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Política nacional de recursos hídricos e sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos

Política nacional de recursos hídricos e sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos

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Sumário:1. Introdução; 2. Fundamentos da PNRH; 3. Objetivos e diretrizes da PNRH; 4.Instrumentos da PNRH; 5.Infrações e penalidades da PNRH; 6.Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos; 7 Agência Nacional de Águas. 8. Conclusões


1.INTRODUÇÃO

            A Lei 9.433, de 08 de janeiro de 1997, instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos - PNRH e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos – SNGRH. Nas palavras de FREITAS (2000, p.66): "a Lei 9.433, configura um marco que reflete uma profunda mudança valorativa no que se refere aos usos múltiplos da água, às prioridades desses usos, ao seu valor econômico, à sua finitude e à participação popular na sua gestão".

            Antes da edição da referida lei, outras normas legislaram sobre os recursos hídricos, ou seja: Código Civil de 1916, Código de Águas, constituições brasileiras, resoluções do CONAMA. Importante salientar que, o Código de Águas, editado em 1934, através do Decreto 24.643, foi o primeiro diploma legal que criou instrumentos destinados à gestão dos recursos hídricos. Todavia, os dispositivos legais não foram regulamentados e conseqüentemente os instrumentos não foram implementados.

            A exemplo do Código de Águas a maioria das normas hídricas vigentes restaram inócuas, principalmente porque a estrutura institucional hídrica quando não inexistente, mostrava-se ineficaz. Razão pela qual, durante décadas os recursos hídricos foram utilizados insustentavelmente, ou melhor, sem qualquer planejamento. Tal fato, deu-se principalmente, a partir da década de 50, época que, o Brasil buscava seu desenvolvimento, através da industrialização "a qualquer custo".

            Deste modo, os litígios envolvendo a qualidade e quantidade dos recursos hídricos não tardaram aparecer. Foi então que, lentamente, deu-se início a elaboração das políticas estaduais e nacional de recursos hídricos, bem como do sistema nacional de gerenciamento dos recursos hídricos.

            Foram realizadas várias tentativas visando a formulação de uma política nacional de recursos hídricos e de um modelo mais adequado de gestão da água, quais sejam: Seminário Internacional sobre a Gestão de Recursos Hídricos, realizado em Brasília, em março de 1983 (GRANZIERA, 2001); a Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara dos Deputados que de setembro de 1983 a outubro de 1984, examinou "a utilização dos recursos hídricos no Brasil" (BOHN, datilografia); os encontros nacionais realizados em 1987, 1989 e 1991 pela Associação Brasileira de Recursos Hídricos – ABRH nas seguintes cidades, respectivamente: Salvador – BA, Foz do Iguaçu - PR e Rio de Janeiro – RJ (SETTI, LIMA, CHAVES, PEREIRA, 2001).

            O Seminário Internacional sobre a Gestão dos Recursos Hídricos, realizado em Brasília, contou com a participação de representantes da França, Inglaterra e Alemanha que apresentaram os sistemas de gestão hídrica dos seus países. Neste encontro foram debatidos diversos temas, tais como: sistema de informações, gestão integrada de bacias hidrográficas, o princípio poluidor-pagador e cobrança pelo uso da água. Este evento é considerado um dos grandes marcos da modernização do sistema brasileiro de recursos hídricos, posto que provocou a evolução das ações que culminaram nas edições das políticas estaduais e nacional de recursos hídricos, como também a inserção do artigo 21, inciso XIX, na Constituição Federal de 1988 que determina competir à União instituir o sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga (GRANZIERA, 2001; SETTI, LIMA, CHAVES, PEREIRA, 2001; LANNA, 1995).

            O presente artigo tem por escopo elucidar a política nacional de recursos hídricos e o sistema nacional de recursos hídricos, haja vista a relevância do tema e o desconhecimento por grande parte da sociedade brasileira dos instrumentos, objetivos, enfim da estrutura da gestão hídrica brasileira à luz da Lei 9.433/97.

            Foram utilizadas fontes documentais indiretas secundárias, ou seja, livros, revistas, jornais, artigos científicos e vasta documentação oficial (leis, decretos, resoluções).


2. FUNDAMENTOS DA PNRH

            A Política Nacional de Recursos Hídricos, Lei 9.433/97, rege-se pelos seguintes fundamentos, ao teor do artigo 1º:

            I - a água é um bem de domínio público; II - a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico; III - em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais; IV - a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas; V - a bacia hidrográfica é a unidade territorial para a implementação da PNRH e atuação do SNGRH; VI - a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades;

            A CF/88 já havia classificado a água e os demais recursos naturais existentes no território nacional, como BENS DE USO COMUM DO POVO, posto que, essenciais à sadia qualidade de vida. FIORILLO (apud FREITAS, 2000) esclarece que, o bem de uso comum do povo é o bem que pode ser desfrutado por toda e qualquer pessoa dentro dos limites constitucionais. Para PETRELLA (2002, p. 87) "o acesso básico à água deve ser considerado um direito fundamental político, econômico e social para indivíduos e coletividades, já que a segurança biológica, econômica e social de todos os seres humanos e de todas as comunidades humanas depende do gozo desse direito".

            Importante salientar que, desde a promulgação da CF/88 inexiste no Brasil a propriedade privada de recursos naturais. Neste sentido, a Lei 9.433/97, não só ratificou o dispositivo constitucional como estabeleceu a publicização das águas como um dos seus fundamentos, ao teor do artigo 1º, I, retrocitado.

            MACHADO (2002, p.25) esclarece que:

            o domínio público da água não transforma o Poder Público Federal e Estadual em proprietário da água, mas o torna gestor desse bem, no interesse de todos. O ente público não é proprietário, senão no sentido formal ( tem poder de autotutela do bem), na substância é um simples gestor do bem de uso coletivo.

