Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/3959
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

O Direito Internacional e a atual crise do Iraque

O Direito Internacional e a atual crise do Iraque

|

Publicado em . Elaborado em .

Existem duas hipóteses de direito que governam a Comunidade Internacional. A primeira, é a sustentada pela escola realista, proposta inicialmente por Tomas Hobbes, é a lei da política selvagem, que se caracteriza por um sistema no qual cada Estado responde apenas por si mesmo, no qual o poder normalmente determina o curso dos eventos mundiais. Especialmente em matérias que o Estado considera vitais para seus interesses, a lei do poder, tanto econômico quanto militar, prevalece. A segunda hipótese, sustentada pela escola idealista, consiste no Direito Internacional. Este sistema é menos antigo, nele a conduta na relação entre Estados soberanos é regida por um corpo de tratados, costumes, princípios gerais do direito, jurisprudência, escolas doutrinárias e outros padrões de conduta que juntos formam a fundação da direito internacional.

Com a atual crise político-diplomática, encabeçada pela chamada "guerra contra o terror", o futuro do Direito Internacional é incerto. A tese idealista de que o sistema legal internacional cobre virtualmente todos os aspectos do intercâmbio internacional e que contem fortes mecanismos para resolver disputas, vem cada vez mais perdendo sua credibilidade. Por outro lado, a tese da escola realista que, não necessariamente nega a necessidades destes objetivos, mas sustenta que estes são quase que inatingível e suspeita que os Estados vão ignorar a lei e continuar agindo por conta própria, especialmente em questões de interesse vital da nação. Esta tese, pode ser comprovada sem grandes dificuldades, bastando uma análise empírica nas atitudes dos Estado, em especial os Estado Unidos após o 11 de setembro.

Desde a instituição dos Estados, como entes máximos da política internacional, o Direito Internacional tem o mesmo como foco; mas vem se apresentando menos efetivo em questões que envolvem seus interesses. Contudo, isto não significa que as leis nunca influenciem em decisões políticas, pois qualquer sistema legal é em parte o produto da aceitação social de normas de comportamento baseadas nos conceitos de certo e errado da sociedade. Sendo assim, um sistema legal internacional é muito mais que tratados e acordos.

Dentro deste quadro podemos, utilizando-nos do auxílio da ciência das relações internacionais, fazer uma análise crítica sobre o litígio internacional figurado pela Guerra do Iraque.

Nas palavras de Thomas Hobbes, "a guerra consiste não só na batalha, ou no ato de lutar, mas num período de tempo em que a vontade de disputar pela batalha é suficientemente conhecida". Portanto, para iniciarmos esta análise devemos no remeter ao início deste litígio – pelo menos a oficialização do mesmo – as inspeções de armas no Iraque.

A verificação é algo complexo e muitas vezes falho e as descobertas tecnológicas dificultam o trabalho dos fiscais. Atualmente, as ogivas nucleares são tão pequenas que podem ser alocadas até dez em um único míssil. A sofisticação das armas é tão grande que já se admite a impossibilidade de uma fiscalização absoluta e livre de dúvidas. Este argumento seria favorável a guerra, no entanto não podemos nos esquecer que mesmo falhas, as inspeções são o meio legal de prova instituído. Desta forma se observarmos pela lógica do direito penal brasileiro, de que o indivíduo é inocente até que se prove o contrário, um organismo internacional, como a ONU, não teria legitimidade para uma ação militar contra um Estado soberano, que, segundo os meios legais de prova, não descumpre os artigos e salvaguardas do TNP (Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares) e da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica). Além disso, o Iraque é um dos signatários originais do Tratado e está submetido às salvaguardas da AIEA desde sua fundação, e até o momento não foi provado que produza armas nucleares ou qualquer tipo de dispositivo explosivo nuclear. Pode-se ainda pensar – sem muitas provas contrárias - que, pela falta de pessoal preparado e de recursos financeiros para pesquisa e desenvolvimento, o Iraque esteja muito longe de dominar a técnica ou ao menos o conhecimento necessário para a produção de armas nucleares.

Em vista do que foi apresentado, devemos ter em mente, que a questão das inspeções de armas no Iraque, passam muito mais por uma esfera de alinhamentos políticos que por uma questão real de segurança coletiva.

