticidade esperada do processo civil moderno. Ignora as posições das partes na relação jurídica processual, tendo por único objetivo a busca pela verdade real que cerca a lide. Para isso, oportuniza ao julgador a ferramenta necessária a busca e concretização desse objetivo.

A teoria adentrou o ordenamento jurídico brasileiro, prima facie, através de decisões oriundas de Ministros do Superior Tribunal de Justiça, que de forma pioneira e corajosa, começou a aplicar em seus julgados a teoria. Ganhou ênfase e notoriedade a manifestação da ilustre Ministra Nancy Andrighi, que de forma segura aplicou em seus julgados, explanando sobre a questão e abrindo grande (se não principal) precedente para a aplicação da ‘nova’ teoria no ordenamento jurídico brasileiro. Se não bastasse, desde meados do ano de 2010, tramitou pelas casas legislativas brasileiras o projeto de criação do novo Código de Processo Civil. O que era um projeto, tornou-se lei, em 16 de Março de 2015, e atualmente se encontra em vacatio legis. O que nos importa destacar é que pelo texto votado a presente teoria passa do status de mera construção doutrinária para a condição de teoria positivada no Código de Processo Civil. O novo diploma legal, em seu art. 373 cuidou de tratar do tema das cargas probatórias. O texto, a princípio, mantém a já conhecida regra geral de distribuição estática em seu caput. A novidade, entretanto, consiste na redação do §1º do referido artigo, que traz a expressa possibilidade de flexibilização da regra geral ao caso concreto. Pelo texto em pauta, o julgador, diante das peculiaridades do caso concreto, por decisão fundamentada, poderá alterar os ônus probatórios das partes.

Veja, há no processo fatos que precisam ser demonstrados, esclarecidos diante do estado-juiz. Com a aplicação dessa teoria pouco importa quem alegou o fato, a necessidade de esclarecimento deste é maior que a vontade das partes. Daí decorrer a íntima ligação com o tema dos poderes instrutórios do juiz, em razão de que ambos os institutos são tidos pela doutrina processualista, como de caráter essencial ao exercício da jurisdição, pois o interesse estatal superará o interesse dos particulares e ensejará a flexibilização do procedimento. Segundo concepção de parte da doutrina que já escreveu sobre o tema, pela teoria das cargas dinâmicas não se observa de modo fixo em qual polo da relação jurídica processual está cada parte, nem quais fatos devem ser provados por elas. A questão gira em torno de que o juiz deverá identificar quais provas convém serem produzidas, e qual parte reúne maiores e melhores condições de produzi-la. A partir da verificação de necessidade probatória, e por determinação do estado-juiz, o sistema passa de um estado rígido, para um aspecto dinâmico.

Há na distribuição dinâmica dois interesses distintos. A priori um interesse estatal na solução do litígio e na correta elucidação dos fatos, no sentido de que é interesse do estado que haja a descoberta da real verdade dos fatos para a prolação de decisões justas, tendo o processo a solução que melhor lhe cabe. A posteriori o interesse das partes em desviar-se da ocorrência de eventual prova diabólica, na busca pela obtenção de um provimento jurisdicional adequado e oriundo do estado-juiz. Isso porque o interesse público em emitir decisões justas (e aqui usasse o sentido de devidamente fundamentadas e amparadas nos autos) se satisfaz com o julgamento do mérito de forma objetivamente, apegando-se a regra de julgamento fixada pelo art. 333 do Código de Processo Civil. Somente não estaria satisfeito o interesse público caso houvesse ainda a possibilidade de nova demanda a respeito do mesmo tema, envolvendo as mesmas partes (na hipótese, por exemplo, de julgamento sem análise do mérito). Entretanto, o interesse particular não se satisfaz com essa modalidade de decisões ‘justas’. Para este, é necessário que haja a busca e a demonstração da verdade real, ainda que inevitavelmente desfavorável a uma das partes. Isso porque, o interesse particular está relacionado com a questão de fundo debatida nos autos e não com o mero formalismo procedimento que rodeia e permeia o mérito do processo.