            MACHADO (2002, p. 25) ainda arrola algumas conseqüências ante a aplicabilidade do fundamento de que a água é um bem de uso comum do povo, quais sejam:

            o uso da água não pode ser apropriado por uma só pessoa, física ou jurídica, com exclusão absoluta dos outros usuários em potencial; o uso da água não pode significar a poluição ou agressão desse bem; o uso da não pode esgotar o próprio bem utilizado;e a concessão ou a autorização (ou qualquer tipo de outorga) do uso da água deve ser motivada ou fundamentada pelo gestor público.

            Embora seja um recurso natural renovável, a ÁGUA É UM RECURSO FINITO, posto que não atenderá perpetuamente a ilimitada e crescente necessidade humana. Ou seja, sua renovação cíclica não acompanha a crescente utilização da água pelo ser humano.

            O Brasil possui aproximadamente 12% da água doce disponível, em nível mundial e 53% da água doce do continente Sul Americano. Mesmo assim, apresenta sérios problemas de baixa disponibilidade de água em alguns estados, quais sejam: Pernambuco, D. Federal, Paraíba, Sergipe, Alagoas e Rio Grande do Norte. O quadro apresentado por estes estados não configura "estresse hídrico" que ocorre quando a disponibilidade de água por habitante ao ano é inferior a 1.000 e superior a 500 m3/habitante/ano ou escassez de água que ocorre quando a disponibilidade habitante ano é inferior a 500 m3/habitante/ano.

            Tendo em vista a escassez em nível mundial a água tornou-se RECURSO NATURAL DOTADO DE VALOR ECONÔMICO, portanto, passível de cobrança. A valorização econômica da água deve levar em conta o preço da conservação, da recuperação e da melhor distribuição desse bem. A cobrança objetiva reconhecer a água como um bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu real valor, conforme dispõe o artigo 19, I, da Lei 9.433/97.

            Embora a utilização da água seja objeto de cobrança, a Lei, isenta de pagamento determinados usuários, ou seja: pequenos núcleos rurais, derivações, captações e acumulações de água e ainda lançamento de efluentes considerados insignificantes, de acordo com o artigo 12, § 1º. A utilização de água para satisfazer as necessidades básicas da vida, ou melhor, dessedentação, higiene e cozimento dos alimentos também é isenta de pagamento, desde que, a pessoa vá abastecer-se diretamente à fonte (MACHADO, 2002).

            A água é essencial ao ser humano e a toda atividade antrópica quer seja comercial, industrial, agrícola, recreativa, esportiva. Em decorrência, um dos pilares da PNRH é a GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS VISANDO OS USOS MÚLTIPLOS, ou seja, uso urbano, industrial, geração de energia elétrica, navegação, lazer e irrigação. Ao contrário da PNRH, o Código de Águas conferia prioridade à produção energética em detrimento dos demais usos.

            É imprescindível que a gestão viabilize os usos múltiplos, haja vista, a complexa e infinita cadeia de usuários e necessidades. Da mesma forma é imprescindível que a gestão tenha por fundamento a sustentabilidade, para assegurar `a atual e futuras gerações, a necessária disponibilidade de água.

            Assim sendo, o Poder Público responsável pela concessão de outorgas está proibido de conceder outorgas que favoreçam um uso em detrimento dos demais. Pois as outorgas concedidas em oposição ao interesse público estão sujeitas à anulação ou administrativa, pois ofendem o princípio da gestão visando os usos múltiplos adotado pela PNRH.

            Em casos de escassez, o CONSUMO HUMANO E A DESSEDENTAÇÃO DE ANIMAIS DEVEM SER PRIORIZADOS. Entende-se por consumo humano a satisfação das primeiras necessidades da vida, tais como: água para beber (dessedentação), preparo de alimentos e higienização. Presente a escassez, cumpre ao órgão público responsável pela outorga dos direitos de uso da água, suspender parcial ou totalmente as outorgas que prejudiquem o consumo humano e a dessedentação de animais, de acordo com o artigo15, V, da Lei 9.433/97.

            O Brasil seguiu a tendência mundial adotando a BACIA HIDROGRÁFICA COMO UNIDADE DE PLANEJAMENTO E IMPLANTAÇÃO DA PNRH. Assim sendo a gestão terá como âmbito territorial a bacia hidrográfica e não as fronteiras administrativas e políticas dos entes federados. Entende-se por bacia hidrográfica "uma área com um único exutório comum para o escoamento de suas águas" (Glossário de Termos Hidrológicos, in GRANZIEIRA, 2001,p. 37). Hodiernamente, a maioria das políticas públicas ambientais adota a bacia hidrográfica como unidade territorial de planejamento e implantação.

            Para o sucesso de uma política hídrica ou de qualquer política ambiental é imprescindível a participação popular. Assim sendo, a PNRH adotou como um de seus fundamentos a GESTÃO DESCENTRALIZADA E PARTICIPATIVA.

            A gestão é descentralizada porque realizada em nível de bacia hidrográfica, através dos comitês de bacia, ou seja, a gestão não é realizada em nível estadual ou federal. É participativa, posto que a Lei prevê que a gestão não se realizará somente por órgãos públicos, mas também pelos usuários e organizações civis.

            O artigo 39, da Lei 9.433/97, que disciplina a composição dos comitês prescreve que:

            Os comitês de bacia hidrográfica são compostos por representantes:

            I- da União; II- dos Estados e do Distrito Federal cujos territórios se situem, ainda que parcialmente, em suas respectivas áreas de atuação; III- dos Municípios situados, no todo ou em parte, em sua área de atuação; IV- dos usuários das águas de sua área de atuação; V- das entidades Civis com atuação comprovada na bacia.