Mesmo assim, pode-se argumentar que uma intervenção, mesmo que militar, com o intuito de retirar do poder um líder autoritário e repressor, objetivando proteger ou promover a democracia ou combater agressões aos direitos humanos, transcenderia os limites da jurisdição de determinado Estado, pois este estaria protegendo os interesses da própria humanidade. Neste caso caberia a nós questionar se estes fins justificariam o sacrifício de milhares civis. E ainda se não estaríamos caído na teoria maquiavélica dos fins que justificam os meios.

Contudo, mesmo sem legitimidade, apoio da comunidade internacional ou qualquer argumento razoável que justifique a guerra, os Estados Unidos a iniciaram. Uma guerra caracterizada por atos de agressão a soberania e a integridade física do povo iraquiano.

Do ponto de vista jurídico internacional, uma agressão de um Estado a outro é considerada crime. Só existindo dois meios legítimos de um país recorrer a força, são eles: a autodefesa e as ações como parte da ONU ou uma associação militar regional – observando, logicamente, o alcance da jurisdição do organismo. Portanto, fica mais do que claro que está é uma guerra ilegítima.

Em relação a ONU, sabemos que a mesma é contrária à intervenção armada norte americana, portanto caberia a nós questionarmos quais medidas poderiam ser tomadas em relação ao conflito, o que este organismo poderia fazer em relação ao descumprimento da lei internacional. Sabemos que a obediência a qualquer sistema legal depende basicamente da obediência voluntária e das coerções aplicáveis. Isto significa que não havendo a cooperação haveriam de ser aplicadas sanções, que no caso da ONU, são basicamente de dois tipos: econômicas e militares. Neste ponto, reside todo o problema; seria impossível impor sanções econômicas à maior economia do mundo. Outro ponto refere-se ao o orçamento Norte Americano para as forças armadas, já que o mesmo ultrapassa a casa das centenas de bilhões de dólares, chegando a algo superior a 400 (quatrocentos) bilhões de dólares. Mesmo que somássemos todos os orçamentos militares de todos os países do mundo, não chegaríamos a metade desta quantia. Portanto, seria também impossível impor uma sanção militar contra a maior potência bélica do mundo. Além disso, deparamo-nos ainda com o poder de veto que os Estados Unidos possuem no Conselho de Segurança, lembrando o mesmo é o órgão que toma as decisões de intervenção armada. De fato, praticamente, nenhuma medida poderia ser tomada neste caso.

Outra questão muito pertinente ao Direito Internacional é o futuro da ONU após esta série de acontecimentos. Muitos apóiam a tese de que a ONU sairá fortalecida, pois os países clamam para que a mesma passe a ter mais poderes sobre os litígios internacionais. Outros, no entanto, não acreditam que, assim como a Liga das Nações, um organismo desta magnitude, que não tem o apoio dos Estados Unidos ou não é respeitado por ele, tenha possibilidades de permanência futura. Acreditamos que ambos os extremos são uma forma de simplificação excessiva do complexo quadro internacional. A ONU, certamente continuará a exercer seu papel da mesma forma que vem exercendo há muito tempo, como um organismo que presa pelo multilateralismo e pelo humanitarismo. Talvez, se pudermos encontrar um ponto positivo, este seria, a partir deste momento, a maior visibilidade da necessidade de reformas nas Nações Unidas. Afinal, assim como a sociedade, o direito tem que evoluir e se adaptar as novas situações e sujeitos, e junto com ele os organismos e suas legislações internas.

Por fim, asseveramos que não caberia a nós estabelecer uma conclusão simplista de que a guerra é ilegítima e antiética; isto já está evidente. Procuramos, através dessa breve análise, que em curto prazo o poder continuará a decidir quais pretensões irão prevalecer. Mas, os esforços da comunidade internacional em procurar soluções legais, políticas e diplomáticas para os litígios, apontam para uma evolução futura no Direito Internacional. Provavelmente existirão áreas nas quais o desenvolvimento será extremamente lento, e continuarão acontecendo casos de desrespeito à lei, mas de qualquer forma, as expectativas são de uma evolução significativa no futuro.


Autores


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA JÚNIOR, Fernando Ferreira de; LINS, Gisele Lennon de Albuquerque Lima e Figueiredo. O Direito Internacional e a atual crise do Iraque. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 64, 1 abr. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3959. Acesso em: 27 abr. 2024.