Outra importante questão que se relaciona com o tema, trata-se da legitimidade dessa teoria. Doutrinadores pátrios tradicionalistas ainda insistem em negar à teoria, a validade jurídica que lhe é merecida. Isso porque acenam com a questão de que a premissa da segurança jurídica fixada pelo art. 333 do Código de Processo Civil, não pode ser “jogada aos ventos”, para que se busque um processo mais célere. Para estes o conflito do postulado do devido processo legal (no aspecto de que a celeridade está inclusa neste conceito) e o princípio da segurança jurídica, ao sofrerem ponderação o que deve prevalecer é o princípio da segurança jurídica. Por óbvio que ambos são normas de caráter eminentemente constitucional, mas em que pese respeitável entendimento desses, muito cristalino que deva prevalecer o devido processo legal (não só por seu aspecto de celeridade, mas muito mais pelo aspecto da efetividade, isso porque um processo para que seja devido, deve ser efetivo). A doutrina majoritária, inclusive já encampada por decisões do Superior Tribunal de Justiça (como já citado), afirma que não se trata de conflito entre o postulado do devido processo legal e o princípio da segurança jurídica, mas sim um conflito entre o formalismo processual excessivo e a finalidade efetiva da tutela jurisdicional (que é consequência lógica do processo).

Entendem que não se trata de abandonar a segurança jurídica, até porque está previsto no ordenamento jurídico brasileiro a possibilidade do julgador analisar as lides que lhe são propostas à luz das doutrinas e teorias existentes (essa é a premissa fixada pela Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro). Como já mencionado, há decisões proferidas por Ministros dos Tribunais Superiores, onde na oportunidade já se manifestaram sobre o tema da distribuição dinâmica em seus julgados, dando total aplicabilidade à teoria. O que se percebe é que para estes é de bom grado a nova ferramenta, isso porque, mais do que ninguém são estes os que convivem diariamente coma rigidez da distribuição única e estática, prevista pelo Código de Processo Civil. Contudo, um ponto importante na mitigação do formalismo jurídico evidenciado em negar legalidade a teoria, é a aprovação do Novo Código. A discussão perde força ao passo que aproxima-se a vigência do novo códex. A previsão é a pedra de legalidade que faltava à teoria para que, assim, ela possa ser efetivamente aplicada pelos juízes de primeira instância aos processos que judicarem. A questão, já debatida no tribunal superior, ganha o devido reconhecimento no ordenamento jurídico brasileiro. Com isso, a corrente que mais ganhou peso e apoio no ordenamento jurídico é a que entende totalmente possível a distribuição dinâmica do ônus da prova.

Uma questão de relevância é o momento adequado para dinamização do ônus probatório. A doutrina não diverge de forma destacável da posição que preconiza a inversão do ônus no melhor momento a garantir o direito da parte que produzirá a prova ao contraditório. O estado-juiz não pode distribuir o ônus de forma que desonere uma parte mas por outro lado onere excessivamente a outra. O direito ao contraditório e os meios cabíveis à proteção da ampla defesa deverão ser preservados. Logo, não nos cabe estabelecer um momento único, e regrarmos para que todas as decisões casuísticas sigam esse modelo, mas sim delimitarmos que todas as decisões que inverterem os ônus da prova, devem respeitar os direitos básicos de um devido processo legal, dentre eles destacando-se o contraditório da prova.

Pontuamos, ainda, no que tange a possibilidade de já estar previsto no ordenamento jurídico brasileiro a forma de distribuição do ônus da prova, de modo diverso a regra jurídica do art. 333 do Código de Processo Civil brasileiro. Analisando o ordenamento jurídico processual, da forma que atualmente encontra-se, é plenamente possível afirmarmos que a corrente da distribuição dinâmica não padece de previsão legal, ou falta de legalidade. Refiro-me[10] ao disposto no art. 125, inciso I do Código de Processo Civil ainda vigente. Segundo preceitua o diploma legal o magistrado deverá dirigir o processo sempre tendo como um de seus nortes a necessidade de busca pela isonomia das partes. A partir desta premissa então evoluímos para uma ideia de que, se caberá ao magistrado a função de coordenador do processo prezando sempre pela busca da isonomia das partes, distribuir o ônus da prova da forma diversa ao art. 333, não encontra total ilegalidade, assim como afirmam os processualistas clássicos. Ao distribuir o ônus probatório de forma diversa à regra geral, o magistrado não o faz por mero prazer pessoal, mas sim levando sempre em conta a peculiaridade do caso concreto (visto que se encontra atuando na via de exceção, e não de regra). Logo, conforme tal previsão, ao levar em conta a necessidade de isonomia das partes, o magistrado deverá aplicar de forma simples o brocardo jurídico da isonomia (tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida em que eles se desigualam), não havendo qualquer ilegalidade nisso. A previsão legal para a distribuição dinâmica do ônus da prova sempre esteve insculpida em nosso atual de Código de Processo Civil, sendo que a presente norma somente necessitava de uma interpretação lógica da lei, o que nunca antes se fez.