            Segundo a Resolução CNRH 05/00, em seu artigo 14 e incisos, os usuários dos recursos hídricos são:

            os setores de abastecimento urbano, inclusive diluição dos efluentes urbanos; indústria, captação e diluição de efluentes industriais; irrigação e uso agropecuário; hidroeletricidade; hidroviário; pesca, turismo, lazer e outros usos não consuntivos.

            Para MACHADO (2001, p. 480) a PNRH, são "usuários os que se enquadram no artigo 12 e incisos, como também os do §1º desse artigo", ou seja:

            Estão sujeitos a outorga pelo Poder Público os direitos dos seguintes usos de recursos hídricos:

            I – derivação ou captação de parcela da água existente em um corpo de água para consumo final, inclusive abastecimento público, ou insumo de processo produtivo;

            II - extração de água de aqüífero subterrâneo para consumo final ou insumo de processo produtivo;

            III - lançamento em corpo de água de esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos, tratados ou não, com o fim de sua diluição, transporte ou disposição final;

            IV – aproveitamento dos potenciais hidrelétricos;

            V - outros usos que alterem o regime, a quantidade ou a qualidade da água existente em um corpo de água;

            § 1º - Independem de outorga pelo poder Público, conforme definido em regulamento:

            I – o uso de recursos hídricos para a satisfação das necessidades de pequenos núcleos populacionais, distribuídos no meio rural;

            II – as derivações, captações e lançamentos considerados insignificates;

            III – as acumulações de volumes de água consideradas insignificantes;

            Constituem organizações civis para os efeitos da lei 9.433/97, ao teor do artigo 47:

            I- consórcios e associações intermunicipais de bacias hidrográficas; II- associações regionais, locais ou setoriais de usuários de recursos hídricos; III- organizações técnicas e de ensino e pesquisa com interesse na área de recursos hídricos; IV- organizações não-governamentais com objetivos de defesa de interesses difusos e coletivos da sociedade; V-outras organizações reconhecidas pelo Conselho Nacional ou pelos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos.

            A Lei 9.433/97, estabelece que, o número dos representantes de cada um dos setores supramencionados, bem como os critérios para sua indicação serão estabelecidos nos regimentos dos respectivos comitês. A Resolução CNRH 05/00, que disciplina a formação e funcionamento dos comitês, leciona em seu artigo 8º e incisos que:

            Deverá constar nos regimentos dos Comitês de Bacia Hidrográfica, o seguinte:

            I – número de votos dos representantes dos poderes executivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, obedecido o limite de quarenta por cento do total de votos;

            II – número de representantes de entidades civis, proporcional à população residente no território de cada Estado e do Distrito Federal, com pelo menos, vinte por cento do total de votos;

            III – número de representantes dos usuários dos recursos hídricos, cujos usos dependem de outorga, obedecido quarenta por cento do total de votos;

            Ou seja, os comitês serão formados por 40% de representantes da União, Estados e Distrito Federal e Municípios; 20% de representantes das entidades civis e 40% de representantes dos usuários.

            Os comitês são órgãos colegiados com atribuições normativas, deliberativas e consultivas a serem exercidas na bacia hidrográfica de sua jurisdição. As principais atribuições dos comitês, conforme o artigo 37, da Lei 9.433/97, e artigo 7º, da Resolução CNRH 05/00, são:

            promover o debate das questões relacionadas a recursos hídricos e articular a atuação da entidades intervenientes; arbitrar em primeira instância os conflitos relacionados aos recursos hídricos, aprovar e acompanhar a execução do plano de recursos hídricos da bacia, estabelecer mecanismos de cobrança e sugerir os valores a serem cobrados, dentre outras.

            O termo jurisdição significa área de atuação e segundo a Lei 9.433/97, em seu artigo 37, e artigo 1º, §1º, da Resolução CNRH 05/00, pode ser:

            I) a totalidade de uma bacia hidrográfica; II) uma sub-bacia hidrográfica formada por um afluente do rio principal ou por um afluente de um afluente do rio principal ou ainda, por um grupo de bacias ou sub-bacias hidrográficas contíguas.

            Os comitês de bacia não têm personalidade jurídica. DINIZ (1995, p.85) ministra que "personalidade jurídica é a aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações", ou seja, os comitês não podem adquirir direitos e contrair obrigações. Assim sendo, as legislações hídricas criaram a figura das Agências de Água ou também denominadas de Agências de Bacia.

            Compete aos comitês a tarefa normativa – legislativa, enquanto que as agências de águas exercem a função executiva que consiste em executar a cobrança pelo uso dos recursos hídricos e fornecer apoio técnico, financeiro e administrativo. De acordo com a Lei 9.433/97, artigo 44, suas principais atribuições são:

            manter o balanço atualizado da disponibilidade hídrica e do cadastro de usuários, efetuar a cobrança pelo uso dos recursos hídricos, analisar e emitir pareceres sobre os projetos e obras a serem financiados com recursos gerados pela cobrança pelo uso de Recursos Hídricos e encaminhá-los à instituição financeira responsável pela administração destes recursos, acompanhar a administração financeira dos recursos arrecadados, elaborar o plano de recursos hídricos e a proposta orçamentária submetendo-os a apreciação do comitê, propor o enquadramento dos corpos de água nas classes de uso.

            A Lei 9.433/97, condicionou a existência das Agências de Água a dois fatores, quais sejam: I) existência prévia de um comitê; II) viabilidade financeira assegurada pela cobrança. Não obstante, nada menciona sobre o procedimento de criação das agências, dispondo somente que, no prazo de 120 dias, após a vigência da PNRH, o Poder Executivo encaminhará ao Congresso Nacional projeto de lei dispondo sobre a referida criação, ao teor do artigo 53, PNRH. O referido projeto encontra-se tramitando pelo Congresso Nacional.

            A inexistência no sistema normativo brasileiro, de norma que estabeleça o procedimento de criação das agências de água, não foi óbice para que o Comitê do Itajaí, criasse sua Agência de Água. Mas para tanto, realizou uma necessitou uma parceria com a German Water (organização alemã que congrega 72 empresas e associações alemães atuantes no gerenciamento hídrico) e através desta, obteve a cooperação da Agência das Bacias do rio Lippe e do rio Emscher, através do consultor BERT BOSSELER. Assim sendo, em 31/10/2001, foi criada a primeira e única agência de água do Brasil, até o presente momento.


3. OBJETIVOS E DIRETRIZES DA PNRH

            A PNRH tem por objetivo promover a utilização sustentável dos recursos hídricos e a prevenção contra os eventos hidrológicos nocivos, assim dispondo:

            Artigo 2º - São objetivos da PNRH:

            I - assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos; II- a utilização racional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o transporte aquaviário, com vistas ao desenvolvimento sustentável; III- a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem natural ou decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais.

            Almejando a SUSTENTABILIDADE HÍDRICA, a referida Lei, ao teor do artigo 2º, incisos I e II, tornou imprescindível a obtenção de outorga. A outorga somente será concedida pelo poder público aos usuários se a utilização almejada for compatível com o plano da bacia hidrográfica. Portanto, a outorga é um importante instrumento de planejamento, monitoramento e fiscalização dos recursos hídricos.

            Outro objetivo da PNRH é a PREVENÇÃO E DEFESA CONTRA OS EVENTOS HIDROLÓGICOS NOCIVOS, tais como: inundações, enchentes e desmoronamentos. Grande parte destes eventos são previsíveis e evitáveis, pois são decorrentes da ação humana: ocupação desordenada do solo, poluição e devastação da mata ciliar.

            A PNRH em seu artigo 3º, traça as diretrizes gerais de ação da gestão hídrica que têm por finalidade INTEGRAR E ARTICULAR A GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS COM A GESTÃO DOS DEMAIS RECURSOS NATURAIS E DO MEIO AMBIENTE.

            Em linhas gerais, as diretrizes estabelecem que a gestão hídrica deve estar integrada e articulada com a gestão ambiental, gestão do uso do solo, gestão dos sistemas estuarinos e zonas costeiras e também com os planejamentos estadual, regional, nacional e dos setores usuários. Estabelecendo ainda, que a gestão hídrica deve ser realizada sem dissociação dos aspectos quantitativos e qualitativos, haja vista que o uso dos recursos hídricos afeta ambos os padrões.


4.INSTRUMENTOS DA PNRH

            Os instrumentos das PNRH, ao teor do artigo 5º, da Lei 9.433/97, são : os planos de recursos hídricos (planos de bacia hidrográfica, planos estaduais de recursos hídricos e o plano nacional de recursos hídricos), o enquadramento dos corpos de água em classes segundo os usos preponderantes, a outorga dos direitos de uso dos recursos hídricos, a cobrança pelo uso dos recursos hídricos e o sistema de informações sobre recursos hídricos.

            O primeiro instrumento é o PLANO DE RECURSOS HÍDRICOS e segundo a Lei 9.433/97, em seu artigo 6º, "os planos de recursos hídricos são planos diretores que visam fundamentar e orientar a implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e o gerenciamento dos recursos hídricos".

            Os planos têm por função orientar, articular, controlar e racionalizar a utilização dos recursos hídricos. Assim sendo, também podemos defini-los como, instrumentos preventivos e conciliadores dos conflitos entre os setores usuários e usuários.

            A confecção do plano é atribuição da agência de água e sua aprovação compete ao comitê de bacia. É de louvável valor que antes dos planos serem apreciados e submetidos a votação pelos Comitês de bacia, os mesmos fossem amplamente publicados para que a comunidade pudesse tomar ciência de seu conteúdo e manifestar suas intenções e assim, de uma forma indireta estaria comprometendo-se com o seu cumprimento. Poder-se-ia publicar os planos na imprensa local: jornais, folhetins, informes municipais ou ainda, através da realização de audiências públicas. O ideal é que assim funcionasse e se isto ocorresse poderíamos dizer que os planos seriam resultado de um acordo social representando o desejo da população, dos usuários e do poder público acerca do futuro das águas e do meio ambiente.

            O artigo 7º, da Lei 9.433/97, dispõe sobre o conteúdo mínimo dos planos. Importante ressaltar que, o conteúdo dos planos é de ordem pública e assim sendo este "conteúdo" é indispensável. Destarte, todos os planos de recursos hídricos deverão obrigatoriamente conter o prescrito nos incisos que seguem:

            Os planos de recursos hídricos são planos de longo prazo, com horizonte de planejamento compatível com o período de implantação de seus programas e projetos e terão o seguinte conteúdo mínimo: I – diagnóstico da situação atual dos recursos hídricos; II - análise de alternativas de crescimento demográfico, de evolução das atividades produtivas e de modificações dos padrões de ocupação do solo; III - balanço entre disponibilidades e demandas futuras dos recursos hídricos, em quantidade e qualidade, com identificação de conflitos potenciais; IV – metas de racionalização de uso, aumento da quantidade e melhoria da qualidade dos recursos hídricos disponíveis; V - medidas a serem tomadas, programas a serem desenvolvidos e projetos a serem implantados, para o atendimento das metas previstas; VI - vetado ;VII – vetado; VIII - prioridade para a outorga de direitos de uso de recursos hídricos; IX – diretrizes e critérios para a cobrança pelo uso dos recursos hídricos; X –propostas para à criação de áreas sujeitas a restrição de uso, com vistas à proteção dos recursos hídricos;

            Os planos de recursos hídricos serão elaborados por bacia, por estado e para o país. No entanto, é fundamental o plano de bacia, haja vista que a partir deste será elaborado o estadual, e da articulação dos planos estaduais será criado o plano nacional.