5 CONCLUSÃO

Concluímos o estudo em torno do tema com a certeza que a positivação dessa teoria é um importante avanço na seara de melhoras que necessita o Direito Processual Civil brasileiro. Muito porque, em que pese a fragilidade que gira em torno do alcance da regra estática, é nitidamente ela que deva prevalecer, tendo a distribuição dinâmica um caráter subsidiário, de completude, somente devendo operar no campo da exceção (o que foi feito sabiamente pelos organizadores do projeto do novo código), visando, principalmente, a segurança jurídica da prova, que não pode ser perdida. Essa exceção que permita a flexibilização da regra do art. 333, do Código de Processo Civil será uma importantíssima ferramenta dada ao Magistrado para que exerça sua jurisdição da melhor maneira cabível. Isso porque, como ponderamos, os provimentos jurisdicionais, acima de tudo, tem o condão de por fim a lide e, por consequência, ser uma extensão da verdade real do mundo fático. Manter somente o regramento do art. 333 do atual Código de Processo Civil é permitir que a instrução processual seja engessada por regras genéricas. O processo é dinâmico e deve ser assim entendido de modo flexível quando necessário. Isso a nova norma faz, se não perfeitamente, no mínimo, dá ao juiz mais uma ferramenta de equiparação das partes, em busca da utópica isonomia processual.


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Notas

[1] MOREIRA, José Carlos Barbosa. 2009.

[2] KNIJNIK, Danilo. 2006, afirma que ”o direito brasileiro, na esteira da maioria das legislações da civil law, utiliza-se de critério fixo para distribuir o ônus probatório, como se sabe o ultimum refugium para evitar o non liquet”.

[3] Nesse sentido, MARINONI (2013, p. 264), afirma que: A regra do ônus da prova se destina a iluminar o juiz que chega ao final do procedimento sem se convencer sobre como os fatos se passaram. Nesse sentido, a regra do ônus da prova é um indicativo para o juiz se livrar do estado de dúvida e, assim, definir o mérito.

[4] MARINONI. 2013, p. 263, afirma que “não há racionalidade em exigir que alguém que afirma um direito deva ser obrigado a se referir a fatos que impedem o seu reconhecimento pelo juiz”.

[5] Acerca do tema recomendamos a leitura do artigo Efetividade da Tutela Jurisdicional, Cooperação Processual e o Novo Modelo De Processo Civil, também de autoria destes autores.

[6] LUCON, Paulo Henrique dos Santos. 2012.

[7] No mesmo sentido: AZEVEDO, Antonio Danilo Moura de. 2008

[8] CHIOVENDA, Giuseppe. 2009.

[9] DIDIER. 2010, p. 92.

[10] Conclusões influenciadas pelas ideias de Gabriel Medeiros, Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em primeira instância, banca julgadora da monografia da qual este artigo foi extraído.


Autor

  • Marcelo Luciano

    Discente do 10º termo do curso de Direito do Centro Universitário Toledo de Presidente Prudente/SP. Aluno-monitor de Direito Civil e Direito Processual Civil no Centro Universitário Toledo de Presidente Prudente/SP. Autor do trabalho de conclusão de curso denominado 'Cargas Probatórias Dinâmicas e o Novo Processo Civil Brasileiro'. Exerceu função de estagiário perante o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo na Comarca de Presidente Bernardes. Exerceu função de estagiário da 1ª Defensoria Pública de Presidente Prudente. Tem ampla experiência na área de Direito Privado, com ênfase em Direito Civil e Direito Processual Civil.

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