            O Plano Estadual não irá planejar somente para os limites políticos do Estado, mas para a realidade de todas as suas bacias e sub-bacias hidrográficas, levando em conta suas relações hídricas com outros estados brasileiros e até com os países vizinhos, se for o caso. Deste plano caminha-se para o Plano Nacional de Recursos Hídricos. Este, além das necessidades hídricas nacionais das presentes e futuras gerações, irá ponderar os dados e as necessidades transnacionais, em relação aos rios transfronteiriços.

            MACHADO (2002, p.46) declara que:

            haverá inicialmente, dificuldades para a implementação dessa metodologia descentralizadora, porque temos um passado de centralização e de hegemonia de determinados pólos regionais. Contudo, a partir do gerenciamento por bacia hidrográfica, sem isolacionismos, do ponto de vista nacional e da comunidade do MERCOSUL e da comunidade Amazônica, vantagens ambientais, na perspectiva do desenvolvimento sustentável, hão de ser alcançadas".

            O próximo instrumento a ser analisado é o ENQUADRAMENTO DOS CORPOS DE ÁGUA EM CLASSES SEGUNDO OS USOS PREPONDERANTES que tem como norma disciplinadora a Resolução CNRH 12/2000. Esta resolução em seu artigo 1º, inciso I, define enquadramento como "o estabelecimento do nível de qualidade(classe) a ser alcançado e/ou mantido em um dado segmento do corpo de água ao longo do tempo". Ou seja, enquadrar um corpo d’água não significa identificar sua classe atual e sim propor que, o corpo adquira ou mantenha um nível de qualidade (classe) em determinado período, de acordo com os usos a que se destina.

            Os objetivos principais do enquadramento são: "assegurar a qualidade da água compatível com os usos mais exigentes a que se destinam e diminuir os custos do combate à poluição mediante adoção de ações preventivas permanentes", de acordo com o artigo 9º, da Lei 9.433/97.

            O procedimento para a realização do enquadramento deverá seguir 4 etapas, conforme estabelece a Resolução CNRH 12/2000, em seu artigo 4º, quais sejam:

            1ª - diagnóstico do uso e da ocupação do solo e dos recursos hídricos na bacia hidrográfica; 2ª - prognóstico do uso e da ocupação do solo e dos recursos hídricos na bacia hidrográfica; 3ª - elaboração da proposta de enquadramento; e 4ª - aprovação da proposta de enquadramento e respectivos atos jurídicos;

            A classes de uso das águas brasileiras está disciplinado pela Resolução do CONAMA 20, de 18/06/1986, que dispõe sobre a classificação e enquadramento das águas. De acordo com a referida resolução classificar é "estabelecer níveis de qualidade para a água e fixar os usos compatíveis com tais níveis" e enquadrar é "estabelecer o nível de qualidade apresentado por um segmento de corpo d’água ao longo do tempo".

            Assim sendo, a água pertencerá a determinada classe conforme o uso a que for destinada. Já, o enquadramento, baseia-se não no seu estado atual, mas no nível de qualidade que a água deveria apresentar para atender às necessidades a que é destinada. A finalidade destes institutos é assegurar a qualidade das águas compatível com os usos a que forem destinadas.

            A Resolução do CONAMA 20/86 e também a Resolução CNRH 12, classificam as águas doces, salobras e salinas em nove classes, de acordo com os usos preponderantes. As águas doces estão classificadas nas classes: especial, 1, 2, 3 e 4. As águas salinas pertencem às classes 5 e 6 e as salobras às classes 7 e 8.

            O artigo 2º, alínea "e", da Resolução CONAMA 20/86 lembra que a diferença entre as águas doces, salobras e salinas é o índice de salinidade apresentado, ou seja, "as águas doces são as que apresentam salinidade igual ou menor que 0,5%, as salobras variam de 0,5 % a 30% e nas salinas o índice é superior a 30%". Para melhor compreensão analise o quadro abaixo.

            Classes de uso preponderante das águas brasileiras, de acordo com a Resolução CONAMA 20/86

USOS PREPONDERANTES

TIPO DE ÁGUA

doces

salina

salobra

E

1

2

3

4

5

6

7

8

ABASTECIMENTO DOMÉSTICO

sem prévia ou com simples desinfecção

               

após tratamento simplificado

               

após tratamento convencional

             

PRESERVAÇÃO DO EQUILÍBRIO NATURAL DAS COMUNIDADES AQUÁTICAS

               

PROTEÇÃO ÁS COMUNIDADES AQUÁTICAS

         

HARMONIA PAISAGÍSTICA

           

RECREAÇÃO

de contato primário (natação mergulho)

         

de contato secundário

             

IRRIGAÇÃO

de hortaliças que são consumidas cruas e de frutas que se desenvolvem rentes ao solo e que sejam ingerid

2.2as cruas sem remoção de oelículas

               

de hortaliças e plantas frutíferas

de culturas arbóreas, cerealíferas e forrageiras

               

CRIAÇÃO NATURAL E/OU INTENSIVA (AQUICULTURA) DE ESPÉCIES DESTINADA À ALIMENTAÇÃO HUMANA

         

NAVEGAÇÃO

                 

Comercial

             

USOS MENOS EXIGENTES

               

            Fonte: LANNA (1995, p.130)

            A competência para propor o enquadramento aos comitês de bacia é das agências de água. Após a aprovação dos comitês, estes encaminharão a proposta para referendum do Conselho Estadual ou Federal de recursos hídricos, conforme o domínio do respectivo curso ou corpo d’água.

            Bom lembrar que, são rios de domínio da União, segundo o artigo 20, I e II, da CF/88:

            os lagos, rios, quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou deles provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais.

            Aos estados, pertencem as águas que não pertencerem à União por exclusão além das "as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União" conforme prescreve o artigo 26, I, da CF/88 (GRANZIEIRA, 2001).

            Aos referidos conselhos compete concordar com a atual classificação das águas ou com as proposições de novos níveis de qualidade a serem alcançados. Portanto, não lhes compete discordar do enquadramento proposto ou efetuar uma nova classificação (GRANZIEIRA, 2001; MACHADO, 2002).

            As alternativas de enquadramento e de seus benefícios sócio-econômicos e ambientais, bem como, os custos e prazos, além de serem divulgados amplamente, serão apresentados em audiências públicas, conforme dispõe o artigo 8º, § 2º, da Resolução CNRH 12/2000.

            Após, a aprovação e adoção do enquadramento, compete aos órgãos públicos gestores dos recursos hídricos fiscalizar, monitorar e controlar os corpos d’água para verificar se as metas estão sendo cumpridas. A cada dois anos estes órgãos deverão encaminhar aos Conselhos Estadual ou Federal relatórios indicando os corpos que ainda não atingiram as metas estabelecidas, com as respectivas justificativas. Caberá então a estes conselhos determinar as providências e intervenções a fim de que as metas sejam satisfeitas.

            O terceiro instrumento a ser analisado é a OUTORGA DE DIREITOS DO USO DA ÁGUA que tem como objetivo assegurar o controle quantitativo e qualitativo dos usos da água e garantir o direito de acesso à água, conforme dispõe o artigo 11, da Lei 9.433/97.

            A outorga é o ato administrativo pelo qual a autoridade outorgante concede ao outorgado o direito de uso dos recursos hídricos, por prazo determinado e de acordo com os termos e condições preestabelecidas. Assim sendo, a outorga não representa alienação (venda) das águas, posto que são inalienáveis.

            Segundo KELMAM ( apud MACHADO, 2001, p.439) a outorga visa:

            dar garantia quanto `a disponibilidade de água, assumida como insumo básico de processo produtivo. Salienta também que a outorga tem valor econômico para quem a recebe, na medida em que oferece garantia de acesso a um bem escasso.

            Para GRANZIEIRA (2001, p. 181):

            à medida que, o recurso hídrico deixa de ser entendido como um bem infinito, e passa a ser considerado escasso e de valor econômico, o controle sob seu uso assume contornos de garantia de sobrevivência. E é justamente neste quadro que vislumbro, hoje, a outorga de direito de uso da água, assim como os demais instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos.

            Considerando que, a gestão hídrica deve proporcionar os usos múltiplos e que a disponibilidade de água é insuficiente para atender a demanda, torna-se imprescindível a adoção da outorga. Esta constitui-se num eficiente instrumento de controle, fiscalização e também de promoção da sustentabilidade das águas. Segundo as diretrizes que fundamentam a outorga, somente a obterão os usos que estiverem de acordo com as prioridades estabelecidas nos planos de uso de recursos hídricos que por sua vez foram elaborados com a participação popular.

            De acordo com o artigo 12, da Lei 9.433/97 estão sujeitos à outorga os seguintes usos:

            I – derivação e captação de parcela da água existente em um corpo de água para consumo final, inclusive abastecimento público, ou insumo de processo produtivo; II - extração de água de aqüífero subterrâneo para consumo final ou insumo de processo produtivo; III - lançamento em corpo de água de esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos, tratados ou não, com o fim de sua diluição, transporte ou disposição final; IV - aproveitamento de potenciais hidrelétricos; V – outros usos que alterem o regime, a quantidade e qualidade das água existente em um corpo de água.

            Conforme visto, estão sujeitos à outorga não somente os usos decorrentes da extração e derivação da água, mas também os decorrentes da utilização dos cursos e corpos d’água como assimiladores de efluentes. A citada lei, em seu artigo 12, §1º, também enumera os usos que não dependem de outorga, quais sejam: os que se destinam ao abastecimento de pequenos núcleos rurais, as derivações, captações e acumulações de água, como também os lançamentos de efluentes considerados insignificantes.

            A Lei 9.984/00, em seus artigos 6º e 7º, criou a outorga preventiva que tem a finalidade de declarar a disponibilidade de água para os usos requeridos, ou seja, reservar determinada vazão e assim estabelecer uma relação preferencial, ante os que não a obtiveram. Importante consignar que, a outorga preventiva não confere o direito de uso ao tempo da concessão, como também não assegura a concessão da outorga de direito de uso. O requerente tem o prazo máximo de até 3 anos para utilizar da outorga preventiva recebida, conforme dispõe o artigo 6º, §2º, da Lei 9.984/00.

            Importante salientar que, a outorga é um ato administrativo precário, ou seja, pode ser suspensa total ou parcialmente, em definitivo ou por prazo determinado, nas situações mencionadas na legislação, tais como: em casos de calamidade pública, para reversão e prevenção de danos ambientais ou ainda, em caso de não cumprimento dos termos da outorga. A suspensão da outorga não gera direito à indenização aos outorgados e seu prazo máximo de concessão de outorga é de 35 anos, porém passível de renovação.

            Antes do órgão público responsável conceder a outorga deverá averiguar se foi ou não exigido o estudo de impacto ambiental. Se o estudo não foi exigido, mas é exigível a outorga não deverá ser concedida até que o mesmo seja realizado (MACHADO, 2002).

            Outro instrumento a ser analisado, talvez o mais importante, é a COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA. Primeiramente, é necessário deixar claro que a cobrança não é uma tarifa, imposto ou taxa, é definida como um preço público, ou seja, é uma retribuição que o usuário faz à sociedade por utilizar privativamente um bem que é de uso comum (GRANZIEIRA, 2001). Atualmente, são pagos os serviços de tratamento e captação da água e não a utilização do bem ambiental, água.

            A cobrança pelo uso da água, bem como dos demais recursos naturais é a forma adotada para internalização dos custos da proteção do meio ambiente, levando-se em consideração que, em princípio o poluidor deverá assumir o custo da sua poluição, tendo em vista o interesse público. Caso contrário, teremos a internalização dos lucros e externalização dos custos, usual na sociedade contemporânea.

            Segundo o artigo 19, da PNRH, a cobrança objetiva:

            I - reconhecer a água como um bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu real valor; II- incentivar a racionalização do uso da água; III- obter recursos financeiros para o financiamento dos programas e intervenções contemplados nos planos de recursos hídricos.

            Para a cobrança são imprescindíveis dois requisitos, quais sejam: outorga e a utilização da água. Deste modo, todos os usos passíveis de outorga são conseqüentemente passíveis de cobrança. A cobrança será realizada pelas agências de água que são os órgãos executivos das bacias hidrográficas, conforme já mencionado.

            Estabelece o artigo 21, da Lei 9.433/97 que, na fixação dos valores a serem cobrados pelo uso dos recursos hídricos devem ser observados, dentre outros:

            I- nas derivações, captações e extrações de água, o volume retirado e seu regime de variação;II- nos lançamentos de esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos, o volume lançado e seu regime de variação e as características físico-químicas, biológicas e de toxidade do afluente.

            Os valores arrecadados com a cobrança serão aplicados prioritariamente na bacia hidrográfica onde foram gerados e segundo a lei serão utilizados no financiamento de estudos, programas e obras previstas nos planos de bacia. Importante relembrar que, a cobrança vem prevista pela legislação brasileira, desde a década de 30, com o Código de Águas, mas somente a partir da vigência das atuais políticas estaduais e nacional é que a mesma é alvo de ações concretas visando sua implementação.

            O Estado do Ceará foi o primeiro estado brasileiro a realizar a cobrança pelo uso dos recursos hídricos, fê-lo no final de 1988. A cobrança realizada por este estado, restringe-se a Região Metropolitana de Fortaleza e para os setores de abastecimento público, industrial e irrigação. Os preços praticados são: abastecimento público = R$ 0.013m3; abastecimento industrial = R$ 0.67m3; irrigação no canal do trabalhador = R$0.02m3 ; irrigação no rio Acarape = R$ 0.004 m3 (COBAS, 2002, p. 4).

            O Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul/SP/RJ/MG - CEIVAP, foi o segundo comitê brasileiro a efetuar a cobrança pela utilização dos recursos hídricos, sendo porém o primeiro comitê de uma bacia de domínio da União. Nesta bacia, a cobrança teve início na primeira quinzena de março, de 2002, sendo que inicialmente será cobrado o lançamento e a captação de efluentes (PELAS ÁGUAS DO PARAÍBA, 2001).

            O último instrumento da PNRH é o SISTEMA DE INFORMAÇÕES SOBRE RECURSOS HÍDRICOS. A Lei 9.433/97, conceitua-o em seu artigo 25, como "um sistema de coleta, tratamento, armazenamento e recuperação de informações sobre os recursos hídricos e fatores intervenientes em sua gestão". MACHADO (2001, p.461) declara que "a lei agiu bem ao abordar o tema, pois sem informação não se implementará uma Política de Recursos Hídricos respeitadora do interesse coletivo".

            O Sistema de Informações, segundo o artigo 27, da Lei 9.433/97, objetiva:

            I - reunir, dar consistência e divulgar informações sobre a qualidade e a quantidade dos recursos hídricos; II - atualizar permanentemente as informações sobre demanda e disponibilidade de águas em todo território nacional; III - fornecer subsídios para a elaboração dos Planos de Recursos Hídricos.

            Seus princípios norteadores são: descentralização na obtenção e produção de dados e informações; coordenação unificada do sistema e garantia de acesso às informações para toda a sociedade. Assim sendo, não existem e nem existirão informações secretas, posto que todas as informações existentes nos órgãos de recursos hídricos são públicas (MACHADO, 2001).


5.INFRAÇÕES E PENALIDADES DA PNRH

            A Lei 9.433/97, em seu artigo 49, qualifica as condutas consideradas infrações ao uso dos recursos hídricos, quais sejam:

            I - derivar ou utilizar recursos hídricos para qualquer finalidade, sem a respectiva outorga de direito de uso; II - iniciar a implantação ou implantar empreendimento relacionado com a derivação ou a utilização de recursos hídricos, superficiais ou subterrâneos, que implique na alteração no regime, quantidade ou qualidade dos mesmos, sem autorização dos órgãos competentes; III - (vetado); IV – utilizar-se dos recursos hídricos ou executar obras ou serviços relacionados com os mesmos em desacordo com as condições estabelecidas na outorga; V – perfurar poços para extração de água subterrânea ou operá-los sem a devida autorização; VI - fraudar as medições dos volumes de água utilizados ou declarar valores diferentes dos medidos; VII - infringir normas estabelecidas na lei ou em regulamentos administrativos, compreendendo instruções e procedimentos fixados pelos órgãos ou entidades competentes; VIII - obstar ou dificultar a ação fiscalizadora das autoridades competentes no exercício de suas funções;

            As penalidades impostas aos infratores constituem-se em: a)advertência por escrito; b) multa; c)embargo provisório (prazo determinado); d)embargo definitivo (revogação da outorga).

            Além das infrações instituídas pela Lei 9.433/97, a Lei de Crimes Ambientais também criminaliza algumas atividades causadoras de poluição hídrica, tais como: "causar poluição hídrica que torne necessária a interrupção do abastecimento público de água de uma comunidade" (Artigo 54, § 2º); "destruir ou danificar florestas nativas ou plantadas, vegetação fixadora de dunas, protetora de mangues, objeto de especial preservação" (artigo 50), se deste crime "resultar na diminuição das águas naturais, a erosão do solo ou a modificação do regime climático a pena será aumentada em um sexto" (artigo 53, I).


6. SISTEMA NACIONAL DE GERENCIAMENTO DE RECURSOS HÍDRICOS

            O conjunto de órgãos e entidades que atuam na gestão dos recursos no Brasil é chamado de Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos. Esta denominação originou-se na CF/88, em seu artigo 21, inciso XIX, quando delegou à União instituir o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos e definir os critérios de outorga de direito dos recursos hídricos. Ao definir tal competência o texto constitucional teve por objetivo impulsionar à União, os estados, Distrito Federal e municípios articularem-se na gestão das águas. Vislumbra-se que a efetivação desse preceito constitucional deu-se somente com a edição da Lei 9.433, em 08/01/1997,ou seja, quase uma década depois.

            Seus objetivos de acordo com a Lei 9.433/97, artigo 32 são:

            I - coordenar a gestão integrada das águas; II - arbitrar administrativamente os conflitos relacionados com os recursos hídricos; III - implementar a PNRH; IV - planejar, regular e controlar o uso, a preservação e a recuperação dos recursos hídricos; V - promover a cobrança pelo uso dos recursos hídricos.

            De acordo, com o artigo 33, da Lei 9.433/97, compõem o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos: o Conselho Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos; os Conselhos Estaduais e do Distrito Federal de Recursos Hídricos; os Comitês de Bacia Hidrográfica; os órgãos dos poderes públicos federal, estaduais e municipais, cujas competências se relacionem coma gestão de recursos hídricos e ainda as agências de água.

            O Conselho Nacional de Recursos Hídricos tem caráter normativo e deliberativo, fazendo parte do Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal. É a instância mais elevada do Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos e suas competências são:

            I - promover a articulação do planejamento de recursos hídricos com os planejamentos nacional, regionais, estaduais e dos setores usuários; II - arbitrar, em última instância administrativa, os conflitos existentes entre Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos; III -deliberar sobre os projetos de aproveitamento de recursos hídricos, cujas repercussões extrapolem o âmbito dos Estados em que serão implantados; IV - analisar proposta de alteração da legislação pertinente a recursos hídricos e à Política Nacional de Recursos Hídricos; V - estabelecer diretrizes complementares para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos, aplicação de seus instrumentos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos; VI - aprovar propostas de instituição dos Comitês de Bacia Hidrográfica e estabelecer critérios gerais para a elaboração de seus regimentos; VII - deliberar sobre os recursos administrativos que lhe forem interpostos; VIII - aprovar o Plano Nacional de Recursos Hídricos; acompanhar a execução do Plano Nacional de Recursos Hídricos e determinar as providências necessárias ao cumprimento de suas metas; IX - estabelecer critérios gerais para a outorga de direitos de uso de recursos hídricos e para a cobrança por seu uso; X - aprovar o enquadramento dos corpos de água em classes, em consonância com as diretrizes do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA e de acordo com a classificação estabelecida na legislação ambiental.


7. AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS - ANA

            A Agência Nacional de Águas é uma autarquia, com autonomia administrativa e financeira, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, sendo instituída através da Lei 9.984, de 17/07/2000.

            A ANA tem dois grandes campos de atuação. O primeiro decorrente das competências legadas pela Política Nacional de Recursos Hídricos, dentre as quais citam-se: supervisionar, controlar e avaliar as ações e atividades decorrentes do cumprimento da legislação federal hídrica; disciplinar, em caráter normativo, a implementação, operacionalização, controle e a avaliação dos instrumentos da PNRH; o planejamento e a promoção de ações destinadas a prevenir ou minimizar os efeitos de secas e inundações; implementação do Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos; fomentar a pesquisa e a capacitação de recursos humanos para a gestão dos recursos hídricos e ainda, prestação de apoio aos estados na criação de órgãos gestores de recursos hídricos.

            E ainda, a especial missão de cuidar das águas de domínio da União, as quais pertençam rios ou quaisquer correntes de água que banhem mais de um Estado, sirvam de limite com outros países ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham. Neste sentido, incumbe a ANA outorgar o direito de uso da água de domínio da União; arrecadar, distribuir e aplicar receitas auferidas pela cobrança e fiscalizar o uso desses recursos.


8. CONCLUSÕES

            A Lei 9.433/97, dotou o Brasil de instrumentos eficazes para promover a gestão dos recursos hídricos. Incumbe-nos, sociedade brasileira e órgãos estatais, colocá-los em prática. O processo, lento e árduo, já teve início, exemplo é a criação de inúmeros comitês de gerenciamento de bacia hidrográfica e de órgãos federais e estaduais destinados aos gerenciamento hídrico.

            Mas a tarefa não é simples, pois além de aprender a gerir de acordo com o novo modelo "Gestão descentralizada e participativa", indispensável que abandonemos nossa cultura de desperdício e uso insustentável fundada na ultrapassada crença da infinitude deste recurso natural.

            É necessário também vultosos investimentos para despoluir rios e para modernizar os sistemas hidráulicos visando a redução do desperdício e do consumo, entre outros.

            O mais importante é que GOVERNO e SOCIEDADE estejam conscientes da necessidade e primazia da gestão hídrica, posto que essencial para a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos brasileiros, diminuição de doenças, crescimento e desenvolvimento econômico do País.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HENKES, Silviana Lúcia. Política nacional de recursos hídricos e sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 64, 1 abr. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3970. Acesso em: 28 mar. 2024.